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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Choveu em Santiago...

"Foi um dos momentos mais dramáticos da história do Benfica. No dia 28 de Janeiro de 1967, em Santiago do Chile, Augusto Silva »acordou morto para o Futebol». Já aqui relembrámos a sua carreira; relembremos agora o seu suplício.

Em Janeiro de 1967, o Benfica estava no Chile. Como sempre costumavam fazer, os dirigentes dessa equipa fantástica que encantava o Mundo, aproveitaram uma pausa no Campeonato Nacional para levarem Eusébio, Coluna, José Augusto, Simões, e mais e mais e mais, numa digressão longa e cansativa mas que valia uns bons punhados de dólares.
No dia 25 de Janeiro, o dia de anos de Eusébio, o Benfica defrontou o Universidade Católica e empatou 2-2. No dia 28, foi a vez de jogar contra um misto do Universidade Católica com o Universidade do Chile. Derrota por 1-2. Uma derrota que foi um mal menor.
Na manhã de 28 de Janeiro, Augusto Silva, um dos mais dedicados jogadores do clube, dá entrada no Hospital de Neurocirugia Del Salvador, em Santiago. Diagnóstico precoce: hemiplegia. Não jogará nessa noite no estádio Nacional Julio Martinez Prádanos. Não voltará a jogar Futebol. «A Bola», no dia seguinte ao trágico acontecimento titulou com a mestria dos velhos grandes: «Acordar morto para o Futebol».
Disseram depois que, na véspera, se deitara cedo. Era um cumpridor. Jogara a sua partida de cartas, como habitualmente depois de jantar. A viagem que se iniciara cinco dias antes fora cansativa. Ainda pesava no corpo de todos os jogadores. Rezam as crónicas dos jornais chilenos que, tirando alguns movimentos ofensivos, a exibição 'encarnada' frente ao Universidade Católica deixará a desejar. Nessa altura, exigia-se tudo ao Benfica que fora há bem pouco campeão da Europa.
Houve, seis anos mais tarde, um filme que ficou famoso: «Chove em Santiago». Contava a queda de Salvador Allende, tinha Jean-Louis Trintignant, Annie Girardot, Bibi Anderson, tudo gente famosa à época. E música do incomparável Astor Piazzola.
Parece que choveu em Santiago nessa manhã. E choveu, choveu muito na alma de Augusto Silva.
Os médicos chilenos foram muito claros logo no segundo dia do seu internamento: não voltará a jogar Futebol!
Um acidente vascular cerebral provocara-lhe a paralisa geral do lado direito do corpo, retirando-lhe ao mesmo tempo o uso da fala. Augusto Silva estava consciente, percebia tudo o que lhe diziam e tentava responder com gestos desenhados pela mão esquerda. Era-lhe ministrada Papaverina, uma substância que servia para a dilatação vascular.
A equipa regressa a Portugal. Ferida na asa.
Fernando Riera, o treinador, chileno de nascença, fica com Augusto Silva em Santiago mais uns dias, procurando acompanhá-lo, ir sabendo da evolução do seu estado.
Lá longe, em Lisboa, há a prece.

Sob o signo do sete
Foi longa a estadia de Augusto Silva em Santiago do Chile. Só regressaria a Portugal no dia 17 de Fevereiro, entrando em seguida para o Centro de Reabilitação de Alcoitão.
Aos poucos foram-se sabendo pormenores daquela sinistra manhã. Ao acordar, Augusto Silva sentira uma comichão no braço e, pouco depois, perdia a sensibilidade. Seriam os seus companheiros de quarto, Iaúca e Camolas, a encontrá-lo, já prostrado. O destino tirou-lhe o futebol, mas a fibra de que era feito não o atirou para a margem da vida.
A sua chegada a Lisboa teve momentos dolorosos. A imagem da sua saída do avião, para ser recebido pelo filho pequeno que o esperava, ficou na memória de muitos. O último filho que iria perder, depois de ter visto morrer dois ainda tão meninos.
Recuperou como pode. Trabalhou para o Benfica anos a fio como funcionário.
A sua estria do Futebol de I Divisão tinha sido, curiosamente, no Estádio da Luz, pelo V. Guimarães, onde iniciara a carreira. A vitória encarnada nesse encontro foi esmagadora: 7-0.
De volta ao campeonato, depois da triste digressão ao Chile, o Benfica defronta, na Luz, o V. Guimarães: todos os colegas jogam por Augusto Silva, querem oferecer-lhe a vitória. E que vitória: 7-0.
Sob o signo do sete.
Augusto seria campeão, como os outros. Talvez um pouco mais campeão até.
Nesse seu último campeonato actuara por duas vezes, frente ao FC Porto, na Luz (vitória 3-0) e em São João da Madeira, contra a Sanjoanense (vitória 3-1), sempre a defesa. Para a Taça de Portugal, defrontou a Ovarense na Luz (3-0, com o primeiro golo da ser da sua autoria), e para a Taça das Cidades com Feira, muito pobre para o Benfica nesse ano, tinha sido utilizado contra o Spartak Plovdiv e contra o Lokomotiv Leipzig.
E nada voltaria a ser como dantes.
Os «Luar na Lubre», grupo da Galiza, também cantou «Chove em Santiago».
E diziam:
«Chove en Santiago
na noite escura.
Herbas de prata e sono
cobren a valeira lúa».
Choveu em Santiago sobre Augusto Silva. Mas não lhe afogou a coragem. Ficou para sempre como exemplo da vitória do crer contra a adversidade. Que não caia no esquecimento."

Afonso de Melo, in O Benfica

Meio-morto

"No domingo, na Luz, ainda a segunda parte ia a meio, já o Vitória, a perder por 3-0, defendia o resultado, com duas linhas de jogadores em frente à área. Enquanto isso, o árbitro fazia o que os árbitros teimam em fazer entre nós. Sem cometer erros decisivos, dava todos os contributos possíveis para estragar ainda mais o jogo, apitando por tudo e por nada (32 faltas) e começando a distribuir amarelos a ritmo apreciável (seis amarelos, cinco dos quais nos últimos 20 minutos). No fundo, é o futebol português em todo o seu esplendor. Jorge Jesus disse na conferência de imprensa que, a partir de certa altura, o Vitória estava meio-morto. Temo bem que não seja assim. É o campeonato português que está a ficar meio-morto.
Passam as jornadas e parece que a tendência se consolida. Um campeonato de jogos desinteressantes. Entretanto, o fosso entre três ou quatro clubes e os restantes acentua-se, com uma agravante: contra adversários de qualidade duvidosa, o futebol dos grandes tenderá a degradar-se também. É penoso assistir a 90 por cento dos jogos da 1.ª Liga e há demasiados sinais de que é uma tendência que veio para ficar. Devemos agradecer a todos aqueles que se bateram pelo alargamento da 1.ª Liga e que agora defendem o fim dos fundos e a aposta no jogador português. Por este caminho, bastarão dois ou três anos para o nosso campeonato estar ao nível do escocês, holandês e belga.
Se nada for feito para parar esta deriva, o cenário será mais ou menos este: Portugal deixará de ser porta de entrada para jovens talentos que querem singrar na Europa e que não podem entrar directamente nos clubes espanhóis e ingleses de topo; os jovens jogadores portugueses de qualidade deixarão o pais antes de se afirmarem nas equipas principais dos três grandes; e o campeonato português será nivelado (ainda mais) por baixo. Façam bom proveito."