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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Fulano 'faz de' beltrano - a novidade dos tempos modernos

"Com a crise, há jogadores que podem 'fazer de' outros jogadores em campo tal como os actores representam papéis das personagens mais diversas nos palcos

O futebol tem a sua linguagem, o seu léxico próprio, colorido, sugestivo, popular, frequentemente impenetrável para quem não pertence à seita.
- É um bom jogador, só é pena não ter pé direito.
Ao que um dos convivas, estruturalmente alheio a estas jurisprudências da bola e que seguia distraidamente a conversa, de súbito despertou alarmado, interrompeu tudo e todos com uma questão, para ele, muito pertinente,
- Mas se não tem pé direito como é que ele consegue jogar futebol?
Na nossa língua de especialistas a questão de haver jogadores sem pé esquerdo ou sem pé direito não os impede de se equilibrarem na perfeição e de correrem pelo campo todo. Explicar isto a leigos é o cabo dos trabalhos.
Neste final de Verão, com o fecho do mercado que sugou Álvaro Pereira e Hulk para longe do Dragão e Javi Garcia e Axel Witsel para longe do Benfica, os dois grandes rivais e candidatos ao título português ficaram bastante azamboados estruturalmente, o que se compreende e aceita.
As duas equipas, por muito que se queira dourar a pílula, ficaram enfraquecidas em função dos altos objectivos a que, por estatuto, se propõem. Por muitas que sejam as boas surpresas a irromper dos respectivos planteis e as vitórias que venham a somar-se, a verdade é que aqueles quatro jogadores que se foram embora eram de altíssima qualidade e só podem fazer falta a Vítor Pereira, a Jorge Jesus e ao resto da malta.
Perante o golpe, o treinador do FC Porto lamentou-se mais em público do que o do Benfica, não se escusando a dizer que Hulk era insubstituível. Já o treinador do Benfica, perante o golpe, evidenciou solidariedade com a instituição vencedora, não se chorou, prontificou-se a fazer milagres com os miúdos portugueses da equipa B e com algumas adaptações entre os remanescentes da equipa A.
Como adaptador de jogadores a posições que não são suas, os créditos de Jesus são muito superiores aos de Vítor Pereira. Foi ele quem pôs Fábio Coentrão 'a fazer de' defesa-esquerdo e só isso rendeu 30 milhões de euros ao Benfica.
Com a sua saída do referido lote de jogadores no último dia do mercado, o Benfica e o FC Porto ficaram de mãos atadas e sem tempo nem inspiração para encontrar soluções onde não as havia. Agora é tempo de inventar soluções abrangentes.
E é aqui que nasce com autoridade assertiva uma nova expressão para o léxico do nosso futebol. O 'fazer de' chegou e está para durar, pelo menos enquanto durar a crise.
Lendo a imprensa nos dias que antecederam a primeira jornada dupla da Liga dos Campeões ficámos a saber que nas cogitações dos dois treinadores, forçados pela sangria e pela falta de soluções imediatas, há jogadores que podem 'fazer de' outros jogadores em campo tal como os actores representam papéis de personagens mais diversas nos palcos dos teatros.
E temos já um sortido variado dentro dessa inaudita especialidade: Matic faz de Javi Garcia, Varela faz de Hulk, Enzo Perez faz de Witsel, Defour faz de Fernando, Lima pode fazer de Cardozo, James pode fazer de Lucho, Melgarejo faz de defesa-esquerdo, Atsu faz de Messi, Jardel faz de Luisão e Iturbe também faz de Messi.
Vai ser um campeonato muito animado.
Por sinal, o campeonato inglês da II divisão também está muito animado. O Nuno Gomes está a fazer de Nuno Gomes, tem marcado os seus golitos, e o Blackburn segue Rovers na frente. Boa!

A derrota do Real Madrid em Sevilha, no Sánchez Pizjuán, colocou os campeões espanhóis a uma distância obscena do Barcelona à quarta jornada da Liga. Está instalada, portanto, a expectativa entre as legiões de fãs e as legiões de detractores de José Mourinho. E nem o triunfo suado sobre o Manchester City, na terça-feira, vai servir de atenuante ao treinador.
Como é que o special one se vai safar desta? Dá a volta ou não dá a volta? Fazem-se apostas, esgrimem-se argumentos, as pessoas que gostam de futebol vibram muito com estas coisas.
Para Mourinho, que leva uma carreira de pouco mais de uma década - e que década! -, a situação é toda ela nova. Nunca o treinador português passou por um mau momento igual ou sequer parecido como este que está a viver em Madrid. E por ser quem é, um vencedor e uma celebridade mundial, tem agora todas as atenções focadas em si.
O mundo quer saber com urgência que tipo de jogos mentais inventará no seu laboratório José Mourinho quando a equipa que comanda, a mais poderosa do mundo, se apanha com 8 pontos de atraso em relação ao arquirrival da Catalunha.
É que mind games para 8 pontos de atraso não será bem a mesma coisa de que mind games para quando se anda na frente das tabelas ou na luta pela vitória em todas as competições.
Acredito que José Mourinho nos possa surpreender com uns quantos passes de magia retórica e, de um momento para o outro, reinventar um Real Madrid imparável que até se deu ao luxo de dar avanço à concorrência. Isto é desejar-lhe, sinceramente, o melhor.
A imprensa de Madrid está em brasa com o nosso compatriota. É verdade que ainda não chegou à fase, a evitar, do insulto mas para lá caminha com toda a certeza se o Madrid continuar a perder terreno na Liga espanhola. Para já, não vão mais longe do que chamar-lhe luso com veemência porque as coisas, definitivamente, não andam bem e convirá recordar que Mourinho não é só estrangeiro como é português.
Boulahroz, o internacional holandês que o Sporting contratou esta temporada para substituir o caído em desgraça Onyewo, disse há coisa de semanas que Sá Pinto, o seu treinador, tinha «umas coisas de Mourinho». Acabado de chegar ao nosso país e evidenciando respeito pelo nosso futebol, Boulharoz estava a elogiar os dois como se facilmente de depreende.
Felizmente que a imprensa espanhola não liga nenhuma às ocorrências internas do futebol português. Com a má-vontade contra o treinador do Real Madrid em alta, se os jornalistas espanhóis tivessem dado conta da entrevista de Boulharoz a A BOLA bem capazes seriam de escrever, só para mandar mais abaixo 'el luso', que Mourinho tinha umas coisas de Sá Pinto que saltavam à vista.

CONTA a imprensa espanhola que no fim do jogo de Sevilha, Aitor Karanka, o adjunto de Mourinho, repreendeu os jogadores Higuaín e Benzema quando se encaminhavam para o autocarro que os haveria de levar ao aeroporto. O argentino e o francês, pese embora a derrota que vinham de sofrer, terão saído do balneário aparentando uma exelente disposição, conversando e sorrindo, como se nada de aborrecido se tivesse passado no relvado.
O adjunto Karanka, certamente muito atento aos pormenores, pôs cobro à animação, dizendo-lhes: «Caminhem separados e em silêncio, calados ou toda a gente vai cair em cima de nós.» Esteve bem Karanka, não esteve?
Faltou um Karanka qualquer ao Benfica em Dusseldorf quando a equipa desatou na grande risota depois de Luisão, no fim de uma correria disparatada, ter mandado com o árbitro ao chão. O castigo chegou esta semana e fez bem o Benfica em não se pôr com alaridos contra a decisão. Nestes casos, acatar é o melhor remédio. A justiça desportiva em Portugal nem sempre é lenta, essa é uma boa notícia.
Outra boa notícia, em prol do bom nome da modalidade e de quem a dirige, seria conhecerem-se os castigos dos autores morais e materiais do incêndio de uma bancada do Estádio da Luz por ocasião do último derby. É que já lá vão 10 meses...

Lucho González.
Respect.

ONTEM em Glasgow, considerando que o Celtic é o adversário do pote 4, foi caso para se dizer que o resultado foi pior do que a exibição. Assinale-se também que Jardel fez bem de Luisão, que André Almeida fez bem de Maxi Pereira, que Matic fez bem de Javi e que Salvio só fez bem de Salvio nos últimos 15 minutos, o que foi pena."

Leonor Pinhão, in A Bola

Título não é tudo

"Os adeptos das equipas grandes valorizam sobretudo o título nacional. Se não o ganham, consideram a época perdida. Ora, nos dias de hoje, as coisas já não podem ser vistas assim. O essencial é os clubes serem sustentáveis financeiramente – caso contrário, arriscam-se a desaparecer. E, como escrevi após as transferências de Javi García, Witsel e Hulk, a única estratégia sustentável dos clubes portugueses passa por descobrir valores jovens no mercado (sobretudo sul-americano), trabalhá-los, mostrá-los e vendê-los com grande margem de lucro.
A política seguida até há alguns anos pelo Benfica (e ainda hoje, às vezes, pelo Sporting) de ir buscar jogadores veteranos, pode trazer algum sucesso imediato, mas não leva a lado nenhum.
Nesta perspetiva, os títulos nacionais têm uma importância relativa. O importante é os clubes conseguirem acesso às competições internacionais (sobretudo a Champions), porque isso aumenta a visibilidade internacional dos jogadores que se querem valorizar – e faz subir a sua cotação. Uma presença nos quartos-de-final da Champions pode ser mais importante do que uma vitória no campeonato, pois o clube faz 10 jogos transmitidos pelas televisões de todo o Mundo.
Uma estratégia demasiado centrada no título nacional é errada, e não põe os clubes a salvo de problemas. Veja-se o caso do Boavista, que poucos anos depois de ser campeão praticamente acabou.
Adeptos do FC Porto, Benfica e Sporting: hoje, ganhar o campeonato não é tudo – e perdê-lo pode não ser trágico. O segredo está em montar uma política sustentável, que passa pela constante valorização e venda de jogadores, tirando deles o partido máximo enquanto jogam no clube."

Lições para além dos jogos

"Escrevo antes do jogo europeu do Benfica na Liga dos Campeões no Celtic Park. Naturalmente preocupado com a tradição e com a erradicação do eixo central benfiquista: Luisão castigado, Javi Garcia e Witsel transferidos e C. Martins lesionado.
Ainda tenho bem presente a moedinha ao ar com que, em 1969, o SLB foi afastado depois de recuperar de uma desvantagem de 3 golos na Escócia. Curioso é que sempre simpatizei com o Celtic e na disputa a dois com o rival Glasgow Rangers (GR) sempre torci pelos primeiros. Talvez pelo subconsciente religioso: católicos versus protestantes.
Este ano, o facto mais assinalável na liga escocesa, quase sempre dominada pelos dois clubes de Glasgow, foi o desaparecimento do Rangers.
Campeão escocês por 54 vezes, declarou falência após o fisco rejeitar o plano de viabilização face a uma dívida de cerca de 30 milhões de euros. Comprado por um empresário britânico, o clube mudou de nome (é agora 'The Rangers Football Club') e disputará a 4ª e última divisão.
Uma consequência de má gestão, défices crónicas, passivos descontrolados de um clube que, mesmo em período de retracção, prosseguiu em viver muito acima das suas possibilidades.
Sem o Old Firm (nome por que é conhecido o clássico Celtic-Rangers), a revista 'The Economist' estima que o desinteresse da Liga escocesa implicará uma brutal diminuição de receitas televisivas e de patrocínios, pois estes clubes eram responsáveis por mais de 60% do seu suporte. Assim se vê de como um clube faz perigar todos os outros. Celtic incluído. Uma (triste) lição a não esquecer. Lá e - preventivamente - cá."

Bagão Félix, in A Bola

Bons q.b.

"Costumo dividir os jogadores em quatro categorias: os artistas, sempre cobiçados; os sofríveis, sempre esforçados; os medíocres, sempre dispensáveis e os bons q.b., sempre estáveis.
Dos primeiros, há fartura de notícias e acontecimentos. Os medíocres e sofríveis vão-se na roldana da memória.
Sobram os bons q.b. . Aqueles que não são pródigos em maravilhas, mas que raramente são responsáveis por desaires. Aqueles que, só por si, não ganham jogos, mas que, na sua mediania segura e compassada, muito contribuem para ganhar campeonatos. Aqueles de quem não ouvimos a miríade de fabulosas cláusulas de rescisão, mas que permanecem no clube para além da placa giratória de jogadores-cometa que chegam, deslumbram e saem. Aqueles que dão estabilidade e limitam os danos de constantes reconstruções de plantéis.
Cito, a título de exemplo, dois jogadores do Benfica: Maxi Pereira e Bruno César. Suficientemente bons para terem lugar na equipa, mas não assim tão bons que sejam constantemente assediados por outros clubes e andem com a cabeça mergulhada na expectativa de... sair. Não dão mais-valias financeiras mas cimentam uma equipa.

P.S. 1: Saúdo a decisão da CMVM de pedir esclarecimentos sobre as transferências de Hulk e Witsel.

P.S. 2: Escreveu Rui Moreira que eu me dedicava à «técnica da equação» para questionar os valores de Hulk, e referiu que «aquilo que o FCP anunciou é que recebeu 40 M líquidos». Pois bem, prefiro a técnica da equação à técnica da (não) leitura. É que o comunicado portista fala de 40 M, sem mais. Ao invés, é o comunicado do SLB que refere os mesmos 40 M como valor líquido."

Bagão Félix, in A Bola