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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Francisco e os Merengues do Guadalquivir

"Francisco Palmeiro marcou, pelo Benfica, dois golos irrepetívies: o primeiro de um jogador encarnado no Estádio da Luz e o primeiro na Taça dos Campeões Europeus. Ficou para sempre ligado à história.

Arronches: fica no distrito de Portalegre, no Alentejo. Foi lá que nasceu Francisco Palmeiro.
Quando Nelson Rodrigues soube da morte de Guimarães Rosa, perguntou ingenuamente: «Morreu como, se estava vivo?»
Palmeiro morreu. Ou seja, morreu no espaço físico da nossa existência. Só isso. Continua vivo na história gigantesca do Benfica e tem um lugar permanente na memória pintada de vermelho.
Francisco Palmeiro marcava golos: partia do lado direito e arrancava como em fúria na direcção do espaço por onde disparar o seu tiro potente e certeiro. Diziam os jornalistas da altura que era dono de «um estilo inconfundível».
Houve um golo, no entanto. Aquele golo especial e irrepetível. Já foi depois de célebre hat-trick à Espanha, em Junho de 1956 - aí tornou-se no segundo jogador da selecção nacional a fazer três golos num encontro, seguindo o exemplo de Waldemar Mota, à Itália, em 1928. Também então a história se atravessou na vida de Francisco.
Mas voltemos ao tal golo. Esse que não tem rival. Era Sevilha e era Setembro. Pela primeira vez o Benfica participava na Taça dos Campeões Europeus. Seria a sua prova. Dela partiu para o mundo. Bastos, o guarda-redes, exibiu-se a grande altura. Os adeptos do Sevilha soltavam «ohs!» de exclamação. E gritavam: «Que barbaridad!» Era mesmo.
Mas, além de Bastos, havia Palmeiro. Uns dias antes, o Benfica vencera o Barcelona, num amigável no Restelo. Por isso, na Andaluzia esperava-se muito do campeão português: Mas a exibição foi pálida, desgarrada: «O Barcelona fora vencido pelo Benfica porque os encarnados jogaram em velocidade. Ao que se depreende, os andaluzes aprenderam bem, excelentemente, a lição que o seu treinador veio aprender ao Restelo, quando do desafio dos campeões nacionais com os catalães. Tudo perfeitamente natural! A velocidade, quer da corrida quer de entrega da bola, está cada vez mais arreigada nas grandes equipas de qualquer nacionalidade. Rapidez é palavra de ordem. Velocidade é o padrão por onde se aferem os melhores teams de futebol. Não nos parece que ontem, em Sevilha, o Benfica estivesse em condições de resistir à acção fulgurante, extraordinária dos 'Merengues do Guadalquivir'».
Uma derrota para o futuro.
Seria o primeiro jogo e a primeira derrota do Benfica na prova. O 3-1 para o Sevilha deixava a segunda mão, em Lisboa, dentro de demasiadas complicações. Como se veria através do 0-0 que fecharia o resultado do segundo encontro.
Pelos encarnados, além de Bastos e Palmeiro, jogaram Ângelo, Serra e Alfredo Abrantes, Coluna, Cavém e Calado e Águas. Alguns vencedores da Taça Latina; os outros que viriam a ser campeões europeus. Mas é de Palmeiro que quero falar. Ele que viveu a tristeza de não ter agarrado a Taça dos Campões, mas que em Sevilha deixou rasto. «Palmeiro foi o único dianteiro que, na segunda parte, especialmente, deu uma lição de alegria, marcando inconfundível presença». Lá está, o que eu queria dizer: «inconfundível presença». O golo é dele: primeiro e único. Mas houve outro, também irrepetível. No dia 1 de Dezembro de 1954, na inauguração do Estádio da Luz. Benfica - FC Porto. Nesse tempo eram clubes amigos. Davam-se bem. Palmeiro estava lá, na frente de ataque, com Águas, Coluna e Calado. Aos 10 minutos marca um golo, nesse momento o do empate (1-1). O primeiro golo de um benfiquista no estádio de todos os sonhos. «A inauguração realizou-se em ambiente de exaltação clubista e resultou numa festa admirável, excelentemente organizada, a que deram valiosa colaboração mais de meia centena de clubes de todo o país, representados por 1800 atletas - o Sporting fez desfilar 300!!! - e que foi honrada com expressivo significado». Joaquim Bogalho, «O Homem do Estádio», esteve no centro das cerimónias. Francisco Palmeiro também. Orgulhosamente, a casa Flora de Carcavelos gabava-se de ter fornecido as semanas para a relva do novo estádio.
Sobre a relva, Palmeiro soltava o seu talento: rápido, inesperado, surpreendente. Às vezes parecia que parava, mas arrancava outra vez cheio de uma sagacidade feliz e incontrolável. Foi dele o golo nessa tarde de sol de Inverno. O mesmo sol de Inverno que agora surgiu para lhe dizer adeus."

Afonso de Melo, in O Benfica

Pedalando entre Paris e Lisboa

"No meio de chuva e tempestades, três ciclistas do Benfica superaram um difícil percurso entre as duas capitais.

Em 1926, a secção de ciclismo do Clube teve grande actividade sob a direcção de Alfredo Luís Piedade, um grande impulsionador da modalidade.
O ano ficou marcado pela organização do I Raide Paris-Lisboa, um espantoso empreendimento de 1890 quilómetros, realizando em dez etapas diárias. Toda a organização foi feita por Alfredo Luís Piedade, que fez parte do raide juntamente com Francisco Santos Almeida e João Santos Borges. Os três corredores saíram de Paris no dia 2 de Maio, acompanhados por um automóvel onde seguiam um delegado da União Velocipédica Portuguesa e o fotógrafo do Benfica, Joaquim Coelho Duarte.
Foi uma viagem bastante penosa devido ao mau tempo que se fez sentir em parte do trajecto. Segundo Alfredo Piedade, 'a travessia mais dificultosa foi a parte dos Pirenéus (...). Toda ela, já difícil por ser muitíssimo acidentada também, foi feita debaixo de chuva copiosa e frio intensíssimo', Em algumas etapas, enganaram-se no itinerário, fazendo alguns desvios que lhes valeram um acréscimo de cerca de 200 quilómetros. João Santos Borges acabou mesmo por ficar doente e foi forçado a desistir em Valladolid, Espanha.
Já em Portugal, o mau tempo voltou a complicar o percurso, com uma forte rajada de granizo a surpreender os ciclistas. Na chegada a Lisboa, no dia 11 de Maio, foram recebidos por milhares de pessoas que os aguardavam na Praça dos Restauradores, onde o raide foi concluído às 18h30. Desde as 17 horas que grupos de pessoas se juntavam desde a Avenida da Liberdade até ao Campo Grande, em ambiente de grande festa. Foi a primeira vez que se realizou um raide tão arrojado e, por isso, teve grande simpatia popular.
Com algum custo, no meio de tanta multidão, os ciclistas seguiram de automóvel para a sede da União Velocipédica Portuguesa, onde agradeceram à janela os aplausos e ovações.
Poderá recordar outros feitos do ciclismo benfiquista na área 3 - Orgulho ecléctico do Museu Benfica - Cosme Damião."

Ana Filipa Simões, in O Benfica

Benfiquismo (CCCLXV)

É altura para mostrar a nossa Raça...