Últimas indefectivações

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Um diabo negro e sem piedade

"O segundo de dois «derbies» disputados nos Estados Unidos, em Foxboro, terminou com a vitória clara do Benfica sobre o Sporting (3-0). Depois, de forma inédita, ambas as equipas regressaram a Lisboa no mesmo avião.

«Benfica e Sporting viajaram no mesmo avisão!»: eis a manchete. Com honras de primeira página. Era assim mesmo em 1972. Julho de 1972. Acrescentava-se: «Deve ser quase inédito! Mas os dois esquadrões regressaram juntos esta manhã, em bloco, da aventura norte-americana que rendeu umas centenas de contos aos clubes e jogadores». E que viagem era essa que juntava dois clubes irmãos quase sempre desavindos? Era o regresso a Lisboa e Tejo e tudo. Um regresso dos Estados Unidos, de Foxborough.
Foxborough, arredores de Boston, no Estado de Massachusetts. Também lhe chamam Foxboro. Chegou a ser, em tempos que lá vão, a capital do fabrico de chapéus de palha. Muitos emigrantes portugueses vivem nas redondezas. Motivo mais do que óptimo para realizar dois jogos amigáveis entre Benfica e Sporting para lusitano ver. Sobre o primeiro desses confrontos, falaremos um dia, nesta sua página. Vamos ao segundo.
No Schaeffer Stadium, catorze mil espectadores deixaram na bilheteira mais de 1900 contos e viram o Benfica fazer uma exibição de gala e bater confortavelmente o seu grande rival na sequência de movimentos notáveis de categoria e empenho.
Os golos foram todos na segunda parte: três. Um de Eusébio, de «penalty»; um de Jordão, que tamém sofreu a falta que deu a grande penalidade, e o terceiro de Nené. Eram duas equipas imponentes. Veja-se:
BENFICA - José Henrique; Malta da Silva, Humberto, Messias e Adolfo; Rui Rodrigues, Toni e Vítor Martins; Nené, Artur Jorge e Eusébio. Jordão entrou no segundo tempo para o lugar de Artur Jorge.
SPORTING - Botelho; Pedro Gomes, Laranjeira, José Carlos e Hilário; Tomé, Gonçalves e Peres; Marinho, Yazalde e Nelson.
Já se sabia antes de a bola começar a rolar: havia um prémio de 12 contos para cada jogador da equipa vencedora. Nada de deitar fora...
Soltou-se o diabo negro...
Os golos só espirraram a partir do minuto 70, mas não foi essa a verdade dos acontecimentos. Durante a primeira parte, o Benfica fez o suficiente para garantir vantagem tranquila. Nené, Humberto e Vítor Martins tiveram oportunidades para abrir o marcador, mas perderam-nas por uma razão ou outra.
Não que o Sporting tenha feito papel de cordeiro que espera a imolação. Nada disso! Quem tinha Yazalde arriscava-se sempre a marcar um golo pelo menos, e o argentino andou lá perto. A diferença era esta: o Benfica jogava em ataque continuado, e o Sporting preferia o contra golpe.
Substituições ao intervalo. Nos leões, Danilo e Nando para os lugares de Tomé e Yazalde. Nas águias, aquela já assinalada lá atrás: Artur Jorge por Jordão.
Felino, negro como uma sombra assustadora, Rui Trindade Jordão tornou-se temível. Quem o segurava? Pulava por entre os defesas contrários como um diabo cuspindo fogo. A cada minuto que passava tornava-se mais perigoso, encontrava-se mais perto da baliza de Botelho. No minuto 70, no tal fatal minuto 70, briga na área do Sporting com Pedro Gomes e Laranjeira. Cai e é «penalty» assegura o árbitro norte-americano Jim Powell. Eusébio, sempre Eusébio, corre para o ponto solitário dos 11 metros. Como é seu hábito, não falha. O Benfica ganha vantagem e, pelo desenrolar dos acontecimentos, ganha também o jogo.
Não existe por parte dos homens de Alvalade fulgor suficiente para contrariarem a superioridade encarnada. A resistência física e moral está de rastos. Jordão prossegue, imávido, no seu recital. Ainda muito longe da baliza, recebia uma bola com um domínio perfeito Ajeita-me para o remate perfeito e irretocável. É golo!!! Com pontos de exclamação.
Outros poderiam ter sido marcados. Houve hipóteses para isso. Mas só aconteceu mais um, por Nené, a dois minutos do final de prélio: 3-0. Os bolsos dos benfiquistas ficavam mais cheios. Era tempo de correr para o autocarro e tomar o rumo do aeroporto na tal viagem conjunta com algo de inédito e com muito de saudável. Lisboa, ao longe, esperava pelos seus clubes preferidos. Ainda que sempre rivais, seja em que lugar do mundo for..."

Afonso de Melo, in O Benfica

'Um mar humano'

"Desmaios e invasão de campo no dia da conquista do nono Campeonato Nacional.

O Campeonato Nacional de futebol teria o seu epílogo a 31 de Março de 1957. O Benfica embora líder da classificação, somava apenas mais um ponto que o FC Porto. Tudo se decidiria nessa última jornada. O Benfica teria de ganhar, na Luz, frente à Académica para conquistar mais um título de campeão nacional.
Os momentos que antecederam o encontro foram de intensa expectativa. O público cedo começou a encaminhar-se para o Estádio. Formou-se uma 'verdadeira multidão', um 'mar humano'. Mas nem só de encarnado se vestiam as bancadas da Luz, pois 'os estudantes deslocaram a Lisboa numerosa falange de apoio'.
O jogo teve início às 15h. O Benfica rapidamente mostrou 'que, mais minuto menos minuto, a bola dançaria nas malhas da baliza contrária'. No entanto, a Académica resistiu no primeiro tempo e a ansiedade crescia. Já no início da segunda parte, o 'Glorioso' inaugurou o marcador. 'À bancada (...) acorreram os bombeiros com a maca e, sobre ela, vencido pela emoção, um adepto dos «encarnados» foi transportado' para o balneário, inerte. Quatro minutos, depois, novo golo 'encarnado' e... outro desmaio. 'Desta vez foi uma senhora (...). A maca não chegou a ser necessária. Mais animosa, a senhora em breve se recompôs. Desceu aos balneários, bebeu um calmante, e lá foi, pista fora, recuperar o seu lugar'.
O tempo corria, os minutos passavam e o desejo de chegar ao fim e festejar era cada vez maior. Quando o árbitro deu por finda a partida, foi 'o fim do mundo!'. O Benfica ganhara por 2-0, era campeão nacional!
A multidão, na ânsia de erguer em triunfo os campeões, começou a saltar para dentro do campo. Vinham de todos os lados. O relvado ficou 'repleto de público, sem se perceber bem como e donde saiu, pois as bancadas continuavam repletas'. 'Nunca o Estádio da Luz apresentou tão festivo aspecto'. Roland Oliveira esteve presente e fotografou.
Depois, a festa continuou na cabina. Os dirigentes do clube abraçavam-se, abraçavam 'os jogadores' e, 'enquanto o champanhe corria a jorros', o homem do desmaio acordou, 'olhos à sua volta, localizou o ambiente e começou a gritar: Benfica! Benfica! Benfica!'
Pode ver esta e outras fotografias na exposição Roland Oliveira, em exibição na Rua Jardim do Regedor, em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfquismo (CCCIX)

É tempo de construir Lendas...