Últimas indefectivações

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

105x68... pós-Istambul

Benfica de continuidade

"Águia é melhor e esteve melhor; a importância defensiva do triângulo; os sinais dos tempos

Dentro do campo
1. Viu-se um Benfica de continuidade na composição do onze (apenas uma alteração, com Castillo no lugar de Ferreyra), no modelo táctico e na ideia de jogo. Uma equipa estável, com níveis de confiança assinaláveis, previsivelmente resultantes das vitórias nos dois jogos oficiais anteriores, diante do mesmo Fenerbahçe, na primeira mão, e do Vitória de Guimarães.
O Benfica é melhor equipa do que o Fenerbahçe e esteve melhor no jogo, com superioridade em todos os parâmetros. Soube explorar de forma positiva a vantagem numérica no corredor central, trÊs contra dois - Fejsa, Gedson e Pizzi para Topal e Elmas -, e a falta de cobertura nos corredores por parte de Valbuena e Ayew, que não acompanhavam André Almeida e Grimaldo, assim como a indecisão do adversário na reacção à perda da bola (hesitação entre pressionar alto ou baixar, não fazendo bem nem uma coisa nem outra), o que deixava muito espaço entre linhas para aproveitar. O Benfica chegou ao golo com naturalidade e devia também chegar em vantagem ao intervalo, não fora a desatenção defensiva da dupla Salvio e André Almeida na direita (que, aliás, já tinha antecedentes), da qual acabou por resultar o golo do empate.
No segundo tempo, reacção previsível por parte do Fenerbahçe, com as alterações feitas, surgindo com linhas mais curtas, capacidade de pressão mais próxima da baliza e algumas tentativas de finalização que acabaram por não resultar. A resposta do Benfica foi inteligente, quebrando o jogo, baixando o ritmo e tentando ter a bola o maior tempo possível, perdendo com isso, naturalmente, profundidade ofensiva. Foi uma segunda parte menos conseguida do que a primeira, mas o objectivo foi alcançado.

Destaques genéricos
- Excelente trabalho defensivo da equipa benfiquista, que defendeu muito melhor do que atacou.
- O triângulo constituído por Jardel, Rúben Dias e Fejsa, os primeiros muito concentrados e eficazes, o último muito inteligente ao nível das coberturas à frente dos centrais.

Destas individuais
- Gedson, uma jovem surpresa que se vai afirmando, com o particular de ter conseguido o golo.
- Alfa Semedo, uma aposta de continuidade na ousadia da juventude.

Fora do campo
2. O campeão europeu, Portugal, vê um dos seus mais ilustres representantes, o Benfica, vice-campeão nacional, obrigado a duas eliminatórias para chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões. Sinais dos tempos. Ano após ano, como que atacado por um mal que parece não ter cor, sabor ou cheiro, as nossas melhores equipas vão soçobrando cada vez cada vez com maior frequência aquando dos seus confrontos internacionais. O desequilíbrio orçamental, disparidade de meios e baixa competitividade interna que daí resulta são factores determinantes para a galopante redução dos resultados desportivos, que na Champions, quer na Liga Europa. As tais cores, sabores e cheiros são de há muito conhecidas, só aqueles que beneficiam de situação de privilégio e cujos horizontes são curtos e fazem por não ver. A não ser alterado o quadro interno, serão eles, a curto prazo, os maiores prejudicados. Pena..."

Manuel Machado, in A Bola

Turco já está, falta o grego...

"O Benfica cumpriu com o que lhe era pedido e eliminou o Fernerbahçe na terceira pré-eliminatória de acesso à Liga dos Campeões. Pouco importará, neste momento, se se devia esperar mais dos encarnados, perante um adversário que ficou, em termos futebolísticos, aquém do esperado; ou mesmo se Rui Vitória que só fez duas substituições em cada uma das partidas com os turcos, não estará a pedir ajuda à SAD benfiquista, ou seja, reforços.
Para além da boa noticia que é termos uma outra equipa portuguesa com hipóteses de aceder à Champions, não pode passar sem destaque a extraordinária exibição de Gedson Fernandes, nascido em 1999, que está a revelar-se um box-to-box com asas para voar muito alto. E Rui Vitória, tantas vezes alvo de críticas, umas justas outras nem tanto, deve, neste particular, colher os louros não só pela identificação dos talentos mas essencialmente pela coragem de lhe abrir o palco principal, Gedson em Agosto de 2018, Renato em Outubro de 2015...
Cumprida esta fase, seguem-se os gregos do Paok, a grande surpresa desta fase preliminar da liga milionária, depois de terem eliminado Basileia e Spartak de Moscovo. Com jogos marcados para 21 e 28 deste mês, e com a possibilidade de aceder a meia centena de milhões de euros, não fará sentido que o Benfica não se esforce para dotar a equipa, para além de Jonas (assim as costas o deixem jogar), de mais trunfos para posições identificadas. Já agora, que ninguém espere facilidades em Salónica, num estádio onde o Benfica de Heynckes e o de Jesus já foram muitos felizes. Resta esperar que o de Rui Vitória lhes siga os passos..."

José Manuel Delgado, in A Bola

O bloco central do Benfica

"O caminho até à fase de grupos da Liga dos Campeões é longo, mas o Benfica acaba de tirar da frente o vice-campeão turco, o dono de uma casa onde vencer se torna num trabalho pesado (o Fenerbahçe perdeu apenas três jogos na condição de visitado na época passada).
O golo de Gedson Fernandes foi uma espécie de salvo-conduto para o “playoff” da Liga dos Campeões, porque a partir desse momento o Fenerbahçe precisava de marcar por três vezes para afastar a equipa portuguesa. Essa matemática positiva para os encarnados acabou por permitir à formação de Rui Vitória respirar de forma menos descompassada perante o ambiente de fervoroso apoio à equipa turca.
O Benfica já mostra, neste início de temporada, um eixo central com opções fortes, um bloco que está bem definido e que sai reforçado com a continuidade de Jonas, um jogador que continua a ser a maior das referências da equipa.
Na baliza, Odysseas Vlachodimos agarrou o lugar e tem condições para afastar o “fantasma” de Ederson, algo que os ocupantes do lugar na época passada não foram capazes de fazer. Apesar de ter apenas 24 anos, o guardião germânico (com raízes gregas) traz um lastro de duas temporadas ao mais alto nível, na baliza do Panathinaikos. E isso faz toda a diferença.
O centro da defesa comporta uma dupla que já exibe boas rotinas e que será, em circunstâncias normais, titular durante toda a temporada. Jardel e Rúben Dias formam uma sociedade sólida, capaz de dar confiança a quem está atrás e à frente no campo, mas a permanência do internacional português não é ainda uma certeza absoluta (é cobiçado pelo Lyon).
No coração do jogo, no meio-campo, Fejsa mantém o estatuto de intocável. O médio sérvio faz um trabalho cada vez mais visível e fundamental de proteção defensiva do Benfica e de arranque da construção de jogo. O “guarda-costas” da equipa não tem (e não tem tido) um substituto à altura no plantel encarnado, mas parece apresentar agora uma saúde física que lhe faltou noutros tempos. Fejsa foi, como sempre, fundamental para a boa organização defensiva do Benfica, sendo extremamente eficaz no bloqueio aos avançados turcos.
Alfa Semedo saiu do banco nos últimos dois jogos, mas encontrou contextos completamente diferentes em campo. No encontro frente ao Vitória de Guimarães, o jovem médio trocou de lugar com Fejsa e sentiu muitas dificuldades para colocar travão à reação dos minhotos (que acabaram por marcar dois golos na parte final do encontro). No embate com o Fenerbahçe, Alfa coincidiu no relvado com Fejsa e não precisou de ser um 6 puro, percebendo-se claramente que andou em campo mais confortável do que no registo anterior, quando ficou sozinho a fazer a cobertura defensiva àquela zona fundamental do jogo.
Gedson Fernandes surge neste setor com entrada direta no “onze” e com capacidade para “assinar” um compromisso com a titularidade durante toda a época. Frente ao Fenerbahçe, Gedson foi um dos motores da equipa, demonstrando capacidade para equilibrar defensivamente, mas principalmente para a condução de bola e para o lançamento do Benfica em processo ofensivo. Marcou o golo, tentou servir os avançados e será capaz de aprimorar alguns pequenos problemas de definição que ainda subsistem aos 19 anos. Gedson é a face mais visível de mais uma vaga de talentos do Seixal, mas João Félix e Jota também já batem de forma insistente à porta da primeira equipa.
A dupla Gedson-Pizzi permite ao Benfica ter em campo dois médios com capacidade para equilíbrios e desequilíbrios. No encontro com o Vitória minhoto, Gedson Fernandes permitiu que Pizzi se libertasse muitas vezes para o ataque, ajudando a construir o primeiro “hat-trick” do médio português ao serviço do Benfica. Em Istambul, o golo foi de Gedson, que surgiu mais vezes perto da área adversária, enquanto Pizzi se destacou pelas recuperações de bola e pelo acerto no passe. Muito do sucesso da ideia de jogo de Rui Vitória passará pelo bom entendimento deste duo ao longo da temporada. Neste jogo, os encarnados também beneficiaram do facto de haver muito espaço no início de construção.
Na zona central do ataque, o Benfica tem agora três opções principais muito diferentes (Seferovic ainda está no plantel, mas com espaço reduzidíssimo), todas com capacidade para resolver jogos.
No duelo com o Fenerbahçe a primeira escolha foi Castillo, um avançado que vestiu a titularidade pela primeira vez e que tem (mais do que qualquer outro no plantel) capacidade para um futebol de choque e para jogar de costas para a baliza. O atacante chileno foi decisivo na combinação com Gedson para o golo e estava com capacidade para dar mais ao jogo, até sair lesionado.
Com a entrada de Facundo Ferreyra, surgiu em campo outro perfil de avançado. O Benfica deixou de ter Castillo, que tenta um ataque mais frontal à baliza, para ter um avançado que procura movimentos diagonais, na busca da bola e do espaço para finalizar. Este tipo de jogo exige maior entendimento com os companheiros de equipa e por muito que Ferreyra tenha procurado dar soluções de passe, percebe-se que o processo de adaptação do argentino ainda não está terminado.
A opção mais forte para a zona central do ataque continua a ser Jonas. Não apenas pelos golos que vai “empilhando” ano após ano, mas pela forma como joga e faz jogar. Jonas permite ao Benfica ligar melhor o futebol ofensivo, fazendo de forma perfeita o “enganche” com os médios (como faziam Aimar ou Saviola há alguns anos). Se o cenário físico o permitir, a presença de Jonas no plantel oferecerá a Rui Vitória, no imediato, solução para algumas dificuldades nos momentos de definição atacante."

A formação em Portugal

"Depois das vitórias nos mundiais de juniores de 1989 (Riade) e de 1991 (Lisboa) os chamados "grandes" (Benfica, FC Porto e Sporting) passaram a investir de forma mais assertiva na formação de jogadores.
A par das equipas de "scouting" visando o recrutamento, cada vez mais cedo, dos jovens mais prometedores que fossem localizados em qualquer ponto do país e no estrangeiro, criaram estruturas modelares, no Seixal, em Gaia e em Alcochete.
O mesmo aconteceu com clubes que já tinham histórico na área (Belenenses, Vitória de Setúbal, Boavista, Marítimo, Académica) e também se actualizaram, a par de outros que rapidamente começaram a tirar proveito das estruturas que entretanto criaram, como sejam o Sporting de Braga e o Vitória de Guimarães, entre outros.
O Sporting foi, sem dúvida, o que começou mais cedo a aproveitar-se desse trabalho em profundidade, que não se pode dissociar da figura ímpar de Aurélio Pereira, verdadeiro mentor da formação leonina e justamente distinguido com a colocação do seu nome nas instalações de Alcochete.
Rapidamente atingiram projecção internacional alguns dos seus formandos, nomeadamente pela qualidade dos seus extremos, certamente dos melhores do mundo – Futre, Simão, Figo, Quaresma, Ronaldo e Nani – citados pela ordem em que foram aparecendo.
Mas também pela quantidade de convocados para as fases finais das últimas competições em que participámos.
Na selecção que venceu o Europeu (2016), 10 dos 23 eram da formação do Sporting – Patrício, Cedric, Fonte, William Carvalho, Adrien, Moutinho, João Mário, Quaresma, Nani e Ronaldo; jogaram 63% dos 7.920 minutos dos 7 jogos (3 com prolongamento), foram todos utilizados na final e marcaram 7 dos nossos 9 golos.
Na Taça Confederações (2017, 5 jogos, 3.º lugar sem derrotas) foram convocados 11 (saíu João Mário e entraram Beto e Gelson), que marcaram 6 dos 9 golos conseguidos.
E no Mundial (2018, 4 jogos, até aos oitavos de final, uma derrota), foram convocados 12 (saíu Nani, voltou João Mário e entrou Ricardo), tendo sido todos utilizados (excepto o guarda-redes Beto), em 64% dos 3.960 minutos jogados e marcado 5 dos 6 golos.
Mas a situação está rapidamente a mudar. Não só porque o Sporting inverteu o seu esforço na formação (de que a extinção da Equipa B, após deliberado apagamento na II Liga, terá sido a decisão mais gravosa), mas porque o Benfica já está a colher dividendos do excelente investimento que fez no Seixal, aliás complementado por vendas milionárias dos passes de muitos jovens, nalguns casos muito acima do seu valor aparente.
A título de exemplo, da ficha do jogo Sp Braga-Benfica do Campeonato Nacional de Juvenis de 2012/13 (Record de 20-05-2013) constam 3 futuros internacionais A, Renato Sanches (2016, campeão europeu), Gonçalo Guedes (2017) e Ruben Dias (2018), dois dos quais já renderam ao clube bem mais de 65 milhões; mas dessa equipa constavam também o defesa Iuri Ribeiro (titular do Rio Ave na época passada) e o guarda-redes André Ferreira (idem do Leixões), que integram o plantel desta época, e outros que certamente vão emergir.
E os reflexos nas equipas nacionais são evidentes: nos campeões europeus de Sub-17 (em 2016), 5 ou 6 eram da formação do Benfica; nos campeões europeus de Sub-19 (já em 2018) 6 eram do Benfica e apenas 3 do Sporting; e nos Sub-18 que disputaram as eliminatórias do Mundial de 2017 (sem conseguirem o apuramento), do elenco de 25 jogadores da penúltima convocatória, constavam 14 da formação do Benfica.
Voltaremos a este assunto.
Em tempo: Gedson Fernandes será este ano tão importante como foi Renato Sanches quando foi lançado no Benfica?"

Uma história de canalhas

"O murro de Jack Johnson em Stanley Ketchel foi tão potente que ficou com dentes do adversário cravados na luva

Walter Dipley foi um daqueles canalhas que devia ser condenado às catacumbas do olvido mas a verdade da literatura manda dizer que grandes canalhas dão sempre grandes personagens. Vejam, por exemplo, o Dudu. O Dudu é um dos canalhas inimitáveis de Nelson Rodrigues: «Talvez o único canalha vivo do Brasil. Todo o mundo tem defeitos e qualidades. O Dudu só tem defeitos!». Ou o Genival, do Chico Anysio, canalha infatigável: «Rouba o delicioso pirulito de uma criança, salga toda a comida de um banquete, sugere omeletes aos fregueses de um restaurante abarrotado de ovos estragados e coloca no ónibus do Méier um gringo desesperado que procura o Copacabana Palace». Ou o Thomas Spencer, de Julia Navarro: «Menti, enganei e manipulei à vontade, sem me importar com as consequências. Destruí sonhos e reputações, traí os que me foram leais, causei dor àqueles que me quiseram ajudar. Brinquei com as esperanças dos que pensaram que poderiam mudar quem eu sou».
Pois bem, Walter Dipley foi um canalha tão canalha ou ainda mais canalha do que eles.
Quando lhe ofereceram emprego no Dickerson Ranch, no Missouri, em outubro de 1910, fazia-se passar por Walter Kurtz. Afinal, o homem para quem ia trabalhar era Stanislaw Kiecal, ou melhor, Stanley Ketchel, o Assassino do Michigan. Valia a pena.
Kiecal fora, por sua vez, um adolescente canalha, filho de emigrantes polacos, sempre envolvido em cenas de pancadaria nas ruas de Grand Rapids, no Michigan, que fugira de casa e acabaria por se dedicar ao boxe. Foi então que mudou de nome.
Apesar de ser um peso médio, tinha a farronca de desafiar vários pesos pesados, alguns com mais 15 ou 16 quilos do que ele. Por isso, um ano antes da sua morte, foi com alegria que subiu ao ringue para defrontar Jack Johnson, o Gigante de Galveston, campeão do mundo de pesados e que media, tranquilamente, mais 20 centímetros do que o seu metro e setenta. E, também nesse momento, foi canalha. A canalhice é mesmo assim: faz comichões no sangue.
Jack Johnson e Stanley Ketchel tinham combinado que o combate seria de exibição. Onze rounds para agradar os mais de 10 mil espetadores presentes no Mission Street Arena de Colma, Califórnia, mas sem excessos. Há várias versões sobre o que aconteceu na realidade, com mais destaque para a versão de Johnson, mas este também não era flor que se cheirasse. Há um filme que mostra Ketchel a lançar-se furiosamente sobre Jack fazendo-o cair. A raiva tomou conta do gigante: com a direita desferiu um potente soco no adversário. Tão potente que, para além do KO, o Assassino do Michigan deixou vários dentes presos à luva de Johnson. Humilhante por demais, até mesmo para um canalha. 
Stanley Ketchel teve uma vida curta: só faria mais cinco combates. A derrota frente a Jack Johnson abalou-o muito. Foi um dos motivos porque decidiu pedir o Dickerson Ranch emprestado a um amigo e preparar-se aí para exigir a desforra. Encontrou no rancho a cozinheira Goldie Smith e o seu marido Walter Dipley. Gente pouco aconselhável. Mas que podia isso incomodar um tipo que passara a maior parte dos seus 24 anos a distribuir pancada?
Certo dia, Ketchel ouviu um ruído absurdo vindo dos estábulos. Dipley, o canalha, entretinha-se a chicotear sadicamente um cavalo. A discussão entre ambos foi dura. Stanley ameaçou Walter de que o correria a pontapé se o episódio se repetisse. Assinou a sua sentença de morte.
Na manhã seguinte, Dipley entrou na cozinha onde Ketchel tomava o pequeno-almoço de costas para a porta. Trazia na mão um rifle e gritou: «Hands up!».
No momento em que Stanley fez menção de se virar, uma bala atravessou-lhe o ombro e alojou-se-lhe no pulmão. Depois Walter Dipley desfez-lhe a cara a coronhadas e fugiu.
Goldie Smith afirmou, mais tarde, que Ketchel tinha tentado violá-la e que fora essa a razão da tranquibérnia. R. P. Dickerson, o dono do rancho, ofereceu 5 mil dólares a quem lhe trouxesse Dipley, vivo ou morto, de preferência morto.
Foi capturado pouco depois. Tanto ele como Goldie foram condenados a prisão perpétua.
No dia 14 de Outubro, pelas sete e meia da tarde, o ‘Assassino do Michigan’ soltava uma súplica sussurrada: «I’m so tired. Take me home to mother».
Quando anunciaram a sua morte a Wilson Mizner, o seu treinador, este limitou-se a aconselhar: «Comecem a contar até dez. Antes de terminarem, ele levanta-se!».
Nada a fazer: a bala do canalha fora bem mais poderosa do que a direita de Jack Johnson. Não deu sequer para começar a contar..."

Afonso de Melo, in Sol

A luta da memória contra o esquecimento

"Dia 20 de Janeiro de 1935: o Benfica recebeu o Vitória de Setúbal nas Amoreiras (3-1) para o seu primeiro jogo na história dos Campeonatos Nacionais de futebol. Nada de confundir com Campeonatos de Portugal.

Dizia o Diário de Lisboa na sua edição de 20 de Janeiro de 1935: 'Começou hoje o Campeonato das Ligas, inovação de que há muito a esperar para bem do apuramento do jogo do 'association' em Portugal. Este certame, que interessa a todo o país, divide-se em duas Ligas. A 1.ª Liga inclui os oito melhores classificados do país: 4 de Lisboa, 2 do Porto, 1 de Setúbal e 1 de Coimbra. A 2.ª Liga inclui 32 clubes do pais divididos em 4 zonas e 8 grupos'.
O primeiro Campeonato Nacional estava em marcha.
Nada de confusões com o Campeonato de Portugal que viria a ganhar a designação de Taça de Portugal, por decisão do Congresso da Federação Portuguesa, exactamente por se disputar em regime de taça, isto é, com jogos a eliminar, ao contrário do Campeonato Nacional que se disputava, como vimos, em sistema de 'poule' - todos contra todos.
Nestas  coisas de títulos, cada um pode reclamar para si os que bem entender, sem que o revisionismo histórico faça emergir uma nova realidade. Até eu estou disposto a reclamar para o Recreio de Águeda da minha infância três ou quatro títulos de campeão nacional que, embora não existindo, ficarão bonitos no currículo por mim inventado.
Deixemos-nos de brincadeiras.
Agora que o Campeonato Nacional está de volta (e muitas voltas já deu a designação da prova), é altura ideia para recordar o primeiro jogo do Benfica para esta competição da qual é, destacadamente, o grande açambarcador de títulos.
Acrescente-se que essa primeira edição do campeonato foi ganha pelo FC Porto, com 22 pontos, seguido de Sporting (20) e Benfica (19). Os encarnados conquistariam o Campeonato de Portugal dessa época. E, já agora, as três edições seguintes do Campeonato Nacional.

A pontaria de Valadas
Nas Amoreiras, nesse dia 20 de Janeiro, o Benfica recebeu o Vitória de Setúbal na 1.ª jornada.
Aqui ficam os protagonistas desse jogo histórico:
Benfica - Serzedelos; Gatinho e Gustavo; Albino Esperança e Francisco Costa; Carlos Graça, Xavier, Torres, Rogério e Valadas.
V. Setúbal - Crugeira; Vieira e Cardoso; Carvalho, Aníbal José e Mário Silva; Joaquim Silva, Rendas, Oliveira, Armando Martins e João Cruz.
O áribitro foi David Costa, do Porto.
'Antes do início do encontro, o sr. Dr. Vergílio Paula, perante os dois grupos formados a meio-campo, leu a alucoção que Cruz Filipe escreveu para neste dia de inauguração dos Campeonatos das Ligas ser preferida ais 'teams' concorrentes, chamando-lhes a atenção para o que estes campeonatos representam e pedindo a sua compostura para bem do futebol português'.
Coisa de Estadão, como vêem. E que deveria deixar incomodados os que andam há anos a reclamar contra esta verdade histórica que não pode andar a ser posta em causa gratuitamente.
O jogo, ao contrário do que era esperado, começou num ritmo morno, de futebol jogado em areia seca, queimando os pés.
Muitos repelões, pouca consistência de grupo, pouco colectivismo.
Aos 7 minutos, Valadas a passe de Torres faz 1-0.
O povo, nas bancadas, anima-se.
Os jogadores da águia ao peito também.
Agora são menos timoratos: forçam na busca do segundo golo.
Este surge exactamente sete minutos mais tarde.
Falta sobre Xavier junto à entrada da área sadina. Valdas aplica um pontapé colocado. Crugeira dá a sensação de que não vê a bola partir. Lança-se tarde. Irremediavelmente.
É tempo de o Vitória responder, mas os seus médios não desenvolvem lances de perigo e os seus avançados são apanhados consecutivamente em fora-de-jogo.
Torres também é impedido do 3-0 por via de um 'off side'.
Serzedelo está muito descansado, lá na sua grande-área.
Agora que se disputa a segunda parte, o Vitória tem o vento a seu favor. Durante vários minutos tira proveito das benesses da meteorologia. Força na busca de um tento que o devolva à disputa pelo resultado. Debalde. João Cruz, ainda assim, chuta junto à base do poste.
Nada mais.
Torres, aos 24 minutos da segunda etapa faz o 3-0.
Já ninguém tem dúvidas quanto ao vencedor, se alguma vez as teve.
A cinco minutos do fim, a defesa encarnada facilita: João Cruz isola-se frente a Serzedelo, este procura tapar-lhe os ângulos da baliza, mas o passe é bem medido para Oliveira que só tem de empurrar: 3-1.
'O Benfica ganhou com justiça e poderia ter conseguido um resultado mais confortável - que só não obteve por deficiência de remate, em especial no que refere aos seus interiores que tendo feito bastante jogo falharam nesse capítulo'.
O Campeonato Nacional de futebol dera o seu primeiro passo.
Tantos anos decorreram entretanto...
O importante é nunca esquecer. Como dizia Milan Kundera: 'A liberdade é uma luta constante entre a memória e o esquecimento'."

Afonso de Melo, in O Benfica

Os conquistadores de Montreux

"A equipa de hóquei em patins do Benfica foi a digna representante de Portugal na Taça das Nações.


A Taça das Nações ou Torneio de Montreux é um dos mais antigos e prestigiantes torneios internacionais de hóquei em patins. Na edição de 1962, coube ao Benfica, campeão nacional de 1960/61, ir em representação do seu país. Era a segunda vez consecutiva que a equipa benfiquista participava neste importante torneio suíço. No ano anterior, honraria as cores nacionais ao classificar-se em 2.º lugar. Seria, desta vez, a grande oportunidade de alcançar a tão ambicionava vitória!
A equipa benfiquista iniciou a sua caminhada triunfal com uma surpreendente goleada por 10-2 ao clube italiano Hockey Club Monza, seguindo-se excelentes vitórias frente à equipa francesa do Skating Clube Andomarois e frente à selecção alemã. Os bicampeões nacionais classificaram-se, assim, em 1.º lugar do Grupo B, ficando apurados para a fase final. Nesta próxima etapa, os hoquistas 'encarnados' demonstraram, uma vez mais, a sua extraordinária classe ao derrotar a selecção inglesa e novamente o clube italiano. Chegou a grande final, a 24 de Abril de 1962, na qual o Benfica defrontou a equipa anfitriã, o Montereux HC. Foi um jogo emocionante que terminou com uma fantástica vitória benfiquista por 3-0. Estava conquistado o torneio sem qualquer derrota!
Os 'encarnados' formaram uma verdadeira equipa e enfrentaram todos os adversários com entusiasmo e ambição. A imprensa suíça foi unânime em a catalogar de 'justa e gloriosa vencedora'. A televisão local apelidou os jogadores de 'diabos vermelhos', referindo que 'o carrocel infernal do Benfica reduzia a pó as outras equipas'.
Esteve sempre presente um grande espírito de sacrifício entre todos. 'O Nogueira jogou com suspeita de factura no nariz. O Jorge dava a cara e o peito aos remates. O Urgeiro bateu-se que nem um leão. O Livramento e o Araújo franzinos, mas valentes e lutadores até à última gota. O José Pereira decidido, estoico. O Mário Lopes, remoçado, combativo, um grande «capitão»'. Urgeiro acabaria por ser a grande figura do torneio ao sagrar-se melhor marcador, com um total de oito golos, e ainda foi considerado o melhor médio da competição.
O treinador 'encarnado', Torcato Ferreira, confessou que 'esta vitória, conseguida num país estrangeiro, em confronto com categorizadas equipas, constitui, sem dúvida, a maior alegria da minha vida'.
Pode conhecer mais sobre as conquistas do hóquei em patins benfiquistas na área 3 - Orgulho Ecléctico do Museu Benfica - Cosme Damião."

Ana Filipa Simões, in O Benfica

Fim à violência

"No caso do futebol (mas não só) o que se viu foi o escalar de situações tristes e embaraçosas

Nos últimos anos tenho sido crítico feroz da aparente impotência com que estruturas e organizações de relevo não conseguiram terminar ou, pelo menos, abrandar o aumento da violência física e verbal que assolou o desporto português. É certo que foram várias as mensagens que apelaram, repetida e pacientemente, ao fair play, mas, apesar de bondosas e bem intencionadas, jamais foram verdadeiramente escutadas. Pelo contrário. No caso do futebol (mas não só), o que se viu foi o escalar de situações tristes, embaraçosas e potencialmente graves, daquelas que fazem corar de vergonha todo um país. Um país que ainda é campeão europeu de futebol e que é quase sempre bem-sucedido em muitas outras modalidades, colectivas e individuais. Houve agressões árbitros (até no futsal), insinuações graves no hóquei e no andebol, conflitos no rugby (?) e claro, toda uma panóplia de momentos deprimentes e inesquecíveis no futebol. Vendo isto da lua, como me parece sensato, é caso para dizer que a bota não bate com a perdigota, certo?
Reparem: temos talento individual e colectivo às paletes, organizações de excelência, gestões competentes, mas, vá-se lá saber, insistimos em sujar tudo isso com estratégias, discursos e opções de bradar aos céus! Quase todo o tipo de violência a que assistimos é, não nos esqueçamos, fruto de exemplos que vêm de quem tem responsabilidades directas ou indirectas no jogo. E nós, que até gostamos de bola a sério, jogada no relvado por quem importa, temos de engolir diariamente essas peripécias porque, na verdade, muita gente lhe dá voz. É como se todos soubessem que se trata de um pântano perigoso mas insistem em ser uma das espécies que habitam por lá. Porque no meio de tanto lodo, há quem procure ali alimento garanta a sua sobrevivência. Opções.
Talvez por estar cansado de apelar repetidamente à sensatez e ao desportivismo, o conselho de ministros - naturalmente influenciado pela intervenção oportuna do presidente da FPF no parlamento (em Outubro de 2017) - deu passo importante ao criar a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto. Com ela aprovou também a alteração do regime jurídico do combate à violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos. Segundo o Governo, a ideia é, em articulação com as forças de segurança e com a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, aumentar a fiscalização nessas matérias.
Haverá, seguramente, maior intervenção para dissuadir comportamentos e para penalizá-los, através da instauração de autos de notícia ou de denúncia. Mais. Reduziu-se o prazo para que as forças de segurança remetem alguns desses autos, procurando tomar a resolução de todos os processos mais célere e eficaz. No fundo, espera-se um escrutínio mais apertado. Espera-se mais medidas dissuasórias e mais coimas. Naturalmente que uma andorinha não faz a primavera e há muito ainda para construir neste caminho, mas foi dado um passo significativo e é importante sublinhá-lo. E é importante porque retira o Estado de uma imagem de inércia, que até então lhe parecia atribuída e que, percebe-se agora, está ultrapassada. Esperamos que com estas medidas (e com o agravamento das sanções desportivas), o comportamento de alguns responsáveis seja um pouco mais ético, saudável e consciente.
Não se pode que sorriam quando perdem ou que silenciem a voz quando se sentem lesados, prejudicados. Apenas que o façam com educação e elevação, nunca esquecendo o peso que as palavras e acções têm. Quem tudo faz para ganhar, está na verdade, mais perto de perder, mesmo que ache que não. A história está repleta de estórias dessas."

Duarte Gomes, in A Bola

Benfiquismo (CMXX)

Fire...!!!