"Angola é um país apaixonado pelo futebol. Com adeptos fervorosos dos seus principais clubes, mas também muito atentos ao que se passa no mundo, facilmente aderindo ao chamamento de grandes estrelas do jogo ou de campeonatos mediáticos e competitivos. É, em suma, um país que vive com paixão o jogo centenário, e que, em 2010, pôde comprovar a qualidade dos seus quadros na organização da maior competição continental para seleções.
De facto, o Campeonato Africano das Nações (CAN) sediada em quatro cidades angolanas foi, há 14 anos, a prova evidente de que, também no cotejo continental, o país podia dar cartas e transformar sonhos em realidades. Aliás, três anos depois, a realização na Camama do Mundial de hóquei em patins, embora com dimensões estruturais e enquadramento financeiro distinto, voltou a mostrar a capacidade angolana para se apresentar ao mundo.
Mas a magia do desporto, e do futebol em particular, reside nas mudanças, nos estímulos e na capacidade de engajamento que os protagonistas consigam transportar para os adeptos. É a velha dicotomia sem solução, segundo a qual ainda ninguém descobriu se são os adeptos a puxar pela equipa, ou esta a puxar por eles…
E, neste particular, o divórcio entre os Palancas Negras e a sua base de apoio foi evidente durante alguns anos, fosse porque os resultados não corresponderiam aos anseios da nação angolana do futebol, ou porque os decorrentes problemas sociais do país e as convulsões naturalmente daí advindas não permitiam um olhar mais atento para o trabalho que, de sapa, estava a ser feito.
Em janeiro e fevereiro deste ano, a prestação do combinado angolano no CAN-2023, realizado na Costa do Marfim, com a qualidade de jogo exibida, com o comprometimento de todos os envolvidos, com a competitividade continental a níveis muito elevados, despertou de novo o povo, fez sorrir as bancadas e reuniu a seleção com o país, numa comunhão só possível quando o estímulo é grande e o prazer é correspondente.
Pedro Gonçalves é o selecionador nacional de Angola, chegando ao topo da pirâmide após um tirocínio de qualidade nas camadas de formação. É, de resto, esse predicado que lhe garante legitimidade e conhecimento.
A legitimidade necessária perante jogadores e estrutura para liderar naturalmente, sem sequer ter de chefiar o que quer que seja. A tal velha e fundamental diferença entre liderança e chefia, que tão significativa se torna, sobretudo quando os chefes são impostos e os líderes são naturais.
E o conhecimento profundo dos meandros do desenvolvimento do futebol angolano, dos seus planos de formação e do acompanhamento da evolução de jogadores que lhe passaram pelas mãos ainda muito jovens, acrescentando espírito de seleção e capacidade de competição.
O trabalho do selecionador de Angola não tem sido fácil. Não abundam as condições em todos os momentos, a organização interna também não estimula e, por vezes, o ego desta ou daquela pseudo-vedeta tende a sobressair e a sobrepor-se ao essencial interesse do coletivo, regra indestrutível do sucesso do trabalho de equipa e em equipa.
Isso ainda mais valoriza o que Pedro Gonçalves está, paulatinamente, a conseguir na Federação Angolana de Futebol (FAF), que agora conta com um novo presidente, responsável, experiente, empenhado e com visão. De facto, a eleição de Alves Simões para a liderança da FAF é não apenas uma excelente notícia para o futebol angolano e para o seu futuro de médio-longo prazo, como a garantia de que o selecionador terá exponenciadas as condições de que necessita para um ano de 2025 extremamente desafiante, faltando ainda seis jogos na muito difícil qualificação africana para o Mundial-2026 e culminando com a fase final do CAN-2025, em Marrocos.
O grande desafio do futebol em Angola passa pela (re)estruturação do edifício federativo, conduzindo à sua progressiva e fundamental profissionalização, mas também pela criação de condições que promovam uma efetiva despistagem de talentos a nível provincial, pela organização de um conjunto de regulamentações tendentes à musculatura financeira das competições e, claro, pela promoção de um Girabola com condições equitativas de disputa, com um desenho atrativo e com a convicção de projeção da imagem internacional do futebol, das seleções e dos clubes angolanos.
Pedro Gonçalves parece-me ser peça determinante neste processo global de revitalização do futebol no país. Pela sua muito significativa experiência no terreno, pelos valores que defende, da formação até ao profissionalismo, pelo equilíbrio, bom senso e resiliência que tem revelado ao longo dos anos, e particularmente nos processos de qualificação e disputa do CAN marfinense, de qualificação (imaculada e inédita) para o CAN-2025, e de criação de uma bolha profissional em redor dos Palancas Negras, com regras para cumprir e orgulho para sentir, que fizeram com que o povo do futebol, em Angola, voltasse a acreditar na sua seleção, e se revisse no envolvimento e na ligação emocional que são, também, determinantes para o sucesso.
Se agora estão criadas condições para que a seleção rubro-negra siga um caminho sustentado e sem sobressaltos, não é menos verdade que dois nomes emergem. O de Alves Simões, como garante de um suporte estratégico experiente e sem aventureirismos nem populismos bacocos. E o de Pedro Gonçalves, o homem que já conseguiu o milagre da união, provando que persistência rima com competência.
Cartão branco
Já há muito tempo que não restam dúvidas em relação à imensa competência e capacidade de adaptação dos treinadores portugueses de futebol pelo mundo. A história feliz de Artur Jorge no Botafogo, sendo mais uma prova disso, demonstra a garra e a vontade de vencer aliada a um clube que quase bateu no chão e agora toca o céu. Ganhar a Libertadores, afinal, não foi «caso único», como Jorge Jesus fez crer. Abel Ferreira já o conseguiu por duas vezes, e Artur Jorge inscreve o seu nome na história este ano. E ainda mais: o título do Brasileirão é amanhã decidido entre Artur e Abel, entre Botafogo e Palmeiras. Que mais e melhor se poderia desejar?…
Cartão amarelo
João Pereira teve muito azar. A sua expressão «erro de casting» vai acompanhá-lo, se não até ao final da carreira, pelo menos enquanto for treinador do Sporting. A herança era (e é) pesadíssima, em face do legado de Ruben Amorim, seja pelos resultados, seja pelo carisma muito particular do agora treinador do Manchester United. O risco da promoção de Pereira foi imenso, e Frederico Varandas saberá arcar com as respetivas responsabilidades. Mas o arranque de João Pereira, do ponto de vista competitivo e exibicional… é péssimo. As hostes do (ainda) líder começam a perceber que, afinal, pode mesmo ter havido «erro de casting»…"