"Vou-vos contar a história do Pedro. O Pedro é um adepto de futebol em Portugal, muito apaixonado pelo seu clube e que decidiu que queria ir ver o próximo encontro da sua equipa, vital para a luta pelo grande objetivo da época.
O dia do jogo até começou como muitos outros. O nosso adepto acordou às 7h30 e foi trabalhar das 9h às 18h. Até aqui tudo normal. Mas o Pedro sabia que assim que terminasse o turno (e todo o dia rezou para que não houvesse stresses de última hora), iria começar uma maratona contra o tempo. Teria que entrar no seu carro e arrancar para uma viagem de 300 kms, pois o jogo estava marcado para uma 2ª feira às 21h15 (e conseguir ir ao jogo já tinha sido uma sorte, pois o dia e a hora só fora anunciado 5 dias antes e felizmente ainda conseguiu trocar o turno com um dos seus colegas). O Pedro foi com a esposa e o seu filho (que tinham ido ter com ele ao seu emprego, pois de outro modo nunca na vida chegariam a tempo) e tinham gasto 120 euros nos três bilhetes, a que se iria somar a gasolina, a portagem, mais a comida apressada na área de serviço. Em tudo isto ele pensava durante a viagem, enquanto a noite ia caindo e sentia a esposa a suspirar e o filho com o habitual "pai, já chegámos?". À 8ª repetição da pergunta, estacionou o carro.
Chegado às imediações do estádio, procurou então descobrir o sector que lhes pertencia. Deu uma volta inteira ao estádio e percebeu finalmente para onde se devia deslocar: na zona onde estavam polícias que mais pareciam robocops, uns montados a cavalo e outros com pastores alemães que ladravam de forma agressiva. "Calma, vai correr tudo bem" diz o Pedro ao seu filho, após ver a sua cara assustada. Até porque olhou para a esposa e pareceu-lhe que a mãe não estava muito mais tranquila. "Senhor agente, desculpe, é aqui o setor do clube visitado?" "Ponha-se mazé a andar!" responde o agente, enquanto empurra a família para a frente. "Bom, aqui será" pensou o Pedro. Colocam-se na fila (no que mais se assemelha a um ajuntamento de gado) e os minutos começam a passar, todos os adeptos cada vez mais apertados e a fila não mexe. "Que se passará" falam uns para os outros, sem nada perceberem. Até porque a hora do jogo (para o qual recorde-se, pagaram 120 euros, mais gasolina, mais portagens, mais comida) aproxima-se. Tanto se aproxima que o jogo começa e eles ainda estão no exterior. A revolta faz os adeptos começarem a barafustar e agitarem-se, o que é respondido pela autoridade com gritos e cacetadas. "Calma, calma, estão aqui mulheres e crianças!" gritou o Pedro.
Chegados finalmente à revista, são informados que o cachecol que o filho leva aos ombros não pode entrar: "adereços da equipa visitante não são permitidos". "Mas agora onde eu meto o cachecol?" "Ponha ali naquele amontoado onde estão os outros cachecóis. À saída pode recolhê-los...se eles ainda aí estiverem". Bom, apesar do cachecol ter sido uma prenda de natal para o filho, o Pedro pediu ao menino que cumprisse com as regras. "Deixa lá, meu querido, se for preciso depois o pai compra outro". Foi nessa altura que reparou que a mulher estava com problema semelhante: a revista não a deixava entrar com os auriculares bluetooth que trazia na mala.
"Isso pode ser uma arma de arremesso contra o árbitro". "Arremesso ao árbitro!? Isto custou-me 50 euros, acha que eu ia fazer uma coisa dessas!? Nem eu tenho essa força de braços". Bom, mas fazer o quê? Era cumprir as regras e entrar ou voltar para trás da fila à procura de algum bengaleiro. Lá entraram, deixando cachecol e auriculares deitados no chão.
"Isto o que me sabia mesmo bem agora era uma cervejinha, antes de ocupar o lugar" pensou o Pedro. Mas rapidamente se lembrou que dentro do estádio não é vendido. A não ser para as elites dos camarotes, claro, que esses podem beber cerveja e demais bebidas alcoólicas à vontade. E a verdade é que se fosse beber, mais tempo iria perder que a fila era grande e com certeza o filho também iria querer um refrigerante e os preços dentro do estádio não são nada convidativos.
Ocuparam finalmente os seus lugares, já o jogo decorria há 20 minutos e a verdade é que até ao intervalo não viram o melhor espetáculo do mundo. Muitas faltas e muito tempo parado com jogadores caídos e elementos dos bancos a levantar e reclamar com o árbitro sempre que este assinalava (ou não) qualquer coisa. Ao intervalo tentou comentar isso com o filho, mas era impossível com a música que saía aos altos berros das colunas do estádio (o que não tentou sequer comentar foi o estado imundo em que estavam as casas-de-banho do estádio, que isso não era nada agradável). Bom, a segunda parte já foi melhorzinha, mas o jogo terminou num zero-zero que deixou tudo na mesma e os momentos mais agitados foram mesmo as expulsões que houveram, com cada equipa a terminar reduzida a dez.
Apito final e siga para o carro, que havia uma longa viagem pela frente! Hummm...não tão depressa, meu caro Pedro, adepto de futebol em Portugal. É que adepto de equipa adversária só sai do estádio uma hora depois do jogo acabar. Há que fazer sair primeiro os adeptos da casa, para evitar confusões. O Pedro até entendeu a lógica, dispensava era a contínua e incessante música a altos berros. Após uma longa espera, lá saíram finalmente e se deslocaram para o veículo (pelo meio confirmaram que cachecol e auriculares já só eram uma perdida memória). Pouco passava da meia-noite do dia seguinte quando se puseram à estrada, para novas 3 horas de viagem. E para mais gasolina gasta. E portagens. E comida na área de serviço.
Chegados ao lar, foram rapidamente deitar o estafado míudo e o Pedro deitou-se no sofá, também ele cansado. Mas como é daqueles que o sono não lhe vem instantaneamente, ligou a televisão. Estavam a falar do jogo, mas apenas dos casos de arbitragem. Ainda ouviu o dirigente do seu clube a dizer que "não nos permitiram ganhar" e tem a vaga ideia que o dirigente do clube rival também disse exatamente a mesma coisa, mas caiu finalmente no sono. Não sem antes pensar que para a próxima vê é o jogo na televisão, embora tenha que decidir entretanto qual o canal pago que ativa. O que dá os jogos do seu clube em casa? Ou o que dá os jogos fora? Ou o que dá os jogos europeus? É que tudo ao mesmo tempo é muito caro.
Nem 4 horas depois de adormecer, o despertador tocou. O Pedro tinha que ir trabalhar. Era terça-feira.
Foi um exercício de imaginação longo, mas aqui vai do cronista um último pedido de esforço aos leitores:
Imaginem agora que o apelido do Pedro era Proença. E pensem no quão rápido a maneira como o adepto de futebol em Portugal é tratado ia mudar."
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