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quinta-feira, 28 de março de 2019

A Olímpica metáfora de Laurentino Dias

"No rescaldo da hecatombe que foi a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008) o então Secretário de Estado do Desporto Laurentino Dias (Record, 2008-11-23) cunhou uma metáfora que ficou para história da gestão do desporto nacional. Foi ela:
“Não é o governo nem o COP quem corre, salta e joga. São os atletas”.
Considero e respeito Laurentino Dias mas só posso perceber a metáfora por ele produzida no quadro do ingénuo voluntarismo de um antigo praticante desportivo que ele foi, que o levou a, perante o País, tentar salvar a imagem de uma Missão Olímpica desastrosa que não era da sua responsabilidade nem da do Governo (XVII) a que pertencia. Na realidade, Laurentino Dias nada tinha a ver com o modelo de desenvolvimento do tipo Galinha dos Ovos de Ouro do Programa de Preparação Olímpica assinado entre o Instituto do Desporto de Portugal e o Comité Olímpico de Portugal ao tempo do XVI Governo presidido por Santana Lopes que, diga-se de passagem, já só era de gestão. E, Laurentino Dias até esclareceu: “Quando tomámos posse em Março de 2005, herdámos um contrato entre o COP e o Instituto de Desporto de Portugal e o governo anterior onde está definida a conquista de 5 medalhas e 60 pontos. Como chegaram a essa conclusão, é melhor perguntar ao presidente do COP e ao Instituto do Desporto de Portugal (IDP)”. Recordo que, ao tempo do tal contrato, era presidente do IDP o insigne JM Constantino (sim, o atual presidente do COP) e presidente do Comité Olímpico de Portugal o insigne Vicente Moura. E Laurentino continuou: “Definir objectivos sim, mas acho um disparate contabilizar medalhas. Aliás, nesse mesmo contrato estava um mapa com medalhas para 2012 apresentado em 2004!! Isso não deve fazer-se. Não é o governo nem o COP quem corre, salta e joga. São os atletas”.
Todavia, Laurentino Dias, ao assumir as “dores do parto” da Missão portuguesa aos Jogos Olímpicos de Pequim (2008), acabou por cometer um enorme erro em cima do enorme erro que já era o modelo de desenvolvimento do desporto instituído em 2005 que, assim sem mais nem menos, previa as tais cinco medalhas olímpicas.
Mas, afinal, qual foi o erro de Laurentino Dias?
O erro de Laurentino Dias foi o de, perante a olímpica catástrofe corporativa que foi Pequim (2008), não ter aproveitado para abandonar o incompreensível monumento burocrático expresso no Contrato-programa de desenvolvimento desportivo nº 48/2005 (DR-II SÉRIE Nº 70 de 11 de Abril) que tinha subjacente a ideia darwinista de que se se concentrassem a maioria das verbas das Federações Desportivas na preparação olímpica, à semelhança daquilo que acontecia na República Democrática da Alemanha (RDA) e noutros países de regimes políticos musculados de esquerda e de direita, a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos seria coroada com uma chuva de medalhas. Pelo contrário, Laurentino Dias, presumo eu, estribado na ilusão de que os Centros de Alto Rendimento podiam salvar a situação, em vez de aproveitar para mudar radicalmente o rumo ao desporto nacional, acabou por deixar prosseguir o modelo existente durante mais um Ciclo Olímpico, o de Londres (2012). Mas como não era o governo ou o COP que corriam, lançavam ou jogavam, o desenvolvimento do desporto nacional, para além de alguns resultados extraordinários da exclusiva responsabilidade dos atletas, das suas famílias, dos seus treinadores e dos seus clubes, acabou por decorrer sem objectivos, sem honra e sem glória, durante mais quatro anos. E, em Londres (2012), para além da canoagem, salvou-se a liderança da Missão Olímpica o que já não foi nada mau na medida em que, em Pequim (2008), nem isso.
E, assim, a metáfora legada por Laurentino Dias acabou por se revelar profundamente negativa para uma cultura de responsabilização dos dirigentes do vértice estratégico público e privado do desporto nacional. Porque, se não são os dirigentes políticos e desportivos que correm, saltam e jogam, todavia, Laurentino Dias devia, também, ter dito que, do ponto de vista político-administrativo, são eles os responsáveis pela concepção do modelo de desenvolvimento, pelo planeamento, pela organização, pela implementação e pelo controlo de todo o processo pelo que, digo eu, devem ser eles a responder (de A a Z) pelos resultados finais dos Jogos Olímpicos. Até porque os atletas só correm, só lançam e só jogam.
Contudo, é necessário considerar que a metáfora de Laurentino Dias vem na lógica da cultura de desresponsabilização pelos resultados desportivos do dirigismo desportivo nacional. Por exemplo, no nosso nacional olimpismo, o único presidente do COP que respondeu pelos maus resultados nos Jogos Olímpicos foi José Pontes que, depois de Melbourne / Estocolmo (1956), através de um movimento das Federações Desportivas desencadeado por Nobre Guedes que lhe sucedeu, foi obrigado a abandonar a presidência do COP. Por isso, relativamente ao que hoje se está a passar no desporto nacional, é mais do que oportuno parafrasear Gilbert Heebner: Embora a história não se repita com exatidão, o futuro também não surge por acaso.
E como o futuro não surge por acaso, a metáfora de Laurentino Dias, apesar de ter sido proferida numa situação muito especial fez escola. E, infelizmente, fez escola de má pedagogia política na medida em que criou uma zona de conforto para os dirigentes desportivos porque, como não são eles que correm, saltam ou jogam, acabam por considerar não serem responsáveis pelos resultados desportivos separando-os, como se isso fosse possível, da gestão político-administrativa das organizações que chefiam.
Em consequência, numa entrevista conduzida pelo jornalista António Simões (A Bola, 2014-03-22) ao presidente do COP JM Constantino (sim aquele que, em 2005, na qualidade de presidente do IDP, assinou o contrato programa de preparação olímpica com o COP onde se previam cinco medalhas) à pergunta “e se no Rio (2016) Portugal regressar com zero medalhas, será responsabilidade do presidente do COP ou de Portugal?” o ilustre presidente do COP, certamente inspirado na metáfora de Laurentino Dias, respondeu:
“Eu não vou competir, quem competirá são os atletas; eu não vou treinar, quem o fará são os treinadores; eu não vou organizar, quem o fará são os organizadores; eu só vou dirigir e dirigir é fazer tudo o que estiver ao meu alcance para quem compete, treina e dirige não possa dizer que não fiz o melhor para que tudo isso possa acontecer”. (Cf. A Bola, 2014-03-22) JM Constantino estava completamente enganado. E a prova provada é que os resultado de pódio da Missão Olímpica Rio (2016) que se traduziram numa única medalha de bronze acabaram por ser bem pior do que os resultados de Pequim (2008) onde se conquistaram duas medalhas, uma de ouro e outra de prata e dos resultados de Londres (2012) onde se conquistou uma medalha de prata. O que aconteceu foi que, de uma maneira geral:
(1º) Os atletas, tiveram resultados extraordinários durante os quatro anos do Ciclo Olímpico do Rio (2016);
(2º) Os treinadores entregaram-se com competência e empenho a todo o processo de treino;
(3º) Os dirigentes mantiveram o subsistema alto rendimento em funcionamento com a habitual proficiência;
(4º) A tutela alimentou o COP com os recursos financeiros necessários como o próprio JM Constantino reconheceu. Então, porque é que os resultados de pódio do Rio (2016) foram uma desgraça franciscana relativamente à expectativa anunciada de cinco ou seis lugares de pódio. O problema é que esta foi uma questão que não era permitido colocar a quem de direito.
Mas a comunicação social não deixou de reparar no confrangedor vazio entre as expectativas criadas e os resultados conseguidos. Por exemplo, o jornalista Jorge Maia escreveu no desportivo O Jogo: “Não se pode dizer às pessoas para esperarem por cinco ou seis medalhas e depois ficar surpreendido quando as pessoas perguntam onde estão”. Jorge Maia referia-se às declarações de JM Constantino antes da partida para o Rio de Janeiro. Dizia o presidente do COP: “Há cinco ou seis modalidades em que há campeões do mundo, da Europa". "Aquilo que é uma possibilidade, que é expectável, é que possam combater por posições de pódio”. (CM, 2016-06-18)
Então, se toda a logística funcionou, o que é que falhou? O que falhou foi JM Constantino. Ele devia ter tido em conta que, numa perspectiva macro, em matéria de previsão no alto rendimento desportivo existem, pelo menos, três condições fundamentais a ter em conta:
(1ª) Uma coisa são medalhas olímpicas e outra, completamente diferente, são lugares de pódio nos Europeus ou Mundiais obtidos nos anos que antecedem os Jogos. A este respeito, para não ir mais longe, bastava-lhe ter conversado com João Rodrigues a fim de compreender a sua brilhante carreira desportiva;
(2ª) Programar uma medalha olímpica, tal como acontecia na extinta República Democrática da Alemanha (RDA), obriga a ter três atletas potencialmente capazes de a conquistarem. Tudo o mais é, na maior das ingenuidades, planear aquilo que não se controla acreditando que as previsões são uma espécie de Dança da Chuva;
(3ª) Quem pode verdadeiramente programar os resultados desportivos são as Federações Desportivas. É incompreensível e inaceitável o que se lê no Relatório de Missão – Rio 2016 na parte produzida pela Federação Portuguesa de Atletismo: “Os objectivos definidos pelo COP, não foram discutidos nem propostos pela federação”. (Cf. Relatório da FPA, p.6, integrado no Relatório de Missão do COP, 2016). Entretanto, quando JM Constantino programa duas medalhas olímpicas e anuncia que o “COP espera aumento do número de modalidades e atletas em Tóquio'2020” (Cf. O Jogo, 2019-03-19) devem-se colocar três perguntas:
(1ª) Porque não são previstas cinco medalhas como aconteceu para Pequim (2008)?
(2ª) Em que desportos estão previstas as medalhas?
(3ª) Desta vez falou atempadamente com as Federações Desportivas? Cada desporto é uma unidade técnico-sócio-funcional que, em termos de desenvolvimento, não se compadece com processos híper centralizados de estandardização burocrática dos procedimentos impostos por uns Contratos-programa que têm resultado num “gap estratégico” negativo, quer dizer, que têm sido promotores de um futuro pior do que aquele que aconteceria caso não tivessem existido.
Assim, não faz qualquer sentido que a preparação para a participação dos atletas portugueses das várias modalidades desportivas nos Jogos Olímpicos não esteja completamente debaixo da competência das respetivas Federações Desportivas no âmbito dos programas de Alto Rendimento que elas devem gerir (de A a Z) de acordo com as políticas públicas estabelecidas pela tutela que, para o efeito, deve garantir ao País competência política e técnica. Repare-se que até o modelo olímpico italiano, organizado desde o fim da última guerra no famigerado Comitato Olímpico Nazionale Italiano (CONI) deixou, recentemente, de ter as competências e os recursos que tinha sobre o alto rendimento que passaram para as Federações Desportivas que, para além de os gerirem melhor, garantem, também, melhores resultados.
O COP, em matéria de alto rendimento, se tratar atempadamente e com competência a organização da Missão Olímpica, aliás, como decorre da Lei de Bases da Actividade Física e Desporto e da Carta Olímpica, já não é nada mau. Por isso, perante a total ausência de competências humanas e técnicas para o exercício da liderança das cúpulas pública (governo) e privada (livre associativismo) do desporto nacional que se traduz na mais completa incapacidade para ouvir e tentar perceber o que se passa no próprio desporto nacional, é com satisfação que vemos as Federações Desportivas que, em 2005, foram privadas das suas competências e completamente abandonadas à sua sorte, no âmbito da Plataforma do Desporto Federado, a reflectirem sobre o processo de desenvolvimento do desporto nacional e a reivindicarem o controlo total sobre as respectivas modalidades, condição “sine qua non” para se inverter o estuporado processo de desenvolvimento do desporto do tipo Galinha dos Ovos de Ouro que tem vindo a colocar o desporto nacional, da educação física e desporto escolar à prática recreativa para a vida e ao alto rendimento, numa situação de retrocesso. De facto, os presidentes das Federações Desportivas também não correm, não saltam, nem jogam, mas é sobre eles que, para além da logística, deve recair a responsabilidade de idealizarem uma estratégia para a organização do futuro a estabelecer de acordo com os órgãos que, do ponto de vista democrático, têm competência política para administrarem o desporto nacional.
Assim sendo, reivindicar a devolução do direito consagrado na lei que concede às Federações Desportivas a responsabilidade de gerirem de A a Z as respectivas modalidades deve ser, para começar, a primeira medida a reivindicar pela Plataforma do Desporto Federado, junto da tutela política. E, neste sentido, Laurentino Dias tem, pelo menos, a responsabilidade moral, de ajudar a colocar a história no seu lugar."

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