"Não sei se ainda guarda algum daquele café que transformou em líquido de despertar para ver a medalha de ouro de Pedro Pablo Pichardo ou o bronze de Fernando Pimenta nos Jogos Olímpicos de Tóquio, quando no Japão o sol (nos) brilhava e por cá eram escuras e altas as horas da madrugada. Se sim, está na hora de voltar a dar-lhe uso. Se não, até porque já lá vai um tempinho e não desejamos indisposições a ninguém, abasteça essa despensa. Porque na quarta-feira serão 6h30 da manhã em Portugal Continental (menos uma nos Açores) quando a seleção nacional feminina der os primeiros toques na bola do jogo que pode mudar tudo.
O “mudar tudo” pode muito bem ser algo que nem temos bem noção da magnitude. Estar pela primeira vez num Mundial será um feito absurdo em termos competitivos e de visibilidade para o futebol feminino português, que em dezembro de 2010 tinha pouco mais de 5 mil federadas (e aqui estão também números do futsal). Hoje, os últimos números da FPF dizem-nos que são mais de 12 mil. As jogadoras sabem do peso do momento que têm em mãos. Sabem que há milhares de almas que no verão de 2023 vão colar o nariz à televisão para ver os jogos do Mundial, que vai acontecer de 20 de julho a 20 de agosto, na Austrália e Nova Zelândia. Sabem que estar lá lhes garante desde logo um duelo na fase de grupos com os Estados Unidos, campeãs mundiais em título e equipa mais mediática do futebol feminino, pelo que as suas jogadoras fazem dentro e fora das linhas de jogo, um exemplo de como o desporto pode perfeitamente dar as mãos ao ativismo, dando lições todos os dias às estrelas masculinas, demasiado absortas nos seus contratos milionários e carros de luxo para se lembrarem de direitos humanos e minudências desse campeonato. Por cá, o máximo que temos de fazer por elas é acordar mais cedo. Ou ir dormir mais tarde.
A última barreira entre Portugal e uma história que já se fez de duas participações seguidas em Europeus chama-se Camarões. O ranking diz-nos que a seleção nacional (22.º) é favorita a deitar as mãos ao derradeiro lugar no que seria uma estreia em Campeonatos do Mundo - as adversárias estão no 58.º lugar da lista - mas os Camarões têm a força da experiência de dois Mundiais, os dois últimos, em que passaram sempre a fase de grupos. O jogo será àquelas horas indecentes para qualquer europeu porque se disputa em Hamilton - Kirikiriroa, em maori - quarta cidade mais populosa da Nova Zelândia, a quase 20 mil quilómetros de Lisboa.
O tão perto às vezes é longe como tudo.
Por lá, a seleção nacional já teve de ficar fechada no hotel, sem algumas das suas jogadoras, retidas algures em aeroportos devido ao mau tempo e à passagem do ciclone Gabrielle, nome de mulher, claro está. Na sexta-feira, como que alheias a tudo isso, golearam a equipa da Nova Zelândia, tão próxima de nós no ranking (elas estão no 24.º lugar), por 5-0, obrigando-nos a sonhar.
Porque o longe como tudo às vezes está tão perto."
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