Últimas indefectivações

domingo, 6 de outubro de 2024

Eriksson estaria orgulhoso


"Lisboa, 2 de Outubro de 2024 - um dia que ficará marcado na História do Sport Lisboa e Benfica com uma vitória retumbante por 4-0 ao Atlético de Madrid.
Mas antes, o pré-jogo. O prelúdio da grande noite europeia que se seguia começou nas roulotes à volta do estádio, a abarrotar de benfiquistas de todos os cantos do país e do Mundo. O convívio e benfiquismo (com muita cerveja à mistura) que presenciava, em conjunto com os cânticos de apoio que ouvia deixavam-me menos nervoso. A caminho do estádio, começa a chover, o que ajudou a refrescar a curta viagem a pé. Não liguei muito no momento pois estava com pressa de me instalar no lugar onde iria passar as próximas horas.
O que se passou a seguir ao apito inicial só consigo descrever como simplesmente assoberbante. Um jogo que, sob chuva intermitente, avivou as memórias do Benfica Europeu, um jogo que demonstrou que os rapazes dentro de campo são capazes de honrar o Manto Sagrado, um jogo que realizou os desejos de Bruno Lage: foi um Benfica à antiga.
Um Estádio da Luz em absoluta ebulição, como nunca tinha testemunhado em pessoa. O "Inferno da Luz", ontem, fez-se presente no gigante de betão. De ponta a ponta, toda a gente a gritar e a puxar pelo Benfica, a dar tudo de si para que os jogadores e a equipa técnica sentissem que não estavam sós, mas sim acompanhados de todos nós. E eles corresponderam da melhor maneira, ao banalizar um clube que apura-se há mais de uma década para o mais alto palco europeu.
Apito final. Começo a dirigir-me para fora do estádio, em direção às roulotes para reabastecer. No caminho para lá, a alegria estava estampada em todos. Sorrisos de orelha a orelha em todos os que via, continuavam os cânticos de apoio, mas com a nuance de celebrar uma vitória épica.
Eriksson estaria orgulhoso. Viva o Benfica!"

Golos

E preparação para dar bitaites!!!

O rendimento puro e o pensamento futuro


"Nos últimos tempos, adensa-se a discussão em torno dos calendários competitivos do futebol internacional, considerando a densidade de jogos e de torneios domésticos e fora de portas a que jogadores e equipas estão sujeitos.
É uma discussão pertinente, que assenta no mais básico valor em causa: a capacidade para disputar, por inteiro e de forma assertiva, todos os momentos de competição, todos os desafios impostos pela atividade profissional.
Haverá sempre os mais puritanos a defender que, em face das verbas envolvidas, dos proventos recolhidos, da fama e da carreira de curta duração, é absolutamente justificado o número de jogos por época à espera de um jogador de alto rendimento. É uma forma de ver a situação.
Mas há também que defender a perspectiva da qualidade do espetáculo, e não apenas a vertente comercial adstrita ao aumento exponencial de apresentações dos principais atletas e dos mais significativos emblemas. É outra forma de analisar a questão.
Vejamos o surgimento da Liga das Nações. Esta prova bienal para seleções nacionais, nascida da mente de um dirigente português, vem adensar o calendário, uma vez que as representações de cada país acumulam agora qualificações (e, e eventualmente, fases finais…) de Europeus e Mundiais, com a disputa desta competição.
Porém, é a mais democrática prova, o mais transversal momento para nivelar jogos e aumentar a imprevisibilidade entre equipas do mesmo quilate.
O sistema de divisões implementado com a UEFA Nations League vem comprovar que nem sempre o aumento de compromissos corresponde a um tiro no escuro e a uma disseminação de recursos. Pelo contrário, vem demonstrar que é possível criar uma prova competitiva, em que as diferentes escalas de valor são respeitadas e as equipas são efetivamente recompensadas, quer através do sistema de promoções e despromoções a cada dois anos, quer, indiretamente, pelas mais-valias que podem ser geradas em sede de apuramento para os Europeus de futebol, a cada quadriénio.
Se é verdade que as formações com menor cotação no cotejo do futebol europeu nada têm a perder e tudo têm a ganhar com o sistema de disputa da Liga das Nações, não é menos verdade que a prova pode — e deve — ser encarada pelas federações de referência no velho continente como uma possibilidade extraordinária de renovação, de concessão de oportunidades, de implementação de uma estratégia de médio ou longo prazo para o surgimento de novos valores nas equipas A, aproveitando as capacidades do momento (entenda-se, o momento de forma evidenciado nos clubes e que, em última instância, justifica a convocatória à seleção mais representativa), ou as virtudes do crescimento, surgindo neste patamar a capacidade de despistar talentos com espírito de seleção, que tenham feito percurso nos escalões de formação e que possam ser cooptados pela equipa principal como estímulo para a continuidade das suas carreiras e como reconhecimento do seu engajamento com o sistema seletivo das seleções do seu país.
Estes são os essenciais vetores que presidiram à criação de mais uma competição para seleções A sob a égide da UEFA, e que Portugal, França e Espanha já venceram, nas três primeiras edições.
E é necessário (diria mesmo fundamental), que os selecionadores nacionais entendam este espírito e esta mecânica, até porque, em última análise, ela potencia a capacidade competitiva dos seus conjuntos e garante latitude temporal para projetos a la longue que a emergência dos resultados exigidos numa fase qualificativa para um Europeu ou para um Mundial dificilmente permitirá.
Se olharmos para nações emergentes ou de pequena dimensão futebolística, é evidente que a prova obriga a uma determinação permanente e a um recurso a todos os seus melhores valores, justamente para tentar cumprir a perspetiva de competição igualitária que, recorde-se, é uma das matrizes da Liga das Nações.
Mas para um país como Portugal, que, apesar da sua exiguidade territorial, é tendencialmente exportador de valor individual e consegue ter, proporcionalmente, um amplo leque de opções e escolhas, a Liga das Nações deveria (deverá) sempre assumir um papel charneira no desenvolvimento sustentado da sua máxima representação nacional, equilibrando a necessidade de se apresentar num patamar competitivo elevado (entenda-se, a lutar sempre pela presença nos jogos finais), com a possibilidade de integrar novos elementos no combinado nacional, em função dos picos de rendimento nos clubes de origem ou do histórico garantido por uma seleção de sub-21 muito bem orientada estrategicamente e sempre pronta a servir a equipa de topo com gente que, para além das suas inquestionáveis qualidades futebolísticas, representa engajamento com o espírito e a genética das representações da Federação Portuguesa de Futebol.
Estes deverão ser sempre os objetivos finais de um torneio com as características da Liga das Nações que, muito embora contribua, no preenchimento das datas FIFA, para adensar o calendário competitivo, permite uma transversalidade interessante e uma abrangência importante na conjugação da sua vertente de rendimento puro com a sua componente de pensamento futuro.

Cartão branco
Quando lançámos o Canal 11 (tive o privilégio de integrar a equipa inicial e lá permanecer um ano e meio), o grande objetivo era que o projeto fosse pioneiro. Porque a FPF é a única federação mundial a dispor de um canal de televisão em sinal aberto, e porque a motivação dos jovens e das jovens para a prática de futebol, futsal e futebol de praia decerto cresceria exponencialmente. A televisão cria emoções e envolvimentos como nenhum outro media. E tem protagonistas. Cândido Costa é um deles no Canal 11, e soube não apenas ganhar o seu espaço como cumprir a preceito todas as premissas do canal.É um apresentador extraordinário porque é, acima de tudo, uma pessoa extraordinária. Mais do que um Globo de Ouro, é um diamante no ecrã. E fora dele.

Cartão amarelo
Pedro Proença pensa candidatar-se à Presidência da FPF. Não é novidade para ninguém, no mundo do futebol português, que o antigo árbitro internacional tem esse objetivo, absolutamente legítimo, aliás. Por isso, não necessita de dizer que os clubes das ligas profissionais o instaram a fazê-lo. E por duas razões: porque, independentemente disso, todos sabemos que ele o quer fazer; e porque a FPF é muito mais do que os clubes da liga profissional. Integra 22 associações que são, verdadeiramente, a alma do futebol português, além de todas as outras representações de classe com assento na sua Assembleia Geral."

Liga Portugal ou Brasileirão, qual o melhor?


"Da mesma forma que comparar Pelé com Maradona é árduo por falarmos de tempos diferentes, contrapor ligas europeias a sul-americanas é espinhoso porque falamos de espaços diversos — a UEFA não classifica o Brasileirão, nem a Conmebol avalia a Liga Portugal.
Entretanto, para respondermos à pergunta do título, socorremo-nos de números: segundo o site Give Me Sports, que usa o Opta, método que analisa 13000 equipas todas as semanas, a Liga Portugal ocupa o sexto lugar mundial, atrás só do costumeiro top-5, e o Brasileirão, melhor competição não europeia, o décimo.
Já o Team Form, que acumula dados de 700 ligas no mundo inteiro e garante usar um «raro e sofisticado algoritmo», é a Série A do Brasil, sexta, que leva a melhor sobre a liga portuguesa, sétima, ambas logo atrás do quinteto de sempre.
Segundo o Transfermarkt, que avalia jogadores do mundo todo, Sporting, FC Porto e Benfica têm planteis na casa dos 300 milhões de euros, bem acima do trio brasileiro da frente, composto por Palmeiras, Flamengo e Botafogo, entre os 213 e os 136 milhões.
Porém, o quinto elenco mais caro do país europeu, o do Famalicão (o SC Braga é o quarto, claro), seria apenas o 16.º no país americano.
Três conclusões, portanto. A primeira é que, se jogassem no Brasil, os três grandes de Portugal seriam, na teoria, as equipas mais fortes — o que não quer dizer, na prática, que o vencessem porque primeiro teriam de se adaptar ao calendário insano, às viagens continentais semana sim, semana não, às torcidas ainda mais emocionais, aos relvados maltratados, etc.
A segunda é que o Brasileirão é, claro, mais competitivo do que a Liga Portugal, basta ver o aproveitamento de pontos altíssimo dos campeões da segunda por comparação com os do primeiro.
A Liga Portugal assemelha-se mais a uma prova de ginástica olímpica em que um mínimo passo em falso — leia-se um empate em casa ou uma derrota fora com clubes pequenos — pode significar a diferença entre o ouro e o fracasso. Já o Brasileirão é uma espécie de Tour: longo, cruel, interminável, inclemente, cansativo, doloroso, mas em que um dia mau — leia-se uma derrota com um dos muitos clubes médios — não significa, necessariamente, a perda da camisola amarela, afinal, há mais etapas de montanha, mas contra relógios, mais oportunidades de retificação.
E a terceira conclusão é que a Liga de Clubes, melhor ou pior, vai otimizando, quase ao limite, o produto que tem em mãos. Enquanto a CBF desperdiça, quase ao limite, o descomunal potencial do Brasileirão."

Um fabuloso ser exótico disfarçado de futebolista inglês


"Guarda-redes por convicção, Vladimir Nabokov escreveu páginas e páginas sobre futebol

Foi um menino rico, viveu na opulência dos palácios de São Petersburgo, soube apaixonar-se pelas noites brancas de Dostoiévski. Os pais colocaram-no no colégio Tenishev, que não abria lugar para qualquer, a mãe protegia-o como uma crisálida e, talvez por isso, o único desporto que o deixava praticar era a caça às borboletas no jardim de sua casa. Descreveu tudo isso em Fala, Memória, a sua autobiografia. Às escondidas jogava futebol na equipa do colégio. A guarda-redes. Era tranquilo. Colocava-se a preceito, dominava os ângulos, não entrava em excentricidades. Ou seja, não dava nas vistas. O seu irmão Serguei tentou segui-lo mas não levava muito jeito. Falo de Vladimir Vladimirovich Nabokov. Um dia escreveu: «O guarda-redes é a águia solitária, o homem misterioso, o último dos defesas. Não guarda apenas a baliza: guarda os sonhos». Falo do rapaz tomado pela tuberculose. Tomado pela fragilidade do físico. O rapaz que teimou, apesar de tudo, em guardar sonhos.
Veio a revolução dos bolcheviques e os Nabokov perderam o seu palácio. O menino rico foi para Cambridge estudar inglês, foi em inglês que escreveu muita da sua obra. Não abandonou as balizas. Jogou na equipa universitária. Houve gente do seu tempo que dedicou livros a Vladimir Nabokov/guarda-redes: Brian Boyd (Vladimir Nabokov: The Russian Years), Thomas Karshan (Nabokov and Play). Mas, acima de tudo, houve o poema do pai de Lolita que falava da bola e do jogo:
«(…)Is kicked in a lightning curve
The sonorous shot soars, and
I leap up, blocking its rapid flight
With a deflection».
Vladimir era sobretudo um solitário.Este poema é dedicado a uma rapariga. Uma rapariga que ele vira passar na rua acompanhada por um rapaz igual a tantos outros. E ele reconhecera-o pelo riso, pelo cachimbo, pela alegria. E a rapariga viera numa tarde de céu azul para ver o seu jogo.
«Gratifying game!
An open space
 With dazzling shirts.
The lively ball».
Os Nabokov ficaram sem dinheiro. Vladimir ficou sem o fim da infância. O menino rico de SãoPetersburgo mudou rapidamente para homem em Cambridge. Não houve nenhum guarda-redes eterno que lhe guardasse o sonho. E ele, nas balizas, deixou de ser tranquilo como era. Gritava. Gritava muito. No fundo, libertava do peito a revolta de não ter conseguido continuar a ser menino e não ter tido a coragem de dar a mão aTamara, paixão entranhada da sua infância pintada a borboletas. E os defesas obedeciam-lhe como se cada grito seu fosse uma ordem de general de exército.
Foi para Londres e para o Trinity College. Continuou a jogar: «Encantava-me o lugar de guarda-redes. Na Rússia, como nos países latinos, é um posto rodeado de uma aura de luminosidade que não se explica. Distante, solitário, impassível». E concluía: «Eu não guardava uma baliza, eu guardava um segredo».
O corpo medrou-lhe, desapareceram as fragilidades tísicas da meninice, usava um barrete grosso, uma camisola de gola alta e guardava as luvas no bolso traseiro dos calções. «Tive dias brilhantes e vigorosos: o cheiro intenso da relva, o avançado famoso que se aproximava arrasando defesas e empurrando a bola com a ponta cintilante da bota até ao disparo venenoso e à minha feliz parada».
Durante toda a vida, Valdimir Nabokov escreveu sobre futebol. Prosa e poesia. Como em 1920, o poema Assim, Futebol: «A bola saltava sem que soubesses/que um dos jogadores descuidados/criava o entardecer em silêncio/e a anatomia dos tempos esquecidos». Guardou nas memórias: «Cruzava os braços e encostava o ombro ao poste esquerdo. Desfrutava do luxo de fechar os olhos e escutava, então, os latidos do coração, ao mesmo tempo que sentia chuviscos cegos na minha cara e ouvia, distantes, os sons soltos do jogo. Via-me como um fabuloso ser exótico disfarçado de futebolista inglês que escrevia versos num idioma que não entendia sobre um país do qual nada sabia». Em Berlim, jogando pelo Russian Sport Club, chocou com violência contra um avançado contrário. Ficou maltratado. A mulher, Vera, pediu-lhe que parasse. Vladimir deixou as balizas:
«Em calções curtos/e camisolas multiculores
os jogadores contrários avançavam».
Ele é que já não estava lá."