"Encarnados terão de encontrar o caminho para a sua evolução em fase pré-eleições, com pré-época reduzida, mercado difícil e arranque talvez antecipado pela não entrada direta na Champions
Quando, antes da final da Taça, Rui Costa anunciou que Bruno Lage seria o treinador na época seguinte, porque se tratar do menor dos culpados na falência da equipa nas Horas H dos Dias D da luta pelo título – visão que não partilho com o presidente das águias –, levantou o véu sobre aquele que será o seu ADN em 2025/26.
É certo que o treinador não se deixou espartilhar pelas ideias passadas e soube se adaptar aos jogadores que lhe deram, com mais um ou outro reforço assim que os pôde reclamar e que o aproximaram do rumo que sabia que queria percorrer, porém parece claro de onde parte e para onde quer ir, e isso não mudou tanto quanto isso.
Quando Rui Costa comprou a ideia de Roger Schmidt, encontrando-se a meio-caminho com o desejo do alemão em treinar o Benfica, e depois de ver a sua equipa sofrer perante o PSV, já o gegenpressing tinha entrado em declínio. Enquanto funcionou nos primeiros meses, em pleno microclima lusitano, maravilhou as bancadas, porém depois se percebeu que, mesmo na nossa Liga, mexer na estrutura-base significava tocar no compromisso e no desempenho, e potenciar em demasia o risco. Não chegava por si só, era um modelo incompleto.
Jürgen Klopp, que não inventou a ideia, mas foi brilhante aluno de Wolfgang Frank, um dos grandes ideólogos da primavera futebolística germânica – linha de 4 sem o tradicional líbero, marcação à zona com linha defensiva subida e pressão alta e agressiva – a par de Ralf Rangnick, foi obrigado a ser tremendamente criterioso na escolha dos jogadores. Era fundamental que estes se apercebessem no que se iam meter ainda antes de definitivamente lá entrarem, porque o nível de exigência, sobretudo físico, era altíssimo e inegociável, ao ponto de essas reuniões precoces se terem tornado cruciais para gerar e manter sucesso no Mainz e no Dortmund. Mais tarde, em Liverpool, já depois de ter passado por uma crise profunda em frente à Muralha Amarela, concluiu finalmente que o processo que tornara seu estaria para sempre incompleto. Que não bastava viver nas ondas de pressão e nas transições em todos os jogos, era preciso controlá-los diante de rivais por vezes muito diferentes. E é a essa visão que transporta agora para o grupo Red Bull, que, paralelamente, também chegou à mesma conclusão depois de anos a fio a viver na vertigem.
Se para os outros foi difícil, mesmo com os melhores jogadores, Schmidt nunca poderia ter a estabilidade necessária para assentar um processo tão exigente num clube que, ano a ano, vende um ou dois dos seus melhores jogadores. A incapacidade de, depois, encontrar substitutos à altura, dar a volta a si próprio e a falta de simpatia e empatia desde as bancadas precipitaram o adeus.
Na primeira passagem de Lage, naquele fatídico segundo ano, percebeu-se onde o técnico queria chegar, antes de um dos maiores descalabros do futebol português. Até janeiro, apesar de o FC Porto ter ido vencer à Luz num jogo em que Nuno Tavares a lateral-direito acabou por ser presa fácil para as armadilhas de Sérgio Conceição, os encarnados passearam no topo da tabela, embora com sinais exibicionais de declínio. O treinador sentiu que precisava de mais controlo e Julian Weigl, em tese, acrescentaria esse critério à organização ofensiva, mas nunca foi homem para o duplo-pivot que lhe estava destinado. Manu, no último inverno, representa a mesma ideia, mas ajustada a três médios em simultâneo. A diferença é que se lesionou e estragou os planos que o contemplavam.
Lage já sabe que terá de resolver mais esse puzzle, mesmo que as próprias escolhas nos muitos onzes que desenhou o tenham levado invariavelmente noutro sentido, dada a vontade de ter jogadores como Akturkoglu a atacar a profundidade e a transitar rápido para o ataque ou dribladores como Bruma e, por consequência, assim deixar esmorecer projetos interessantes como Schjelderup, Prestianni e Rollheiser, o último até com uma guia de marcha definitiva, que garantiriam em teoria um jogo bem mais associativo.
Para o ataque posicional crescer nas águias, não bastará ter só esse lado da moeda, nem recuperar Manu para o lado de Kokçu, é necessário que várias outras posições adquiram toda uma nova dimensão, o que parece bem complicado com os jogadores que fazem parte do atual grupo como primeiras escolhas.
Em simultâneo, haverá uma pré-temporada apertada devido ao Mundial de Clubes e à participação nas eliminatórias da Liga dos Campeões, onde terá, mais uma vez, de estar sim ou sim, o que limitará as horas de trabalho quando mais precisas seriam. Tudo terá de bater certo, incluindo um mercado que não pode deixar de ser exemplar nas escolhas, prevendo-se apenas para já que um dos melhores e mais influentes – na defesa e no ataque –, Álvaro Carreras, estará de volta ao Santiago Bernabéu, já como adulto, e Samuel Dahl, a meu ver, parece bem mais confortável como médio do que como lateral.
O técnico e a direção terão, também aqui, interesses diferentes. A Rui Costa interessará um mercado populista, porque daí a meses haverá eleições e, se as quiser vencer, terá de convencer os sócios que se voltou a fazer luz algures no universo benfiquista e se encontrou o rumo, o que não significa necessariamente que se trate do mercado ideal. Ainda que acredite que recuperar João Félix, por exemplo, faça sentido para ambos, devido à ligação entre avançado e treinador.
A Lage, também, ajudá-lo-ia um cenário de tranquilidade e paz para trabalhar da melhor forma, em vez de o de um clube a tentar fazer em escassas semanas, numa declarada abordagem pré-eleições, como acontece em tantos outros setores da sociedade, o que não feito em todo o mandato. E em que, mais uma vez, os resultados até outubro poderão influenciar o vencedor.
Está longe de ser o melhor ponto de partida para uma época num clube que parece estar longe da melhor organização possível e que, ainda por cima, não manifesta grande pujança financeira. E tudo parece demasiado parado, com um central de 37 anos, por cúmulo, a condicionar-lhe o mercado!"