Últimas indefectivações

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Eusebismos

"ELBASAN - Faltavam cerca de 20 minutos para os adeptos albaneses desatarem a gritar MESSI, MESSI, MESSI, quando senti um puxão no braço esquerdo.
Olhei para trás e esbarrei no sorriso de um senhor já velhote e no olhar fascinado do sobrinho. Não houve cá tempo para bons-dias nem boas-tardes, que o italiano do homem era tão improvisodesenrascado que ele parecia nem respirar. Sorria, e repetia, agora fazendo-se entender: «Quem é melhor, Ronaldo ou Eusébio?» Assim mesmo, de chofre, sem me dar tempo para pensar, logo insistindo, agora pela voz do rapaz, em inglês.
Tenho para mim que Eusébio foi um gigante, mas - eventualmente porque nunca o vi jogar a não ser em imagens de TV sem grande qualidade - entendo que tudo o que Cristiano Ronaldo já conseguiu, o extenso currículo que ostenta, o facto de ser um quebrador incansável de recordes no Real Madrid e na Seleção o torna já merecedor da coroa de melhor português de sempre (e isto sem qualquer desprimor para génios como Eusébio, ou, por exemplo, Luís Figo).
O jovem traduziu as minhas palavras do inglês para o albanês e o olhar do tio alterou-se. Sem respirar, disparou (a sonoridade era parecida e o google tradutor diz que a frase era algo como isto): «Pelé ka thene se ne qofte se ka pasur nje loje kunder nje ekipi marsian dhe Eusebio nuk ka luajtur, ai gjithashtu nuk do te luaje». Percebi, ali pelo meio Pelé, equipa de marcianos e Eusébio, mas tive de esperar que o rapaz explicasse que o Pelé tinha dito que se o Eusébio não jogasse contra uma equipa de marcianos ele próprio não jogaria! Sorri e apreciei o momento. Não rebati - para quê contrariar tão forte paixão? - e desejei-lhes boa sorte, que aproveitassem o jogo. Para eles, foi um dia mágico. Afinal, era só um jogo de futebol e isso, toda a gente sabe como pode ser mais importante que tudo."

Nuno Perestrelo, in A Bola

Certezas e surpresas europeias

"No Euro-2016, vai haver muitos neófitos. Por um lado, porque aumentou o número de selecções apuráveis (passou-se, sucessivamente, de 4 para 8, 16 e agora 24!). Mas também porque a globalização se instalou no futebol, com a migração de bons atletas para ligas mais competitivas.
Assim, vamos ter a Islândia no próximo Europeu e, provavelmente, Albânia, País de Gales e a dobradinha checoslovaca. E para o play-off (ou até para o apuramento directo) há Israel, a muito antes poderosa Hungria e a Noruega. Além disso, saúda-se os quase certos regressos da Roménia (ao contrário da deprimida Bulgária), Bélgica, Áustria e Polónia (estas duas sem o bónus de apuramento por terem sido anfitriãs).
Em sentido inverso, a Holanda é um caso estranho de dificuldade, logo num sistema em que o mais difícil é uma boa selecção não ficar apurada, tal a fartura de lugares disponíveis. Logo a seguir, a Grécia, ex-campeã europeia, que, depois do nosso Fernando Santos, está em último, 3 pontos atrás - imagine-se! - das Ilhas Feroé. Acrescem a Sérvia, antes equipa poderosa, a irregular Turquia e a sempre imprevisível selecção russa.
No campeonato dos pequeninos, duas selecções fingem que competem e ainda não pontuaram: Andorra e Gibraltar (no conjunto, marcaram 5 golos e sofreram 76 (!). Além delas, brilham São Marino, com um empate, e única que ainda não soube o que é um golo (0-25) e Malta. Ceguinhos de há uns bons anos, temos a excelente, mas não surpreendente, evolução de Chipre (3 vitórias, até ver) e até o Liechtenstein (5 p.) e Luxemburgo (4 p.) fazem pela vida."

Bagão Félix, in A Bola

As mesmas condições


"Quando a esmola é grande, o pobre desconfia, costuma dizer-se e é bem capaz de ser verdade. Aqui a 'esmola' são as notícias de propostas tentadoras por jogadores do Benfica, prontamente rejeitadas, e o 'pobre' é o plantel do Glorioso que precisava de ter sido reforçado e não foi.
Logo após o fecho do mercado foi noticiada uma proposta de 10 milhões do Chelsea por Luisão, outra de 16 milhões do Nápoles por Cristante, ainda uma de 20 milhões de origem desconhecida por Gonçalo Guedes e foi ainda aventado que o Liverpool teria oferecido 25 milhões por Gaitán. O mercado fechou, o Benfica não se cansou de recusar propostas (claro está, devidamente almofadado pelos vários jogadores da equipa B vendidos pelo número redondo de 15 milhões) e, no fim, ficou com um plantel paradoxalmente grande e desequilibrado.
Com quase 30 jogadores, o Benfica consegue a proeza de ter, pelo menos, três jogadores (Talisca, Djuricic e Taarabt) para a posição 10, que raramente utilizará, enquanto a posição 8, fulcral no 4x4X2, depende apenas de uma solução de recurso (Pizzi), que continua a gerar cepticismo.
É por isso que, ao longo desta época, continuarão a ecoar as palavras de Luís Filipe Vieira na apresentação de Rui Vitória: "Há uma garantia que quero deixar - vais ter as mesmas condições que outros tiveram." Rui Vitória pode ser capaz de dar a volta ao texto e formar titulares num ápice a partir de jogadores da formação, mas não parte com as mesmas condições de Jorge Jesus. Já Vieira "gostava de ter dado mais um ou dois jogadores" ao treinador, a verdade é que não deu."


Impressão digital

"As Selecções Nacionais de futebol estão de regresso ao trabalho e com elas as discussões sobre o seu valor desportivo. Depois do sucesso dos jovens lusos Sub-20 e dos Sub-21 e apesar do lugar que ocupa a nossa Selecção A, 6.ª no ranking da FIFA, há quem se entretenha a desvalorizar e hipotecar o nosso património desportivo.
Sejamos justos. É da mais elementar justiça reconhecer o sucesso das Selecções Nacionais e premiá-lo. Concretamente: jogadores: individual e colectivamente, que de forma brilhante, em cada jogada, afirmam a sua identidade e o seu valor. Afirmam mais a identidade do nosso futebol, do nosso país. Jogadores, a quem é dado tão pouco e é pedido tanto. Jogadores que nos fazem grandes, que nos fazem sonhar, sair do rectângulo que é o campo e o país. Sobretudo os mais jovens, apesar das condições adversas, nomeadamente da falta de investimento na formação, nos equipamentos desportivos ou nas condições laborais, conseguem superar-se e dar uma bofetada 'de luva branca' a quem os quer remeter para a 'zona de conforto'. São eles, com esta atitude, com os seus êxitos, dribles e golos que chamam a atenção para os sucessos e os problemas do futebol, são eles que obrigam à sua reflexão, à tomada de decisões. O futebol português, implacável quando falham, que não hesita em explorar os fracassos, é o mesmo que anda a reboque dos seus êxitos.
Há talento. Tanto talento. Talento que muitos não vêem ou não querem ver. Talento que é escondido. Talento que é nosso, que importa reconhecer, em que devemos investir e valorizar. Sempre.
Treinadores: jovens, a maioria ex-jogadores, nomeadamente Rui Jorge, Emílio Peixe, Hélio Sousa e Filipe Ramos, sob a orientação de Ilídio Vale e agora de Fernando Santos implementaram um modelo de sucesso na Federação. Competentes, com um lado humano do tamanho do futebol que faz a diferença. Uma atitude própria, de respeito pelo jogador, pelo jogo. Atitude potenciada pela partilha e complementaridade entre todos.
Parabéns.
Dirigentes: a estrutura federativa não ganha jogos, mas ajuda e de que maneira. Fernando Gomes arrepiou caminho, organizou, renovou, apoiou e projectou o futebol português. Os resultados não acontecem por acaso. As Selecções Nacionais estão de regresso e no desporto são o garante da nossa identidade, a nossa impressão digital. Saibamos preservá-la."

O papel dos empresários

"1. Nenhum jogador, nem mesmo Messi, vale 80 milhões de euros, muito menos Martial, um miúdo de 19 anos que o Manchester United do atarantado Van Gaal comprou ao Mónaco de Leonardo Jardim para jogar como ponta-de-lança. Os valores a que o mercado chegou neste verão são deveras alucinantes, para não dizer escandalosos, e os responsáveis são os intermediários, mais eruditamente ditos gestores de carreiras, acolitados pelos vários comissionistas que nestas ocasiões nunca faltam. Sem o seu poder de especulação, as cotações nunca teriam atingido estas exorbitâncias. Por isso é que os intermediários estão ricos, tão ricos que nada me espantaria se qualquer dia algum deles fosse incluído no top da Forbes. Pelo contrário, surpreende-me, isso sim, que nenhum clube tivesse aproveitado esta onda inflacionária para levar Gaitán por apenas 35 milhões, ele por quem - segundo a imprensa - choveram propostas de toda a Europa durante 5 meses!
2. Se há um futebolista por quem hipoteticamente aceitaria que tivesse sido paga uma mão cheia de milhões, no caso de ter podido imaginar o percurso que viria a fazer e a dedicação que viria a demonstrar a um só emblema, esse futebolista é Francesco Totti. O capitão da Roma,que completa 39 anos de hoje a 19 dias, vai na sua 24.ª época na SérieA sempre com a camisola giallorossa e está pronto a renovar o contrato. É a última bandeira italiana de um futebol cada vez mais volúvel e mercantil. Totti está no clube desde 1989, é o segundo melhor marcador de sempre da Liga, apenas superado pelo lendário Sílvio Piola nos anos '30 e '40. Para já, tem duas metas a alcançar: 300 golos oficiais no campeonato (tem 299) e chegar ao registo de 100 jogos em provas da UEFA (vai nos 95). Entretanto, com a Roma exibe já dois recordes absolutos: o de presenças em campo (745) e o de golos marcados, os já referidos 299. A frescura física e a resistência não são as mesmas, mas o treinador, Rudi Garcia, já decidiu que só o utilizará nas partidas mais importantes."

Manuel Martins de Sá, in A Bola

PS: Acrescento um pormenor em relação aos empresários: os ditos estão milionários, e a grande maioria dos Clubes vai-se endividando cada vez mais... sendo que as instituições, nacionais e internacionais, nada fazem para alterar o formato do mercado.
Em relação ao Gaitán, aconselho o cronista, perguntar aos colegas jornalistas da Bola ou dos outros, quais foram as fontes de tantas capas, garantindo a venda do Nico!!!

O desporto e os refugiados

"Após a II Guerra Mundial, 1,6 milhões de alemães que tradicionalmente habitavam na Checoslováquia foram expulsos, abandonando as suas casas. Miroslav Vanek, um dos mais ilustres pioneiros da psicologia do desporto mundial e segundo presidente da Sociedade Internacional de PD, era então um jovem oficial checo cumprindo o serviço militar. Como outros oficiais, recebeu ordens para ocupar uma dessas habitações que muitos utilizaram como casa de campo. Se recusasse, poderia vir a ter graves problemas e ser considerado nazi. Assim, Vanek, que assistira de coração partido à tragédia daquelas famílias deslocadas, contou-me uma tarde em sua casa, ainda emocionado passados 50 anos, que escolheu a casa mais degradada e destruída de entre todas.
Miroslav Vanek era um humanista. Foi o primeiro psicólogo do desporto do mundo a participar em Jogos Olímpicos (México, 1968). Dedicou a vida a promover os valores humanos do desporto na sua abordagem com atletas e nas suas funções internacionais. Contribuiu para a cooperação internacional, designadamente entre colegas dos blocos comunista e ocidental, beneficiando de falar cinco idiomas. O único caminho possível para o desporto é o dos valores humanistas. Sem isso não encontra justificação porque não respeitará o indivíduo e a Sociedade. Será apenas espectáculo, porventura bárbaro. Têm sido tímidas as intervenções do mundo do desporto relativamente aos refugiados. O minuto de silêncio da Selecção Nacional de futebol foi bonito. Urge agora outro nível de acção. O Futebol Clube do Porto propôs que seja doado um euro por bilhete nos jogos da Champions e o Bayern de Munique ofereceu a colocação de jovens num centro de estágio e um milhão de euros, assumindo ambos o que designam de responsabilidade social. Celtic e Borussia Dortmund anunciaram outras iniciativas. Adeptos organizados dos campeonatos alemães e ingleses exibem faixas dando as boas-vindas aos refugiados. São exemplos a seguir e a ampliar."

Sidónio Serpa, in A Bola

PS: Desta vez os Corruptos, em vez de uma ajuda directa aos necessitados, resolveram apelar aos outros para doarem, sendo que estou para ver, se eles vão ajudar (€1 por cada bilhete vendido na Champions)!!! Até porque, ninguém sabe quantos bilhetes são vendidos no antro Corrupto!!! As vitimas das enchoradas na Madeira, por exemplo, ainda estão à espera...!!!