Últimas indefectivações

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um assunto para levar muito a sério

"Se andarmos aqui para ganhar títulos, o jogo com o Moreirense para a Taça é muito mais importante do que o jogo com o Celtic para a Champions

NA última temporada, o Benfica caiu de forma inglória e altamente displicente na Taça de Portugal numa das primeiras eliminatórias da estimadíssima competição. Foi mais ou menos por esta altura do ano. O Benfica andava animado, seguia em bom ritmo no campeonato e na Liga dos Campeões e ao valente tropeção na Taça de Portugal não foi dada a importância devida. Longe disso.
A coisa foi considerada como um acidente de percurso sem consequências de maior. Para quem parecia; à altura, vocacionado e capacitado para voos mais ambiciosos, a eliminação frente ao Marítimo na Taça de Portugal não causou grande mossa. Foi apenas um aborrecimento, uma chatice.
Diga-se já aqui que o desfecho do jogo do Funchal foi justíssimo e merecido castigo para um Benfica que se apanhou a ganhar tranquilamente por 1-0 ao intervalo e tão tranquilamente regressou dos balneários para a segunda parte que num instante de viu a perder por 2-1 e sem qualquer capacidade para inverter a situação. Lembram-se?
Meses mais tarde, quando os sonhos da Liga portuguesa e da Liga europeia se desvaneceram, já Primavera adentro, muita falta fizeram ao Benfica as aspirações a uma Taça de Portugal para as somar ao nascente e ainda incipiente encanto de mais uma Taça da Liga, a quarta em quatro anos, nunca é demais repetir.
De um modo geral e indesculpável, a saída precoce da Taça de Portugal quase foi encarada como um alívio no calendário competitivo para quem, aparentemente, tinha outros assuntos bem mais sérios com que se entreter. Atenção que não pretendendo insinuar que a eliminação frente a um valoroso Marítimo foi festejada no Estádio da Luz, o que seria grande e invulgar aberração.
Na verdade, não tão invulgar assim a dita aberração. Ainda na temporada passada, a de 2011/2012, quando o imparável FC Porto foi eliminado nas meias-finais da Taça da Liga pelo Benfica, o seu presidente não teve pejo algum em exibir a sua felicidade por se ver livre do transtorno.
-Desta já estamos livres - disse como que aliviado.
Lembram-se?
Este fim-de-semana há Taça. O Benfica vai jogar a Moreira de Cónegos com a equopa que, sensacionalmente, afastou o Sporting na eliminatória anterior, a primeira para que foram convocadas as equipas da Liga principal.
Embora o jogo da próxima semana com o Celtic, para a Liga dos Campeões, tenha o natural condão de merecer um olhar mais vivo e codicioso por parte dos adeptos porque é um desafio contra estrangeiros numa competição de sonho em que o Benfica, com o recurso a uma máquina de calcular e a muita sorte, ainda poderá ter uma palavrinha a dizer, e pedindo já desculpas a quem estiver a ofender, entendo que o jogo com o Moreirense já nesta sexta-feira é mais importante para o Benfica do que o jogo com os escoceses da próxima semana.
Se por importante entendermos títulos. A conquista de títulos, faço-me entender? É que ninguém tem dúvidas de que as hipóteses de conquistar uma Taça de Portugal são infinitamente superiores às hipóteses de o Benfica chegar a conquistar, nos tempos mais próximos, uma Liga dos Campeões.
Compreende-se, porém, que haja adeptos que pensem de maneira diferente e para quem importante seja ver a equipa fazer uns floreados na Europa - quem é que não gosta afinal? - e ir progredindo até ao inevitável. No ano passado, por exemplo, o inevitável chamou-se Chelsea, que haveria de ganhar a competição, e o esforço despendido pelo Benfica nas eliminatórias com os russos do Zenit e com os ingleses do russo Abramovich custou caríssimo à equipa em termos nacionais.
Opiniões há sempre muitas e quase todas respeitáveis, mas se quiseram saber a minha ninguém me tira da cabeça que o momento-zero da débacle do Benfica na luta pelo título nacional aconteceu em São Petersburgo quando o nosso defesa central argentino Garay se lesionou com tal gravidade que ficou afastado da equipa por semanas e semanas a fio.
Quando Garay saiu da equipa por motivos de saúde o Benfica tinha 5 pontos de avanço sobre o FC Porto, quando Garay, reestabelecido, regressou à equipa toda essa vantagem tinha sido desperdiçada. Serve isto para dizer que considero Garay um jogador muitíssimo importante do Benfica e sem substituto à altura.
Por isso é má a notícia de que Garay não vai jogar em Moreira de Cónegos porque se lesionou no jogo em Vila do Conde. É tão má a notícia que quase abafa a boa notícia do regresso do Luisão, depois de dois meses de ausência como castigo do seu acto de loucura - chamemos-lhe assim - em Dusseldorf no decorrer de um jogo amigável que não chegou ao fim por motivos sobejamente conhecidos.
O Benfica não sofre golos há quatro jogos, o que não é muito comum e por isso mesmo é de elogiar. Sai agora Garay, regressa Luisão e mantém-se ao serviço Jardel a quem, nestes dois meses, só há apontar aquele lance infeliz do auto-golo em Moscovo. Com este novo desenho no eixo da defesa, o Benfica joga amanhã o seu futuro na Taça de Portugal. Espero que levem o assunto a sério. É que na Taça de Portugal au acredito e na teoria das probabilidades também.

NO que diz respeito aos guarda-redes, estamos bem servidos como o jogo de Vila do Conde amplamente comprovou. Na baliza do Rio Ave, o muito jovem e incrivelmente seguro Oblak, que muitos benfiquistas vêm como o guarda-redes do futuro. Na baliza do Benfica, o brasileiro Artur, o guarda-redes do presente.
Artur é um grande guarda-redes e em boa hora chegou ao Benfica. A grandeza de um guarda-redes não se mede de um modo simples pelo número de defesas mais ou menos fantásticas que faz durante um jogo, do princípio ao fim. Há guarda-redes de equipas que defendem muito mais do que atacam e que engatam exibições de pasmar com uma série de defesas impossíveis até tudo comprometerem com uma frangalhada que estraga o resultado.
São estes os guarda-redes ideais para as equipas pequenas porque ninguém com coração lhes leva a mal o desacerto de um segundo perante os bons serviços exibidos em 90 minutos de árdua defesa da baliza. Isto explica, por exemplo, a razão pela qual Roberto é tão amado em Saragoça e foi tão mal-amado no Estádio da Luz. E sempre com razão.
Mas um grande guarda-redes que jogue numa equipa grande, que ataca muito mais do que aquilo de defende, tem frequentemente de saber resolver num só lance todos os apuros defensivos da sua equipa durante um jogo inteiro. E isto não é para toda gente.
Em Vila do Conde, já corriam os descontos, e Artur, que pouco teve de fazer durante os noventa minutos, foi chamado a uma intervenção impossível, detendo num voo por instinto um remate à queima-roupa de Vítor Gomes.
Sobre a excelência da intervenção de Artur não restam dúvidas a ninguém. Sobre a validade do lance, havendo dúvidas sobre se a bola foi centrada para a área benfiquista depois de já ter passado para lá da linha de fundo, fez Artur o que lhe competia e até nisto foi grande. Não ficou à espera de que o fiscal-de-linha ou o árbitro assinalassem a interrupção do jogo e deu-se à bola com todo o esplendor.
Foi o melhor momento do Benfica em Vila do Conde. Mesmo que não tenha valido."

Leonor Pinhão, in A Bola

PS: A Leonor enganou-se num pormenor: o Garay não se lesionou em São Petersburgo (15 de Fevereiro) - o Rodrigo, sim... -, lesionou-se num particular da Selecção Argentina, na Suíça (29 Fevereiro), Quarta-feira. Na Sexta-feira seguinte, jogámos com os Corruptos na Luz, com a benevolência arbitral do Proença e dos seus ajudantes... O Garay mesmo assim começou o jogo, mas após mais uma entrada dura do Janko, caiu mal no relvado, e teve que ser substituído, ficando de fora várias semanas...
Mesmo assim, concordo que os jogos com o Zenit e o Chelsea desgastaram a equipa, principalmente o jogo em São Petersburso e em Londres, por razões diferentes... as lesões do Rodrigo e do Garay também afectaram a equipa - apesar do substituto do Garay ter sido o Jardel. O mesmo que esta época substitui, bem, o Luisão... -, mas muito mais decisivo do que tudo isto, foi o Xistra em Guimarães (com o Garay), o Hugo Miguel em Coimbra (com o Garay), o Proença na Luz (com meio-Garay!!!), o Capela em Olhão, e o Soares Dias em Alvalade (com o Garay) - no meio deste desfile de palhaços frutados não seria justo, não referir as tentativas falhadas do Jorge Sousa no Benfica-Nacional (com o Garay), e do Bruno Esteves em Paços, e ainda o Olegário em Vila do Conde (com o Garay) quando tudo já estava decidido!!!
As lesões dos nossos jogadores, os jogos em campos impróprios, o cansaço das viagens, o calendário apertado, são contingências, indesejáveis é verdade, mas normais que todas as equipas, em todos os campeonatos, em todas as épocas, têm que ultrapassar, agora ultrapassar o desfile dos inimputáveis do apito nacional, numa cruzada anti-vermelha, isso é que é mais complicado...!!!

Jesus, o refundador

"Sem Luisão por pretensa maldade, Javi Garcia e Witsel por imperativa necessidade e Aimar e Martins por física debilidade, o Benfica está a fazer uma boa Liga e a disputar sem rasgos mas também sem ilusões, a Liga dos Campeões. Sobre esta, aliás, interrogo-me (pelo menos desportivamente) se valerá a pena continuar para provavelmente cair na etapa seguinte ou passar para a Liga Europa e ambicionar chegar longe.
Curiosamente, na Liga, poderia estar 100% vitorioso, pois quando não venceu (Braga e Académica) houve interferências de erros groseiros da arbitragem (lembrar-se-à agora o Braga de anulação do que teria sido o 3-2 para o Benfica, numa situação algo parecida com o golo que lhe foi negado em Alvalade?)
O obreiro desta boa prestação é (continua a ser) Jorge Jesus. Um treinador que vive a sua profissão intensa e vibrantemente, sabedor profundo de futebol, construtor habilíssimo de equipas e formador exímio de jogadores.
Desde que está no Benfica saíram atletas de referência como Di Maria, Ramirez, David Luiz, Coentrão, Javi Garcia, Witsel, N. Gomes e Saviola. Ano após ano, tem de refundar uma equipa. Tem-no feito com sabedoria, optimizando a polivalência de muitos jogadores, gerindo o tempo de adaptação de jovens talentosos e tirando frutos da equipa B.
Comete erros? Claro que sim, mas tal não esbate o muito que Jorge Jesus tem feito sempre reconstruindo, pedra por pedra, um projecto com estabilidade e ambição.
Consciente do plantel que tem e do que não tem (no meio-campo), a sua equipa é agora mais contida, mais metódica, menos inebriada com o seu próprio entusiasmo. Proficientemente."

Bagão Félix, in A Bola

Mercado 'versus' formação

"A famigerada sentença Bosman alterou radicalmente a estrutura do futebol: desde então, os mais importantes clubes europeus decidiram reduzir o investimento na formação e reforça-la no scouting e no mercado. Há muito tempo que os viveiros do Milan, do Inter ou da Juventus deixaram de produzir frutos visíveis e o mesmo se diga do Real Madrid, do Manchester United, do FC Porto ou do Benfica. Quem não se lembra de Maldini, Baresi, Costacurta, Tassoti, Albertini (Milan), Butragueño, Michel, Sanchiz, Camacho (Real Madrid), Beckham, Scholes, Giggs, Gary Neville (Manchester United), todos nascidos, crescidos e mantidos nas equipas desses mesmos clubes? Hoje, os dirigentes preferem o mercado e sabe-se porquê: a compra e venda de jogadores é dominada pela corrupção, pelas comissões dos agentes e pelos subornos ocultos. Em Portugal, por exemplo, só agora é que os principais clubes alargaram as suas representações às equipas B.
A maioria das regras, porém, têm sempre uma excepção que, neste capítulo, é o Barcelona, o único grande clube europeu a agir contra a corrente. Em vez de privilegiar o mercado elege o produto da casa e os resultados são, em todos os aspectos fabulosos, quer em termos de espectáculo, quer em termos de triunfos. E agora tomem nota: Valdés, Puyol, Xavi, Iniesta, Messi, Busquets, Pedro, Piqué, Thiago Alcântra, todos em actividade são filhos de Camp Nou. Os próprios Fabregas e Jordi Alba, que regressaram às origens depois de breves parêntesis, respectivamente, no futebol inglês e no Valência, nasceram e afirmaram-se lá. E há mais, prontos a entrar em cena."

Manuel Martins de Sá, in A Bola

PS: O problema é que o próprio Barça, apesar da aposta na cantera - com bastante sucesso -, não evitou uma divida gigantesca, ordenados altíssimos, e contratações por valores elevados (algumas totalmente falhadas)...!!!