"Mantenho as maiores dúvidas quanto à continuidade de Roger Schmidt no Benfica, mas compete-lhe demonstrar que adeptos como eu estão completamente equivocados
É comum dizermos que o ser humano é capaz de aprender com os seus erros. Nada contra, mas esta semana decido testar uma outra hipótese. Será o treinador do Benfica capaz de aprender com o acerto? Encostado às cordas pelas notícias recentes que davam conta da utilização quase sobrehumana dos titulares do Benfica, Roger Schmidt parece ter finalmente descoberto as virtudes de um banco de suplentes. Infelizmente, isso parece ter acontecido tarde demais e num jogo em que os sinais se tornam difíceis de interpretar.
Por um lado, não é absolutamente certo para mim que Roger Schmidt tenha abdicado do campeonato, na medida em que não existe razão matemática para o fazer e não está no clube certo para isso. Entendido desta forma, o onze de ontem tem algo de irresponsável ou pouco ambicioso. Tem uma resignação que revela uma certa incompreensão da cultura benfiquista, algo que já não é propriamente depreciativo para o treinador do Benfica, pelo menos desde que o próprio reconheceu, há poucos dias, que não percebe bem o clube.
Por outro lado, acredito que Roger Schmidt tem, como todos nós, aspirações na Liga Europa que vão para além de dar uma boa réplica ao Marselha esta quinta-feira. Sabemos que a equipa francesa passou a semana a gozar de uma folga competitiva garantida pelas sensatas entidades que tutelam o futebol francês. Nesse contexto, o onze escolhido para defrontar o Moreirense não só é inteligente como parece absolutamente necessário.
Não é absolutamente certo para mim quais foram os motivos para a escolha do onze, mas vimos algumas coisas positivas que até aqui julgávamos impossíveis. Em termos de capacidade defensiva, cá atrás e na pressão alta, foi dos jogos mais conseguidos das últimas semanas. Não sendo um onze totalmente oleado, não se sentiu falta de ligação entre os jogadores. Kokçu, um jogador que terá de fazer muito para deixar de me irritar, mostrou alguma disponibilidade para se penitenciar. De resto, não senti que a equipa estivesse dependente dos craques ausentes para encontrar as soluções que o jogo pedia.
Não sei se este mesmo onze venceria os jogos mais exigentes da época, mas também não creio que tenha de ser avaliada dessa forma. Alguns dos jogadores com menos minutos mostraram que têm futebol nos pés e intensidade suficiente para, no mínimo, serem opções continuadas, mesmo que a sair do banco. Quem fez parte do onze titular esteve bem, quem entrou depois também mostrou serviço. Pessoas que, como eu, começavam a duvidar da existência de Rollheiser, puderam confirmar que o rapaz é mesmo real e, mais importante do que isso, mostrou alguns pormenores de aguçar o apetite.
Tudo somado, apetece perguntar de forma extremamente prosaica: por que raio é que Roger Schmidt não fez isto mais vezes ao longo desta época? Foi simplesmente teimosia que o levou a insistir no mesmo onze até não ser humanamente possível entrar em campo com os mesmos? Foi a falta de elasticidade tática que tantas vezes já demonstrou e que nos custou pontos preciosos no campeonato? Preferirá Schmidt genuinamente optar pelo mesmo onze de sempre, continuando a atrasar as substituições para desespero de milhões de adeptos? Será a dificuldade em gerir adequadamente um grupo que, tendo lacunas, tem talento de sobra para lhe dar opção? Talvez seja um pouco de tudo isto. Sinceramente, não consigo precisar. São muitas dúvidas e este jogo só serviu para as adensar. O que é que Roger Schmidt tem visto ao longo de toda a época que o impediu de procurar mais vezes esta alternância no onze? O que o impediu de apostar em alguns destes jogadores para tentarem mudar os jogos? E, já agora, que mensagem espera Schmidt transmitir aos jogadores menos utilizados, se a sensação que fica é de que só em caso extremo eles poderão voltar a ser opções esta época?
Se Roger Schmidt tem dificuldade em perceber o Benfica, eu tenho dificuldade em compreender Roger Schmidt. Mas talvez seja ambicioso pedir mais clareza de propósito a um treinador responsável pela utilização de seis jogadores na posição de lateral-esquerdo, que acabou por optar pelo tipo contratado para jogar no meio-campo.
Não é difícil concluir, a partir destas palavras, que o estado de graça de Roger Schmidt foi substituído por uma dúvida razoável, que entretanto deu o lugar a uma dúvida sistemática, que agora dá lugar a um estado de moderada irritação. É, parece-me, perfeitamente razoável que se olhe para este plantel e se pense que era possível mais esta época. Sabendo que a época ainda não terminou, fica a dúvida: já que Schmidt não foi capaz de aprender com os erros cometidos até aqui, será o alemão capaz de aprender com o acerto das opções desta última jornada? Seria bom que assim fosse. Depois de tudo o que já vimos, mantenho as maiores dúvidas quanto à continuidade de Roger Schmidt no Benfica, mas compete-lhe demonstrar que adeptos como eu estão completamente equivocados. Pode começar por eliminar o Marselha esta quinta-feira.
NOTA FINAL: Sou um pouco mais novo do que aqueles que acompanharam atentamente Eriksson desde a sua chegada ao Benfica, mas lembro-me do mais importante. Há um Benfica antes de Eriksson e há um Benfica depois dele. Todos os que passam pelo Benfica e o representam com dignidade tornam-se um pouco maiores por causa disso. É um privilégio pelo qual a maioria mostra gratidão ao longo da sua carreira, mesmo já afastados da vida do clube. Alguns têm a capacidade rara de retribuir na mesma medida. Não só se tornam maiores como, nesse processo, tornam o Benfica maior. Não sendo uma pessoa de afetos expressivos, lembro-me de ver nele, ao longo dos anos, um sentimento de paixão genuína pelo clube. A homenagem prestada ao treinador sueco não foi apenas justa e comovente. Foi feita quando mais importava, com ele entre nós, como um de nós. Não exagero se disser que foi mesmo o melhor momento do Benfica 2023/2024, com ou sem bola."
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