Últimas indefectivações

terça-feira, 7 de julho de 2020

Um nome escrito nas nuvens...

"Rogério: 4 golos na final da Taça de Portugal de 1951. Um momento inesquecível na história do Benfica, que venceu a Académica num jogo mais renhido do que o resultado possa deixar crer.

Os portugueses tiveram um dia em cheio. A final do Campeonato do Mundo de hóquei em patins e a final da Taça de Portugal. O dia? 10 de Junho de 1951. Chamavam-lhe o Dia da Raça. Da Raça Portuguesa, com certeza, sobreviventes da Ibéria e açambarcadores do mar.
No Jamor, subiam ao relvado os jogadores do Benfica e da Académica. Os benfiquistas tinham atravessada na garganta, como uma espinha de safio, aquela derrota na primeira final da taça com este nome, em 1939. Agora tinham sede de vingança.
Os estudantes tinham invadido a Baixa e o Rossio logo pela manhã. Depois, com as suas capa e batinas e uma charanga de instrumentos inenarráveis, foram de eléctrico para o Estádio Nacional gozando o calor da tarde.
O público delira quando duas avionetas sobrevoam o recinto. Estraleja o foguetório. Uns olham para os relógios: têm pressa de que o tempo passe. Havia um velho reclamo que passava na rádio o dizia assim: 'Se o seu relógio não é um Lancia, lance-o fora e compre um Lancia!' Não. Não era boa altura para deitar relógios fora.
Capela, o grande Capela, está na baliza dos de Coimbra.
Logo aos dois minutos vê-se aflito: um canto marcado por Rosário, na direita, leva o pavor à área estudantil.
Dificilmente poderia haver início mais excitante. Porque os rapazes das camisolas negras respondem de imediato. Têm um jogador impressionante, de uma alacridade que contagia: é o Bentes. De cada vez que foge pela esquerda, ouvem-se os gritos de Francisco Ferreira, o capitão das águias: 'Agarrem o miúdo! Não o deixem à solta!' Sabe do que fala.
Essa tarde tem um nome escrito nas nuvens, e ainda ninguém o sabe. Nem o próprio. É como se fosse uma magia suprema, o gesto de um ser poderoso que regula as rodas dentadas do universo.
6 minutos estão decorridos.
O nome torna-se, de um momento para o outro, absolutamente legível no azul claro do céu de Lisboa: Rogério Lantres de Carvalho. Chamam-lhe o Pipi. Dribla dois adversários na ponta direita do campo, tira o centro primoroso. Águas salta mais alto do que toda a gente, Capela não reage a tempo, é um companheiro seu que evita que a bola entre, imitando o keeper com as mãos. 'Penálti!' e 1-0 para o Benfica. A tarde é longa...


4 vezes Rogério!
algum desânimo por parte dos academistas. Natural, se pensarmos que tinham chegado ao vale do Jamor com os corações a bater de esperança.

Arsénio percebe a apatia adversária. E vai tirar proveito dela aos 13 minutos numa arrancada plena de força e de técnica. Vê os defesas contrários ficarem para trás à medida que galga metros de terreno. É ele contra o mundo. Quando se isola frente ao grandalhão que ocupa a baliza de Coimbra, fez-lhe um drible desconcertante. O resto é demasiado fácil.
Um vento rubro perpassa pelas bancadas.
O Benfica é tão claramente superior, que não deixa réstia para dúvidas de que ficará com a taça para a sua salta de troféus.
O jogo ganha outras nuances. Uma delas é a dureza.
A Académica resiste. Tem o orgulho abalado, precisa de activar movimentos mais imaginativos. Oscar Tellechea, o seu treinador, dá ordens para dentro do relvado. Macedo fez o 1-2 e, de repente, o equilíbrio regressa. O ânimo tem destas coisas. Bentes assusta aqui e ali. É, de facto, um jogador notável.
É de cara lavada que os estudantes regressam para a segunda parte. Reconquistaram a confiança em si próprios. Acreditam que podem atingir o empate e voltar a deixar tudo como no início.
O público está vibrante. De um lado, as capas negras, do outro, as bandeiras vermelhas. A tarde bonita, o Tejo tranquilo, o domingo paira suavemente sobre Lisboa.
O ímpeto dos de Coimbra dura precisamente 15 minutos. Os benfiquistas batem-se na defesa da vantagem.
Outra vez Rogério, com aquele seu nome de fidalgo de Espanha 3-1. O golpe é tremendo.
A toada de ataque tem agora apenas tom de vermelho.
O Benfica sente que o jogo está decidido. A Académica demonstra cansaço. As falhas tornam-se frequentes, a defesa abre brechas como um navio atacado por um mar encapelado.
Rogério diverte-se como um garoto correndo por um campo de gipsófila. Exibe uma alegria esfusiante e vai ameaçando a baliza de Capela. Será dele o 4-1.
São agora muitos os estudantes que abandonam tristemente o estádio. O domingo iniciara-se pleno de jovialidade, mas iria terminar melancólico. Rogério ainda não se deu por satisfeito, marca o quinto e último golo do Benfica. Somou quatro, algo de muito especial numa final da Taça de Portugal.
Um júbilo vermelho espalha-se com cor e sem som.
As nuvens guardam o nome do homem da tarde em pequenas tiras brancas num fundo azul de céu..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Promessa 'comprida'

"O Benfica na Taça dos Campeões Europeus 1960/61 levou a que quatro benfiquistas percorressem muitos quilómetros


O adepto olha para o relvado com um misto de sentimentos: o ciúme, por lá estar alguém que não ele, e a admiração, por essa pessoa vestir a camisola do seu clube. O adepto conhece-o bem, aliás sabe de todas as qualidades e defeitos dos jogadores da sua equipa. Ainda assim, todos os fins de semana, desloca-se ao estádio na intenção de, sem aviso prévio, o jogador ter um recorte de fantasia e desenhar uma jogada fantástica ou um golo, que o faça saltar da cadeira. É uma espera... inesperada!
A vitória da sua equipa depende desse ou de vários desses momentos. Como tal, e por se sentir impotente, o adepto recorre a uma infinidade de opções metafísicas, entre as quais as promessas. Assim, em Outubro de 1960, Arlindo Ramin, Luís Manuel, Luciano Mestre e Alexandre Morais Pinto prometeram que, se o Benfica eliminasse o Hearts na pré-eliminatória da Taça dos Clubes Campeões Europeus, fariam o trajecto Lisboa-Porto e Porto-Lisboa a pé. A segunda participação na competição merecia o esforço, após uma primeira participação tímida, que que os 'encarnados' foram eliminados pelo Sevilha na 1.ª eliminatória, na temporada 1957/58.

Com a 1.ª mão a ser disputada na Escócia, a imprensa considerava que o Benfica tinha 'uma tarefa ingrata, dura e difícil. Ingrata, porque a deslocação dos encarnados surge num momento em que a equipa está longe de patentear a forma ideal, aquela que lhe permitiu na última temporada conquistar o título'. Todavia, antes do jogo, os jogadores do Clube demonstraram o contrário. Os média locais, apesar de bastante bem informados em relação à qualidade dos portugueses, ficaram 'positivamente de boca aberta com a mecanização revelada pelos benfiquistas' no treino de adaptação.
O nível manteve-se no dia seguinte, no Estádio do Tynecastle, 'os benfiquistas jogaram admiravelmente na primeira parte e com inteligência na segunda', ganhando a partida por 2-1. Seis dias depois, repetiram o triunfo em Lisboa, desta vez por 3-0.
Resultado feito, era altura de cumprir a promessa. Os quatro benfiquistas puseram-se a caminho do Porto, numa viagem que durou dez dias. Nove dias depois, estavam de regresso a Lisboa, onde foram recebidos pelo presidente do Clube, Maurício Vieira de Brito.
Os 'encarnados', talvez motivados pela acção destes adeptos, conquistariam a Taça dos Clubes Campeões Europeus, sendo o segundo clube a alcançar esse feito.
Saiba mais sobre a caminhada do Benfica na prova na área 12 - Honrar o País do Museu Benfica - Cosme Damião."

António Pinto, in O Benfica

A vida é madrasta

"«Como não foi genial, não teve inimigos»
Oscar Wilde


Ingratidão - Fez-se treinador a sério no Benfica. É verdade que deu títulos e nome ao Benfica, mas podia ter dado muito mais! Apurada a sua disponibilidade na 'hora da verdade' para ajudar quem lhe deu vida, recusou!
Ódio - Neste mundo, ou és um pateta alegre e não tens inimigos, ou és um gestor que toma decisões e coleccionas inimigos!

Injustiça - Um clube falido, que não joga nada, acusa os outros quando devia acusar-se, que o vírus beneficiou, arrisca-se a ser campeão!
Injustiça 2 - Uma empresa que tem um grande clube, não recorrer ao lauoff, não reduziu salários, deu 1 milhão ao SNS, os jogadores deram 1 milhão ao SNS, é um potentado, investe na formação, arrisca-se a perder o campeonato, por falta de:

Justiça divina - Não esteve! Justiça é dar a cada um o que lhe é de direito, o que merece. É estar em conformidade com o que é justo, correcto. Querem maior injustiça que quem defendeu os interesses dos outros ter sido ele próprio crucificado?!
Oportunismo - É uma característica daqueles que nas horas de vitória e felicidade se introduzem sorrateiramente no grupo, mas, quando a coisa corre para o torto, afastam-se em pezinhos de lã e começam a disparar aleivosias, para se manterem conhecidos a ver se lhes dão um grão de poder e riqueza para se calarem!

Certos meios de comunicação - Veículos movidos a energia atómica, destinados a dar voz aos putativos críticos, de forma a incendiar os mais influenciáveis e com isso obterem ganhos na sua tentativa de tomada da Bastilha! Ganhando com isso clicks monetários!
Realidade - É um fenómeno que será o que cada um quiser! Basta empacotá-lo dentro de uma caixa, meter-lhe um laço todo bonito e vendê-lo sob a forma de um revigorante, ou mesmo de remédio para todos os males da humanidade e, logo da empresa que tem um clube.
Justiça terrena - Não existe! Algo de que os humanos falam constantemente mas não conseguem perceber o que é! Serve para tudo, até para matar inocentes!
Coragem - É assumir responsabilidades nas agruras e nos momentos maus! São raros!
Coragem 2 - É assumir responsabilidades quando se não as têm! Mais raros ainda!
Energúmenos - Os que reagem constantemente com o coração e não com a cabeça, desconhecendo que para além da Traprobana existe um novo grande mundo!
Falta de tacto - Falta de saber apoiar nos momentos maus e saber apoiar nos momentos bons!
Tyte bitaites - O que acha que tem conhecimento sobre tudo, mesmo sobre o que não tem conhecimento, sabendo que não sabe nada, mas botando discurso sobre todos os temas julgando que sabe!
Poder de vingança - Aquele que por alguma razão ficou maldisposto com alguém e por isso, utilizando o seu pequeno poder, vinga-se, nem que seja criando impostos falsos!
A justiça é questionada quase sempre quando a requeremos em nosso favor ou quando achamos que alguém merece ser punido ou castigado. Buscamos a nossa justiça própria, carregada de egoísmo, quando queremos ser favorecidos, mas normalmente queremos esquecê-la quando ela nos acusa. Parece que a justiça própria parece estar sempre acima da justiça comum, merecida por todos. Mas será a justiça humana tão distante da justiça de Deus? Infelizmente, a justiça dos homens está carregada de injustiça.
O marido das outras - É sempre melhor que o marido delas, assim como a mulher dos outros é sempre melhor que a nossa. O Benfica utilizou na Madeira este modelo táctico com Chiquinho, modelo que no Barcelona é um prodígio e no Benfica é uma catástrofe (...)

Factura Champions
Ainda se desconhece como será a futura época da Champions! No entanto, já foi decidido há muito tempo que o financial fair play é para meter até às calendas gregas!
Se o Manchester City está em recurso quanto à sua suspensão das provas europeias, e por isso a suspensão está suspensa, é evidente que a decisão, se for confirmativa da suspensão, também ela será suspensa.
Felizes aqueles que vivem sob o regime da suspensão!

Mas lá dar 'um cheirinho' do que será a próxima época, isso é que não pode ser!
Não pode ser, enquanto não se perceber se o modelo dará dinheiro!


Não pode ser, enquanto os habituais patrocínios não estiverem garantidos!
E a justa ambição de participação desportiva dos que cumprem com as regras?


Eh, pá! Isso não interessa para nada!
Não percebes que a ingratidão, o ódio, a injustiça, a injustiça 2, a falta de justiça divina, o oportunismo, certos meios de comunicação, certos meios de comunicação 2, a realidade, a falta de justiça terrena, a coragem, a coragem 2 não são mais relevantes, os energúmenos, a falta de tacto eo tyte bitaites é que mandam actualmente no mundo?

Equidade fiscal? Justiça fiscal?
Final da Champions em Lisboa isenta de IRS e IRC.
As entidades organizadoras da UEFA Champions League 2019/2020, clubes desportivos e respectivos jogadores, bem como as equipas técnicas participantes, desde que não residentes, ficam isentos de IRS e IRC sobre os prémios pagos pela liga milionária.
Mas, nesta guerra surda e absurda, tendo já Atalanta, Leipzig, Atlético de Madrid e Paris Saint-Germain sido apurados, será que Itália, Alemanha, Espanha e França não irão dizer que os prémios recebidos estarão sujeitos a impostos nos seus países?
À imagem do que fazem quando desconsideram estruturas fiscais?
Infelizmente, vivemos num mundo em que quase tudo é montado com objectivos maléficos e pessoais, e quase nada resulta da verdadeira espontaneidade de criação e desenvolvimento sem que se tenha como primeiro objectivo malefícios e interesses pessoais.

Tudo o que o Benfica não fez, recorrer ao layoff, reduzir salários, ou fez, pagar empréstimos obrigacionistas sem lançar novos, dar 1 milhão ao Serviço Nacional de Saúde além de outros donativos, isso não interessa para nada! Não é notícia!
A honestidade deixou de ser notícia!


O que interessa nos dias de hoje é 'sangue' misturado com estupidez! Lamentável mundo moderno!"


Pragal Colaço, in O Benfica

Final de época

"O Benfica oficializou hoje, através de comunicado, a decisão de manter Nélson Veríssimo como treinador principal no comando da equipa de futebol profissional até ao final da presente temporada. A acompanhá-lo estão Minervino Pietra, Marco Pedroso e Fernando Ferreira, que também transitam da equipa técnica anterior.
Veríssimo estreou-se ao leme da equipa no passado sábado, na Luz, com um triunfo, por 3-1, ante o Boavista. Faltam agora disputar quatro jornadas do Campeonato Nacional, além da final da Taça de Portugal. O próximo desafio será já depois de amanhã, quinta-feira, em Famalicão (21h30).
O nosso actual treinador deu os primeiros passos no futebol no União Atlético e Povoense e ingressou nos infantis do Benfica. Após percorrer todos os escalões de formação de águia ao peito, estreou-se nos seniores e representou o Clube em 12 ocasiões (incluindo jogos particulares). Teve uma longa carreira de futebolista, com passagens por Alverca, Académica, V. Setúbal, Fátima e Mafra, e, em 2012/13, regressou ao Benfica enquanto treinador adjunto da equipa B, cargo que desempenhou até à época passada quando foi promovido, incluído na equipa técnica liderada por Bruno Lage, para a equipa A.
Na 16.ª temporada ao serviço do Benfica, Veríssimo tem agora a missão de liderar o futebol benfiquista no que resta do Campeonato e na final da Taça de Portugal. É o 16.º antigo atleta do Benfica a quem é confiado este cargo.
Esta decisão surge na sequência da saída de Bruno Lage, acompanhado por Alexandre Silva e Jhony Conceição. A Bruno Lage e a toda a sua equipa técnica, agradecemos o trabalhado realizado, em particular o valoroso e inesquecível contributo para o nosso 37.º título nacional, e desejamos-lhe as maiores felicidades pessoais e profissionais.

P.S.: Lamentamos e repudiamos o acontecimento em que o nosso velocista Ricardo dos Santos se viu inadvertidamente envolvido em Londres, Reino Unido. Todas as formas de racismo são intoleráveis e este episódio é mais um exemplo, entre tantos que infelizmente ocorrem todos os dias, que reforça a necessidade de reflectirmos, mudarmos e lutarmos por uma sociedade mais justa. A Ricardo dos Santos fica o registo público da manifestação de solidariedade de toda a família benfiquista."

Nélson Veríssimo até final da época

"A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD informa que o treinador Nélson Veríssimo irá comandar a equipa de Futebol Profissional até ao final da temporada 2019/2020, fazendo parte da sua equipa técnica Minervino Pietra, Marco Pedroso e Fernando Ferreira.

A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD agradece a Bruno Lage o trabalhado realizado e deseja-lhe as maiores felicidades pessoais e profissionais. Votos que são extensivos aos seus adjuntos Alexandre Silva e Jhony Conceição.
Para sempre ficará na nossa história e memória o inestimável contributo de Bruno Lage e de toda a sua equipa técnica para a brilhante Reconquista do título no Campeonato de 2018/2019."

Benfica FM #120 - Boavista...

As Águias #61 - As Masoquistas!

Bruno Lage...

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Obrigado, Bruno Lage. #EPluribusUnum

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João & Markus... Alemanha!

Sílvio Lima (1904-1993): contributos para uma análise filosófica e sociológica do desporto

"Sílvio Vieira Mendes Lima (Coimbra, 5/02/1904 – 6/01/1993), mais conhecido por Sílvio Lima, foi um investigador e docente universitário de renome. Começou a sua carreira de docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1929, tendo sido interrompida em maio de 1935 pelo reforço repressivo do Estado Novo. Voltou a ensinar em 1942. Ensaísta, filósofo, psicólogo e epistemólogo, deu um contributo relevante no contexto cultural português. Para aquilo que nos interessa, importa destacar que escreveu três livros sobre o desporto: Ensaios sobre o Desporto (1937); Desporto, Jogo e Arte (1938) e Desportismo profissional. Desporto, trabalho e profissão (1939). Outros textos sobre a temática viram a luz do dia, através do jornal portuense “O Primeiro de Janeiro” e o “Diário de Lisboa”. João Correia Boaventura (1924-2013), que teve funções dirigentes na Direcção-Geral dos Desportos (extinta em 1993), e que tive o privilégio de conhecer, escreveu que “o Prof. Sílvio Lima foi, neste século [XX], o primeiro e único catedrático que desceu à análise filosófica e sociológica do desporto, dando-lhe a roupagem digna de que já merecia”.
No primeiro livro “Ensaios sobre o Desporto” (1937), Sílvio Lima escreve contra o regulamento de educação física dos liceus, publicado em 1932 (Diário do Governo n.º 90/1932, Série I, de 16/04), onde se condenavam e proibiam os jogos. Neste decreto-lei n.º 21: 100, do então Ministério da Instrução Pública, considerava-se que os desportos estavam claramente fora do “génio do povo português” e que estavam na “presença da decadência manifesta da espécie humana”, fazendo referência que determinados médicos tinham se manifestado publicamente “contra o abuso da mania desportiva definindo-a como uma das causas mais importantes do definhamento do nosso povo”. Na perspectiva deste académico, o desporto tem uma função educativa e é um “dos agentes mais poderosos da democratização social”. Exorta-nos a “amar o desporto, mas com clarividência séria e militante”. Com poucas páginas, este livro contempla 7 ensaios, cujos títulos aqui transcrevemos: desporto e sociedade (1); desporto e trabalho (2); a mulher portuguesa e o desporto (3); desportismo, espectarismo e atletismo (4); a alma do desporto (5); carta a uma senhora que deseja saber nadar (6); o desporto, o medo e El-Rei D. Duarte (7).
Com o êxito do primeiro livro, escreve um segundo sobre a temática: “Desporto, jogo e arte” (1938). Nele, Sílvio Lima procura analisar as relações da arte com o jogo. Integra 6 ensaios: a atitude moral, a atitude científica e a atitude desportiva (1); arte e jogo, jogo e arte (2); desporto, guerra e pacifismo (3); cristianismo físico, cristianismo moral (4); desporto e ascese (5); o desporto e a experiência na Idade Média (6). De forma resumida, podemos referir que o autor continua a encarar o desporto como uma livre actividade humana, que se relaciona com outras actividades (trabalho, arte, ciência, moral, religião, entre outras).
Sílvio Lima escreveu um terceiro livro sobre desporto: “Desportismo profissional: desporto, trabalho e profissão (1939). Nesta obra procura analisar o jogo desportivo nas suas relações com o trabalho e a vida profissional. Para Lima, o assunto não é “frívolo”. Se o desporto se encontrava assente em estudos médico-higiénicos, faltava analisá-lo “filosoficamente”. Escreve, no Prefácio, que “o desporto é uma questão grave (grave, quer dizer, etimologicamente, pesada) que só parece leve aos de cabeça leve como o sabugo e o algodão”. Coloca a questão se o desporto pode ser considerado uma profissão, se se pode tornar, caso não o seja, e se é possível utilizar-se a fórmula “desportismo profissional”. A sua opinião é clara: o desporto não é uma profissão, mas pode-se tornar. Ele é uma “nobre superfluidade”. Assim sendo, na sua opinião, a fórmula é “absurda, contraditória e imoral”. Vai mais longe, referindo que é a “ruína do próprio desporto; socialmente, um perigo ético”. Deveria prevalecer o amadorismo. Não obstante, Sílvio Lima considera que o desporto apresenta uma mais valia do ponto de vista económico e serve para corrigir os “vícios físico-mentais” da profissão, num mundo cada vez mais moderno. A prosa de Sílvio Lima resume-se a considerar o desporto como uma “magnífica escola”.
Estes três livros, que podem ser consultados na Biblioteca Nacional de Portugal, por exemplo, não devem ser esquecidos na poeira do tempo. Sugerimos que os retire das prateleiras, os leia atentamente e faça o seu próprio juízo sobre como interpretar o desporto."

Dois livros, duas medidas!

"Em 2007 tivemos a oportunidade de ver publicado o livro intitulado «Em defesa do desporto – mutações e valores em conflito» com Jorge Olímpio Bento e José Manuel Constantino como coordenadores (Almedina) e patrocinado pelo Comité Olímpico de Portugal. Prefaciado pelo então Presidente do COP, José Vicente de Moura, podemos ler no mesmo que os autores dos diferentes textos “não se limitam a acrescentar um tijolo ao muro do conhecimento” porque “eles derrubam-no e estabelecem uma nova fasquia quanto aos moldes modernos de o entender.” É um livro com o contributo de autores de várias áreas as quais possuem conexões com o desporto: educação física, pedagogia, direito, psicologia, ética, economia, medicina, estética, saúde pública, jornalismo, antropologia, sociologia e até literatura moderna.
Numa análise sopre o desporto moderno, esta obra coloca no lugar a actividade física, a educação física e o desporto, assim como os valores deste último, mas também equaciona o papel do espectáculo desportivo, o papel do dinheiro no desporto e as várias profissões que gravitam em torno do mesmo. Realce-se a demonstração (J. O. Bento) de o desporto ser “uma prótese para uma infinitude de insuficiências e deficiências que nos limitam e apoucam. É uma réstia de esperança!”. Aborda também os prováveis efeitos sobre o desporto do avanço do conhecimento genético e dos meios de comunicação social, tal como aborda o alto rendimento e o papel do desporto na escola e no turismo. Um facto importante que este livro nos apresenta é o de o desporto possuir o seu «próprio Direito» (J. M. Meirim). É um livro que não esquece o desporto para todos, a performance e a excelência desportiva mas que também nos alerta (T. Marinho): “sejamos conscientes dos nossos limites, mas não nos limitemos a aceitar que não é possível irmos mais longe, sermos mais altos e sentirmo-nos mais fortes.”
Aqui poderemos ver que o desporto foi evoluindo ao longo dos tempos e que nesta altura, em 2007, mesmo entre nós, ele já se encontrava num outro patamar muito diferente do século passado, ao ponto de se afirmar (F. Tenreiro) que “nos países mais desenvolvidos a ética é promovida e defendida porque é um bem valorizado económica e socialmente. O mercado da ética do desporto português não existe.”
E assim verificamos que de um desporto em que o objectivo principal era a moral e a educação, se passa progressivamente para um desporto virado para o objectivo espectáculo. Posteriormente, com a profissionalização da maioria dos intervenientes directos no desporto e com a panóplia de actividades da mais diversa índole envolventes do mesmo, com a entrada em cena dos ‘mass media’ e, posteriormente da tecnologia, passamos a um desporto pós-moderno.
Aquilo que inicialmente era uma actividade que servia de fruição para uns enquanto outros se distraiam assistindo, para ocupar os tempos livres e que possuía um carácter formativo acaba por se transformar numa actividade económica ao redor da qual proliferam inúmeras outras actividades. Do ócio, através da sua própria negação, passa-se ao negócio…
Treze anos depois, agora, temos a oportunidade de assistir à publicação de «e-Sports: o desporto em mudança?», uma outra colectânea de textos tendo como coordenadores José Manuel Constantino e Maria Machado (Visão e Contextos) e também patrocinada pelo COP e com prefácio do seu Presidente. Embora seja uma obra específica sobre os e-Sports, debruça-se sobre o conceito de desporto tal como sobre o fenómeno digital e reflecte a posição de um vasto inúmero de autores associados às Ciências do Desporto. Desde aqueles que, e segundo diferentes perspectivas, parecem peremptoriamente afirmar que “os e-Sports são desporto” aos que pretendem uma nova definição do conceito de desporto e a inclusão dos e-Sports na mesma, encontramos ainda aqueles que se interrogam sobre a questão (P. Martins, J. Lameiras e A. B. Ramires, assim como M. J. Andrade), numa posição mais ou menos expectante. Duarte Araújo é o único autor a escrever claramente que “quando se discute se e-sport está contido no conceito de desporto, a resposta tem de ser negativa.” No pólo oposto Alexandre Mestre não tem dúvidas: os e-Sports são desporto.
Neste livro revela-se a evolução dos e-Sports, o crescimento progressivo de jogadores e espectadores, assim como o elevado volume de negócios envolvido nos mesmos e os pontos da sua inclusão como desporto assim como os seus pontos positivos.
No entanto também são denunciados “incidentes comuns que decorrem na generalidade dos desportos (como a manipulação de competições desportivas, o doping e a corrupção)”, os quais “acrescentam problemas particulares derivados da natureza digital dos desportos electrónicos” (J. P. Almeida e J. Gonçalves) e também somos alertados (A. Neto e R. Magalhães) para o facto de que “os mecanismos de estimulação cerebral associados ao jogo são similares aos provocados por uma dose de cocaína (por activação de neurotransmissores – por exemplo a dopamina).” A discussão do tema e a investigação são necessárias (J. Lameiras e A. B. Ramires) “quando a dita ‘prática’ destes jogadores contempla, muitas vezes, a permanência entre 6-10 h dia em frente a um monitor, e para além das questões físicas e posturais, as experiências de ‘burnout’ emocional, de compromisso das competências sociais e consequente isolamento social, de desenvolvimento de patologias de adição em idades muito jovens entre muitos outros compromissos do foro da qualidade dos afectos e da estruturação de uma personalidade iminentemente saudável precisam, por isso, ser colocadas no centro das atenções.”
Em 2017 o Comité Olímpico Internacional anunciou a possibilidade dos e-Sports integrarem a família olímpica – e não terá sido com o intuito formativo que o fez, dado ser uma empresa (uma ‘big’ empresa) com lucros significativos.
Se no livro publicado em 2007 Vicente de Moura dizia que era “imperativo não fazer cedências à moda e ter a coragem de ir além dela”, no livro mais recente Pedro Sequeira e António Lopes dizem-nos que os e-Sports “já passaram claramente a fase em que foram considerados apenas uma moda” pelo que eles mesmos “darão lugar a uma nova redefinição do conceito de desporto e consequente inclusão dos e-Sports na sua família.” Acrescentaríamos nós que o dinheiro mandaria muito nesta nova redefinição…
E após lermos ambos os livros, estamos em condições de responder à questão colocada por Vicente de Moura no primeiro: “qual é afinal o paradigma de organização e de desenvolvimento desportivo que não vislumbramos e de que carecemos, que balize o nosso tempo?” Dirigentes, políticos e empresários há muito que o perceberam: numa política neoliberal que mercantiliza o desporto, a explosão das novas tecnologias e a integração destas neste, animada por uma sede ilimitada de lucro, utiliza o desportista em seu proveito próprio. E parece-nos que também estamos em condições de poder responder a José Manuel Constantino, Presidente do COP, no prefácio do segundo livro, quando afirma que é necessário “indagar se é possível ao desporto continuar a invocar o seu valor educativo, a sua dimensão cultural e a sua importância na saúde pública e ‘simultaneamente’ acolher práticas cuja dimensão salutogénica começa a ser questionada pelas mais importantes instâncias científicas internacionais”…
De facto, como disse Ortega y Gasset, que nos foi trazido por Vítor Serpa no «Em defesa do desporto», nós “temos o dever de pressentir o novo”!"