"Tudo para decidir na última jornada, sinal inequívoco de competitividade da Liga. Mais: só Farense e Boavista, os dois últimos, não roubaram pontos aos quatro primeiros.
Final de campeonato digno de Hitchcock, o mestre do suspense. Está tudo praticamente por decidir, pelo que o adepto do futebol não podia pedir mais emoção. Título, UEFA e manutenção, tudo vai decidir-se no sábado, a partir das 18h00.
Sou daqueles que gosta do futebol português. Dos jogadores e dos treinadores — quanto aos dirigentes já é outra conversa... Considero que têm muito valor e uma capacidade de se reinventarem a cada momento.
Conseguem constantemente fazer muito com pouco, uma qualidade que muito aprecio. Não sou apologista de que a Liga portuguesa é pouco competitiva ou que é nivelada por baixo. Uma narrativa construída já há muitos anos e que a cada dia ganha mais simpatizantes. Eu próprio, confesso, por vezes me deixo ir na onda.
Ainda no início desta época escrevi aqui neste espaço que o campeonato estava perigosamente desequilibrado. O Sporting de Ruben Amorim voava, como dizem os brasileiros, e tudo parecia ser só facilidades. Curiosamente, foi a partir do momento a que assisti a uma conferência de imprensa do agora treinador do Manchester United que refleti melhor sobre o assunto.
Então, Ruben Amorim disse que era um privilegiado em Alvalade, que o clube estava muito bem organizado e que o plantel tinha sido construído a tempo e horas e com os jogadores que tinha pedido, além de que o Conselho de Administração do Sporting presidido por Frederico Varandas lhe dava toda a confiança. Bem diferente, sublinhou, era a posição de muitos dos homólogos da Liga, para os quais pediu tempo. Nada mais acertado, como se percebeu depois…
Recordei-me dessas palavras nestes últimos dias, com tudo por decidir na 34.ª e última jornada. O final de campeonato só não vai ser ainda mais emotivo porque o SC Braga, que tão bom trajeto estava a realizar nesta segunda volta, claudicou nas três rondas anteriores: sete pontos perdidos em nove possíveis.
Os guerreiros entregaram desta forma o terceiro lugar, que vale o acesso direto à UEFA Europa League, ao FC Porto — os minhotos só matematicamente têm possibilidades de terminar no pódio, mas daquelas nas quais ninguém acredita, pois seria necessário vencerem o Benfica e os dragões perderem em casa com o Nacional e ainda que a combinação de resultados permitisse anular uma desvantagem de sete golos.
Quanto ao título, todos os portugueses já sabem de cor e salteado o que terá de suceder para Sporting ou Benfica festejarem. Volto a reafirmar o que escrevi há uma semana: quem saísse na liderança do dérbi tinha tudo para ser campeão e considero mesmo que o mais provável é os dois rivais terminarem empatados, com a vantagem no confronto direto a fazer a diferença. Querem mais equilíbrio? Só mesmo se o critério de desempate fosse a diferença de golos. Que até é bem pequena: três — 86-27 para os leões e 83-27 para as águias.
Dada a final da Taça de Portugal ser disputada entre Sporting e Benfica abriu-se mais uma vaga na UEFA via campeonato, com o 5.º classificado a ter acesso à Conference League e também aqui não podia pedir-se maior equilíbrio, com V. Guimarães e Santa Clara empatados à entrada da última jornada.
Emotiva, como quase sempre, é a fuga aos lugares de despromoção, esta época com quatro clubes envolvidos. Entre E. Amadora, Aves SAD, Farense e Boavista só um vai festejar e dois não vão evitar as lágrimas. O outro, o 16.º classificado, ainda vai depois realizar mais dois jogos, no play-off com 3.º classificado da Liga 2 — esta, para não variar, está extremamente equilibrada e é um verdadeiro hino à competitividade temporada após temporada.
Voltando a Ruben Amorim, que como sabemos tem uma clarividência notável e uma forma de comunicar que a todos deixou saudades — não cometia gafes como, por exemplo, a de Rui Borges ao falar, de forma despropositada, dos amarelados do V. Guimarães, algo que esta sexta-feira, não tenho dúvidas, vai tentar emendar perante os jornalistas, nem tão-pouco abria exceções para comentar arbitragens, como sucedeu com Bruno Lage no final do dérbi, lamentando a não intervenção do VAR, que até identificou pelo nome, num lance no qual se sentiu prejudicado, claro… —, recordo ainda que na tal conferência de imprensa sublinhou o facto de muitos treinadores em Portugal nem terem começado as campanhas com os plantéis definidos. Nada mais verdadeiro e decisivo. Como se constatou durante a segunda volta.
E depois ainda dizem que a Liga portuguesa é desequilibrada. Olhem para a tão elogiada Premier League e vejam as pontuações de Ipswich, Leicester e Southampton, há meses (!) condenados à descida, o que permitiu que cerca de metade das equipas daquele que é considerado o melhor campeonato do Mundo andem praticamente a cumprir calendário desde o Natal…
Com tempo e sem presidentes irracionais, que trocam de treinadores como quem troca de camisa, o trabalho dá resultados. Querem um exemplo? Só Farense e Boavista, não por acaso os dois últimos classificados da Liga, não roubaram pontos aos primeiros quatro classificados! E o aflito Aves SAD travou Benfica e Sporting, tal como o Arouca, com a equipa de Vasco Seabra a ter a desfaçatez de o fazer em Alvalade e na Luz!
Os treinadores portugueses têm muita qualidade e uma resiliência notável, suportando a exigência de autênticos milagres por parte dos dirigentes, que até ousam alterações no comando técnico a duas jornadas do fim. Para já, com bons resultados. Não é, José Mota? O desenrascanço é, sem qualquer dúvida, uma arte… portuguesa.
Ruben Amorim é mesmo um visionário. É realmente de lamentar ter deixado o futebol português, onde continua muito boa gente com uma falta de bom senso aflitiva."