Últimas indefectivações

terça-feira, 23 de março de 2021

Retoma cristalina


"O triunfo em Braga, por 0-2, e a exibição conseguida frente aos bracarenses consolidaram o percurso ascendente da nossa equipa de futebol verificado desde que foram debelados os muitos casos de Covid no seio do plantel.
Jorge Jesus afirmara, perto do final de fevereiro, na antevisão do segundo jogo com o Arsenal para a Liga Europa, que a recuperação dos muitos atletas afetados pela Covid permitiria o incremento dos índices coletivos da equipa, nomeadamente em função da disponibilidade de mais atletas e subsequente maior qualidade do treino. Os resultados e as exibições desde então confirmam o acerto da convicção manifestada pelo nosso treinador.
Ao longo do mês de março, disputámos cinco jogos e conseguimos igual número de vitórias, apresentando um registo defensivo incólume. Foram 12 pontos somados na Liga NOS, com nove golos marcados e nenhum sofrido, a que acresce o apuramento para a final da Taça de Portugal, selado com o triunfo, por 2-0, frente ao Estoril na segunda mão da final da Taça de Portugal.
Considerando somente a Liga NOS, a série de cinco jogos sem qualquer golo sofrido leva-nos a recuar a 2014/15 para encontrarmos igual registo. Melhor, neste século, só em duas ocasiões. Nas últimas oito jornadas permitimos apenas um golo adversário, obtido pelo Moreirense através da marcação de uma grande penalidade.
A série de resultados conseguida possibilitou a subida ao terceiro lugar da classificação, estando agora o enfoque da equipa colocado na perseguição ao segundo posto. Objetivo imediato: vencer o Marítimo na próxima jornada.
Entretanto, nas modalidades de pavilhão, o destaque do fim de semana passado recai no apuramento para a final do Campeonato Nacional de voleibol. Os dois triunfos ante o Sporting fecharam a eliminatória, tendo agora a nossa equipa a sua congénere do Fonte do Bastardo como opositora na luta pelo título. A final arranca já no próximo sábado, na Luz."

Bastidores: Braga...

A admiração dos capitães


"Após o desaire em Itália, o génio de Francisco Ferreira trouxe a Lisboa a espectacular equipa do Torino

Existem datas que ficam para sempre marcadas na memória de um jogador de futebol: o seu primeiro treino, o seu primeiro jogo, o seu primeiro golo. E depois há aquelas datas que, mais do que evocar memórias, são determinantes na sua vida pelas mais diversas razões.
O dia 27 de Fevereiro de 1949 foi uma dessas datas. Foi neste dia que se juntaram dois capitães de equipa de grande técnica e qualidade. De um lado, Francisco Ferreira, capitão da selecção nacional e do Benfica; do outro, Valentino Mazzola, capitão da selecção italiana e do Torino. Era a sexta vez que Portugal enfrentava a Squadra Azurra, mas a primeira vez que Francisco Ferreira jogava contra a Itália, e todos sabiam que 'Dada a real categoria do futebol italiano, está reservada aos jogadores portugueses uma tarefa difícil'.
Embora Portugal tenha marcado primeiro no Estádio Luigi Ferraris, em Génova, o resultado final não favoreceu a equipa lusa, que saiu derrotada por 4-1. Ainda assim, os jogadores portugueses foram alvo de elogios pelos técnicos, jogadores e imprensa italianos, especialmente a defesa e o capitão Ferreira. Mazzola diria mesmo que 'Francisco Ferreira, Feliciano e Virgílio... deixaram-lhe uma impressão bastante favorável', portando-se 'como autênticos gigantes'.
A admiração foi mútua, pois também Francisco Ferreira deixou o relvado impressionado com o capitão italiano, jogador de grande classe. Assim, quando chegou a altura de escolher um adversário digno para uma homenagem em honra do capitão benfiquista, o Torino foio clube escolhido. Nem podia ser de outro modo: uma das melhores equipas do futebol da Europa para homenagear um dos melhores jogadores do Benfica e de Portugal da sua geração.
A homenagem realizou-se em 3 de Maio de 1949, dois meses depois do Itália-Portugal. Mazzola referiu em entrevista: 'Não fosse tratar-se de uma homenagem a Francisco Ferreira e não se desse a circunstância de ele ser o capitão da selecção portuguesa e de eu capitanear a Squadra Azurra, nem sequer tinha vindo a Portugal! Vim para trazer o abraço da selecção de Itália ao valoroso futebolista que é Ferreira. 'O Torino estava a quatro jogos do título nacional, e só o respeito, a admiração e a amizade fizeram Il Grande Torino viajar para Lisboa'. Desta vez a vitória sorriu ao Benfica por 4-3, mas a tragédia abateu-se sobre os italianos, ensombrando para sempre a homenagem ao capitão benfiquista.
Francisco Ferreira jogou 14 épocas consecutivas no Benfica, fez 523 jogos de águia ao peito e 25 pela selecção. Saiba mais sobre este jogador na área 23 - Inesquecíveis no Museu Benfica - Cosme Damião."

Carina Santos, in O Benfica

SL Benfica | A consolidação da muralha encarnada


"Nos últimos jogos temos visto um melhoramento no nível exibicional da equipa do SL Benfica. Se ofensivamente a equipa vai crescendo lentamente, a nível defensivo as melhorias são muito mais evidentes. Nos primeiros 25 jogos da época, a equipa de Jorge Jesus sofreu golos em 14 deles. Em sete desses jogos, os encarnados sofreram dois ou mais golos.
Contrariamente, nos últimos seis jogos para a Primeira Liga, o SL Benfica conseguiu manter a sua baliza a zeros. A marca de dois golos sofridos nas últimas oito partidas para a competição é já um valor respeitável. A que é que se deveu esta alteração tão drástica no desempenho do setor defensivo das “águias”?
Antes de mais, Jorge Jesus implementou mudanças na organização defensiva da equipa. Mesmo continuando a alinhar no habitual 4-4-2 (ou 4-4-1-1) a equipa passou a defender muitas vezes num 4-3-3. O extremo do lado da bola saia na pressão, enquanto que o extremo do lado contrário ao do esférico juntava-se aos homens do meio campo formando uma linha de três. Se o esférico estiver no lado direito, o avançado mais descaído para a esquerda bascula para cobrir a ala esquerda permitindo assim ao extremo recuar.
Este tipo de posicionamento permitiu ao SL Benfica condicionar de forma mais eficiente a primeira fase de construção do adversário e impedir a desvantagem numérica no meio campo. Para além das mudanças táticas, o incremento exibicional a nível defensivo deveu- se a alguns bons momentos de forma e também a algumas entradas chave na equipa.
Julian Weigl assumiu definitivamente o lugar de “número seis” nesta equipa. O alemão continuou a demonstrar-se vital na construção ofensiva, mas amentou muito a sua produtividade defensiva sobretudo através da leitura de jogo e dos espaços. Otamendi, depois de cometer vários erros diretamente ligados a golos sofridos ou situações de finalização, foi subindo gradualmente o seu nível exibicional. O central argentino tornou-se num dos jogadores mais importantes da equipa.
A chegada de Lucas Veríssimo veio garantir uma alternativa de grande nível a Otamendi e Vertonghen e permitir a Jorge Jesus alinhar o tão desejado esquema com três centrais. O ex-Santos FC tem-se apresentado de forma muito positiva, tendo já ganho um lugar de destaque no plantel.
No entanto, para mim, uma das razões do melhoramento da manobra defensiva foi a entrada direta de Helton Leite para o onze. Podemos discutir a qualidade entre os postes de Vlachodimos e Helton Leite, mas é inegável que o guardião brasileiro tem muito mais qualidade a sair da baliza.
No início da temporada, o SL Benfica foi absolutamente bombardeado com bolas nas costas da sua (já lenta) linha defensiva. Com uma equipa que joga com a linha defensiva tão alta, é absolutamente necessário ter um guardião que saiba controlar bem a profundidade (veja-se o que faz Matheus no SC Braga).
Odysseas não é capaz de proporcionar segurança neste capítulo do jogo. Se é inegável que o guardião grego salvou muitas vezes os encarnados com defesas de levado grau de dificuldade, também é verdade que muitas vezes se viu obrigado a realizá-las devido ao fraco controlo da profundidade.
A equipa das “águias” tem melhorado muito a sua forma de defender. No entanto, continuo a achar que existem ainda algumas lacunas a limar, como as bolas paradas defensivas e o controlo dos cruzamentos."

Pisadelas selectivas...!!!

"Que têm a dizer à perseguição nojenta a que o Taarabt tem sido sujeito por parte da arbitragem? Isto é falta:

Isto é limpinho e siga para golo, que era o que tinha acontecido se o Helton não tem feito uma grande defesa. Foi a “dualidade de critérios” de que o Salvador veio ladrar. E esta hein?
"

Adepto sofre!!!


"E o João Bessa Silva a sofrer que nem um cão pelo seu Portinho em Portimão, hein? Não banam da arbitragem este senhor que não é preciso. Qualquer dia vão de camisola do Calor da Noite para dentro de campo! Já faltou mais..."

O Cantinho Benfiquista - O Meu Benfiquismo - Cloé Lacasse

Rafa: grande exibição manchada pela forma negligente como atingiu os pitons de Fransérgio. Não se coloca em risco a saúde de uma chuteira


"Helton Leite
Ainda a primeira parte do jogo não terminara e já o Vlachodimos se tinha ausentado para ir à casa de banho, onde aproveitou para ligar ao empresário e pedir-lhe que arranje um novo clube para a próxima época.

Diogo Gonçalves
Depois de ter passado com distinção nos primeiros níveis do Career Mode enquanto atleta do futebol profissional - receber uma bola em condições, correr com o esférico colado ao pé, cruzar para o espaço entre os centrais - Diogo Gonçalves enfrentou ontem o primeiro Boss a sério, o jovem Galeno, um extremo temível que costuma parecer jogador para um grande mas ontem pareceu pequeno para o Braga. Congratulations Diogo, you moved to the next level!

Lucas Veríssimo
Eu também senti uma tontura súbita mais ou menos na altura em que o Lucas Veríssimo se queixou, mas no meu caso é por já não estar habituado a ver o Benfica dominar jogos.

Otamendi
As exibições de Otamendi são todas assim. Autoridade violenta exercida sobre os adversários diretos com a oferta de um brinde por jogo. Piazon não aproveitou e Otamendi prosseguiu tranquilamente como se fosse o dono de uma construtora civil a instalar-se na pedreira.

Verthongen
Sem espinhas. Chegou sempre primeiro à bola, como se fosse efetivamente um atleta profissional com uma longa experiência e um entendimento do jogo muito acima da média. Veremos como Jorge Jesus reage a esta surpresa.

Grimaldo
Parecia prestes a reeditar o excelente golo no Dragão, mas não acertou no alvo. Estranhamente não foi um dos melhores em campo, algo que tem sido habitual nele.

Weigl
O seu jogo passou à fase seguinte. Depois de ter finalmente assimilado as ideias do sexagenário da Amadora, e recuperados os níveis de confiança, Weigl parece agora apostado em adornar todas as suas acções em campo para que o seu papel de operário passe a ser o de um maestro discreto que faz quase tudo com elegância, do passe a 5 metros a uma entrada a pés juntos sobre o adversário. Tem cada vez mais noites em que parece ter sido uma pechincha.

Taarabt
Ninguém sabe exactamente como é que acabámos com mais de 50 milhões de euros sentados no banco à espera de uma oportunidade e um marroquino destravado como cérebro da criação ofensiva, mas a verdade é que está a funcionar. Vou fazer como daquela vez em que uma namorada me arrastou até ao Andanças e deixar-me levar.

Rafa
Grande exibição manchada antes mesmo do primeiro golo, quando atingiu de forma negligente os pitons de Fransérgio e provocou a sua expulsão. Não se pode colocar assim em risco a integridade física de uma chuteira. Depois querem paz no futebol português.

Waldschmidt
Começa a parecer uma daquelas histórias felizes estilo indivíduo que esteve 48 dias em coma e parecia irremediavelmente perdido mas um dia acordou entre linhas à procura da bola e dos colegas. O seu futebol só agora parece ter deixado os cuidados intensivos e talvez seja cedo para tirar conclusões, mas tenho quase a certeza que esta analogia com um paciente hospitalar foi infeliz. Bem, há coisas piores. Vejam o caso do Darwin, por exemplo.

Pizzi
Como as coisas mudam. Num momento és um titular indiscutível que os adeptos adoram odiar, logo a seguir és o suplente utilizado que não aborrece ninguém. Estas suas entradas com os jogos mais ou menos ganhos tresandam a uma venda de 15 milhões para o Al Shabab.

Jardel
Mais 15 minutos consecutivos sem uma lesão. Monstro.

Seferovic
Assistências, golos, e a inevitável sensação de que as vitórias do Benfica passam por este ocasional imitador de pinos que é cada vez mais o craque que nos recusamos a aceitar. Abram alas, o Seferovic é o novo Pizzi.

Gilberto, Everton e Gabriel
Que bom não ter nada para dizer sobre estes suplentes porque não estava especialmente atento em virtude de termos o jogo ganho há mais de meia hora. Era capaz de me habituar a esta vida."

Benfica FM #152 - Braga...

Benfica After 90 - Braga...

Visão Vermelha S2E26 - Braga...

“Estava num WC, entram o Toni e o Jesualdo a falarem de mim e eu quis sair disparado para o bate-boca. Eu era assim: dizia e fazia porcaria”


"Aos nove anos, Rui Baião pediu a uma estrela cadente para um dia jogar no Estádio da Luz pelo Benfica e o desejo concretizou-se mas o sonho de brilhar no clube do coração foi traído pelo feitio irreverente; a relação com Jesualdo Ferreira, diz, também não ajudou e a saída do SLB seria um dos seus dois maiores arrependimentos. O segundo, uma discussão violenta com Luís Campos

Nasceu no Montijo. Apresente-nos a família.
Os meus pais, Francisco e Inácia Baião, são ambos do alto Alentejo, da aldeia Perolivas, ao lado de Reguengos de Monsaraz, para onde eu ia todas as férias de verão. O meu pai era vidraceiro na siderurgia e a minha mãe trabalhava como empregada de limpeza. Tenho duas irmãs mais velhas, a Otília e a Elsa, temos sete e cinco anos de diferença. A minha mãe diz que eu sou o camisinha rota [risos].

Era um puto regula?
Sim. Basicamente tinha tudo a ver com o futebol, embora antes de jogar futebol pratiquei atletismo, com 8,9 anos, porque os meus pais viviam, e ainda vivem, na Moita e a minha irmã do meio andava no Núcleo de Atletismo da Moita. Participei em vários corta-matos e algumas corridas. Uma vez fomos a uma corrida em Santo André e no regresso a carrinha avariou. Já todos partidos da corrida, ainda tivemos de andar a empurrar a carrinha, até pegar [risos]. Mas tenho uma história engraçada.

Conte.
Eu devia ter uns 12 anos e combinei com malta do meu bairro irmos todos às piscinas de Vendas Novas num fim de semana. Tínhamos de encontrar-nos às cinco e tal da manhã para apanhar o comboio de forma a chegar às piscinas à hora de abertura, às 9h. Tudo combinado, tudo certo, só que havia um problema: a minha idade. Grande parte do grupo era mais velho do que eu. Como é que eu ia convencer os meus pais, com a minha idade, a deixarem-me ir com pessoal amigo mais velho do que eu? Além de que eu só tinha dinheiro para a viagem e nada mais. Andei o que restava da semana a pensar num esquema e a solução que encontrei foi esta: não contei nada aos meus pais. Nós vivíamos num 3.º andar e para não os acordar e não fazer barulho, nessa noite não dormi, escrevi um bilhete a dizer que tinha saído cedo e ido para a praia com o meu melhor amigo; e desci do 3.º andar até ao rés do chão pelas varandas de trás, sem pensar no perigo do que estava a fazer [risos]. Como não tinha dinheiro para comprar comida, fui comendo um bocado da comida dos outros [risos].

Gostava da escola?
Gostava de não ir à escola [risos]. Durante a primária e até ao 7º ano sempre fui um aluno assíduo e tirava boas notas, a partir do 8º ano é que se complicou porque coincidiu com começar a jogar futebol mais a sério.

Quando era pequeno já dizia que queria ser jogador de futebol?
Não me lembro de ter nada idealizado quando era pequenino, até à altura em que o meu pai comprou uma telefonia e eu comecei a ouvir os relatos de futebol. Aquilo fascinou-me imenso. Sobretudo ouvir os nomes dos jogadores. Foi a partir daí que comecei a pensar "Quem me dera a mim ser jogador de futebol", mas para que os meus pais também pudessem ouvir o meu nome na rádio.

Torcia porque clube?
Isto aconteceu no final da década de 80 e nessa altura quem estava na mó de cima era o Benfica. Lá em casa éramos todos benfiquistas, mas nunca me foi incutido ser de um clube. Acho que foi mesmo de ouvir os relatos. Aquele rádio dava para cassetes e no dia em que o Benfica ganhou 2-0, nas Antas, com dois golos do César Brito, resolvi fazer uma gravação de mim a fazer o relato desse jogo [risos]. Tenho pena de já não saber onde anda essa cassete, mas lembro-me de alguns anos mais tarde ouvi-la e lá estava a minha vozinha de criança a relatar.

É verdade que pediu um desejo a uma estrela cadente e que se cumpriu?
É. Devia ter uns nove anos, estava com os meus amigos à noite na rua e vi passar uma estrela cadente. Dizia-se que devíamos pedir um desejo e eu acreditava. O desejo que pedi foi: "Um dia gostava de ser jogador do Benfica e jogar no Estádio da Luz". Isto porque a minha irmã, que praticava atletismo, ganhou um prémio e fomos fazer uma visita ao antigo Estádio da Luz. Eu fiquei fascinado com a imponência daquilo, o terceiro anel, a grandeza. Graças a Deus consegui cumprir esse meu desejo. 

Quando começa a jogar futebol num clube?
Eu jogava à bola com os meus amigos no ringue todos os dias. Na escola, combinávamos os jogos no ringue, aquilo era bairro contra bairro, eram grandes batalhas. Foi aí que comecei a aprender o básico, com os amigos, no bairro da Caixa. Entretanto, fizemos uma equipa e fomos a um torneio distrital, em Setúbal. Estavam lá olheiros e coincidiu estar um do Barreirense, que veio falar comigo e com o meu melhor amigo de infância, Nuno Camões, para irmos às captações no Barreirense.

Qual foi a reação em casa?
Os meus pais sabiam que eu gostava muito de jogar à bola e que faltava às aulas por causa disso. A minha mãe era muitas vezes chamada à escola. Diziam-lhe: "O Rui quando vem às aulas é bom aluno, mas ele falta bastante"; "Falta bastante? Mas ele levanta-se cedo e vem para a escola"; "Pois, mas ele prefere andar a jogar do que vir às aulas". A minha mãe diz que quando me confrontava eu respondia: "Pois mãe, é que eu não tenho tempo para jogar à bola" [risos]. Mas nunca me impediram de seguir o meu sonho.

Como correu nas captações?
Eu nunca tinha jogado futebol 11, era sempre futebol de salão, no ringue. Sabia que quando a bola saía era lançamento, mas as regras mais específicas eu não sabia. Quando fui às captações, disse que jogava a avançado e fiz como no ringue, fiquei junto da baliza à espera da bola para fazer golos. A defesa subia e eu ficava encostado ao guarda redes à espera que me passassem a bola [risos]. O treinador pôs-se aos gritos :"Miúdo, tens de vir com os defesas senão ficas em fora de jogo". E eu: "Fora de jogo? Sei lá o que é isso, fora de jogo". Tinha 11 anos. Cheguei a casa e fui perguntar ao meu pai o que era o fora de jogo e ele lá me explicou.

Mas mesmo assim ficou no Barreirense?
Chegou um dia em que aconteceu uma coisa que não estava à espera. O meu melhor amigo de infância jogava a defesa central, gostaram muito dele e quiseram ficar com ele. Ele vira-se para as pessoas do Barreirense: "E o Baião?"; "É bom jogador mas não contamos com ele"; "Então se não contam com ele eu também não fico. Só fico se o Baião ficar". Eles queriam muito que ele ficasse e acabaram por ter de levar comigo também [risos]. Eu e o Nuno fomos criados no mesmo prédio, onde ia um, ia o outro, só não somos irmãos de sangue, porque de resto somos irmãos e tratamo-nos como tal.

Ficou no Barreirense até quando?
Dois anos. Aconteceu tudo muito rápido. Tive uma evolução fora do comum, tanto que fui para lá como iniciado B, fiz quatro cinco jogos e passei logo para a equipa A e fui titular o resto do ano. Fomos campeões distritais e subimos ao nacional. No ano a seguir, jogámos contra Benfica, Sporting, Belenenses, Setúbal. Quando jogávamos na relva com os clubes grandes, como não estávamos habituados, levávamos grandes cabazadas, mas quando eles vinham jogar ao nosso pelado sofriam muito para ganhar-nos. Entretanto, como tinha feito um bom campeonato pelos iniciados, mas não passamos à fase seguinte, o treinador dos juvenis levou-me para os juvenis A. Entrei na equipa e não saí mais. Fui campeão distrital juvenil, apesar de ser iniciado.

O que aconteceu depois?
Como as coisas estavam a correr bem, fui tentar a minha sorte ao Vitória de Setúbal. Mais uma vez fui com o meu melhor amigo. O treinador ficou maravilhado, foi logo ter comigo: "Vamos ali à sala do diretor e vais já assinar por nós". Mas eu, com 14 anos, respondi: "Não, não quero assinar nada. Até posso continuar a treinar aqui, mas por enquanto não quero assinar". Não sei se foi alguma coisa divina a desviar-me para o que aí vinha, mas não aceitei. Passados 15 dias aparece o Zé Augusto e o Adolfo, na Moita, à procura da casa dos meus pais. Eu estava a andar de bicicleta, não estava em casa. Entretanto. um amigo vem ter comigo: "Baião, vamos à tua casa que estão lá uns homens do Benfica à tua procura"; "Eh pá, vai-te lixar, estás a gozar comigo"; "É verdade, é verdade, anda lá"; "Vai-te lixar"; "O que é que apostas?"; "O que é que aposto? Então olha, aposto a roda da frente da minha bicicleta" [risos].

Perdeu a aposta.
Perdi. Estava a chegar perto da minha casa e naquela zona estão sempre pessoas à janela, as chamadas coscuvilheiras, e começaram logo: "Eles estão-se a ir embora, estão-se a ir embora". Agarro na bicicleta e vou atrás deles. Eles viram-me, pararam o carro e voltaram para casa dos meus pais. Disseram que já há muito tempo que andavam a seguir-me e que queriam muito que eu fosse para o Benfica. Os meus pais disseram que a última decisão era minha.

Não hesitou, claro.
"Onde é que assino?" [risos]. Não o disse mas era o que estava a pensar. Passado duas semanas ligam para a casa dos meus pais, do Sporting. Queriam que fosse para lá [risos].

Já tinha assinado pelo Benfica?
Eu naquele dia assinei logo um papel. Era o meu sonho, alguma vez ia perder essa oportunidade?

Nessa altura já lhe falaram de dinheiro?
Sim, fui para lá ganhar 25 contos (125€).

Quando ganhou o primeiro ordenado lembra-se do que fez ao dinheiro?
Lembro-me muito bem. Fui comprar umas Levi's, que custavam 20 contos (100€). Fiquei com 5 contos (25€) para o resto do mês.

Sabe quanto lhe oferecia o Sporting?
Nem cheguei a falar com eles. O que me disseram depois é que o Benfica deu 2000 contos (10.000€) ao Barreirense mais equipamentos e bolas, e que o Sporting dava 4500 contos (22.500€) por mim. Foi o que me disseram, se é verdade ou não, não faço ideia. Obviamente que se não tivesse aparecido o Benfica e só tivesse surgido o Sporting se calhar tinha ido para lá. Mas mesmo que não tivesse assinado pelo Benfica e estivesse entre um clube e outro, nem que o Sporting me pagasse mais de ordenado, com aquela idade eu queria lá saber de dinheiro... Queria era jogar no clube de que gostava, era o sonho de qualquer criança. Eu tinha 14 anos.

Como foi a adaptação à nova realidade do Benfica?
Não foi fácil. Havia o centro de estágio, só que como eu morava relativamente perto, não me deixaram ir para lá. Na pré-época treinávamos de manhã e de tarde e eu tinha de me levantar muito cedo porque tinha de apanhar comboio da Moita para o Barreiro, depois o barco para o Terreiro do Paço, e antigamente não havia estes catamarãs, antes demorava quase uma hora; depois, não havia metro no Terreiro do Paço, tinha que ir a pé até ao Rossio, para apanhar o metro para o Colégio Militar. Treinava, almoçava no centro de estágio, treinava à tarde e era a volta ao contrário. Ia e vinha sozinho. Hoje, olho para os meus filhos e penso que os miúdos não têm nem metade da responsabilidade que nós tínhamos. Hoje quando eles vão brincar para a rua ficamos com o credo na boca, quanto mais eu deixar o meu filho ir do Barreiro, onde vivo agora, de transportes para Lisboa. Os meus pais deram-me uma dose de responsabilidade muito grande.

É aí que deixa os estudos?
Ainda não. Eu andava completamente de rastos. Não aguentava aquele ritmo. Uma vez quando acabou o treino apanhei o metro no Colégio Militar, deixei-me dormir, só acordei no Campo Grande, com o revisor a dar-me pancadas no braço. Tinha ido de um lado ao outro da linha. Nessa altura fui falar com os diretores do Benfica. E fiquei no centro de estágio. Mas foi complicado essa fase de adaptação.

Custou-lhe afastar-se da família?
Claro. Estamos habituados ao carinho familiar, a ter tudo feito, e de um momento para o outro tens de ser responsável por ti próprio. Claro que chorei, não escondo. Cheguei a pensar em voltar para casa. 

Fizeram-lhe alguma partida, alguma praxe quando chegou?
Não, mas fizeram-me uma espera quando fui para o Benfica. Um ano antes tinha jogado contra o Benfica no campeonato nacional e eu sempre fui um jogador agressivo, e já na altura, apesar de ser magrinho, era bastante alto. Nunca gostei de perder. Eles lembraram-se de mim e quando me viram a entrar no balneário a primeira vez - isto eles contaram-me depois -, reconheceram-me. "Olha quem está aqui. Seja bem-vindo", mas a pensar "espera aí que a gente já te faz a folha". Então, cada vez que eu tocava na bola, pumba, vai de paulada. Ainda durou alguns treinos. De certa forma eu sabia porque é que eles estavam a fazer aquilo.

Adaptou-se bem à escola em Lisboa?
Nessa altura a escola é que andava mal comigo, não era eu com a escola [risos]. Eu só queria bola, estava desligado da escola, já desde o Barreirense. Na Moita tinha chumbado dois anos. Quando fui para o centro de estágio do Benfica passei para a escola secundária de Telheiras, no 8.º ano. As coisas correram bastante mal, mas tiveram um fim feliz.

Como assim?
No 1.º período tenho oito negativas, até a educação física tive negativa porque no Benfica durante um jogo parti o braço e não podia fazer. Só tive uma positiva, ao que mais gostava, inglês. No 2.º período tive positiva a inglês e educação física [risos]. No 3.º período, ainda fui uns tempos à escola, mas quando faltava um mês e tal para acabar deixei de ir porque com aquelas notas sabia que ia chumbar. Acaba o ano letivo, estou no centro de estágio e vêm chamar-me para ir ao telefone. Era a minha diretora de turma, nunca mais me esqueci do nome dela pelo que ela fez por mim, Maria José Mota. Disse-me que independentemente de eu ter faltado às aulas e das minhas notas, ela sempre me tomou como um bom aluno porque quando ia mostrava capacidades. E resolveu falar com os outros professores, porque sabia que eu já tinha chumbado duas vezes no 8.º ano e se chumbasse mais uma vez ia entrar numa sequência de anos perdidos que não seria bom para mim. Depois de uma conversa séria, aceitaram passar-me de ano [risos]. Eu nem queria acreditar, pensava que estava a gozar comigo. Mas não, foi impecável e disse que era só eu querer que conseguia ter excelentes notas e para aceitar aquela oportunidade porque se calhar não ia ter outra. Então fiz uma promessa à professora.

Qual?
Disse-lhe que estava muito agradecido pelo que ela fez, por ter dado a cara por mim, e prometi-lhe que pelo menos ia cumprir a escolaridade obrigatória, que na altura era só o 9.º ano. E assim fiz. No ano seguinte, mudei de escola, fui para o externato Álvares Cabral em Benfica e passei o ano só com uma negativa e porque entrei em conflito com uma professora. Ela não ia com a minha cara e eu não ia com a dela e deixei de ir às aulas. Era professora de Física e Química. Juvenis Barreirense.

Voltando ao futebol. Quando chega à equipa principal do Benfica?
Tive excelentes treinadores na formação do Benfica. Não foi sempre fácil, por minha culpa também, nunca fui um jogador fácil, fui sempre muito irreverente, muito espontâneo. O que eu pensava ou sentia era aquilo que saia, não refletia. Muitas vezes também fui mal interpretado, e outras errei, não tenho vergonha de assumir.

Algum treinador que o tivesse marcado mais na formação?
Talvez o professor Rui Oliveira e o Jaime Graça. Depois tive o Arnaldo Cunha, que fez o que alguém devia ter feito muito mais cedo, que foi cortar-me as vazas. Se tivessem tido esta atitude comigo sempre, se calhar o meu comportamento teria sido diferente. Só que a partir de determinada altura na formação do Benfica, eles tinham mesmo muita esperança em mim, era como um diamante que eles queriam lapidar. O problema é que eu continuava a cometer erros e ninguém metia travão.

Que tipo de erros cometia?
Acima de tudo era um miúdo muito mimado, conseguia levar avante as coisas que eu queria, da maneira que eu queria. E quando apanhei o Arnaldo Cunha, no 2.º ano de juvenil, houve um jogo nas Antas em que se ganhássemos éramos automaticamente campeões. E nessa semana portei-me mal outra vez.

O que significa, em concreto, portar-se mal?
Às vezes tinha más atitudes com os meus colegas. Infelizmente sempre fui um jogador muito emocional, deixava as emoções tomarem conta de mim. Mandava todos para o "baralho" e para a "coisa" da mãe deles ou passava-me uma coisa pela cabeça, um colega passava por mim e mandava-lhe um grande pau e depois não pedia desculpa. Já não me lembro em concreto qual a situação, sei que me portei mal e o Arnaldo Cunha: "Ai é?". Chegou o dia da convocatória e o nome do Baiãonito não estava [risos]. Os meus colegas foram às Antas, ganharam, eu fui campeão na mesma, mas não fui a esse jogo. Depois desse jogo o Arnaldo Cunha veio com um discurso claramente dirigido a mim. "Quando temos uma maçã podre no grupo, essa maçã pode apodrecer as outras maçãs. Qual o melhor remédio para as maçãs não apodrecerem todas? É tirar a maçã podre do meio das outras".

Nos juniores correu melhor ou nem por isso?
Apanhei o mister Nené, que foi a primeira alavanca para eu ir à equipa principal. Era meu treinador nos juniores e os seniores entraram numa fase de transição e enquanto não vinha o novo treinador. Foi o Mário Wilson que assumiu os seniores, com o Nené como adjunto dele. Começámos o campeonato nacional e o Nené tinha uma confiança cega em mim. Tanto que, mesmo sendo mal comportado e tendo em conta que havia colegas há mais tempo no clube, meteu-me como um dos capitães da equipa, para me dar responsabilidade. O Nené enquanto treinador, dentro de campo era uma pessoa de regras muito rígidas. Só para dar um exemplo: na relva éramos obrigados a treinar com pitons de alumínio porque se fôssemos com os de borracha e tivéssemos o azar de escorregar, íamos logo tomar banho. Tínhamos de andar com o equipamento bem lavadinho, camisola dentro dos calções. E com as horas então… Eish. Tenho uma história a propósito.

Conte.
Íamos jogar a uma das ilhas, tínhamos de apanhar um avião e a hora de saída era às duas. O Baiãonito chegou três minutos atrasado e o autocarro já não estava [risos]. Lá consegui que uma pessoa conhecida me levasse ao aeroporto. Pedi desculpa ao mister e embarquei. Mas ele era muito rígido nas regras. Tinha também o outro lado. Era uma pessoa que a mim, particularmente, dava muita confiança, acreditava muito em mim.

Chegou a treinar na equipa principal nessa altura em que ele acumulava como treinador principal dos juniores e adjunto dos seniores?
Sim. Ele ensinava-me muita coisa. "Nos cantos, posicionas-te ali e vais ver que vais fazer golo". E era. Nesse ano de juniores fartei-me de marcar golos. Nessa fase em que ele era adjunto de Mário Wilson, levou-me a treinar com a equipa principal tinha eu 17 anos.

Quem eram as figuras da equipa principal que o impressionavam mais?
Acima de tudo o João Pinto. Na altura era Deus no céu e João Pinto no Benfica [risos]. Nunca tinha entrado no balneário dos seniores, entrei mudo e calado. Era um respeitinho. Era chegar dizer bom dia, equipar e estar caladinho, mais nada.

Continuou a treinar com os seniores a partir daí?
Só nessa fase de transição e não todos os dias. Quando veio o novo treinador voltei aos juniores, fiz dois anos e entretanto surgiu a equipa B. Estive um ano na equipa B. Claro que subir à equipa principal era um objetivo, mas naquela altura era muito mais complicado para um jovem da formação conseguir entrar diretamente na equipa A, a não ser que fosse algum fora de série.

Depois da equipa B vai para Alverca, onde estava o professor Jesualdo Ferreira. Deram-se bem?
Sinceramente não tenho muitas coisas abonatórias a falar dele. O professor Mariano Barreto era um excelente homem, muito boa pessoa, e vou fazer aqui uma confidência. Muito daquilo que o Pedro Mantorras foi, deve-se ao Mariano Barreto e não ao Jesualdo Ferreira.

Por que razão diz isso?
Quando fui para o Alverca, fiz uma excelente pré-época, digamos que era eu e mais dez, e quando chegou a altura do campeonato, o primeiro jogo foi contra o Marítimo, em casa, fui para o banco mas não entrei. Depois tive azar porque num jogo durante a semana contra os juniores do Alverca tive uma entorse muito grave, tive de andar de canadianas e estive mais de um mês parado. Fiz a recuperação, comecei a treinar, mas durante esse período em que estava fora dos treinos, estava eu e o Mantorras. Nós os dois, enquanto os outros treinavam, aquecíamos os guarda-redes. Entretanto comecei a recuperar, mas passado pouco tempo tive de ser operado a uma apendicite de emergência. Perdi meia época praticamente.

E o Mantorras?
Voltando ao Mantorras. Ele nunca contou para o Jesualdo, era um jogador que estava quase sempre à parte e o Mariano Barreto era das pessoas que mais acreditava no Mantorras e fazia muito trabalho específico com ele, dava-lhe muita confiança, dizia para nunca desistir. Na altura os avançados eram o Caju, o Anderson e outro que não me recordo o nome. O Mantorras era um jogador que andava ali, que não contava. Só que, por causa de lesões ou castigos, o Jesualdo foi praticamente obrigado a meter o Pedro Mantorras a jogar e foi o que se viu. Explodiu completamente. Mas o grande obreiro para aquela explosão foi o Mariano Barreto. Sou testemunha disso. O Jesualdo se calhar é que ficou com os louros de ter apostado nele. Não tenho nada contra o Jesualdo Ferreira, simplesmente quando trabalhei com ele infelizmente nunca tivemos coisas boas, não sei se lhe fiz alguma coisa mas... Porque mais tarde voltei a encontrá-lo no Benfica.

Já lá vamos. Continuava solteiro?
Já estava com a minha atual mulher, a Teresa. Começámos a namorar em 2000. Ela vivia com a mãe no prédio em frente ao dos meus pais, que eu visitava muitas vezes porque já tinha carro. Muitas vezes dormia em casa dos meus pais, e como saía muito cedo, para ir para Lisboa, via-a quase sempre de manhã. A Teresa é alta, tem 1,77m, e fiquei intrigado e interessado, porque não me lembrava dela quando vivia com os meus pais. Passado uns tempos, estava com o melhor amigo de infância e a Teresa estava com uma amiga que ele conhecia. Perguntei ao meu amigo quem era ela e ele não vai de modas e chama a duas. Convida-as para tomar café, à noite. Elas não apareceram. Fomos à procura e lá as encontramos. Começou a partir daí. Mas isto para dizer que quando estava em Alverca fiz um contrato promessa de compra e venda de um apartamento em Sacavém, mas nunca cheguei a comprá-lo, e a Teresa ia lá de vez em quando.

Depois do Alverca volta à equipa B?
Depois de ser operado à apendicite já não quis voltar ao Alverca porque não gostava de como as coisas estavam a correr. Havia alguns jogadores que tinham comportamentos que eu não achava adequados. Para ser simples e direto, nunca gostei de "chibos" no grupo de trabalho. Nunca fui "chibo". No Alverca tinha alguns jogadores que iam chibar tudo o que se passava dentro do balneário. Para mim o que se passa no balneário é sagrado, o que acontece lá, fica lá. Uma coisa é se todos tomarem uma decisão comum de dar conhecimento ao treinador, ao diretor, presidente, a quem quer que seja, outra é haver três, quatro jogadores que se vão chibar sem conhecimento dos outros só para ter proveito próprio. Não aceito isso.

Mas houve alguma situação consigo diretamente?
Felizmente, não. Mas não gostava do ambiente e por outro lado vi que o meu espaço, também em função das lesões que tinha tido, tinha acabado. Sempre pensei pela minha cabeça. Entretanto, voltei ao Benfica, para a equipa principal. Curiosamente o meu primeiro dia, foi o último dia do José Mourinho, no Benfica. Eu treinava com a equipa principal e jogava pela equipa B ao início. No final do treino o Mourinho despede-se de todos um a um. Disse-me: "Não te conheço, mas olha, boa sorte". Foi assim.

Entra Toni. Gostou dele?
Gostei muito. Entretanto, o campeonato parou, já não sei porquê, e a equipa principal vai fazer uma digressão ao estrangeiro, com dois jogos. Fomos à Bélgica jogar contra o Lierse, onde estava o Pepa, e depois fomos fazer um jogo à Polónia, contra o Wisla Cracóvia. E marquei um golo em cada jogo. Fui chamado a uma conferência de imprensa quando cá cheguei e uma das perguntas foi: "Quando é que a aposta recai em si?". E eu não vou de modos: "Para mim é já". Mas não foi logo. Depois comecei a ser convocado para a equipa A, já não para a B, e entretanto aconteceu um momento muito triste.

Que foi?
O Benfica foi jogar a Campo Maior e eu tinha sido convocado - na altura normalmente ficava como 18º e ficava de fora, mas para mim já era excelente ir com a equipa principal -, e nessa semana o Toni tinha-me dito que se tudo corresse bem se calhar ia-me estrear em Campo Maior. Nesse jogo eu ia para o banco e quem ficava de fora era o Geraldo, o irmão do Bruno Alves. Eu estava todo contente, ia para o banco, se calhar ia estrear-me na equipa principal. Só que, no aquecimento, o Paulo Madeira lesionou-se, para meu azar. O Geraldo era central. Ou seja, o central que ia para o banco passou a titular e o Geraldo que ia ficar de fora é que vai para o banco. Quem é que fica de fora? Aqui o Baiãonito. Quando o Toni vem falar comigo nem sei como é que me consegui aguentar diante dele. Começaram a vir as lágrimas aos olhos, mas aguentei. Assim que acabou de falar comigo, saí de pé dele, fui para um sítio sozinho e chorei baba e ranho. Nunca ninguém soube. Mas chorei tanto.

Mas estreia-se logo a seguir, não foi?
Nesse jogo o Roger leva o 5º amarelo e na semana seguinte jogávamos em casa contra o Marítimo e o Toni veio falar comigo para estar tranquilo que em princípio eu é que ia ocupar o lugar do Roger no 11 inicial. Acho que durante essa semana não dormi, praticamente [risos]. Era tanta ansiedade e medo que algo pudesse acontecer novamente, foram muitas emoções, tinha medo de disputar bolas no treino, de me lesionar.

Tremeram-lhe as pernas?
Bastante. Até à altura os únicos jovens que tinham transitado da formação para a equipa principal e entrado logo como titular tinha sido o Diogo Luís e depois fui eu. Estava nervoso. Por muito bonito que o estádio da Luz de hoje seja, nunca vai ter a imponência que o antigo tinha, não tem nada a ver, aquilo impunha respeito. Ir por aquele túnel, subir aquela escada de acesso ao relvado e ouvirmos os adeptos a gritar e a puxarem por nós, a gritar o nosso nome... Eh pá... É difícil descrever. Muitas emoções inexplicáveis. Para mim que sempre foi o que tinha desejado, cumprir isso, foi... Foi o ponto mais alto da minha carreira.

Correu-lhe bem o jogo?
Correu. Nos primeiros minutos, basicamente queria mostrar que não errava para ganhar confiança. Passados dez minutos o nervosismo passa. Podia ter feito dois golos e tudo. Fiquei feliz.

Depois disso jogou mais até final da época, ou não?
Fiz mais alguns jogos. Fiz o meu primeiro golo, contra o Salgueiros, mas foi num dia triste para mim porque foi no dia em que faleceu a minha avó paterna. Dia 20 de maio. Jogámos em casa e o meu melhor amigo costumava ir com os meus pais ver o jogo. A minha avó estava mal, já estava tudo mais ou menos à espera, e os meus pais avisaram: "Se nós não formos, já sabes o que é que aconteceu". Durante o jogo não soube o que tinha acontecido, só no final do jogo quando percebi que só lá estava o meu amigo.

Acaba a época e o que aconteceu?
Fui de férias, sabia que tinha contrato com o Benfica, e como tinha feito um final de época bom, estava à espera de continuar na equipa A, não estava à espera de ir para a B e começar tudo de novo. Ligam-me para o dia da apresentação. O Benfica desportiva e financeiramente não estava bem e em 2001/02 nem tivemos jogo de apresentação, ou melhor, a apresentação foi o plantel a jogar uns contra os outros. Fizemos a pré-época, ainda com Toni, na Suíça. Foram buscar alguns jogadores que tinham mais nome do que aquilo que a meu entender poderiam oferecer desportivamente ao clube, nomeadamente o Drulovic e Zahovic. Tinham mais estatuto do que realmente podiam oferecer dentro de campo, porque já estavam em final de carreira. E essa foi uma das razões porque mais tarde quis sair do Benfica.
Deixou de ser opção por causa dessas contratações?
Sem dúvida. Voltei a jogar pela equipa B, coisa que eu não queria. Não porque sentisse que era despromoção, mas porque sentia que estava numa forma ascendente da minha carreira e não estavam a reconhecer que eu estava melhor do que eles. O que fazia com que eles jogassem era apenas o estatuto que tinham. Nos treinos eu sabia que treinava melhor, estava melhor física e taticamente do que eles. Mas eles é que jogavam. Isso foi corroendo por dentro. Fui acumulando, acumulando. Os resultados não ajudavam. Entretanto fomos fazer um jogo da Taça, ao norte, já não sei contra quem, e faço um grande jogo. Depois do jogo tenho mais uma história para contar.

Força.
Ainda era Toni o treinador, mas aí é que eu me apercebi realmente que não ia ter futuro com o Jesualdo. Depois do jogo fomos jantar a uma unidade hoteleira e no fim do jantar fui à casa de banho. Estou na sanita a fazer as minhas necessidades e oiço entrar na casa de banho o Toni e o Jesualdo. Vinham a falar. O Toni dizia: "Eh pá o miúdo, viste o jogo que ele fez? Grande jogo que o miúdo fez. Vou apostar no miúdo pá, que o miúdo está com uma grande confiança, uma grande moral". Quando os ouvi a falar, para eles não verem que eu estava na casa de banho, levantei os pés e encostei-os à porta. O Toni começou a falar de mim e eu a ouvir aquelas palavras estava todo contente e orgulhoso. Mas depois começa a falar o Jesualdo e começa a pôr um travão às pretensões do Toni: "Tem calma, não vás já apostar no miúdo".

O que fez?
Aquilo causou-me uma revolta muito grande. A minha vontade foi sair disparado da casa de banho e ter um bate boca com o Jesualdo, mas não o fiz. A verdade é que o Toni começou a apostar em mim. Mas tive a infelicidade dos resultados não serem bons e depois veio coincidir com o Jesualdo assumir o cargo de treinador principal.

Pediu logo para sair?
Não. A partir do momento em que o Jesualdo assumiu, acho que ainda fiz um jogo, mas eu sabia que enquanto ele estivesse à frente da equipa eu não tinha futuro no Benfica. No Alverca ainda lhe dei o benefício da dúvida porque tive a entorse e a apendicite. Mas a partir do momento em que ouvi aquela conversa... Quando o Jesualdo assumiu, eu sabia que ia ter muitas dificuldades, já nem digo em jogar, em permanecer sequer no plantel principal. Foi o que aconteceu.

Chegou a ter algum bate boca com ele?
Nada. Prefiro não comentar o que se passou depois, para não dar azo a ... Posso dizer que fiquei com uma imagem que se calhar não corresponde totalmente à verdade. É a minha forma de ver, se outros veem de outra forma, tudo bem. A partir do momento em que ele entrou, obrigou-me a ir jogar para a equipa B. A verdade é essa. Ele não pediu. Eu era um jogador que tinha sido apresentado no plantel principal, fazia parte do plantel principal, para mim não era vergonha nenhuma ir jogar pela equipa B, porque tinha lá muitos colegas da minha formação, foi a postura que ele teve para comigo que me revoltou. Porque uma coisa era ele dizer: "Rui, neste momento não estás bem, as coisas não estão a sair bem". Ou: "Eu não conto contigo", uma coisa de forma mais respeitável. Não. Obrigou.

Como?
"Ou vais para a equipa B ou nunca mais treinas com a equipa principal". E eu recusei-me a ir para a equipa B. Veio o processo disciplinar, houve ali muitas coisas, já diziam que eu era jogador da equipa B e não da principal. Em contraponto tinha como prova em como fui apresentado como jogador da equipa principal e que não era obrigado a ir jogar à equipa B, se não quisesse.

No que resultou esse processo?
Não resultou em nada. O que resultou foi que eu depois fui mesmo para a equipa B, cumprir o resto da época.

Tinha empresário?
Sim, o Paulo Barbosa. Foi o único que tive.

O contrato com o Benfica era até quando?
Até 2004. Mais dois anos. Só que o Jesualdo continuou à frente do Benfica, o que é que eu ia lá ficar a fazer? Nada. Eles não queriam emprestar-me também. Não queria perder dois anos da minha carreira numa fase em que precisava de jogar, de crescer e amadurecer. Vamos conversar, chegamos a um acordo. Cada um foi para seu lado.

Como surge o Varzim?
Nessa altura era Vilarinho presidente, mas quem mandava já quase naquilo tudo era Luís Filipe Vieira, que entrou para diretor. Entrei em acordo com ele. Ele fez logo aquelas cláusulas anti-rivais. É uma coisa que não percebo. Quer dizer, se não servimos para o clube onde estamos, então têm medo do quê? Que vamos jogar para o FC Porto ou para o Sporting? Só que quando assinei a rescisão com o Benfica, foi através do Sindicato dos Jogadores e os advogados de lá deixaram-me à vontade: "Podes incluir essa cláusula anti-rivais, que isso não tem validade nenhuma em termos legais". Na altura, rescindi eu, o Pepa e o Jorge Ribeiro e os "profetas" começaram logo a profetizar que íamos para o FC Porto.

O FC Porto chegou a entrar em contacto consigo?
Anos antes os jogadores que rescindiram ou que eram emprestados e nunca regressavam ao Benfica, iam para o FC Porto e cresciam; o FC Porto aproveitava-os muito bem e conseguia rentabilizá-los bem. Essa imagem também ficou colada a nós. Ainda por cima fomos jogar para um clube que é o primeiro clube satélite do FC Porto, o Varzim.

Mas chegou a ser abordado pelo FC Porto, ou não?
Numa primeira fase isso nunca aconteceu. Só falo por mim. No meu caso o que aconteceu foi que tinha contrato com o Varzim, começamos a fazer uma excelente época e é normal que haja interessados. Apareceu o FC Porto, mas a única coisa que ficou estabelecida, não com os jogadores, mas entre clubes, era que se houvesse algum interessado em qualquer um de nós, o FC Porto teria sempre uma primeira palavra a dizer. Agora, o FC Porto nunca me abordou diretamente para ir para lá.

Vai sozinho para a Póvoa do Varzim?
Depois de arranjar habitação, a minha mulher foi viver comigo.

Quem era o treinador quando chegou ao Varzim?
Era o José Alberto Costa que no ano anterior já queria que eu fosse meia época para lá, emprestado. Foi uma pessoa extremamente afável, muito bem educado, e em toda a minha carreira foi o treinador que conseguiu tirar o melhor proveito desportivo de mim. Essa época no Varzim foi realmente a minha melhor época em termos individuais. Infelizmente acabamos por descer de divisão. Viramos a 1ª volta em 4º ou 5º lugar, era o FC Porto, Benfica, V. Guimarães, Sporting e 5º, nós. Depois não sei o que é que se passou, mas a 2ª volta foi o oposto da 1ª. A bola não entrava, acabamos por descer de divisão na última jornada.

Já com Luís Campos como treinador.
Sim. O Luís Campos em termos de métodos de treino era muito bom, mais atual, com mais bola, só que ele era um treinador que não percebia que no futebol, em equipas que estão a lutar pela permanência, quando não se consegue ganhar, empata-se. Um pontinho aqui, outro ali e no fim do campeonato esse pontinho vai fazer muita diferença. Mas ele apostava sempre tudo para ganhar. Infelizmente, perdemos mais vezes do que ganhamos.

Tinha assinado por quanto tempo pelo Varzim?
Acho que por três anos.

Mas na época seguinte vai para o Estrela da Amadora. Porquê?
Derivado à época que tinha feito, que foi muito boa. Na altura estive quase a ir para o FC Porto. Mas só vim a saber desta história uns anos mais tarde, pelo meu grande amigo Pepa. Somos grandes amigos, ele é padrinho do meu filho mais novo e eu sou padrinho de uma das filhas dele. Só um aparte para dizer que estou muito feliz e muito orgulhoso do que ele está a fazer como treinador. Ele sempre foi muito resiliente. Em relação ao FC Porto, ele contou-me que eles estavam muito interessados que eu fosse para lá. Durante os jogos que fizemos contra o FC Porto, o Mourinho e o Pinto da Costa vieram falar comigo, mas nunca disseram: "Para o ano vais para o Porto". Não. Apenas deram-me os parabéns e que devia continuar assim. Sei que houve contactos entre os clubes, só que o Varzim pelos vistos pediu mundos e fundos ao FC Porto. Não sei o valor em causa. Sei que pediam bastante dinheiro que o FC Porto não estava disposto a pagar. E quem acabou por ir para o FC Porto foi o Pedro Mendes. Eles estavam indecisos entre mim e ele.

Então como é que surge o Estrela da Amadora?
O Varzim desceu e eu informei os responsáveis que não queria ir para a II divisão. Claro que tinha contrato com eles, não eram obrigados, mas eu e o meu empresário fizemos ver que em função da época que tinha feito, ir para um clube da I liga podia ter mais visibilidade e futuramente o Varzim podia ser ressarcido de algum valor. Ainda comecei a treinar no Varzim, à espera que se encontrasse alguma solução e apareceu o E. Amadora que tinha o João Alves como treinador.

E vem de armas e bagagens para Lisboa novamente.
Eu já tinha comprado a minha atual casa no Lavradio, Barreiro. O E. Amadora era perto de casa, foi fácil chegamos todos a acordo. Mas as coisas não começaram a correr bem logo de início.

Porquê?
Porque desde a pré-época que estive sempre lesionado, comecei a ter pubalgias e isso limitava-me muito. Mas fui jogando. Todos os dias tomava anti-inflamatórios para poder treinar e jogar. Mas foi uma decisão minha, ninguém me obrigou. Eu queria mostrar-me. Fazia trabalho preventivo, para não aprofundar ainda mais a lesão, mas a verdade é que joguei a época praticamente toda com pubalgia. O primeiro jogo é contra o FC Porto do José Mourinho e empatámos. Ficámos entusiasmados, tínhamos um plantel com muita experiência, o Paulo Madeira, o Marinho, o Paulo Fonseca, o Rogério, entre outros. Tínhamos uma mescla de jogadores maduros, uma faixa intermédia e outros mais jovens. Mas o que é facto é que depois disso não ganhámos a ninguém [risos]. Foi uma época horrível.

O que aconteceu à pubalgia?
Foi piorando, até que chegou um momento em que eu já não conseguia andar sem dores. Tinha de dormir com as pernas encolhidas, se estivesse esticado estava sempre cheio de dores. Andar doía-me, nos treinos parecia que tinha uma faca a espetar-me na zona inguinal. O João Alves já tinha saído e ficou o Miguel Quaresma, que foi adjunto do Jorge Jesus, disse-lhe que dei tudo o que podia e que não aguentava mais, que tinha de parar. Ele confrontou-me com uma coisa que não esperava ouvir, mas que tocou-me bastante: "Rui, eu compreendo a tua situação mas peço-te que faças mais um esforço, porque prefiro que jogues tu a 50% do que outro colega". Deixou-me orgulhoso ouvir aquilo, mas por outro lado também não gostei de ouvir. Porque os meus colegas trabalhavam todos os dias no máximo para tentar jogar e eu não treinava todos os dias, mas quando chegava ao fim de semana era eu que jogava. 

Estava a viver o outro lado da situação com que se deparou no Benfica, com Zahovic e Drulovic?
Pois. Tive ali sentimentos distintos, porque já tinha passado por isso. Eu estava a jogar pelo estatuto que tinha conseguido e acho que não é correto. Já tinha passado pelo que os outros estavam a passar, não é correto. Eu disse: "Mister, não dá. Fiz tudo o que estava ao meu alcance mas eu não aguento mais, não consigo jogar". Fui fazer exames e o que eu tinha já não era pubalgia, mas uma hérnia inguinal.

Foi operado?
Fui. Como sou supersticioso, fui operado numa sexta-feira 13 [risos]. Curiosamente o Feher tinha morrido há pouco tempo e eu estava cheio de medo de ser operado, mesmo cheio de medo. Graças a Deus correu tudo bem. E tenho uma história para contar da operação.

Conte.
Fui para o hospital. Como era na zona inguinal tive que me depilar na zona púbica, mas depilei-me com máquina. Quando a enfermeira viu, disse que não estava bem porque tinha de ser com gilette, não podia ter pêlo mesmo nenhum. Eu pensava que ela é que me ia depilar e então baixei as calças quase todas, todo descascado [risos]. Pensava que era ela que ia raspar a zona. Mas ela na maior das descontrações: "Não, não. Você é que vai depilar os pelos a si próprio". [risos]. Cheio de vergonha, levantei as calças, pedi desculpa e fui embora.

O que aconteceu depois da cirurgia?
Fui operado em fevereiro. A recuperação leva um mês e meio até poder jogar. Ou seja, em finais de março já podia estar a jogar outra vez. Mas pensei: "Não. Estou aqui como emprestado, não quero estar a fazer as coisas à pressa, quero recuperar bem. Falei com o treinador e a direção do Estrela e disse-lhes que ia fazer a minha recuperação na FisioGaspar e que já não queria jogar mais naquela época. As pessoas do Estrela não aceitaram muito bem mas compreenderam a minha decisão e cumpriram-na. Depois o Varzim não subiu e comecei a falar com o meu empresário porque eu não queria voltar ao Varzim para continuar na II liga. Então chegamos a acordo com o Varzim, com quem ainda tinha um ano de contrato.

Que tipo de acordo?
Ou eu voltava para o Varzim e cumpria o último ano e eles não tinham dinheiro para me pagar ou eles chegavam a acordo com o Gil Vicente, porque o Luís Campos tinha ido para lá, e como tinha gostado de trabalhar comigo no Varzim, queria-me. As coisas já estavam mais ou menos apalavradas com o Gil Vicente, faltava só o acordo com o Varzim. O acordo foi que eu não recebia nada do Varzim do último ano mas saía como jogador livre.

E vai para Barcelos. Sozinho?
Por onde andei, fui sempre com a minha mulher. Assinei quatro anos com o Gil Vicente.

Mas esteve lá só meia época. Porquê?
Fiz um excelente contrato. A cada ano o meu ordenado ia subindo. Nessa altura já estava a ficar muito desiludido com o que se estava a passar na minha carreira e com certas coisas do futebol. A partir do momento em que saí do Varzim aquilo que passei a ter em mente era fazer bons contratos e ganhar muito dinheiro para ter uma vida futura boa. E perdi a ética desportiva, em ter prazer em treinar e jogar, toda essa ética e esse prazer foi-se desvanecendo. Fui desvalorizando a parte desportiva, em prol da parte financeira. Começou a época no Gil Vicente. A mim correu bem, estava a jogar, mas o Alverca e o Gil Vicente foram os únicos plantéis onde apanhei pessoas com aquelas características de que eu não gostava. Fui para ali com estatuto e os jogadores que lá estavam há mais anos começaram a olhar de lado para mim, porque fui para conquistar o espaço deles, de que não queriam abrir mão. Tinha um treinador que me defendia e apostava em mim. Só que o Luís Campos é como eu já disse... Metia sempre a carne toda no assador para ganhar e acabou por ser vítima disso.
Sai e veio Ulisses Morais.
Sim, mas antes disso passou-se uma situação entre mim e o Luís Campos, que foi grave, a coisa mais grave que tive na minha carreira enquanto jogador e que é das coisas que mais me arrependo, à parte de ter saído do Benfica, que foi o maior erro da minha carreira. É o maior arrependimento que tenho de ter faltado ao respeito a um treinador.

O que aconteceu?
Durante um treino, as coisas estavam a sair-me bem, e não sei se foi por ordem do Luís Campos, se foi por iniciativa dos meus colegas, a partir de certo momento no treino cada vez que tinha a bola comecei a levar pau a torto e a direito. Levo uma, calei-me, levo duas, calei-me, levo três, calei-me, à quarta reagi porque faziam falta e o Luís Campos não apitava. Aquilo começou a ficar-me atravessado na garganta. Comecei a refilar: "Então? Não é falta?" e ele "Está calado, segue, continua". Isto repetiu-se várias vezes até que às tantas rebentei "Foda-se, caralho, mas o que é esta merda, sou algum boneco de pancada ou quê?"; "Está mas é calado, continua a jogar que nos jogos também vai acontecer"; "Mas não quero saber de jogos nenhuns, mas que merda é esta...". Ficamos ali num bate boca até que, como aquilo veio numa sequência de maus resultados, saiu-me tudo: "Tá calado, caralho, tu com os maus resultados, vais com o caralho primeiro que eu do clube". O que fui dizer, com toda a gente a assistir. Ele: "Vai já para o banho". Perdi a razão toda e obviamente levei com um processo disciplinar. Eles tinham justa causa para rescindir comigo depois de tudo aquilo que disse. Nem eu tinha como provar que não tinha dito aquilo porque os meus colegas, adjuntos, todos assistiram.

No que resultou esse processo?
Fui tomar banho, vi a porcaria toda que tinha feito. Eu era assim, dizia e fazia as porcarias, mas depois quando me acalmava pensava: "O que é que eu fui fazer? Rui, tu estás fodido". Quando aconteciam essas coisas o meu empresário ligava-me, mas eu nunca atendia o telefone [risos]. Já sabia o que ia ouvir. Chegava a casa não contava nada à minha mulher, só que ele já tinha ligado para ela porque não conseguia falar comigo. Ela vinha logo direta a mim: "O que é que tu fizeste? O Paulo Barbosa está a ligar para mim porquê?" [risos]. Depois falei com o meu empresário. E ele disse-me: "Rui, vais ter de pedir desculpas pessoalmente e publicamente". E assim fiz. Eles com muita renitência e depois de muita insistência e só por reconhecerem o valor que eu tinha é que fui reintegrado na equipa.

Mas já sabia que não ia ficar no final da época?
Não. Se o Luís Campos tivesse continuado, ficava. Não comecei logo a jogar, mas passado algum tempo conquistei o meu lugar outra vez com o Luís Campos porque ele conhecia-me, sabia o valor que eu tinha.

E com o Ulisses Morais?
Eu costumo dizer que o Ulisses Morais foi treinar o Gil Vicente por causa das, entre aspas, "ratas velhas", que viram os seus lugares ocupados. Jogadores mais velhos, o Casquilha, o Paulo Alves, o Luís Coentrão... Não tenho medo de dizer nomes. Fizeram muita força para que fosse para lá o Ulisses Morais. A partir daí, quando o treinador é posto no clube em função de alguns jogadores, claro que esses jogadores vão ter de jogar. Não sei o que contaram ou não ao Ulisses Morais, mas acabei por perder o meu espaço. Não tive problemas nenhuns com ele, simplesmente perdi o meu espaço. Chegou dezembro e aconteceu mais uma história bonita da minha carreira [risos].

Então? Conte.
Chegou a dezembro e deixei de fazer parte do plantel. Infelizmente o presidente do Gil Vicente faleceu e quem assumiu foi o Fiuza, que sempre foi um contestatário à minha reintegração. Nunca aceitou, só que na altura era diretor. Quando ele assumiu, depois aconteceram uns episódios.

Que episódios?
Eu sofro de uma doença há muitos anos e aconteceu uma coisa quando estávamos a regressar de um treino. E vou assumir publicamente pela primeira vez. Sofri durante muitos anos de ataques de pânico. Hoje já não, está controlado porque entretanto fui à procura de ajuda para o meu problema, mas sofria de ataques de pânico, que não sei se as pessoas sabem o que é, mas o coração fica a bater a 200 e uma pessoa pensa que vai morrer. Nós tínhamos ido treinar a Santa Maria, uma freguesia ao pé de Barcelos e no regresso eu comecei a ter um ataque de pânico no autocarro, pensava que ia morrer ali. Vou a correr aflito em direção ao motorista e digo-lhe: "Abra a porta, abra a porta", saí do autocarro e começo a correr para ir para o hospital. Porque quando tinha ataques de pânico era isso que fazia, queria fugir e ir direito a um hospital porque pensava que ia morrer. Paranoias, mas pronto, na altura é o que pensamos: "Não quero morrer, não quero morrer". E por acaso sei que há pouco tempo o Nandinho, que foi meu colega no Gil Vicente, gozou comigo acerca disso no programa do Bar da SportTv.

Gozou como?
Contou esse episódio e gozaram comigo. Não gostei mesmo nada de saber isso, não tenho problemas em assumir que tive esse problema, que está controlado. Mas uma coisa é gozar com situações engraçadas, outra coisa é gozar com doenças de pessoas, que afetam e bastante as pessoas, e que me afetou bastante durante a carreira. É uma coisa que se tiverem de saber sabem por mim, ninguém tem nada de andar a expor a minha vida pessoal e os meus problemas na praça pública. Se alguém tem de o fazer sou eu. O Nandinho foi meu colega no Benfica e eu também sei uma história da vida pessoal dele e também podia andar aí a contar, mas não o vou fazer. Seja de quem for, coisas pessoais, ainda para mais gozar, não se faz e não gostei mesmo nada.

O que aconteceu depois desse ataque de pânico?
Depois o Ulisses Morais, não sei se lhe foram dizer que eu era uma pessoa emocionalmente desequilibrada, mas há um dia em que chego ao campo, vou pedir a roupa ao roupeiro e ele diz-me: "Rui, antes de te equipares, vai ao gabinete do mister que ele quer falar contigo". Fui, bati à porta, entrei e ele: "Não te preocupes que já falo contigo no balneário". Fui para o balneário, equipei-me normalmente. O Jorge Ribeiro estava lá comigo e há toda uma sequência de acontecimentos do meu caso e do Jorge. Há uma determinada altura em que o Jorge Ribeiro deixou de aparecer no Gil Vicente. Para os media, o Gil Vicente queria dar a imagem que o Jorge estava a faltar ao respeito ao clube, não ia treinar e que iam rescindir com ele, mas basicamente o que se passava é que o Jorge Ribeiro, mais o Jorge Mendes, o Gil Vicente e o Lokomotiv de Moscovo tinham todos chegado a um acordo para o Jorge ir para o Lokomotiv, só que para não parecer mal para o clube, puseram as "culpas" no Jorge e que iam rescindir com justa causa. Isto encadeia na conversa do Ulisses Morais que começa a falar no balneário: "Andam aqui meninos que andam a brincar com o clube, a faltar ao respeito, o Jorge Ribeiro não mete aqui os pés, ninguém sabe onde é que ele anda". E depois vira-se para mim: "E tu Rui Baião, o que é que estás aqui a fazer? Não sei porque é que te equipaste, porque para mim já não contas mais". Isto a falar agressivamente. Não sei o que é que lhe disseram, se disseram alguma coisa do género "fala com ele agressivamente que ele passa-se e vai para cima de ti".

O que fez?
Eu cometi muitos erros na minha vida pessoal e profissional, mas em muitas ocasiões parece que tive sempre alguma coisa que me disse o que havia de fazer. E naquele momento aquilo que senti que devia fazer era ignorar. Parecia que me estavam a dizer: "Rui mantém-te calmo, não respondas, isso é o que eles querem, que faças qualquer coisa para terem um motivo para rescindir contigo". Ele depois de dizer isso ficou tipo à espera. O balneário ficou calado, em silêncio. E noto mesmo que ele estava à espera que eu fizesse alguma coisa. Lixou-se. Não reagi. Simplesmente acenei com a cabeça e calmamente comecei a desequipar-me, tomei o meu banhinho e fui para casa. A partir daquele momento deram-me ordens para que não aparecesse mais nos treinos. A partir desse dia, eu e mais três jogadores dispensados tínhamos de nos apresentar no estádio antigo todos os dias às 8 da manhã para treinar.

E cumpriu?
Claro. Alguma vez ia dar azo a que tivessem alguma oportunidade para rescindir? Entretanto fui estando sempre em contacto com o Sindicato, que muito me ajudou, para saber se aquilo era legal. Transmitiram-me que era ilegal. Isto em 2005. A única situação em que um jogador podia não estar incluído no grupo de trabalho era quando estava lesionado e mesmo assim não era dispensado. Mesmo os jogadores que são dispensáveis, tinham de estar integrados no grupo de trabalho e não podiam ser colocados a treinar à parte. Não sei se hoje ainda é assim, mas foi isso que me foi transmitido pelo Sindicato. Eu ia avançar para tribunal, só que como eu já tinha falado com o meu empresário e tinha-lhe dito que queria ir para fora porque sentia que estava com uma imagem muito escaldada em Portugal, a três, quatro dias de fechar o mercado, apareceu a oportunidade de ir para a Grécia.

O Gil Vicente não se opôs, obviamente.
Claro que não. Chegamos a um acordo. O clube grego ia pagar o meu ordenado, portanto, na boa. E fui para a Grécia emprestado. Na altura a internet não era como hoje e eu não tinha informação praticamente nenhuma do clube para onde eu ia, o Kerkyra. Nem nunca tinha ouvido falar.
“Nasci com um dom, mas fui o meu pior inimigo. Pesei quase 100kg, tive problemas de coração, chorei muito. Hoje monto peças para carros”
(...) Rui Baião confessa que Jorge Costa, o treinador que lhe propôs jogar como médio defensivo, foi o líder que mais o marcou, apesar de ter chegado junto dele com quase 100 kg, na sequência de uma depressão. Recuperado, ainda foi campeão no Olhanense, mas acaba por pendurar as botas mais cedo do que queria, para não colocar a vida em risco. De lá para cá já trabalhou num arquivo, foi repositor em supermercados e agora monta peças para automóveis e faz comentários de futebol

Chegou ao Kerkyra, da Grécia, ainda na época 2004/05. Como foi o impacto?
Foi uma grande desilusão. Aquilo é na ilha de Corfu. Fui com a minha mulher e, vou ser sincero, quando aterrei no aeroporto, de um lado era só canavial com muito mau aspecto, e pensamos: "Vamos apanhar imediatamente o avião de volta" [risos]. Os voos para Corfu eram só ao domingo e eu fui numa sexta-feira. Estive de sexta à noite até domingo em Atenas, que é lindo e adoramos. Quando chego a Corfu e deparo-me com aquela imagem [risos].

Tinha gente do clube à vossa espera?
Tinha, mas o estádio era quase ao lado do aeroporto. Andamos dois minutos de carro estávamos num motel, nem era hotel, que era em frente ao estádio. Eu e a minha mulher nessa noite só ouvíamos os gemidos do quarto ao lado [risos]. O Kerkyra jogava em casa e fui ver o jogo deles, que se não me engano era contra o AEK. Quando acabou pensei para mim "Onde é que me vim meter?". Só pensava, vão ser cinco meses de penitência aqui. O mês de fevereiro esteve praticamente todo a chover. Que depressão, uma pessoa não saía de casa, só chovia. Depois o meu passe internacional demorou um mês para chegar, portanto durante um mês só estive a treinar. Sei que só fui convocado para três jogos. 

Porque só esteve na Grécia pouco mais de dois meses?
O primeiro jogo foi em casa. Depois fomos ao Panathinaikos e no último que joguei, em casa, tínhamos obrigatoriamente de ganhar. Só quando cheguei lá é que vi que o clube estava em último ou penúltimo. Empatamos e fomos de vela. O presidente vai ao balneário e: "É só para dizer que a partir de hoje os jogadores que não tenham contrato com o Kerkyra não jogam mais".

Veio embora?
Não, continuei a treinar, mas não jogava. Mas só pensava "não vou ficar aqui dois meses e tal a treinar. Para isso vou chegar a acordo com eles, recebo menos mas vou para o meu país". Fui falar com o diretor, eles deixavam-me sair mas não queriam pagar nada. Andamos quase três semanas a negociar. Levaram-me ao limite. Acabei por abdicar de dinheiro para me pagarem as passagens aéreas para vir embora. Deixei lá quase o dinheiro todo que tinha a receber porque já não aguentava mais.

E vai para o Portimonense.
Eu ainda tinha contrato com o Gil Vicente, mas entretanto como o Gil Vicente não me dizia nada, eu próprio tomei a iniciativa de telefonar ao diretor, que disse que ia falar com o treinador e depois dizia-me alguma coisa.

Ainda era o Ulisses Morais?
Sim. Disse que não contava comigo e que não era preciso apresentar-me. Mas para me precaver, exigi que mandassem um papel assinado com isso, para não terem provas contra mim, de que não me tinha apresentado no clube. Deram-me mais um período de férias e quando passou esse período entrei em contacto novamente. Continuaram a dizer que eu não iria fazer parte do plantel e eu disse-lhes que me ia apresentar no clube. Marcaram uma data para me apresentar, só que ia continuar como tinha acabado a meio da época, a treinar à parte, num sítio diferente, a horas diferentes. Apresentei-me no dia que eles estipularam. No meu contrato tinha uma cláusula em que ou me davam um apartamento ou tinham de pagar a mensalidade para onde eu fosse morar. Só que durante esse tempo em que estive lá, nem uma coisa, nem outra. Tive de ir para um hotel, às minhas custas. Estive sempre em contacto com o Sindicato dos Jogadores.

O Paulo Barbosa continuava a ser seu empresário?
Sim, continuava, só mais tarde é que deixei.

Não apareciam propostas?
Estava complicado porque a minha imagem estava muito beliscada. Era a de um jogador que tinha muito talento, muita qualidade mas era problemático. Os clubes começaram a ficar reticentes em contar comigo. Passado uma semana e tal, sempre em conformidade com aquilo que os advogados do Sindicato me diziam, mandei um fax para o clube, disse que o que estavam a fazer comigo era ilegal e que tinham obrigatoriamente de reintegrar-me no grupo de trabalho. Responderam que não. Outro fax, a exigir o mesmo, e eles recusaram novamente. A partir desse momento, entrei com o processo de rescisão de justa causa com o Gil Vicente, ainda tinha mais três anos de contrato. Entretanto, quando assinei esse processo de justa causa, já tinha as coisas mais ou menos alinhavadas com o Portimonense. Depois da Grécia

Que surge através de quem?
Através do empresário. Na altura quem estava no Portimonense era o Diamantino, que me conhecia. Eu nunca tinha trabalhado com ele, mas conhecia-o porque ele vivia na Moita. Ele conhecia-me como jogador e mostrou interesse. Fiz um pré- acordo com o Portimonense: se eu ganhasse o processo contra o Gil Vicente, o contrato com o Portimonense entrava em vigor. Fiz ainda um bocado da pré-época, treinava normalmente com o grupo, só que não podia competir, estava à espera que saísse a decisão da Comissão Arbitral em relação ao meu processo. Saiu em fins de outubro ou início de novembro. Ganhei o processo e comecei logo a ser utilizado.

Como foi a sua relação com o Diamantino?
Gostei muito de trabalhar com ele. Tinha bons métodos e adorei estar em Portimão, uma cidade espetacular com vida o ano todo. A minha mulher foi lá ter mais tarde porque entretanto começou a trabalhar num shopping. E foi para lá também trabalhar num shopping.

Assinou quanto tempo com o Portimonense?
Dois anos. Nos primeiros cinco jogos marquei três ou quatro golos, só que como não apanhei aquela fase principal da pré-época, que tem mais carga física, comecei a ter muitas lesões. Tive muitas roturas e isso acabou por afetar o meu rendimento. Estivemos até ao fim a lutar pela manutenção e o treinador queria contar comigo sempre. Eu também queria ajudar a equipa e então fazia recuperações rápidas. Lesionava-me, passado duas, três semanas voltava a jogar, jogava uma, duas semanas e voltava a ter outra rotura. Chegou uma altura em que o preparador físico, o Fidalgo Antunes que esteve no Sporting, já não sabia o que havia de me fazer [risos] "Não sei o que é que se passa contigo!". Fui fazer vários exames de medição muscular para ver se havia algum problema, mas não deu nada de anormal.

Como foi então a segunda época?
Quando acabou essa época, meti na cabeça que não queria passar pelo mesmo e praticamente não parei para férias. Tive uma semana para descansar, mas depois estive sempre a treinar e quando cheguei ao clube estava bem e fiz uma época muito boa.

Ainda com o Diamantino?
Sim, começamos com o Diamantino, estávamos a fazer uma época mediana, nada de extraordinário, mas entretanto entrou outra direção no clube, que vinha com outras ideias em relação à equipa técnica. Como os resultados não eram muito abonatórios, a direção resolveu mudar. O Diamantino saiu e entrou o Luís Martins da formação do Sporting.

E?
Não tenho nada a dizer. Correu tudo de maneira normal, mas no fim da época, pessoalmente as coisas começaram a não correr bem, até que para o fim deixei de jogar. Há fases em que não estamos bem, não sei o que é que se passou comigo. Entretanto apareceu uma oportunidade, através do meu empresário, de ir treinar à Escócia e fui treinar ao Hearts, no final da época.

Que tal essa experiência?
Espetacular, adorei aquilo.

Esteve lá quanto tempo?
Uma semana e vou ser sincero, fui para lá como um jogador desconhecido, mas naquela semana trataram-me como nunca me tinham tratado. Fizeram-me exames a tudo e mais alguma coisa. Exames físicos, testes médicos, exames de resistência, exames de velocidade, exames de impulsão, impulsão com balanço e sem balanço de várias posições, testes de velocidade, de cinco, dez, vinte e cinquenta metros, senti-me jogador ali, pela forma como fui tratado.

Estava tudo bem?
Eu estava sem competir e não estava com os índices físicos que deveria ter. Eles são muito metódicos, é por sectores, a defesa tinha de ter uma capacidade de resistência “X”, os médios normalmente são aqueles que têm de ter maior capacidade de resistência, porque tem de atacar e defender. Eu estava um bocado abaixo daquilo que esperavam, mas expliquei-lhes que já não competia há algum tempo e que era normal não estar com os índices físicos que esperavam.

Não quiseram ficar consigo por causa disso?
Calma, isto tem etapas [risos]. Depois fui falar com o médico e com os fisioterapeutas que me perguntaram como é que tinha sido a minha carreira em termos de lesões. Contei-lhes tudo. O fisioterapeuta esteve a examinar o meu corpo, a minha postura e chegaram à conclusão de que eu tinha muitas roturas porque quando era miúdo parti a clavícula duas vezes.

Como?
A primeira vez estava no 5º ano, estávamos a brincar à apanhada, o chão era de gravilha e a fugir de um colega, virei-me de repente, os meus pés escorregam, ele faz o mesmo movimento atrás de mim, eu caio de lado e ele cai em cima de mim. Parti a clavícula. A segunda vez foi um ano depois. Tinha ido andar de bicicleta com o meu melhor amigo, na altura usavam-se cabelos compridos e nós tínhamos esse corte; parámos numa bica para beber água. Quando acabei de beber, molhei o cabelo todo e comecei a sacudir a cabeça de olhos fechados, com os pés em cima dos pedais e de repente quando dou por mim estou a bater com o ombro no chão [risos]. Parti a clavícula. Estava a uns cinco quilómetros de casa, tive de ir o caminho todo só com uma mão a guiar a bicicleta.

Foi sempre a mesma clavícula?
Foi. Isto para dizer que as lesões musculares que tinha, foram em função disso. Porque ao partir a clavícula, os músculos das costas estavam muito esticados, isso afetava a coxa e fazia com que eu tivesse roturas com facilidade. Foi a causa que eles encontraram para as minhas constantes roturas. Depois fizeram-me ressonância magnética a tudo. Aos tornozelos, aos joelhos, às ancas, até deixei-me dormir dentro da máquina [risos], tal o tempo que não demorei a fazer o exame.

Mas ainda não explicou porque não ficou na Escócia.
Durante os treinos as coisas correram muito bem. Fomos treinar também à academia deles. Adorei o ambiente da cidade, a cultura, foi mesmo espetacular. Gostaram tanto de mim que me convidaram para fazer a pré-época com eles. Estava encantado da vida, vou fazer a pré-época com eles, que se não me engano foi na Alemanha. Vou com o Paulo Madeira que era colaborador do Paulo Barbosa, ele é que me levou à Alemanha. As coisas aí já não correram tão bem.

Porquê?
Acontece. Os treinos eram muito complicados, eles eram treinados por um russo qualquer, que rebentava connosco. Começaram a aparecer-me dores, tinha algumas dificuldades físicas durante os treinos... Entretanto o que foi treinador durante a pré-época passou para outra posição e veio outro treinador. Aconteceram várias coisas que não me beneficiaram e para meu desgosto, acabei por não ficar. Mas adorei essa experiência que tive.

Regressa e depois?
Entrei em contato com o Paulo Barbosa para arranjar uma solução. Como nunca mais me dizia nada tomei a iniciativa de começar a ligar para treinadores que conhecia. A resposta politicamente correta que davam era que já tinham o plantel fechado. Para alguns se calhar era essa a razão, mas acredito que para outros, era não querer contar com um jogador problemático. Entendo o lado deles, mas para mim custou-me. Com o passar do tempo as portas foram-se fechando e acabei por ficar sem competir um ano. Foi isso que aconteceu.

O que fez durante esse período?
Fiquei em casa. Tomei a decisão de voltar a estudar, à noite. Mas acabei por não terminar o ano letivo. Desleixei-me, perdi o interesse também. Estava desmotivado, entrei um bocadinho em depressão.

Procurou ajuda?
Não. Estava triste, mas fui deixando passar. Em dezembro liguei para o Diamantino que estava no Olhanense. Ele disse-me: "Gostava que viesses mas não depende só de mim. Não te vou prometer nada, vou falar com a direção".

E?
Fui ganhando peso, treinava mas fui ganhando peso. Ele falou com a direção e não houve possibilidade de ir para lá durante o mercado de inverno. As pessoas do Olhanense também estavam muito chateadas comigo.

Porquê?
Já lhe conto a seguir. Ele disse que não havia oportunidade naquele momento, mas que em princípio, se tudo corresse normalmente no início da época seguinte seria diferente. Só que, quando eu fui para o Portimonense, não assinei logo os dois anos. Assinei uma época e depois uma segunda época. E no fim da primeira época do Portimonense estive para ir para o Olhanense. As pessoas do Olhanense entraram em contacto, fui ter com eles a Olhão, mas quando lá cheguei, não gostei da primeira imagem que tive. Em Portimão há movimento dia e noite, toda a gente consegue fazer uma vida boa. Em Olhão é uma coisa mais recatada, têm outro tipo de mentalidade, as pessoas são mais bairristas e aquilo não me cativou. A realidade é essa.

Não aceitou a proposta deles?
Sentei-me com as pessoas à mesma, só que já tinha a minha decisão tomada, não ficar. Eles davam-me "x" e eu exigia mais. Fizeram um esforço e chegaram ao valor que eu pretendia. Depois quis que me dessem um apartamento, sempre a arranjar desculpas para não ficar lá, mas eles iam sempre ao encontro daquilo que eu ia pedindo. Tudo aquilo que exigia, eles davam-me.

Mesmo assim assinou pelo Portimonense outra vez.
Às tantas, eles dizem: "Então vá, vamos assinar". Disse-lhes que não queria ficar lá. Ficaram muito desiludidos e chateados porque tudo aquilo que exigi era um esforço grande para eles e no fim de contas fugi com o rabo à seringa. Ficaram chateados mais pela minha atitude porque recusei o esforço que eles tinham feito por mim. Isso para eles foi uma falta de respeito. Na altura negociei com o senhor Isidoro Sousa que ainda não era o presidente, era diretor. Desta segunda vez ele já era presidente, e só uma pessoa com grande coração é que conseguiu esquecer aquilo que eu fiz ao Olhanense.

Está arrependido?
Arrependo-me da atitude que tive, sim. Não da decisão de não ter ido para lá naquela altura, isso é uma coisa que qualquer um pode fazer. Arrependo-me é da atitude que tomei perante as pessoas.

Mas aceitaram-no de volta.
Sim. As coisas correm bem ao Diamantino, eles conseguem a manutenção e eu volto a ligar-lhe para saber se posso ir para o Olhanense. E o Diamantino diz-me: "Ó Rui, eu vou sair do Olhanense. Mas independentemente daquilo que se passou entre vocês, deixei lá as coisas alinhavadas para poderes regressar. Agora isso já não depende de mim, fiz aquilo que pude. Telefona ao presidente para ver se dá para ires para lá". Ele ia regressar ao Benfica, não sei se para a equipa B ou para os juniores.

Telefonou ao presidente?
Não telefonei logo, porque tinha vergonha. Comecei a ligar novamente para todas as pessoas para quem eu já tinha ligado e para outras, no final dessa época. Para ver se podiam contar comigo. A resposta foi sempre a mesma. Que já tinham o plantel definido. A única hipótese era o Olhanense [risos]. Eu já estava tão farto de ouvir recusas, de ouvir desculpas, virei-me para a minha mulher e disse: "O não é garantido por isso vou ligar para o presidente do Olhanense. É o último para quem vou ligar. Se me disser que não, não ligo a mais ninguém e esqueço a minha carreira, não quero saber mais de futebol". Liguei para o Isidoro de Sousa. Estava com medo, estava nervoso, como é que ia ser a reação dele depois de tudo o que se tinha passado?

Qual foi a reação?
Atendeu-me de uma forma que eu não estava à espera, pensava que ia receber-me de uma forma fechada, chateado, mas não, a reação dele até foi de contentamento. "Presidente, sei que está a par da minha situação, o Diamantino já falou consigo"; "Pois, eu sei, mas aconteceu esta situação do Diamantino ter ido para o Benfica e estamos em negociação com um treinador. Mas Rui, vou ser sincero, enquanto direção gostávamos que viesses, mas isso vai depender do que o novo treinador quiser para o plantel”. Disse-me para ligar três ou quatro dias depois.

E quando ligou de volta?
“Rui, estivemos a falar, com o treinador já está tudo acertado, vou já dizer-te quem é o treinador mas não digas nada a ninguém porque ainda não é público. Vai ser o Jorge Costa" [risos]

O que pensou nessa altura?
O que é que eu pensei? Desculpe lá a expressão, mas é que já tinha ido com o caralho [risos]. Porque o Jorge Costa dentro de campo era mais ou menos como eu, uma pessoa muito efusiva, falava muito e mandava muita gente para muitos sítios. Nos jogos contra o FC Porto tive alguns bate bocas com ele [risos]. Pensei, ele vai lembrar-se das merdas todas que eu fiz e vai dizer que não me quer. Mas o presidente continuou: "Apresentámos o teu nome ao treinador e ele concordou que viesses para cá". Quando ele me disse isso foi um alívio, como se fosse uma salvação [risos]. "Agora temos de falar de números, do contrato".

Eram muito abaixo do que esperava?
Aquilo que lhe disse era tão verdadeiro e tão simples quanto isto: “Presidente, eu não quero saber de números, não quero saber de valores de contrato, eu apenas quero voltar a jogar futebol. Quando chegar aí, pessoalmente falamos disso, mas isso não é prioridade para mim neste momento. A prioridade é saber que vou fazer novamente parte de um plantel, de um grupo de trabalho e poder mostrar o meu valor". Fiquei todo feliz, combinámos o dia da apresentação. Quando cheguei, as pessoas não me reconheciam. Quer dizer, reconhecer, reconheciam só que não estavam a acreditar que era eu.

Porquê?
Porque o meu peso enquanto jogador andava à volta dos 82, 83 quilos. E quando cheguei a Olhão estava com quase 100kg [risos]. Tinha dois queixos, duas barrigas, um rabo que pareciam três. Desleixei-me, deixei mesmo de treinar. Até dezembro ainda corria, mas a partir de janeiro desleixei-me completamente, estava mesmo desmotivado.

O Jorge Costa quando o viu o que disse?
Antes de assinar o contrato, tive de assinar um papel em como eles podiam ao fim de 30 dias, caso as coisas não estivessem de acordo com o que queriam, rescindir comigo. Aceitei na boa.

Uma espécie de período à experiência.
Digamos que sim. Tinha o contrato assinado, mas tinha ali 30 dias experimentais. Basicamente o que aconteceu foi que durante dois meses eu fazia treino integrado no grupo, mas depois fazia muito trabalho extra para perder peso. Muita corrida, muito treino aeróbico.

Foi muito difícil esse período?
Sim, passei muita fome.

E o Jorge Costa?
Tenho muito respeito pelos treinadores que apanhei durante a carreira, mas há sempre aquele que nos marca e o Jorge Costa, já o disse publicamente, para mim, foi o melhor treinador que tive. Porque defendia os jogadores, era de uma geração mais moderna, apanhou aquela fase do Mourinho, sabia como é que havia de tirar o melhor dos jogadores e ao mesmo tempo também retribuía isso com outras coisas. Nunca mais me esqueço que no dia da apresentação, a primeira coisa que estava escrita no quadro, eram duas palavras: liberdade e responsabilidade. Com ele tínhamos a liberdade toda para fazer o que quiséssemos, dentro e fora de campo, só que era exigida também responsabilidade. E um jogador quando sabe que tem alguém ali ao lado, que tem essas atitudes, vai para dentro de campo até à morte por essa pessoa.

Teve duas boas épocas com ele?
Sim. A questão do peso foi complicada de início porque atrasou ter o meu espaço na equipa. Também foi uma coisa muito pessoal para mim, porque ao longo da minha carreira, fui sempre o meu pior inimigo porque metia objetivos sempre muito altos. Nesse ano fui mais responsável. Foi a partir do Olhanense que a minha vida desportiva e pessoal deu uma grande volta. Aquele ano em que estive sem jogar, fez-me pensar muito. E uma das coisas que percebi é que tinha de ter objetivos exequíveis a longo prazo. Não podia querer logo atingir o objetivo maior. Propus a mim mesmo objetivos curtos. Se fosse antigamente o meu pensamento era: eu sou o Rui Baião sei que tenho valor para jogar nesta equipa, o que quero é entrar já de caras na equipa. Mas dessa vez pensei, cheguei com excesso de peso, o meu primeiro objetivo é chegar ao meu peso ideal.

Foi por etapas.
Exatamente, fui seguindo etapas e objetivos realistas. Cheguei ao meu peso ideal, 82, 83 quilos. Segundo objetivo, começar a treinar em condições normais para entrar nas contas do treinador e ser uma opção real. Estar em condições físicas e mentais para o treinador começar a olhar para mim, como uma opção. Cheguei a esse objetivo. Objetivo seguinte, conquistar o meu espaço na convocatória. A seguir, entrar no jogo. Depois só faltava o objetivo de conquistar o meu espaço na equipa titular. 

Acabou por conseguir?
Fui conquistando o meu espaço. Houve uma altura em que não tínhamos tão bons resultados fora e o Jorge Costa viu que eu já estava numa fase boa e veio falar comigo: “Rui, vou ser sincero contigo, tu estás bem, mas na tua carreira sempre foste médio ofensivo e neste momento os maiores problemas na nossa equipa não estão no capítulo ofensivo. Com a tua estatura física, com a leitura do jogo que tu tens, a qualidade técnica e a formação que tiveste, acho que tu dás um excelente médio defensivo e a nossa equipa está a precisar de alguém como tu ali no meio campo. Quero saber se estás interessado, já que não é a posição que tiveste ao longo da tua carreira".

O que respondeu?
Nem sequer pensei, disse logo que sim, o que eu queria era jogar, fosse a médio defensivo, defesa esquerdo, avançado, só a guarda-redes é que não [risos]. Tive a sorte de, felizmente, a partir daí, a equipa começou a ter bons resultados, tanto em casa, como fora. Começamos a andar nas duas primeiras posições até que chegamos ao 1º lugar e já não saímos de lá. Fomos campeões. Não era o objetivo que tínhamos porque o que tinha ficado definido, era que o 1º ano seria de construção de grupo e de equipa, e na segunda época sim, iríamos lutar pela subida. Mas fomos uns justos campeões.

A época seguinte foi tranquila na I liga?
Primeiro foi uma festa de todo o tamanho quando fomos campeões, em Gondomar. Parávamos em quase todas as estações de serviço para festejar com bebidas [risos]. E nunca mais me esqueço da receção em Olhão. Eram altas horas da manhã e a cidade estava completamente cheia à nossa espera. Foi uma receção apoteótica. Nessa semana ainda íamos jogar contra o Gil Vicente, acho que só treinamos sexta-feira [risos]; de resto foi a semana toda em almoços e jantares nos restaurantes que nos ofereciam para felicitar termos sido campeões. Na segunda época, sabíamos que ia ser difícil, porque era um clube que não estava há trinta e tal anos na I liga. O objetivo era a manutenção, mas sem andar a sofrer até ao fim. As coisas acabaram por acontecer nesse sentido, conseguimos a manutenção na I liga. 

Não fica no Olhanense e vai para o Fátima porquê? O que aconteceu?
Depois o Jorge Costa decide que não quer continuar no Olhanense, o trabalho dele estava feito, queria partir para outros objetivos na carreira dele; assim como muitos jogadores que lá estavam e eu acabava o meu contrato com o Olhanense. A direção queria que eu continuasse, mas estava sempre dependente do novo treinador que viesse.

Quem foi?
Daúto Faquirá.

Não quis ficar consigo?
Sim, deu a entender que não queria ficar comigo. Estava no direito dele. Cada treinador tem as suas ideias, tem os seus jogadores, há que respeitar isso. Obviamente não gostei, mas respeitei. Comecei a ligar para os clubes, deixei o Paulo Barbosa. Pensei: se eu é que ando a ligar para os clubes, se eu é que ando a fazer pela minha vida, não preciso de empresário para nada.

Vai para o Fátima através do Diamantino?
Sim, foi através dele. Mas antes disso, houve uma pessoa que me dececionou muito.

Quem?
Na altura, o Manuel Fernandes estava no Vitória de Setúbal e eu liguei para ele. O Vitória estava na I liga, era perto de casa, um clube histórico de que eu gostava. Falámos, eu disse-lhe que tinha acabado contrato com o Olhanense, mas que tinha feito duas boas épocas em Olhão e queria dar continuidade à minha carreira na I liga. Ele mostrou abertura para eu ir para lá, mas que ainda havia coisas por definir porque havia muitos problemas diretivos, mas que da parte dele contava comigo. Fiquei com isso na cabeça, que era uma questão de tempo. Passado pouco tempo ligo novamente para saber como é estava a situação e ele diz que já não contava comigo. Fiquei muito desiludido com ele porque num dia diz uma coisa e no noutro já diz completamente o contrário, que eu era um jogador que não lhe interessava. Não gostei, sinceramente. Mais valia ter sido sincero e ter dito as verdadeiras causas de eu não não ir para lá, mas cada um vive com a sua consciência. Entretanto o Diamantino foi treinar o Fátima, falei com ele, chegámos a acordo e fui. Mas vou ser sincero, fui para lá desmotivado.

Porquê?
Ia fazer 30 anos, tinha feito duas boas épocas e sentia que tinha qualidade para estar num patamar melhor.

Como correu a época no Fátima?
Infelizmente, não correram bem. Nunca fui mau profissional, nunca faltei ao respeito a ninguém, simplesmente, não estava com motivação e isso é meio caminho andado para que desportivamente as coisas não corram bem. E no Fátima quiseram fazer uso da imagem que eu tinha antigamente para tentar encontrar motivos para usar contra mim. Isso eu nunca iria admitir, porque a partir do momento em que fui para o Olhanense disse a mim próprio que nunca mais iam ter motivos para me atirar à cara. A partir do momento em que as pessoas do Fátima, que eram umas pessoas completamente amadoras, quiseram fazer uso disso contra mim...

De que forma é que eles quiseram fazer uso disso contra si?
Aquilo era um clube profissional dirigido por pessoas amadoras. Só para lhe dar um exemplo: eu fazia parte de um grupo de jogadores que tinha de ir a Alverca apanhar uma carrinha de nove lugares, que todos os dias ia e vinha para Fátima. Eu vou da minha casa no Barreiro para Alverca, que são uns trinta e tal quilómetros, depois a carrinha tinha de fazer mais cento e tal quilómetros para Fátima. Chegava lá, treinava, acabava o treino e tinha de fazer aquele caminho todo de volta. A nível desportivo e de rendimento isso vai ter repercussões obviamente. Os resultados não foram bons, o Diamantino acabou por sair. Entretanto, em dezembro ou janeiro, os diretores do Fátima vêm falar comigo em tom ameaçador. Eu não estava a ter o rendimento que eles pretendiam e dizem-me que ou eu começava a ter o rendimento que eles queriam ou então rescindiam com justa causa, porque era o jogador mais bem pago do plantel.

E era?
É assim, houve uma altura em que eu exigi um apartamento em Fátima, não tinha vida para andar todos os dias a fazer 300 quilómetros, e render o que eles queriam que eu rendesse dentro de campo. Só que eu depois não ficava em Fátima todos os dias, mas se calhar dois, três dias por semana. Foi por causa disso que começaram a ficar, sei lá, com raiva de mim, não sei, eles lá tinham as razões deles e começaram a querer arranjar coisinhas, uma coisinha aqui, outra ali, para tentar usar contra mim e foi quando essa reunião aconteceu. Que eu era o jogador mais bem pago do plantel, que tinha um apartamento em Fátima quando os outros não tinham, que o meu rendimento dentro de campo não ia ao encontro do que eu ganhava e que se isso não mudasse, que eles iam rescindir com justa causa comigo.

Como reagiu?
Só lhes dei uma reposta: "Querem rescindir com justa causa comigo? Não podem, não têm motivos porque não lhes dei motivos nenhuns para vocês rescindirem comigo. Se querem que eu me vá embora, só têm uma coisa a fazer, é pagarem o que me têm de pagar até ao final do contrato e eu vou já embora". Entretanto eles continuaram a tentar arranjar algum motivo para rescindir, até que houve uma situação.

Que foi?
Íamos jogar aos Açores ou à Madeira, já não me recordo bem, e o que estava previsto era que quem fosse convocado ficava ali e tinha de estar logo preparado para viajar. Houve o treino, treinamos normalmente, chegou a convocatória e eu não fui convocado. Aqueles que não eram convocados iam voltar para Lisboa na carrinha e eu que tinha ido na carrinha nesse dia, felizmente. Porque se fosse sozinho aí é que tinha sido um bico de obra. Quando estamos a vir na carrinha, telefonam para mim, a dizer que um colega meu não se estava a sentir bem, que tinha saído da convocatória e eu tinha entrado. E eu "Tudo bem", só que, depois há coisas que são coincidências do caraças. Eu nesse dia tinha-me esquecido da carteira em casa e não podia viajar sem documento. Transmiti isso. Tive a felicidade de ir na carrinha com colegas meus que ouviram a conversa que eu estava a ter. Entretanto o que eles dizem: "Se não tens carteira, não vale a pena"; "Tudo bem, OK". Na semana seguinte quando vou apresentar-me para treinar, tinha um processo da direção contra mim. Eles afirmavam que eu me tinha recusado a viajar com a equipa.

O que aconteceu depois?
Obviamente que o processo foi para tribunal e aí tenho de agradecer aos meus colegas porque foram homens com H grande, porque se fossem outros se calhar para não comprometer o seu lugar na equipa ou coisa assim, poderiam ter testemunhado a favor do clube. Mas não, felizmente, portaram-se muito bem. Se fosse um jogador ranhoso de quem não gostavam, se calhar testemunhavam contra mim, mas não, eles viram que eu tinha razão e ganhei o processo. E tiveram de me pagar tudo o que deviam.

Segue-se o Pinhalnovense?
Sim, mas numa fase em que o futebol para mim já não era coisa para levar tão a sério, era uma coisa de que eu queria tirar prazer, algo que não tive durante muitos anos na minha carreira. Depois do Fátima, fiquei sem clube e fui treinar para o Sindicato dos Jogadores, em vez de andar a correr sozinho. Há um colega que está a treinar lá também e que vai para o Pinhalnovense. Como era um bocado dispendioso para mim estar a ir e vir quase todos os dias para Lisboa, porque treinávamos no Jamor, liguei para ele e pedi-lhe para falar com o treinador do Pinhalnovense para ver se eu poder treinar lá porque estava mais perto de casa. Ele falou, ligou-me, no dia a seguir integrei os trabalhos do clube, mas nunca foi com intenção de lá jogar.

Mas acabou por ficar lá três épocas.
Sim. O treinador que estava à frente do Pinhalnovense na altura era o Francisco Barão, uma excelente pessoa que eu não conhecia, só de nome. Comecei a treinar, íamos conversando, criamos uma relação engraçada e passado um tempo começou a chatear-me todos os dias: "Rui, aqui é que estavas bem". Estive dois anos e meio no Pinhal Novo e foram dos anos em que tive mais prazer em jogar, porque não me impus qualquer pressão, estava imune às pressões exteriores, tudo o que eu queria era ter prazer e ser feliz a jogar.

Já tinha pensado no que queria fazer depois de pendurar as chuteiras?
Quando estive no Fátima exigi um apartamento porque entretanto quis tirar o curso de treinador, e o único que estava disponível nessa altura era na Associação de Futebol de Leiria, que era perto de Fátima. Pedi o apartamento mais por causa disso. Durante esse tempo fiz o nível I, que na altura durava quatro, cinco meses. Depois tirei o nivel II já mais tarde na Associação de Futebol de Setúbal, quando estava no Pinhalnovense.

Quando foi pai pela primeira vez?
O meu primeiro filho, Santiago, nasceu quando eu estava no Olhanense, em 2010. O segundo, o Salvador, costumo dizer que é um milagre de Fátima porque ele foi feito quando eu estava em Fátima [risos]. Eles têm diferença de 16 meses. Assisti ao parto dos dois e adorei.

Algum deles joga futebol?
O mais novo estava a jogar no Moitense, mas com a pandemia, não está a jogar. O mais velho só quer computadores e tecnologias.

Quando resolveu pendurar mesmo as botas?
Eu não resolvi, fui obrigado.

Como assim?
No Olhanense, quando fomos jogar ao Santa Clara, senti-me mal do coração. Na 2ª parte comecei a sentir umas batidas muito estranhas e irregulares, depois de uma jogada. Assustei-me, pensava que ia morrer em campo. Fui a correr direito ao banco de suplentes e saí logo do jogo. Estive uma semana parado e fui fazer exames complementares. Viram umas arritmias, mas não era nada de anormal. Aquilo passou, voltei a competir normalmente. Anos mais tarde, no Pinhalnovense, fomos jogar a Montemor e voltou a passar-se a mesma coisa, mas um bocadinho mais grave. Aí já foi no fim do jogo. Do nada começo outra vez a sentir as tais batidas mas pior do que da outra vez e a faltar-me o ar. Uma pessoa pensa logo: "Vou morrer aqui". Depois vem logo à cabeça os jogadores que morreram. Fui ao banco de suplentes e disse ao treinador que tinha de sair do jogo porque estava a sentir-me mal e ia morrer ali. Ele olha para mim, começa-se a rir. "Não brinques comigo, vai lá para dentro de campo que o jogo está quase a acabar". Mas quando olhou para minha cara, viu que eu estava muito sério. Saí do campo, fui para o balneário, deitei-me numa maca, continuei a sentir aquelas batidas. Foram lá os bombeiros e tudo.

Afinal o que tinha?
Fui fazer exames novamente e acusou uns problemas e umas arritmias outra vez mas um bocadinho mais gravosas. Eu estava com 33 anos e o especialista de cardiologista disse-me: "Estas arritmias não te impedem de jogar futebol, mas já não pode ser futebol de alta competição. Podes ter uma vida normal, jogar futebol de recriação e convém que continues a fazer exercício físico, mas tudo o que envolve desporto de alta competição, esquece. Não é proibitivo, mas não é aconselhável". Avisou-me que dali para a frente era provável que aquilo voltasse a acontecer com mais frequência. Não valia a pena estar a pôr a minha vida em risco, até porque não estava no início da profissão, estava em final de carreira.

Foi difícil tomar a decisão de deixar o futebol?
Foi. Porque não era a maneira como eu queria acabar a carreira. Já tinha dito a mim mesmo que ia acabar a carreira com 35 anos e nos meus próprios termos. Não da forma como me foi imposto e a maneira como tudo aconteceu, de um dia para o outro. Ainda por cima numa altura em que ainda tinha muito prazer naquilo que estava a fazer, é sempre muito mais doloroso.

Quando colocou o ponto final, já tinha definido o futuro?
Nos meus dois últimos anos no Pinhalnovense eu acumulava a função de jogador com a de treinador de formação. Treinei um ano os iniciados e no 2.º ano treinei os juvenis. Aquilo que pensava do meu futuro era isso porque já estava nessas funções.

Isso não veio a acontecer porquê?
Tive um desgosto enorme com essa situação e chorei muitos dias. Quando fui comunicar aos meus colegas, estava a direção e os treinadores, grande parte deles estava a chorar baba e ranho. Pelo meu passado e por tudo o que eu era dentro daquele balneário, as pessoas consideravam-me e havia muita gente nova que olhava para mim como um exemplo, como um pai, porque eu já fazia muitas vezes a função de treinador dentro de campo. Fui-me um bocado abaixo quando deixei de jogar. Já estava a tirar o nível II do curso de treinador. Só que comecei a desligar-me um pouco do futebol.

Mas não continuou na formação porquê?
A questão da formação é que na minha altura se eras bom ficavas, se não eras, não ficavas, ponto. Hoje o futebol de formação é todo pago e tinha de estar constantemente a levar com os pais a perguntar porque é que os filhos não eram convocados, porque é que não jogavam, isto e aquilo. Eu percebo a questão dos pais porque para muitos é um sacrifício enorme pagar uma mensalidade e equipamentos, só que muitos deles querem ver nos filhos a salvação da vida deles; e se calhar grande parte dos miúdos não têm a qualidade e esperteza que havia na minha altura, também fruto se calhar de não praticarem futebol na rua. Muitos deles não têm qualidade para jogar futebol, mas os pais querem obrigar à força os filhos a jogar ou a ser alguém na vida para que um dia venham a ganhar muito, porque vêm os Ronaldo's, e Messi's e Neymar's a ganhar aqueles balúrdios.

Fartou-se?
Sim, tudo isso foi-se acumulando até que chegou uma altura em que me desliguei completamente do futebol. Não via futebol, não queria ouvir o que quer que fosse relacionado com o futebol.

O que foi fazer então?
Através de uma amiga da minha mulher, apareceu a oportunidade de ir trabalhar para um arquivo, em Palmela, através da Esegur. Aquilo é um depósito de documentos de vários clientes e quando estes precisam de ter acesso aos mesmos, enviam um mail e nós vamos buscar para ser enviado.

Esteve aí quanto tempo?
Estive lá dois ou três meses, era trabalho temporário, depois através da mesma empresa fui para a Tranquilidade, em Lisboa, nas férias de outros colaboradores, trabalhar na parte do correio. Depois regressei ao arquivo onde estive quase dois anos. A seguir fui trabalhar como repositor no Continente e no E. Leclerc. Ainda estive quase três meses no fundo de desemprego. E a seguir fui para o Parque Industrial Autoeuropa, em 2017. Onde estou a trabalhar até hoje.

O que faz em concreto?
Estou na Benteler onde monto peças que vão ser utilizadas nos carros produzidos na Autoeuropa. Trabalho por turnos, fisicamente é muito cansativo e desgastante. As minhas costas e os meus pulsos estão feitos num oito. Tenho de trabalhar com ligaduras nos pulsos.

O futebol ficou completamente de parte?
Há um ano tive a felicidade de A Bola TV ter feito o programa "Lembras-te de mim", em que fez uma reportagem comigo. Teve boa repercussão e as pessoas começaram a entrar em contacto comigo. Tinham gostado muito da honestidade da entrevista e tinham conhecido um lado em mim que não tinham visto antes porque ficaram sempre com aquela imagem de um jogador que poderia ter tido um grande futuro, com muita qualidade, mas problemático, irreverente. Na reportagem disse que o bichinho do futebol pode adormecer mas nunca morre. E a partir daí o bichinho acordou outra vez. Recomecei a acompanhar o futebol e de vez em quando vou à Bola TV comentar. É uma coisa que gosto de fazer e que gostava que continuasse porque acho que tenho qualificações e experiência para o fazer. Além de comentador, se houvesse oportunidade de voltar ao futebol diretamente, gostava obviamente.

Onde ganhou mais dinheiro?
No Gil Vicente.

Investiu em alguma coisa?
Infelizmente foi tostão ganho, tostão gasto.

Qual foi a maior extravagância que fez?
Talvez a maior foi ter comprado um BMW descapotável.

É um homem de fé?
Sou. Já fui mais praticante. Quando era jogador, orava muito. Mas devo dizer que, embora não seja uma religião, sou praticante de Reiki. É um à parte, não é uma religião, mas acho que é uma coisa que muita gente devia aderir, quer acreditem quer não mas é algo que dá muito autoconhecimento e auto-ajuda. 

Superstições?
Benzia-me sempre antes de entrar em campo. E hoje em dia quando vou trabalhar benzo-me sempre antes de sair de casa e quando chego a casa.

Se pudesse escolher, qual o clube de sonho onde gostava de ter jogado?
Acima de tudo gostava de ter jogado na liga inglesa. Acho que é a melhor do mundo.

Tem ou teve alguma alcunha?
Fora do futebol a minha alcunha de infância era o alentejano, porque os meus pais são alentejanos. No futebol, nunca tive.

Tatuagens?
Tenho duas. Só vou dizer uma. A primeira que fiz foi quando fui operado à minha hérnia, porque na altura tive muito medo e resolvi fazer a tatuagem de Jesus Cristo no meu peito.

Segue ou pratica outro desporto além de futebol?
Sigo muitos desportos, agora praticar... Sigo ténis, gosto muito de ciclismo também.

Tem algum hóbi?
Amo música. A minha irmã ofereceu-me uma guitarra quando tinha 16 anos. O que aprendi foi quase tudo sozinho. Agora com as redes sociais e canais da internet é muito fácil de aprender a tocar. Mas atualmente não toco guitarra com muita frequência, não há muito tempo disponível e também depende do meu estado de espírito. Também pratiquei Kenpo. Eu e a minha mulher queríamos uma atividade física para o nosso filho mais velho, que não é muito dado ao desporto e encontramos na net o Kenpo, uma arte marcial japonesa, cultura de que gosto muito. O meu filho começou a frequentar e eu gostei tanto que também me inscrevi. Atualmente não frequento por causa do meu horário laboral e por estar a comentar para a Bola TV. Mas se tiver oportunidade, volto.

Ainda sobre a música, de que tipo de música gosta?
O meu tipo de música é muito vasto, bandas sonoras, pop-rock, rock, heavy metal e outras definições que nem eu sei, mas o preferido, é sem dúvida, o grunge. Grupos de música, Nirvana, Foo Fighters, Alice in Chains, Soundgarden, Pearl Jam, Stone Temple Pilots, Smashing Pumpkins, Queens of the Stone Age, Audioslave, Metallica, o velhinho Peter Frampton que toca mesmo muito guitarra, oh pá, nunca mais saía daqui...

Se não fosse jogador de futebol, o que acha que teria sido?
Nunca pensei nisso. Acho que nasci com um dom para ser jogador de futebol, infelizmente, não aproveitei da maneira como devia, mas acho que nasci única e exclusivamente para ser jogador de futebol."