Últimas indefectivações

domingo, 3 de junho de 2018

A caminho da Rússia

"Vivemos a turbulência singular do desporto português. Tenta-se fazer justiça fora dos tribunais.

1. Terminou um singular mês de Maio. Teve cinco sexta-feiras, cinco sábados e cinco domingos. O que só acontece a cada 823 anos. Para os chineses, cada vez mais dominadores do Mundo e controladores de parte relevante de Portugal - incluindo o nosso futebol! - é sinal que o bolso está cheio de dinheiro! O deles sim... Agora abraçamos um Junho com um Mundial que nos atrai, novos titulares dos direitos televisivos em Portugal dos jogos da Liga dos Campeões e da Liga espanhola, contínuas notícias de contratações de novos jogadores e de aquisições surpreendentes, alguns feriados que nos motivam a um necessário descanso, certas estórias dolorosas que já cansam e a disputa acerca da ocupação do poder no Sporting que ajuda a entender a tridimensionalidade desse poder e que implica, sempre, autoridade, influência e... poder! E, aqui, combinam-se o económico e o financeiro e, igualmente, o do direito interno - estatutos e regulamentos - e o direito do Estado e, aqui, com os seus tempos e as suas ponderações, as suas pressões e as suas impressões, as suas provas directas e, também, as indirectas. E sabendo que as novas guerras e as batalhas utilizam múltiplos meios e, nestes, estão necessariamente a informação e a contrainformação. O que implica conhecer estas novas realidades e saber contrariar - ou minimizar - os seus efeitos, os seus contágios ou os seus constrangimentos. O que implica mentes limpas e corpos sãos! E, se necessário, a libertação de mentes e corpos que perturbam e condicionam, magoam ou geram más companhias! Mesmo que alguns julguem que são, por si sós, boas... venturas!!!

2. Vivemos a preparação derradeira para o Mundial que se aproxima e teremos já amanhã a nossa selecção completa com a chegada do capitão Cristiano Ronaldo que levará, estou certo, acrescidos milhares na próxima quinta-feira ao Estádio da Luz para o Portugal-Argélia. Aproxima-se a partida para a Rússia. E, aqui, evidenciando o marketing federativo, as formas de atracção que suscita e, também, os mecanismos de agregação que se multiplicam ao redor da equipa liderada por Fernando Santos. Os jogos de preparação sucedem-se. As trinta e duas selecções aprumam-se sabendo que o 'Telstar' - a bola deste campeonato - é a primeira na história dos Mundiais que tem um chip que permite uma capacidade para interagir verdadeiramente inovadora. E coma consciência, também, que a Islândia e o Panamá participam pela primeira vez num Campeonato do Mundo de futebol. E, assim, se vai construindo a história do Mundial da Rússia. E o seu caminho! E com milhares a caminho da Rússia.

3. São trinta e duas as selecções participantes. Em 1982, no meu primeiro Mundial vivido, vibrado e sentido nas bancadas - e de Espanha - o número de selecções passou de 16 para 24! E também nesse Mundial, como ocorre neste, não participou a Holanda. E participaram, pela primeira vez, a Argélia, Camarões, Kuwait e Nova Zelândia. E marcou presença pela primeira vez Diego Maradona. No jogo inaugural a Argentina perdeu face à Bélgica no Nou Camp e poucos meses depois Maradona era apresentado como reforço do Barcelona! Em 1998, o Mundial de França - também vivido, vibrado e sentido - o número de selecções passou de 24 para 32. E nesse Mundial participaram pela primeira vez a Jamaica, a África do Sul e o Japão. Japão que a par da Coreia do Sul organizaria, em conjunto, e pela primeira e única vez, um Mundial de futebol em 2002. Que foi, aliás, o último Mundial em que o campeão em título participou por direito próprio. A partir de então, como acontece agora com a Rússia, só quem organiza é que tem o direito de participar! E nesse Mundial conjunto participaram, pela primeira vez, a China, Equador, Eslovénia e Senegal. Esta última também presente na Rússia no Grupo H com Polónia, Japão e Colômbia. E a Colômbia, recordo, era o país escolhido para organizar o Mundial de 1986 - em que Portugal participou e com deliciosas estórias - mas em razão de graves problemas económicos e de uma grande instabilidade social no Congresso da FIFA de 1983, que decorreu em Estocolmo, a organização foi retirada à Colômbia e confiada ao México. Foi este o Mundial da mão de Deus de Maradona. Mão famosa e determinante nos quartos de final contra Inglaterra e com a recordação que apenas quatro anos antes a mesma Argentina havia perdido a denominada guerra das Malvinas face à Inglaterra! Foi um ajuste de contas e de resultado!

4. Os Mundiais estão cheios de episódios. E de factos, actos e dados. O Brasil participou em todas as edições. Nas vinte e uma. A equipa com mais empates, 21 é a Itália que para dor das receitas televisivas também não participa neste Mundial. No Mundial da África do Sul a Espanha ergueu o troféu e marcou, recordo, apenas, oito golos. E nesse Mundial Portugal goleou, na bonita Cidade do Cabo - também jogo vivido, vibrado e sentido nas bancadas! - a Coreia do Norte por sete a zero! Mas um dos momentos mais peculiares de todos os Mundiais ocorreu no Mundial de Espanha e na parte final do jogo entre França e o Kuwait. Aos oitenta minutos a França, através de Giresse, marca o quarto golo (4-1). Nesse momento o Presidente da respectiva Federação de Futebol - o irmão do Chefe de Estado - entrou no relvado, com a sua túnica majestosa, protestou contra o árbitro russo Stupar dizendo que os seus jogadores se tinham alheado do jogo em razão de um apito que havia soado (das bancadas...). E gritava que se o golo não fosse anulado o Kuwait abandonaria o relvado. Depois de intensas discussões - e talvez em razão do resultado... - o golo foi anulado. Mas fica a invasão, a discussão e a anulação do golo de Giresse. E assim se constroem a história e as estórias dos Mundiais de futebol. Por mim, que já vibrei ao vivo em alguns, anseio que na final de Moscovo - que será o jogo 900 na história dos Mundiais - se volte a escutar, no início. 'A Portuguesa'. O sorteio, tal como no Europeu de França, comanda a vida. A nossa vida!

5. No mais vivemos a turbulência singular do desporto português. Tenta-se fazer justiça fora dos tribunais. Com muitos meios e outros anseios! Recordo que um dos milagres mais célebres de Santo António é aquele em que salvou o Pai da forca. Conta-se que seu Pai ia ser executado junto do cadáver da suposta vítima. Santo António, que pregava em Pádua, apareceu junto do Pai e perguntou ao morto: «Morto, quem te matou?» E o morto indicou o verdadeiro criminoso. A tradição, como nos ensinava o saudoso Professor Adelino de Palma Carlos, «dá porventura mais importância ao facto de Santo António ter salvo o pai da forca que ao do morto ter falado»! E há tantos mortos a falar por aí...!!! Quase em vésperas do nosso Santo António!!! Faltam fez dias para o meu Dia e onze para o arranque do Mundial da Rússia! Tudo a caminho! A caminho da Rússia!"

Fernando Seara, in A Bola

Olhar sobre uma semana escaldante

"A semana que hoje acaba ficou marcada por vários acontecimentos relevantes, sendo o mais recente o empate de Portugal na Bélgica, em jogo de preparação para o Mundial. Verificou-se uma muito melhor afinação na equipa de Fernando Santos, com alguns jogadores a exibirem-se mais perto daquilo que valem. Bruxelas devolveu o good feeling à turma das quinas, que mantém estatuto, não entre os favoritos, mas na segunda linha, no lote prestigiado dos candidatos.
No topo da actualidade esteve, a meio da semana, o caso do Marítimo-Benfica de 2016/17, que está entregue à PJ e ao CD da FPF. Algo mais que se diga não passará de especulação.
A parte de leão da atenção mediática foi para as rescisões de Rui Patrício e Podence, e para o que ainda está para vir, mantendo-se o Sporting e Bruno de Carvalho no olho do furacão.
Mas a questão mais significativa, por abstrusa, prendeu-se com o despedimento da Mesa da Assembleia Geral (MAG) do Sporting por parte do Conselho Directivo (CD), seguindo-se a nomeação de duas comissões para gerir a MAG e o Conselho Fiscal dos leões. Este passo para o abismo, de Bruno de Carvalho e seus seguidores, foi dado à revelia da lei, dos estatutos do Sporting e de qualquer ideia, por mais vaga que seja, de respeito pelas instituições. O desvario foi tão grande que não houve qualquer preocupação de enquadramento legal, como se de repente, ao CD do Sporting, fossem dados apoderes absolutistas. Provavelmente, só os tribunais colocarão o Sporting no trilho da legalidade. E lá se chegará, inevitavelmente. O certo é que a irresponsabilidade de uns quantos está a colocar em causa o futuro do clube de Alvalade."

José Manuel Delgado, in A Bola

Diário de um louco

"Ao chegar à página 34 da carta de rescisão de Rui Patrício deu-me a sensação de ter chegado ao fim de um tratado de psiquiatria (e não pelo Rui Patrício, claro). Talvez por isso me tenha saltado à ideia o Aksenty Ivánovitch de O Diário de um Louco do Gogol - que por lá escreveu (e foi do menos esquizofrénico que por lá escreveu):
- Ultimamente, vejo e oiço coisas que homem algum jamais viu e ouviu...
Afiador de penas em envergonhada pobreza, sonha com o pedestal que não lhe chega - e a única coisa que brilha em si é a opulência e delirante vertigem, atirando ao diário angústias, devaneios e descarrilhados pensamentos (assim):
- Tudo isto é ambição e provém do facto de haver debaixo da úvula uma vesícula e, dentro dela, um vermezinho do tamanho de um alfinete. Tudo isto é obra de um barbeiro que mora da Rua da Ervilha. Não lhe sei o nome, mas é sabido que ele, com uma parteira, procuram espalhar o maometismo por toda a parte...
As datas do diário mostram-lhe a mente estilhaçada: aparece o mês de Marturbo e dia 43 de Abril de 2000 (estando-se no século XVIII) - e é nesse dia 43 de Abril de 2000 que ele se vê Fernando VIII, o rei que faltava a Espanha. Levam-no para o manicómio e ele pensa que o levam para Espanha. Maltratam-no e ele acha que era o que não era:
- Eu, como rei, fiquei sozinho. E o  chanceler, para meu espanto, golpeou-me com uma vara e enxotou-me para o meu quarto. É esta a grande força dos costumes tradicionais em Espanha!
Raspam-lhe a cabeça, sobre ela derramam-lhe, atrozes, baldes de águia fria - e, na última página, percebe que a sua Espanha é, afinal, o seu manicómio.
A cada dia que passa vejo o fantasma (ou o espírito) de Aksenty a pairar sobre o Sporting (e não só). Mas não: esse fantasma (ou esse espírito) não paira apenas sobre o Sporting (ou um homem só no Sporting) - e bem mais perturbador é o ver-se tanta gente sem perceber que a sua Espanha é o seu manicómio..."

António Simões, in A Bola

Rui Patrício e o râguebi

"Imagine-se a que estado chegaram as coisas para um jogador como Patrício arriscar tudo com uma decisão tão radical.

Não vale a pena perder muito tempo a falar sobre a razão, ou falta dela, para a rescisão por justa causa apresentada por Rui Patrício. Não percebo o suficiente de legislação laboral e limito-me, portanto, a acreditar na análise dos muitos especialistas entretanto ouvidos e que deixam entender estar negras as coisas para o Sporting e a esperar pela decisão que há de chegar dos tribunais.
Também não vale a pena perder muito tempo a falar de Bruno de Carvalho ou da forma como não parece minimamente preocupado por estar a contribuir para a destruição daquele que é o mais valioso activo - não confundir com o mais importante, esses são os adeptos, uma confusão em que o presidente leonino caiu há muito... - de qualquer SAD que tenha uma equipa de futebol, arrastando o Sporting (por mais títulos que ganhe nas modalidades) para um local muito perigoso.
Hoje quero apenas dizer que Rui Patrício não merecia deixar o Sporting assim. Um jogador que sempre foi um exemplo de profissionalismo, entrega e dedicação estava destinado a sair pela porta grande, de preferência com uma homenagem digna daqueles que sempre (pelo menos quase todos...) o aplaudiram, rendidos às qualidades daquele que é, sem dúvida, um dos melhores do mundo na sua posição. Um jogador que sempre fez questão de destacar o seu sportinguismo. Um símbolo do Sporting.
A decisão do capitão leonino foi mais um motivo de divisão entre os sportinguistas, já de si profundamente divididos. Os que criticam Bruno de Carvalho percebem a posição do guarda-redes, os que o continuam a defender como se não houvesse para o Sporting futuro para lá do actual presidente não demoraram a despejar toda a sua fúria - em Alvalade não parece haver já lugar para o meio-termo - sobre o guarda-redes.
À distância, limito-me a tentar adivinhar o ponto a que chegou o Sporting, sobretudo o seu futebol profissional, para um jogador como Rui Patrício, decerto ciente das consequências, assumir posição tão radical. É, parece-me evidente, porque não dava para mais. Deu para jogar a final da Taça, deu para tentar uma saída limpa, através de uma transferência que disfarçasse o desconforto há muito evidente entre as partes. Esgotadas todas as hipóteses, foi como tinha de ser. É triste. Em especial para Patrício.

A Federação Portuguesa de Râguebi não esteve com meias medidas e decidiu despromover GD Direito e Agronomia na sequência dos incidentes que interromperam o encontro entre as duas equipas e lançaram um manto de vergonha sobre a modalidade. De pronto se levantaram vozes contra a (in)justiça de uma decisão que consideram demasiado dura, ainda mais tratando-se de dois dos principais clubes de râguebi português. A punição é exagerada? Talvez. Mas numa altura em que a luta contra a violência no desporto deve estar no topo das prioridades há que assumir (a sério, sem dar uma no cravo e outra na ferradura) que é hora de mais acção e menos conversa. E sim, por serem dois dos principais clubes do râguebi português, GD Direito e Agronomia devem dar o exemplo - e, se for caso disso, servir de exemplo. Porque serem grandes não é, por si só, argumento para não poderem ser despromovidos. Deve ser assim no râguebi, no futebol, no andebol, no hóquei em patins... e por aí fora. Estamos de acordo, certo?
Mesmo que porventura exagerada (os recursos que por certo os dois clubes apresentarão determinarão se sim ou não), a decisão da Federação de Râguebi deve até servir de exemplo às de outras modalidades: não pode haver medo de clubes que, pela sua grandeza, se julgam acima da lei. Os regulamentos são para cumprir. Doa a quem doer. Claro que fica mais fácil punir a sério quando não são os próprios clubes a determinarem as regras do jogo. Mas essa já é outra conversa..."

Ricardo Quaresma, in A Bola

Alterações ao 'RSTP'

"Entraram em vigor no passado 1 de Junho as alterações ao Regulamento do Estatuto e Transferência (RSTP) dos jogadores da FIFA, esperadas desde o acordo alcançado entre FIFpro e aquele entidade, conforme oportunamente demos conta.
As alterações em causa dizem respeito, essencialmente, à relação entre os jogadores profissionais e os clubes e à manutenção da estabilidade contratual. Além disso, uma das alterações visa reforçar ainda mais a eficiência do sistema de resolução de litígios existente.
O artigo 14 do Regulamento foi alterado para incluir um novo parágrafo relativo a situações abusivas em que uma parte jogador ou clube) força a outra a rescindir ou alterar os termos do contrato. Além disso, um novo artigo - 14 bis - foi introduzido a fim de abordar a circunstância especifica de rescisão de um contrato devido a salários em atraso.
O artigo 18 passa a proibir os chamados 'grace periods', a menos que explicitamente permitido ao abrigo de um acordo colectivo.
Uma mudança importante é a do artigo 17 do Regulamento, relativo ao cálculo da compensação por resolução do contrato sem justa causa. O primeiro parágrafo deste norma específica agora mais detalhadamente o método de cálculo da compensação devida ao jogador, sendo feita uma distinção entre os jogadores que ficaram desempregados após o fim do contrato sem justa causa e aqueles que encontraram novo emprego.
Foi ainda aditado um novo artigo 24 bis ao Regulamento que diz respeito ao cumprimento de decisões que envolvam o pagamento de determinadas quantias. Passa a ser possível aplicar sanções aos clubes que incumprirem com os seus deveres neste âmbito, tais como a proibição de registo de novos jogadores."

Marta Vieira da Cruz, in A Bola

Os melhores a produzir craques

"Na quinta-feira, dei uma grande entrevista para o diário espanhol ‘El País’ que sairá antes do Campeonato do Mundo da Rússia. A maioria das perguntas, como não podia deixar de ser, foram sobre o que poderá acontecer no Mundial, especialmente sobre o primeiro jogo do Grupo B, que será entre Espanha e Portugal.
Houve uma questão que me pôs a pensar vários segundos. "O Cristiano Ronaldo disse depois do Mundial do Brasil que Portugal é um país pequeno, com apenas 10 milhões de habitantes e que assim seria sempre complicado encontrar jogadores de top. Realçou ainda que conquistar um Europeu ou um Mundial seria sempre um objectivo difícil de alcançar. Mas que, ainda assim, não perdia a confiança de que um título seriam sempre capazes de ganhar. Isto aconteceu dois anos depois, com a conquista do Europeu de França, em 2016.O que aconteceu nestes últimos quatro anos para que, na lista de 23 jogadores que o vosso seleccionador convocou para o Mundial da Rússia, ficassem de fora jogadores portugueses que actuam em grandes equipas e autênticos tubarões da Europa, como Barcelona (casos de Nélson Semedo e André Gomes) ou Inter Milão (caso de João Cancelo), entre outros clubes e jogadores? No teu tempo, quando jogavas no estrangeiro, e no tempo dos teus compatriotas que saíram de Portugal a seguir a ti, que foram muitos, nunca podia acontecer. Eram sempre convocados para representarem a Selecção, a não ser que tivessem uma lesão gravíssima ou estivessem com gesso. O que mudou para que Fernando Santos se dê o luxo de deixar craques de grandes clubes europeus fora da lista dos 23?"
Era uma pergunta interessante de um jornalista espanhol que me fez pensar antes de responder em como estávamos há quatro anos. E recordei que, durante vários anos, o João Moutinho, Raul Meireles e Miguel Veloso foram o motor da Selecção e deram-nos muitas alegrias. No Mundial do Brasil os três estiveram irreconhecíveis, mas tinham de jogar já que a concorrência era praticamente nula. O Rúben Amorim era um bom suplente e o jovem William Carvalho tinha feito uma época espectacular, mas estava ainda um pouco verde para assumir a titularidade da equipa das quinas. O motor da Selecção naquele Mundial podia gripar e gripou mesmo porque não tínhamos mais soluções.
Dois anos depois, no Europeu de França, as soluções no meio-campo, para dar um exemplo, tinham mudado incrivelmente para melhor. Os convocados para aquela posição foram: João Moutinho, Adrien, João Mário, André Gomes, Danilo, William e Renato Sanches. E a história foi outra. Portugal foi campeão da Europa e, dois anos depois, temos jovens craques que podem fazer a diferença em qualquer jogo, como por exemplo Gonçalo Guedes, Gelson, Bernardo Silva, Bruno Fernandes ou André Silva. Por isso, a minha resposta só podia ser esta:
As grandes potências têm muito mais habitantes do que Portugal. A Alemanha tem 80 milhões de habitantes, o Brasil perto de 200 milhões, a Itália tem 60 milhões, Espanha está perto dos 50 milhões, Inglaterra tem 55 milhões, França tem quase 70 milhões. Mas em Portugal, apesar de termos apenas 10 milhões, somos muito melhores do que todos os outros a formar craques. A chave e o pequeno milagre esta aí. Pode haver ciclos em que não saíram tantos como desejávamos, mas nós portugueses somos os melhores na formação.
Esta foi a minha resposta. E, já agora, parabéns a todos os técnicos e olheiros que trabalham na formação de todos os clubes em Portugal. Graças a eles, hoje sonho em ser campeão do Mundo na Rússia.

Caldeirada da semana - Sexta-feira negra
Na sexta-feira, dois jogadores do Sporting, Rui Patrício e Podence, rescindiram os seus contratos com os leões. No mesmo dia, o Parlamento espanhol aprovou a moção de censura apresentada pelo PSOE a Mariano Rajoy, com 180 votos a favor, 169 contra e uma abstenção. Depois de seis anos à frente dos destinos do país, o líder do Partido Popular vai deixar o lugar de presidente do Governo. Mais que uma caldeirada foi uma sexta-feira negra e de autêntico pesadelo para todos os sportinguistas e espanhóis.

Nós lá fora - A proeza do Marco Silva
Depois de treinar o Hull City e o Watford, Marco Silva assinou esta semana um contrato por três anos com o Everton. Muito poucos treinadores no planeta conseguiram um feito assim. Terem no seu currículo que treinaram três equipas num dos melhores campeonatos do Mundo, como é a Premier League, está ao alcance de muitos poucos. O Marco, como português, também fez história, já que foi o primeiro luso que conseguiu esta proeza. Parabéns míster, e muita força para esta nova aventura. 

Álbum de recordações - Parabéns, Bicho!
Desde que cheguei a Espanha, em 1987, para representar o Atlético Madrid, que ganhei mania ao eterno rival dos colchoneros, que é o Real Madrid, e quero sempre que os merengues percam. Como bom compatriota, sempre quis que os jogadores portugueses que vestiram a camisola branca fizessem grandes exibições, mas que a sua equipa nunca ganhasse. No caso do CR7 sempre desejei que ele marcasse em todos os jogos 5 golos e que o Real perdesse 5-6. Na semana passada, na final da Champions entre o Liverpool e os merengues era isto que queria, mas não foi assim e ganharam o jogo. Como já me passou a azia, só tenho de dizer: parabéns Cristiano pela tua quinta Champions League. Impressionante, Bicho!"

Confiança reforçada

"1. A Selecção Nacional mostrou ontem na Bélgica que está no bom caminho. Ainda sem o incontornável Cristiano Ronaldo, Portugal jogou taco-a-taco com a Bélgica, que tem a melhor geração de jogadores das últimas décadas e é uma das candidatas à vitória no Mundial, mesmo não sendo a principal. O ataque revelou mobilidade, o meio-campo coesão e a defesa, finalmente, não abanou. A equipa das quinas passou o teste com distinção e vai apresentar-se na Rússia como campeã da Europa e com a confiança reforçada.

Rui Patrício e o guião de um filme de terror
2. A carta de Rui Patrício, que está na base do pedido de rescisão unilateral de contrato, é uma espécie de visita guiada ao que se passou no futebol do Sporting desde o início do ano civil. Parece o guião de um filme de terror, que, no fundo, confirma muito do que a comunicação social noticiou nos últimos meses. Quem não é fanático ou fundamentalista, e consegue analisar tudo o que se passou com a devida distância, percebe que há apenas duas vítimas nesta história: o capitão de equipa e, claro está, o Sporting Clube de Portugal.

Bruno de Carvalho sem arrependimento
3. Por mais pressões e ultimatos que lhe façam, e o das cartas de rescisão poderá mesmo ser o mais forte de todos, Bruno de Carvalho não vai deixar a presidência do Sporting. De forma alguma! Não se vislumbra no actual presidente dos leões qualquer ponta de arrependimento. A conferência de imprensa de anteontem e a sessão de ‘esclarecimento’ aos sócios em Santa Maria da Feira desfizeram as résteas de dúvidas que poderiam existir. Bruno de Carvalho tem, afinal, orgulho no seu trajecto. Os erros são dos outros."

Que o Sporting ganhe esta guerra

"Por muito que se queira, é impossível passar ao lado do que está a acontecer no Sporting. Ao longo da minha vida profissional, habituei-me a ver o Sporting como um grande rival, daqueles que dá gosto defrontar, pela sua qualidade, pela alma, pela força dos seus adeptos que são, na realidade, ferverosos amantes do clube, que não se poupam a esforços para apoiar o clube. Vivi grandes clássicos com o Sporting, perdi umas vezes, ganhei outras, mas foi sempre com um enorme respeito que o defrontei, porque o Sporting merece e mete respeito. Por ser um clube com um passado riquíssimo, com um ecletismo apreciável e único em Portugal, não merecia passar pelo que está a passar. Nem o clube, nem os seus adeptos, ninguém, enfim, da família sportinguista.
O drama que os jogadores viveram em Alcochete foi algo de abominável, de impensável e com consequências terríveis para o clube e, particularmente, para os profissionais que o defendem e que cometeram o 'pecado' de falhar o segundo lugar na I Liga que dava acesso à Champions. A derrota na final da Taça de Portugal já foi uma consequência dessa agressão bárbara em Alcochete, de que agora começamos a conhecer alguns pormenores sórdidos através da carta de rescisão de Rui Patrício. O guarda-redes do Sporting e da Selecção Nacional está agora a ser alvo da violência psicológica de quem ainda manda nos destinos do clube. E um guarda-redes como Rui Patrício não merecia passar por isto. Por toda a dedicação que sempre teve com o clube, pela boa pessoa que é, pela qualidade que tem e que já serviu para muitos êxitos do Sporting, impondo-se pelo seu trabalho desde o dia em que Paulo Bento resolveu apostar nele contra muitas vozes que logo depois tiveram de se calar. Esperemos que este momento terrível que está a passar não tenha influência na missão de defender Portugal no Campeonato do Mundo.
A Rui Patrício outros companheiros se seguirão a apresentar as rescisões de contrato e naturalmente isto preocupa os sportinguistas, os verdadeiros sportinguistas porque há quem ande a fazer muito mal ao clube. E a grande questão que se coloca neste momento é, como é que isto vai acabar, como é que o Sporting vai sair deste momento tão delicado e tão perigoso para o futuro do clube. Às vezes dá a sensação de que a situação caiu num descontrolo absoluto e que as consequências de algumas bizarrias serão terríveis para um clube histórico de Portugal. Pela minha parte, e sinceramente, desejo que o Sporting ultrapasse este mau momento, pelos adeptos, pelos jogadores, pelos técnicos, e particularmente por Jorge Jesus, a quem deixo aqui um forte abraço de coragem. Que o Sporting ganhe esta guerra."

Dar a cara (e a voz) ao manifesto!!!

Das “fake news” às “mad news”: o tempo dos charlatães

"Corremos o risco de, face à impotência de reformar a Europa, nos tornarmos reféns dos demagogos e charlatães que tudo prometem e nos arrastam para o abismo

O que diríamos ser impossível pode tornar-se real no curto espaço de uma semana, como aquela que passou – e que talvez não seja equiparável a nenhuma outra em tempos recentes. O facto, porém, é que estávamos prevenidos e vacinados e nada deveria já surpreender-nos, incluindo uma sucessão dos mais improváveis golpes de teatro. Ora, esses não faltaram.
Trump declara uma guerra comercial à Europa, Canadá e México quase ao mesmo tempo que confirma o seu encontro com Kim Jong-Un, anulado poucos dias antes; a dupla populista Liga-5 Estrelas acede finalmente ao poder em Itália depois de uma reviravolta suscitada pelas reservas do Presidente Mattarella ao nome de um ministro eurocéptico na pasta da Economia do Governo Conte (o mesmo ministro foi entretanto deslocado para os Assuntos Europeus…); o Governo do PP cai em Madrid após uma moção de censura promovida pelo PSOE e em seu lugar é investido um Governo socialista minoritário (o mais minoritário de sempre da democracia espanhola) com o apoio de uma constelação de partidos com as orientações mais variadas e contraditórias (incluindo os nacionalistas bascos e os independentistas catalães).
Finalmente, a culminar esta semana em que também víramos a chanceler Merkel em Portugal confraternizando muito amistosamente com António Costa, qual é a notícia com que, na sexta-feira à noite, abrem os telejornais da RTP, SIC e TVI? Pois com o último episódio da telenovela do Sporting, ou seja, as primeiras rescisões de contrato de jogadores e um “golpe de Estado” do ainda seu presidente, dissolvendo a Assembleia-geral do clube. Não temos Trump ou Salvini, no campeonato do populismo mais frenético, mas temos, para já, Bruno de Carvalho. É para ele que correm as televisões.
Passámos das “fake news” às “mad news”? Pelo menos, à falta de um charlatão político recorremos a um charlatão futebolístico como figurante mais apetecível no império de charlatães em que o mundo, pelos vistos, ameaça converter-se. De Trump já nada pode vir que nos surpreenda, mas o inquietante é que se trata do presidente da maior potência do mundo e, não por acaso, o seu sósia mais próximo é o congénere norte-coreano – daí o jogo de atracção cultivado por ambos. Ora as referências internacionais mais queridas dos populistas italianos são precisamente Trump e… Putin.
Entretanto, se o caso espanhol é obviamente diverso, não deixa também de ser sintomático das disfuncionalidades democráticas actuais que a sucessão de um Governo minado pela corrupção como era o de Rajoy seja ocupada por uma solução tão frágil e periclitante como é a de Sanchez (para mais, num momento em que a Espanha se vê agitada por convulsões graves como a da Catalunha).
Já se sabe como Trump chegou ao poder – e o mantém, apesar de tudo o que já se sabe e se adivinha – mas o advento dos seus admiradores italianos é a consequência inevitável da onda populista que atravessa a Europa, tendo como álibi a vaga migratória, a burocracia de Bruxelas e o diktat alemão. António Costa teve razão ao dizer perante a sra. Merkel que “quando não respondemos atempadamente aos factores de crise” surgem fenómenos como o populismo, o nacionalismo e o extremismo. Mas a chanceler está demasiado fragilizada no seu país – onde a extrema-direita parlamentar já equipara o nazismo a uma “caganita” da História … – para poder ouvir as vozes da sensatez e assumir a urgência das reformas de que a União Europeia necessita para sobreviver.
A Europa está hoje perante a “quadratura do círculo” como reconhece a própria Merkel, sendo que ela é a protagonista principal dessa quadratura enquanto corremos todos o risco de, face à impotência de reformar a Europa, nos tornarmos reféns dos demagogos e charlatães que tudo prometem e nos arrastam para o abismo. Para nossa pobre consolação, resta-nos Bruno de Carvalho…"

Selecções de memórias

"Não sou o gajo mais patriota do mundo, confesso-vos já. Não sofro daquele amor exacerbado por Portugal que às vezes parece que deixa algumas pessoas tão cegas pelo país que conseguem dizer que a praia de Carcavelos é mais bonita do que as Bahamas, ou que se a padeira de Aljubarrota ainda fosse viva era capaz de acabar sozinha com o conflito israelo-palestiano. Adoro Portugal, não me interpretem mal, mas gosto de manter uma certa largura de horizontes.

Agora, também vos confesso que quando a Selecção joga num Europeu ou num Mundial eu sinto aquilo muito mais intensamente do que racionalmente queria. E é assim que algumas memórias de jogos me ficam guardadas quase com tanta força como a vez em que perdi a virgindade. Mas se calhar isto não é grande exemplo visto que foi tão rápido que me deu menos prazer que o golo do Éder.
Lembro-me bem de quando estávamos a perder 2-0 com a Inglaterra, logo aos 18 minutos de jogo no primeiro desafio do Euro2000. Mas depois Figo. Luís Figo. Não é que o homem me resolve arrancar logo ali de meio campo, vai sozinho, sem GPS nem nada, alça a perna e enfia um bujardão (termo técnico) ao ângulo da baliza do Seaman com tal estrondo que até lhe abanou o bigode. Não satisfeitos – claro, ainda perdíamos -, o Rui Costa pensou “vou fazer aqui uma maravilha de cruzamento ali para o baixote do João Pinto”, ao que este ao ver a bola a vir decidiu ir com a cabeça à altura dos tornozelos dos banais defesas ingleses, naquele mítico “salto à peixinho” e com uma chicotada encefálica mandou a bola para a extremidade da baliza oposta aonde estava. Que sonho de golo. E depois veio Nuno Gomes (não o mais famoso vendedor da Remax, mas sim o nosso avançado que provocava inveja capilar a muitas mulheres) que, com mais uma assistência do Maestro, mandou mais ginja cheia de força para o fundo da baliza inglesa e ganhámos aquilo. Foi épico.
Lembro-me bem desse jogo. Era puto e saí a correr das aulas para ir para casa e estava sozinho a vê-lo, mas foi como se estivesse com os portugueses todos. Foi provavelmente a minha primeira grande memória da Selecção. Depois vieram muitas mais. A mão do Abel Xavier que deixou o país quase tão paralisado como de cada vez que ele mudava de penteado, mas mantinha aquela tonalidade de loiro morto. O João Pinto a transformar-se em Super Guerreiro e a dar um soco no estômago do árbitro – correm rumores que lhe piorou muito o refluxo gástrico desde aí. O Euro 2004. Tudo no Euro2004. Os jogos, as bandeiras, as pessoas. Se o futebol é o ópio do povo, andava tudo tão drogado naquele mês que eu não sei como é que o país não acabou numa overdose gigante. Ah, sei, sei! Fomos ao grego antes que chegássemos a isso. Ou o grego foi a nós, para ser mais preciso.
E muitas mais por aí fora até ao dia de 2016 em que eu fui ao Twitter a meio da tarde e escrevi (juro que é verdade, podem ir confirmar): “E agora ganhávamos à França 1-0 com um golo do Eder?”. O resto é História.
Que este Mundial também seja histórico para nós. Pa’ cima deles, Portugal!"

A Olímpica neovirgindade

"Um País sedado com as disputas da bola foi surpreendido com os inacreditáveis acontecimentos do passado dia 15 de Maio quando um grupo de cerca de 50 adeptos (energúmenos) encapuzados invadiu a Academia do Sporting em Alcochete, tendo agredido jogadores e técnicos e provocado terror e destruição. De uma maneira geral, as mais altas individualidades do País, de acordo com a praxe, apressaram-se a manifestar um veemente repúdio para com aqueles actos de vandalismo criminoso, bem como a demonstrar uma comovente solidariedade para com os jogadores e técnicos do clube. Ficou-lhes bem. E, como já é habitual, sempre que acontecem problemas no futebol, terminaram os discursos recordando o êxito que foi o Euro 2004 de futebol e o ofuscante título europeu conquistado em 2016 que, como se sabe, em matéria de propaganda política do regime, foram efemérides com impacto semelhante à acontecida em 11 de Março de 1945 quando Oliveira Salazar, no intervalo de um desafio de futebol Portugal x Espanha, mandou lançar, de uma avioneta, sobre o Estádio Nacional um panfleto intitulado “… o que nós queremos é futebol”. E, como “o que nós queremos é futebol”, o Sr. Primeiro-ministro, certamente inspirado na douta recomendação sugerida pelo presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) no discurso que proferiu na Conferência sobre Violência no Desporto que aconteceu a 3 de Abril na Assembleia da República, apressou-se a anunciar o remédio para todos os males do desporto português através da constituição de uma Alta Autoridade para o Combate à Violência no Desporto. E, assim, veio à luz do dia mais uma máxima do tempo de Oliveira Salazar que nos diz que quando não se quer ou não se é capaz de resolver um problema cria-se uma comissão que, nestes tempos de pós-modernidade, passou a designar-se por “alta autoridade” que, aos ouvidos do basbaque, soa muito melhor.
O que de mais significativo resulta do vergonhoso caso acontecido na Academia de Alcochete é que a oligarquia político-desportiva nacional percebeu que é necessário que alguma coisa mude para que tudo possa continuar na mesma. Não é assim há dezenas de anos? Nestes termos, para se cumprir a máxima de Lampedusa, um bode expiatório vinha mesmo a calhar a fim de salvaguardar consciências, entreter as massas e penitenciar os pecados do futebol porque, o mundo das finanças que manda nos clubes percebeu que valores mais altos se começaram a levantar. E Bruno de Carvalho que, há muito, já se vinha a pôr a jeito, acabou por ficar ali mesmo à mão de semear. A partir de então, foi um “ver se t’ avias”. E, incrédulos, passámos a assistir a uma procissão de neovirgens que, até aos acontecimentos de Alcochete, nunca tinham visto nada, ouvido nada, denunciado nada, olimpicamente escandalizadas e sem a mínima vergonha a, publicamente, rasgarem as vestes da sua indignação relativamente a um dirigente que, à semelhança do que, tristemente, acontece aos treinadores de futebol, de um dia para o outro, passou de bestial a besta. Todavia, não têm sido poucos aqueles que, insistentemente e de há vários anos a esta parte, têm vindo a alertar para o facto de a Situação Desportiva nacional se encontrar numa perfeita lástima. A título de exemplo recordo só duas crónicas de Vítor Serpa publicadas no jornal que dirige: “A política desportiva do Governo é… bola” (2017-09-13) e “O desporto pelas ruas da amargura” (2017/09/16). Na realidade, não podia ser de outra maneira. Porque, a relação que a generalidade dos políticos, actualmente, tem com o desporto é do tipo infantojuvenil.
Entre as neovirgens que mais me emocionaram destaco aquela que, a 21 de Junho de 1975 (Sábado), como me recordaram Fonseca e Costa, José Carvalho e João Marreiros, à frente de um grupo de energúmenos maoistas, invadiu violentamente a pista de atletismo do Estádio Nacional impedindo o normal prosseguimento do Campeonato de Lisboa de Atletismo. Ao tempo, Moniz Pereira, numa crónica que intitulou de “Sábado Negro…” (cf. A Bola, 1975-06-23) lamentou profundamente aquele acontecimento. No dia seguinte, o campeonato teve de prosseguir na pista sintética do Estádio da Luz. Portanto, o hábito de, violentamente, invadir instalações desportivas já vem dos primórdios do 25 de Abril protagonizado por gente para quem a democracia não tinha, não tem e jamais terá qualquer significado. E os valores do desporto muito menos. Pelo que, hoje, é profundamente ridículo andarem por aí, de lágrimas nos olhos, a botar discurso contra a violência no desporto.
Não sejamos ingénuos. Os dirigentes desportivos não nasceram de geração espontânea. Eles, salvo as devidas excepções, são o produto acabado de um sistema a funcionar em “roda livre” que, numa lógica economicista, sem princípios e sem valores, tomou conta do desporto. Eles estão é preocupados com o “dress code” da cosmética política em prejuízo de quaisquer Políticas Públicas integradas e consistentes que, realmente, promovam o Nível Desportivo do País. Parafraseando Vinícius de Moraes, eles foram levados ao “alto da construção” pelos detentores do poder real e, numa carência profundamente atávica, não resistiram ao usufruto da satisfação de todas as mordomias que lhes eram oferecidas. Mas quando todas aquelas regalias lhes sobem à cabeça e entram em confronto com os deuses do dinheiro vivo que, realmente, mandam no desporto nacional, caem em desgraça e são condenados ao ostracismo porque o espectáculo tem de continuar. Hoje, Bruno de Carvalho, por pecados próprios, sabe bem o que isto significa.
A oligarquia que manda no desporto para além de ser a causa de tudo o que se está a passar é, também, a consequência de uma cultura desportiva em que a generalidade dos portugueses, das mais diversas classes sociais, vive completamente alienada pelo ambiente da clubite esquizofrénica que anima a generalidade dos espectáculos desportivos. A este propósito, José Miguel Júdice escrevia no “Eco.pt” (2018-05-2018): “Um grande político e ainda maior advogado (a quem chamaram “o príncipe da democracia”) não corou de vergonha quando disse em relação a uma situação de alegada corrupção, ‘se o dinheiro é para a Académica, não é crime’”. Ora, se deduzirmos quem foi o “príncipe da democracia” que proferiu tal sentença não nos podemos admirar pelo estado lastimoso a que o desporto chegou em Portugal. Quer se goste quer não, esta é a verdadeira realidade. Trata-se de uma cultura de permissividade e condescendência, espécie de “prisão psíquica” clubística que, profusamente, vemos nas televisões, nos jornais e na net.
Ela foi, há mais de dez anos, bem exemplificada por Leonor Pinhão numa crónica publicada no jornal A Bola (2006-09-15). Contava a jornalista que, nos anos oitenta, viveu uma situação em que o chefe de redacção do jornal (na melhor das intenções e à margem de qualquer interesse pessoal) recusou autorizar uma reportagem sobre um gravíssimo caso de corrupção com o exclusivo propósito de proteger a dignidade e o bom nome do futebol. Esta cultura que passa por proteger o bom nome da “família do desporto”, tem aberto as portas a muitos “passarões” que, hoje, armados em neovirgens, em alternativa a uma forte educação desportiva e consequente cultura desportiva, desejam colocar o desporto a “ferro e fogo” com mais leis, mais controlo, mais polícias, mais acusações, mais tribunais, mais julgamentos e mais condenações. Trata-se de uma perspectiva fascistoide, da qual muitos dirigentes ainda não se libertaram, que caracterizava a organização do desporto antes do 25 de Abril. Ontem, tal como hoje, suas excelências gostam das alegrias da bola mas não gostam de ser incomodadas. A violência não se combate com mais violência. No desporto, a violência combate-se, fundamentalmente, com mais educação e mais cultura. Por isso, em alternativa ao discurso da coerção judiciária, de acordo com a Carta Olímpica, é a defesa da educação e da cultura no processo de desenvolvimento do desporto que esperamos ouvir nos discursos dos dirigentes desportivos.
O problema do desporto nacional é que as neovirgens que, agora, lançam lancinantes gritos de indignação não são nem melhores nem piores do que a generalidade dos dirigentes desportivos que desejam ostracizar. Elas são, tão só, uma das consequências do estado de hipocrisia política a que o País chegou. Especialistas em “portas giratórias” têm ocupado as mais diversas situações político-administrativas, muitas vezes em regime de acumulação, sem que, verdadeiramente, alguma vez, se tenham interessado por resolver o que quer que seja a não ser questões relativas aos seus próprios interesses. No seu oportunismo, elas são tanto as causas como as consequências do lastimoso estado em que o desporto se encontra.
Por isso, seria extraordinário que a resolução dos problemas de um clube estivesse só na demissão de um dirigente. Se assim fosse, era só correr com ele. Infelizmente, regra geral, os problemas estão tanto nas lideranças vigentes quanto naqueles que as desejam substituir. São problemas sistémicos e endémicos que ultrapassam as próprias organizações já que têm sobretudo a ver com a desorganização e falta de orientação política, do ensino ao alto rendimento, do Sistema Desportivo. 
Entretanto, com Bruno ou sem Bruno, como é habitual, o País está prestes a voltar à natural letargia da cultura de rebanho que o caracteriza. Quer dizer, vai entrar em modo selecção nacional pelo que os portugueses já estão a ser objecto de mais uma lavagem ao cérebro através da promoção da selecção nacional de futebol e do Campeonato Mundial da FIFA (2018) que decorrerá na Rússia de 14 de Junho a 15 de Julho.
E, ainda bem porque, de facto, aquilo que os portugueses mais querem é bola. E, como arguiu Vítor Serpa, o Governo dá-lhes."

Benfiquismo (DCCCXLVII)

Duas lendas !!!

Circus Lagartus - XVII episódio