Últimas indefectivações

sábado, 4 de julho de 2020

Acordo de rescisão com o treinador Bruno Lage

"A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD comunicou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que formalizou neste sábado, 4 de Julho, a rescisão do contrato de trabalho desportivo com o treinador Bruno Lage.
Esta informação vem na sequência daquela que foi prestada à CMVM no dia 30 de Junho, data em que a Benfica, SAD deu conta de que negociava "um princípio de acordo com o treinador Bruno Lage para a rescisão do contrato de trabalho desportivo com efeitos imediatos"."

A Lage o que é de Lage

"Poucos treinadores nos últimos anos despertaram sensações tão díspares como Bruno Lage ao serviço do Benfica. No campeonato a história é conhecida: recuperou com 18 vitórias uma vantagem de 7 pontos em 19 jogos, jogando na casa dos 5 primeiros e foi campeão. Voltou a repetir a marca na época seguinte até à derrota no Dragão, onde curiosamente viu diminuir a mesma vantagem de 7 para 4 pontos. A partir daí soma um dos piores registos da história benfiquista.
Afinal, o que se passou? É a pergunta que todos tentam responder. Nestas coisas não acredito em respostas completas e definitivas. Mas, naquilo que ao jogo diz respeito, vale a pena tentar perceber o que mudou.
Nos últimos anos anos a frase é recorrente nas formações de treinadores “o modelo de jogo é algo inacabado”. Comecemos por aqui: Lage pegou na equipa em Janeiro de 2019 numa altura em que o Benfica jogava duas vezes por semana e, por força da campanha na Liga Europa, assim foi durante 3 meses. Não havia, portanto, grande tempo para treinar. Muito genericamente Lage apresentou as seguintes novidades: apostou bastante na transição ofensiva, em muitos jogos, abdicando frequentemente que 3/4 jogadores, alas e avançados, baixassem para o último terço a defender (ou ficando até em posições mais adiantadas) o que dava uma capacidade de progressão impressionante no momento em que ganhavam a bola. Por outro lado, os alas andaram em posições interiores tornando recorrente a formação de um linha de 4 jogadores entre linhas com os avançados, e não esquecendo os passes longos a variar corredor dos médios centro, nomeadamente Gabriel, que aconteceram mais vezes.
Não sendo obrigatório, estas mudanças deram naturalmente origem a um jogo acelerado e mais repartido no domínio, porque quem com poucos defende para rapidamente atacar com muitos faz a bola andar mais próxima das duas balizas. A muita presença de jogadores entre linhas, em ataque posicional, potenciou bastantes passes verticais para essa zona. Além do mérito próprio, foram visíveis as dificuldades dos adversários em contrariar esta matriz (no caso das transições nota para as excepções que foram Tondela e B-SAD num encontro analisado aqui). De uma forma ou outra, o Benfica acabava sempre por resolver os jogos até porque os resultados positivos fazem sempre acreditar no sucesso.
Então o que mudou? Voltemos à frase “o modelo de jogo é algo inacabado”, sustentada também na lógica de que os adversários com mais observações e análises minuciosas acabam por conhecer melhor a nossa equipa, o que requer uma evolução própria e mesmo quem ganha regularmente terá de apresentar novas soluções. No jogo jogado talvez tenha sido este o maior pecado de Bruno Lage . O caso paradigmático são os jogos no Dragão. Em 2019 O Benfica foi capaz de aguentar 90 minutos a defender com 6 e 7 jogadores à entrada da sua área e soltar os alas e avançados nas costas da 1ª pressão do Porto, criando assim muito perigo. A estratégia em 2020, no mesmo estádio, foi semelhante mas já o adversário estava bem melhor preparado para o momento da perda de bola e também sabia como atacar e aproveitar os espaços decorrentes desta ideia defensiva.
Todas as equipas do mundo têm características com pontos fortes e fracos. Será sempre a dose que faz o veneno. Uma equipa que goste de circular a bola com paciência se não reconhecer no momento certo as linhas de passe mais adiantadas, arrisca-se a não progredir. Bem como, no caso do Benfica, quem prefere forçar entre linhas mais cedo, se não cria engodo antes acaba por somar perdas de bola. E o que antes era um jogo um pouco partido mas controlado, passa a desligado sem tempo para associação com o portador da bola a ser demasiadas vezes precipitado. É nestas fronteiras que muitas vezes se joga o trabalho de um treinador. Realçar constantemente no jogo aquilo em que somos bons, não dar espaço a que fraquezas apareçam muitas vezes. Com algum azar à mistura, e a enorme desvantagem que foram as bolas paradas, Lage, que dominou este aspecto na perfeição em 18/19 não o conseguiu em 19/20.
“Nós os marxistas somos muito bons: das últimas 3 crises mundiais, previmos 5”
Na ânsia de explicar o ciclo negativo do Benfica há várias teses. Uma das mais populares é a ausência de João Félix. Foi muito influente, o seu substituto mais directo até estava bem mas nem jogou muito tempo devido a lesão/opção (Chiquinho) e aquela posição é chave para o modelo implementado. Tudo verdade mas não é suficiente para explicar tudo.
Há quem duvide da responsabilidade de Lage no sucesso do ano passado. Este raciocínio tem, desde logo, que responder a duas perguntas: o que mudou para a sequência de vitórias ter começado com este treinador, não sendo ele protagonista? E, nesta tese, se o treinador em 2020 é o mesmo e não teve influência antes, o Benfica começou a não ganhar porquê? O princípio da análise que nem sempre o resultado corresponde ao nível exibicional tem as suas vantagens. Há mesmo derrotas e vitórias mentirosas, não se prolongam é por um ciclo de 38 jogos divididos de igual forma em duas épocas ( interrompido somente por um empate e derrota para o campeonato). Quem faz ouvidos moucos a um registo destes entra num bom conforto intelectual que é directamente proporcional à sua preguiça: os treinadores que ganham a jogar como eu gosto têm sempre mérito, os que eu não gosto não têm grande responsabilidade no sucesso. O mesmo se aplica a quem enuncia sempre as limitações, esquecendo que as virtudes são suficientes não para vitórias pontuais, mas sim para ciclos positivos alargados.
Vários autores do Lateral Esquerdo escreveram um livro sobre o Benfica enquanto Lage foi treinador em 18/19. Naturalmente os elogios foram muitos mas também sempre houve consciência das questões passíveis de melhorar no modelo (algumas expressas no livro): a excessiva dependência de quantos jogadores ficavam na frente em transição ofensiva, a limitação (imposta ou natural) de Vlachodimos a jogar com os pés, e de à mínima pressão jogar longo, tornando a 1ª fase mais exposta ao condicionamento adversário ou o alinhamento da linha defensiva, que demasiadas vezes deixou a desejar, aspecto essencial para quem quer defender com poucos à entrada da sua área. O ponto é que a estas questões foram sobrepostas outras positivas de forma regular (à excepção da Liga dos Campeões onde as fraquezas foram mais evidentes)
Bruno Lage teve obviamente mérito na forma como levou o Benfica ao título. Em circunstâncias adversas trouxe as ideias certas ( as possíveis também?) para o contexto em que encontrou a equipa. Fez o plantel acreditar até pela humildade que demonstrou “são os jogadores que estão a fazer de mim treinador”. Na gestão do grupo talvez não tenha sabido lidar com o facto de os jogadores mais influentes deixarem de ser os melhores, mas isto já é entrar no campo da especulação. Leva uma das melhores e piores sequências que um treinador do Benfica já fez. Ignorar qualquer uma delas não fará justiça ao seu trabalho.

Declaração de interesse: sou (orgulhosamente) co-autor do livro “O Efeito Lage” que aborda a época de Bruno Lage como treinador do Benfica na época 18/19"

O urubu do Frangueiro de Pádua

"Zvonko Monsider fugiu da Jugoslávia de Tito e aprendeu com Guttmann a ser um trota-mundos. Mas era perseguido por uma sombra.

Os brasileiros gostam de dizer que sobre a trave de cada baliza pousa um urubu. Negro, tétrico, espera que os guarda-redes se tornem cadáveres, mesmo que cadáveres adiados. Todos os guarda-redes morrem de vez em quando atacados por outra ave, o frango. Sim, o frango não voa, mas pode ser assassino. Quando é assassino em série, como nos filmes, chamam-lhe peru. E o urubu lá no alto, pousado na trave, atraindo a infelicidade na sua pose soturna de velho juiz conselheiro.
Zvonimir Monsider era um daqueles guarda-redes capazes de fazer a felicidade de qualquer urubu. Chamavam-lhe Zvonko, como diminutivo, mas não havia nada de diminuto nele. De tempos a tempos, a imprensa apelidava-o de Tigre, e aí o urubu ficava longe e era apenas ele, Zvonko, e a sua pequena glória. Em 1950, Zvonko Monsider estava em Pádua. O seu treinador era um húngaro trota-mundos:_Béla Guttmann. Diziam que era um mago. Com Guttmann até o o pobre Pádua podia sonhar em ser campeão de Itália. Lutou por isso, ombro a ombro com a Juventus e o Torino, durante a maior parte do campeonato de 1949-50. Mas até os magos têm as suas fraquezas. Uma série de oito derrotas consecutivas fizeram Guttmann cair do plinto da estátua que estavam dispostos a erguer-lhe nessa cidade do Veneto que disputa com Lisboa o orgulho de ser dona de um frade franciscano que andou com o menino-Deus ao colo. Pior: acusaram-no de ter recebido luvas no negócio de empréstimo feito pela Lazio e que trouxera Zvonko de Roma. O mago foi proibido de treinar durante seis meses pela federação italiana e rumou ao ainda mais modesto Triestina. Monsider só jogou sete vezes pelo Pádua. Saiu com Guttmann e foi para a Hungria, para o Hungaria, levando atrás de si a fama de frangueiro. O Frangueiro de Pádua.
Armando Nogueira é um dos grandes cronistas da língua portuguesa. Um daqueles cronistas solitários como um guarda-redes que tem um urubu pousado na trave sobre a sua cabeça. Nessa solidão de cronista, escreveu: «Diante do olhar pretensamente isento do cronista, desfilam o lírico, o patético, o cômico, o grotesco, o trágico, o sublime. Na batalha do esporte, o homem ama, glorifica, odeia, castiga e perdoa. O que me fascina no futebol é a incerteza do jogo. E tudo que é jogo é lúdico. Tudo que é lúdico é poético»."

O martelo de Nietzsche IX

"1. Vítor Serpa foi condecorado no passado dia 29 de Junho pelo Sr. Presidente da República com a comenda da Ordem de Mérito. Jornalista há quase cinquenta anos e líder do jornal A Bola há vinte e oito anos, Vítor Serpa na linha daquilo que já havia sido o seu pai o jornalista Homero Serpa, é uma figura ímpar no desporto nacional. Ao longo dos cinquenta anos do exercício da sua profissão de jornalista falei circunstancialmente com ele três ou quatro vezes. Assim sendo, a consideração e admiração que por ele tenho e que, agora, me apraz registar, nada tem de pessoal ou emocional, pelo contrário, tem tudo de impessoal e racional. Em primeiro lugar, considero e admiro Vítor Serpa, pelo facto de ele ser, há 28 anos, director de uma entidade privada da economia do lucro que pelo que tem de responder não só a todos aqueles que lidera bem como a uma administração que superintende o jornal. Em consequência, ele é avaliado, todos os dias, todos os meses e todos os anos, o que lhe confere um estatuto de elevada competência porque, se assim não fosse, o mercado já o tinha afastado do lugar que ocupa. Num Sistema Desportivo que ignora o que é uma avaliação independente e nunca nenhum dirigente é responsável por coisa nenhuma Vítor Serpa é um exemplo. Em segundo lugar, considero e admiro Vítor Serpa pelo seu amor à democracia que é a liberdade de opinião. Colaboro n’ A Bola (on line) há vários anos, já publiquei na mais plena liberdade dezenas de artigos de opinião praticamente todos politicamente contundentes. Quer dizer, na linha da democracia liberal republicana, o jornal A Bola tem uma chancela de liberdade de opinião que lhe é garantida pelo seu diretor. O que, nos tempos que correm, não é fácil. Em terceiro lugar, considero e admiro Vítor Serpa porque, sendo ele um amante do futebol, não é por isso que deixa de ter uma visão politicamente descomprometida no que diz respeito ao desporto nacional onde o futebol se integra. As suas crónicas do “Porque Hoje é Sábado” são, de há muitos anos a esta parte, a prova semanal da sua visão, ideologicamente descomprometida, do desporto nacional numa perspectiva global. Delas respigo títulos como, por exemplo: “O desporto pelas ruas da amargura” (2017-08-13); “Política desportiva do Governo…. é bola!” (2017-09-16) ou; A Questão dos dirigentes em Portugal (2019-04-13)”. Todavia, nos últimos anos, a crónica que mais me tocou, na medida em que, de uma forma aberta, pôs em equação um dos principais legados de Pierre de Coubertin, foi a que, referindo-se aos Jogos Olímpicos, encimou com o título “O importante não é participar… é ganhar! (2016-08-17). É sobre este título que considero ser uma das principais premissas do legado de Coubertin que, com a devida vénia, me permito explanar um conjunto de argumentos que, a partir do pensamento de Coubertin, reforçam a tese de Vítor Serpa.
2. Para Pierre de Coubertin, os Jogos Olímpicos deviam ser um evento espiritual com o objectivo primordial de transformar os princípios, os valores, as normas, os procedimentos e os rituais olímpicos do agôn da Grécia antiga, numa certa religiosidade laica a fim de colocar o praticante desportivo moderno numa situação competitiva de superação pessoal e social em busca da excelência a que os gregos chamavam de areté. Não se tratava de participar, tratava-se de superar, de ultrapassar limitações, de competir até ao limite em busca da vitória com um sentimento que na sua dimensão transcendental, em termos competitivos, ultrapassava em muito o narcisismo terreno que anima o espírito competitivo dos atletas dos nossos dias. E, por isso, Coubertin foi um contemporâneo do futuro.
3. A frase “…o importante nos Jogos Olímpicos não é ganhar, mas sim participar…” não é da autoria de Coubertin. É da autoria de Ethelbert Talbot, bispo da Pensilvânia (EUA). Foi proferida num sermão dirigido aos atletas numa cerimónia religiosa realizada na Catedral de Saint Paul a fim de atenuar os conflitos competitivos que estavam a acontecer entre atletas ingleses e americanos nos Jogos Olímpicos de Londres (1908). Coubertin limitou-se a aproveitar a ideia do bispo e reconstruiu a frase de acordo com o seu pensamento: (1º) Substituiu os Jogos Olímpicos pela luta que é a vida; (2º) Substituiu a palavra participação pela palavra combate. E disse: “L' important dans la vie, ce n'est point le triomphe mais le combat; l'essentiel, ce n'est pas d'avoir vaincu mais de s'être bien battu” / “O importante na vida não é triunfo, mas o combate; o essencial não é ter conquistado, mas ter lutado bem”. Assim, Vítor Serpa levou à estampa do desportivo de maior prestígio nacional o verdadeiro pensamento de Coubertin que, por motivos, hoje, bem conhecidos, foi completamente deturpado. Na realidade, se bem quisermos interpretar o pensamento de Coubertin, na linha da posição de Vítor Serpa, nos Jogos Olímpicos “o importante não é participar… é ganhar”.
4. Para Coubertin, se o espírito democrático da promoção do desporto devia ser universal (“todos os desportos para todos”, dizia ele), o espírito dos Jogos Olímpicos devia ser conduzido pela excelência competitiva dos eleitos e não pela fragilidade dos praticantes de base ou intermédios. Todavia, ao longo de mais de cem anos, a generalidade dos dirigentes políticos e desportivos tem-se utilizado da frase do Bispo Talbot sem qualquer rigor deturpando o pensamento de Pierre de Coubertin. E os resultados têm sido desastrosos. Felizmente, de vez em quando, há quem como Vítor Serpa tem o conhecimento e a coragem de dizer que “o importante não é participar… é ganhar!”. O problema é que os doutos dirigentes olímpicos não se dignam ouvi-lo. Em consequência, as Taxas de Descarte de jovens desportistas em países como Portugal atingem valores escandalosamente superiores a 90% na medida em que, “como o mais importante é participar” a esquizofrenia do aumento do número de atletas das Missões Olímpicas, para além de não premiar a qualidade, promove a mediocridade e destrói a prática desportiva de base de Sistemas Desportivos geridos por gente ignorante e, do ponto de vista ético-moral, insensível.
5. A este respeito também Thomas Bach presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), com a sua famigerada Agenda 2020, na linha dos seus antecessores, demonstrou não ter tido a capacidade para apontar os caminhos de futuro para o Movimento Olímpico internacional. E, agora, constrangido por uma crise à escala global que provocou a implosão dos Jogos Olímpicos, anda a correr atrás dos acontecimentos sem ter a certeza de nada e de coisa nenhuma. Quer dizer, foi capturado pelo gigantismo de um evento que deixou de poder ser objecto de qualquer espécie de previsão, planeamento ou controlo minimamente credíveis. E porquê? Porque os dirigentes políticos e desportivos nunca perceberam que na linha do pensamento de Pierre de Coubertin, para além de todos os desportos deverem ser para todos, conforme recordou Vítor Serpa, nos Jogos Olímpicos “o importante não é participar… é ganhar!”. Quer dizer, o Espírito Olímpico deve privilegiar a qualidade e não a quantidade estabelecendo uma relação virtuosa entre os praticantes de base e os de elite que se designa por Nível Desportivo.
6. Relativamente aos Jogos da XXXII Olimpíada, para além de todos os problemas desportivos, económicos, financeiros, jurídicos e sanitários, segundo uma informação veiculada pela “Inside the Games”, surgiu mais um problema que, certamente, será o maior de todos. Mais de metade (51,7%) dos moradores de Tóquio deseja o cancelamento ou adiamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Ora, como se sabe, um novo adiamento para 2022 é uma hipótese que já foi rejeitada por Thomas Bach. À parte de qualquer teoria da conspiração, esta informação surge assim como que a preparar a opinião pública para o cancelamento dos Jogos da Olimpíada de Tóquio. Porque, quanto mais se protela a decisão definitiva mais problemas vão surgir. Só 15,2% da população apoio a realização dos Jogos à escala tradicional. Mas também há aqueles (31,1%) que defendem a realização em 2021 de uma versão dos Jogos Olímpicos simplificada. O problema é, em cima da hora, saber quem (desportos, eventos e atletas) vai ser simplificado, quer dizer, excluído. A minha recomendação é simples: Tenham em consideração a premissa de Vítor Serpa: Nos Jogos Olímpicos “o importante não é participar… é ganhar!”. Aos Jogos não se vai para participar, quer dizer, para fazer número. Aos Jogos deve-se ir para competir de igual para igual e, se os deuses assim o quiserem, vencer. Para que tal possa acontecer os países devem ter uma política pública verdadeiramente séria em matéria de desporto.
7. Entretanto, para uma versão simplificada dos Jogos, já surgiram mais de duzentas ideias o que só por si expressa a dimensão e complexidade das decisões a serem tomadas. Está-se perante problemas de ordem operacional no quadro do Programa dos Jogos bem como no domínio logístico que Thomas Bach, finalmente, já percebeu que se trata de um "enorme quebra-cabeças em que todas as peças têm de encaixar" sem que elas estejam todas identificadas. A filosofia d’ ”o importante é participar” conduziu os Jogos Olímpicos a uma dimensão gigantesca que, por paradoxal que possa parecer, acaba por ser uma afronta às condições de vida e de prática desportiva em quase todos os países do mundo. A memória da imagem da população de uma favela do Rio de Janeiro a ver ao longe a luzes do fogo de artifício da Cerimónia de Abertura dos Jogos do Rio (2016) representa bem quanto o Movimento Olímpico moderno, construído por Coubertin para a generalidade das pessoas, se afastou delas.
8. A actual crise veio alertar para quanto o COI e a generalidade das Federações Internacionais (FIs) e dos Comités Olímpicos Nacionais (CONs), hiper estandardizados nas suas regras, concentrados e maximizados nos seus processos, centralizados nas suas decisões e progressivamente cada vez mais especializados nos seus eventos, estão impreparados para desencadear um processo de mudança à escala mundial porque aquelas organizações vivem na incoerência olímpica do paradoxo entre a qualidade e a quantidade. Sabem que a qualidade que desejam promover não se coaduna com a quantidade que, por razões de marketing são obrigados a assumir. Hoje, como refere Vítor Serpa, “o importante é vencer” e esse sempre foi o espírito de Coubertin. Para quem o “mens sana” de Juvenal era “uma máxima excelentemente higiénica, mas nulamente atlética”.
9. Considerando as dúvidas e hesitações de Thomas Bach quando teve de tomar a decisão de adiar os Jogos da XXXII Olimpíada e os posteriores desentendimentos com o Governo japonês, percebe-se que o COI está a viver uma das maiores crises de sempre. E tudo isto resulta da incapacidade demonstrada de compreender o Movimento Olímpico moderno a partir da lógica desencadeada por Coubertin na metáfora que ficou conhecida como a Pirâmide de Coubertin: “Para que cem se dediquem à cultura física, cinquenta têm de praticar desporto; Para que cinquenta pratiquem desporto, vinte têm de se especializar; Para que vinte se especializem, é necessário que cinco se mostrem capazes de realizar proezas extraordinárias”. Quer dizer, como refere Vítor Serpa, não se trata de participar trata-se de competir para vencer.
10. Do ponto de vista da organização do futuro, é necessário fazer ver a muitos membros do COI, bem como a muitos líderes das FIs e CONs que têm de deixar as mordomias do convívio com os deuses do Olimpo e regressarem ao planeta Terra. Assim que chegarem recomendo-lhes que, para começar, assumam a premissa de Vítor Serpa “ o importante não é participar… é ganhar!” e dela saibam tirar as devidas conclusões na certeza de que o Olimpismo é uma filosofia que, de acordo com a Pirâmide de Coubertin, deve colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento humano."

Combinação cósmica

"Presidente do Benfica tem de contratar treinador, excelente de preferência, e dar um sinal de ânimo à nação encarnada

A demissão de Bruno Lage não resolve, por agora, qualquer problema no Benfica, mas abre a porta, se houver capacidade como todos acreditamos, de inverter o ciclo com escolhas de qualidade.
Na Madeira viu-se um Benfica, profissional, esforçado, a entrar bem no jogo, a desperdiçar golos em quantidade e a perder o jogo em erros repetidos contra a lógica e sentido da partida.
Bruno Lage sai campeão e fica nos adeptos a sensação que desde Fevereiro há uma combinação cósmica não explicada sobre a equipa.
O presidente do Benfica tem de contratar treinador, excelente de preferência, e dar um sinal de ânimo à nação encarnada.
Neste momento, o projecto é relativamente simples: vencer. Chegar às vitórias de forma rápida e consistente como nos habituou a liderança encarnada.
O Benfica tem de lutar pelos jogos que faltam e segurar o segundo lugar (mau seria) e disputar a final da Taça de Portugal para a vencer. Taça de Portugal que sai do Jamor. Uma vergonha para o futebol português. Falta de segurança do Jamor num jogo sem público? Não, há é falta de respeito pelo que significa o Estádio Nacional e a tradição da Taça no Jamor. Muitos que sempre criticaram o Jamor têm uma grande vitória e conseguiram o que queriam. O futebol tem uma estrondosa derrota. Numa FPF que tem realizado um trabalho positivo, com áreas onde obtém excelentes resultados, fica aqui um sinal menos de desempenho por esta decisão. Há dinheiro para tudo menos para o mais básico, ter o Jamor como a sala de visitas do nosso futebol, até porque o estádio é bonito. A Taça de Portugal deveria ser no Estádio do Jamor e encerrar a época desportiva.
Na Europa do futebol o (meu) Liverpool de Klopp venceu o título e procura cilindrar o objectivo/recorde dos 100 pontos, o que era justo para uma equipa que ficará na história pela qualidade do futebol. O Barcelona fez questão de entrar o titulo em Espanha e parece que o Real Madrid aceita e agradece. Pedro Martins merece o aplauso por recuperar o título de campeão na Grécia e Luís Castro também por conseguir o título na Ucrânia. Os treinadores portugueses são bons, um pouco por todo o mundo."

Sílvio Cervan, in A Bola

Antevisão...

Bruno Lage

"No auge da veneração a Lage e ao seu trabalho, pensei que faltava ver ainda duas facetas do nosso treinador para se aquilatar definitivamente a sua competência, conforme possível distanciada e amadoristicamente. Como lidaria com o eventual insucesso, que quase não conhecera até então (a eliminação da Liga Europa criou alguma renitência, mas secundarizada face à extraordinária campanha no campeonato), e como planearia a época e construiria o plantel.
Não o escrevo para exibir supostos dotes de adivinhação ou uma pretensa capacidade invulgar de antecipação. Primeiro, porque as dúvidas por mim colocadas eram meramente hipotéticas, eu admirava Lage. Segundo, porque a nossa equipa iniciou a época brilhantemente e reagiu muito bem ao desaire caseiro com o FC Porto.
Na Liga dos Campeões, encarei o início titubeante como uma consequência, sobretudo, de lacunas competitivas do futebol português. Afinal de contas, passeávamos a nível nacional, apesar da tal derrota, e o desempenho na Europa até melhorou significativamente ao longo da fase de grupos.
O quase ano e meio de Lage deveria ser caso de estudo. Pela positiva e negativa, houve macas significativas. O percurso é inusitado, com a extraordinária ascensão seguida de uma derrocada sem precedentes. Por exemplo, 18 triunfos nos primeiros 19 jogos do campeonato nesta época, superado só pelo pleno de vitórias em 1972/73. Mas só dois triunfos nos últimos 13 jogos em competições oficiais, igualando os piores registos. E mesmo apenas com duas vitórias nas últimas dez jornadas, Lage ainda é o 3.º melhor treinador de sempre do Benfica, em percentagem de vitórias, com mais de 30 jogos nesta prova. Há uns meses, ninguém adivinhava este desfecho."

João Tomaz, in O Benfica