Últimas indefectivações

quarta-feira, 13 de julho de 2016

A fé de Fernando Santos

"Passados estes dias de justificada euforia e de orgulho pelo ceptro europeu, decanto, aqui, um acontecimento que em mim permanecerá. Como português e como católico. Refiro-me ao agradecimento que, premonitoriamente, Fernando Santos fez muito antes da final ganha. Num tempo em que não acreditar é mais fácil do que crer, num tempo em que a nova moda é o ateísmo relativista, num tempo em que tanta gente prefere o absurdo ao mistério, o material ao espiritual, o instante ao permanente, num tempo, enfim, em que expressar-se publicamente como católico e dar testemunho de fé quase exigem coragem, Fernando Santos disse-nos, de alma aberta e livre, que para um verdadeiro cristão não existe diferença entre o pensamento, o coração e a oração. Desta maneira: «Em primeiro lugar e acima de tudo, quero agradecer a Deus Pai por este momento e tudo aquilo da minha vida [...]. Por último [...) falar com o meu maior amigo e sua mãe. Dedicar-Lhe esta conquista e agradecer-Lhe por ter sido convocado e por me conceder o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado. Espero e desejo que seja para glória do Seu nome».
Fernando Santos não é um treinador católico, pois que católico não é nele um adjectivo, antes um substantivo. Por isso ele é treinador no trabalho e é católico na vida. Um homem que se deixa iluminar pela luz da fé, com a audácia da esperança e a fortaleza da generosidade, e que sabe que, sem Deus, nada é completo.
Aplicam-se-Ihe as palavras de Bento XVI, ditas em Portugal: «fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza»."

Bagão Félix, in A Bola

Maracanazo dos tempos modernos

"São muitos os episódios à volta do dia em que a confiança insolente de um povo foi confrontada com aquilo que o antropólogo Roberto DaMatta considerou "a maior tragédia da história contemporânea do Brasil". A lenda do Mundial de 1950 tem um enorme protagonista: Obdulio Varela, o capitão que, contra a evidência de um circo romano em que os uruguaios seriam as vítimas, criou uma contracorrente emocional decisiva. Diz-se que, em plena cabina, pegou no jornal 'O Mundo' e, depois de ver a capa, lhe urinou em cima. Havia um motivo: a foto da selecção canarinha era gigante e enquadrava a frase "Estes são os campeões mundiais". Quando as equipas, se formaram para o registo da praxe, 'El Negro Jefe' ficou furioso com os repórteres fotográficos que foram, quase todos, para o lado errado da história. Gritou ofendido: "Deixem esses macacos em paz e venham para aqui. Tirem fotografias, sim, mas aos campeões, que vamos ser nós:"
O sucesso de Portugal, que não precisou de um chefe como Obdulio, começou quando Fernando Santos fez os seus soldados acreditarem nas ideias, no estilo e nas prioridades do futebol que escolheu. Pacho Maturana, o 'Sacchi dos Trópicos', afirmou que "temos de morrer sem nos atraiçoarmos", alertando para a necessidade de os treinadores não abdicarem do que pensam face a pressões ou fracassos iminentes. FS resistiu à mudança mas acabou por moldar algumas linhas orientadoras do guião sem beliscar as suas mais íntimas convicções. Chama-se a isso bom senso. 
Pouco importa agora incidir a reflexão da vitória no Euro se o futebol de Portugal devia ter calibrado melhor ordem e entusiasmo; disciplina e liberdade; luta e criatividade; responsabilidade e irreverência. Se, no fundo, o talento não permitia tomar decisões mais ousadas quando confrontado com ter ou não ter bola; jogar com esperança ou receio; fazer do jogo uma festa ou uma guerra. FS definiu um rumo e todos, incluindo os principais artistas, se comprometeram com as suas opções. A Seleção foi uma equipa temível, por ter coordenado todos os elementos que influenciam o colectivo e pela cumplicidade entre comando e comandados, prova de que só acreditando no líder o treinador consegue transmitir o que pretende e os jogadores aceitam o rumo que lhes é dado.
FS resolveu alguns problemas corrigindo o primeiro instinto: Renato, Adrien, Cédric e Fonte acabaram titulares; o 4X3X3 foi mais utilizado do que seria de esperar e Éder pôde aplicar o tiro mais importante da história do futebol português. O resto foi não dar crédito às imbecilidades de ex-jogadores e comentadores franceses; sorrir perante as certezas irreflectidas do senhor que tira macacos do nariz e põe na boca; venerar o apoio dos emigrantes e não cometer erros. Nunca cometer erros. Acima de tudo, Portugal foi uma equipa competente, que nunca ofereceu, por exemplo, penáltis como o de Schweinsteiger, muito menos reeditou as falhas infantis de Kimmish e Neuer que empurraram a França para a final. O futebol da Selecção não deslumbrou. Mas a paixão, enquadrada por estratégia bem assimilada, também pode ser um espectáculo deslumbrante.
No Stade de France, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, cumprimentou sorridente a equipa portuguesa, deu os "parabéns" a FS e não manifestou sinais de surpresa no momento da festa que silenciou Paris. Já Jules Rimet, líder da entidade máxima do futebol em 1950, grato pela organização do Mundial canarinho, terá afirmado num círculo de amigos: "Estava tudo previsto naquela tarde, menos a vitória do Uruguai." Lá tinha as suas razões: entregou a Taça a Obdulio Varela na cabina porque, no relvado, hão houve condições físicas e emocionais para fazê-lo. Em Saint-Denis não se chegou a esse extremo. O espírito do Maracanazo esteve lá, é certo. Os tempos é que são outros."

Figo-Rui Costa 'vs.' Raphael-Renato-Éder

"Podemos recuar a Eusébio, Coluna, Hilário, Vicente, Jaime Graça, José Augusto, Torres, Simões - 3.º lugar no Mundial-66, meia-final perdida (2-1) com Inglaterra que jogou em casa e seria campeã, Eusébio estrela universal, rei dos goleadores (9 golos em 6 jogos). Geração de ouro - vincou excepcional Benfica bicampeão europeu e 3 vezes vice-campeão, bem como o Sporting vencedor da Taça das Taças -, a qual, porém, vítima de amadorismo na FPF, não voltaria a qualquer fase final! 
Podemos lembrar Humberto Coelho, António Oliveira, João Alves, elite que a Selecção desperdiçou. E a geração de Bento e Damas, Jaime Pacheco e Sousa, Diamantino e Carlos Manuel, Fernando Gomes, Nené, Manuel Fernandes, sobretudo de Chalana e Jordão - 3.º lugar no Europeu-84, meia-final perdida (3-2) no prolongamento com França campeã. Geração dilacerada por dentro, na mesquinhez de clubite Benfica-FC Porto, e que, no Mundial-86, reforçada com o menino Paulo Futre, caiu de borco em guerra total com a direcção federativa!
E a Selecção-2012, a um triz da final... (penalties com Espanha campeã). Mas lembramos, sobretudo, a 2.ª geração de ouro, erguida em dois títulos mundiais de sub-20, liderada por Figo, Rui Costa, Vítor Baía, Paulo Sousa, João Pinto, Fernando Couto, Jorge Costa: 3.º lugar no Euro-2000, e, ainda com alguns deles ao lado de novas estrelas - Ricardo Carvalho, Jorge Andrade, Deco, Costinha, Maniche, Ricardo, Nuno Gomes, Pauleta e... o menino Ronaldo - 2.° no Euro-2004, 4,º no Mundial-2006. Esta geração perseguiu a fundo o grande sonho e tão pertinho esteve de o alcançar... Que sentirão agora Figo, Rui Costa & companhia, vendo os recém-chegados Cédric, Raphael, Fontes, William, Danilo, Adrien, Renato, Éder... serem, logo à 1.ª, campeões da Europa?!"

Santos Neves, in A Bola

Ó mar salgado, quanto do teu sal [voltam a ser] lágrimas de Portugal

"PARIS - Decidi escrever mais um Sous Le Ciel de Paris, porque ontem, já em Orly, apercebi-me, depois de ler a Imprensa francesa, de que ainda havia alguma coisa que estava por dizer. Mas, antes disso, não posso deixar de partilhar a emoção que foi ver, a quase dois mil quilómetros de Portugal, a festa de Lisboa, uma celebração com uma dimensão inédita no nosso País, um sentimento de pertença e de união comovente.
Um sentimento de amor pela Pátria. Um sentimento feito de coisas positivas, sem amarras a um passado que procurou colar essa ideia a outras práticas. Não me envergonhei nunca do orgulho que tenho em ser português, da ancestralidade do nosso legado, do que demos ao Mundo e de quem somos. Mas, durante décadas, este sentimento puro foi muitas vezes - estupidamente - confundido com reaccionarismo. Qual quê. É o que somos, quem somos! E acaba por ser a Selecção Nacional a estar na primeira linha da destruição deste complexo contranatura que impedia muitos de gritarem o amor à Pátria.
Com a vitória de Portugal no Campeonato da Europa de 2016, o imaginário pessoano foi recuperado e podemos de novo cantar, «Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!» Porque em cada canto do mundo onde há portugueses ou onde a cultura portuguesa significa alguma coisa, derramaram-se lágrimas de felicidade, lágrimas há muito contidas e que serão recordadas para todo o sempre. Quem viveu o 10 de julho jamais o esquecerá. E a maré encheu com as lágrimas salgadas de Portugal.
Quase não tenho palavras para a imagem fortíssima que foi ver Xanana Gusmão, um dos heróis do Portugal moderno, que dá novos mundos ao mundo e defende a liberdade e os direitos humanos, em Dili, sentado na janela de um automóvel a celebrar os heróis de Saint-Denis. O mesmo Xanana a quem tive oportunidade de oferecer, nas faldas do monte Ramelau em Timor-Leste, um emblema de ouro de A BOLA e que me disse: «A BOLA é um grande jornal, representou sempre muito para nós.»
Além deste turbilhão de emoções, confesso que foi com agrado que acabei de ler as edições de terça-feira do L'Équipe, do France Football e do Le Monde. Em todos eles, a contragosto, como se lhes estivessem a arrancar a pele, encontramos o reconhecimento ao mérito de Portugal, à excelência da liderança de Fernando Santos (sublime o artigo de António Bagão Félix, que já li, e que se encontra na página dois desta edição), ao primado da ideia que sempre balizou o percurso da turma das quinas e à liderança de Cristiano Ronaldo, a inspiração de um um grupo que, noutros tempos, valeria, por certo, um Canto d'Os Lusíadas."

José Manuel Delgado, in A Bola

A taça e as traças

"Entre as ridicularias de alguns opinadores, bloggers e outros adeptos franceses com as suas 'dégueulasses' (faz mais sentido, já agora, traduzir esta palavra por 'perverso' ou 'sujo', do que insistir no 'nojento'), as suas petições para a repetição da final (o jogo tem sido reproduzido nas televisões e Portugal ganha sempre...), as suas comichões homofóbicas ou as suas azias mal disfarçadas - e o tempo perdido por muitos portugueses a indignar-se e a responder (alguns na mesma moeda...) a estas opiniões ignorantes e retardadas, nem sei dizer quem faz a figura pior. A Selecção Nacional é campeã europeia com todo o mérito, desde logo porque ninguém ganha uma competição destas sem o ter, e ponto final. Só isso interessa. O resto são 'fait-divers'.
O futebol da Selecção não teve 'nota artística', mas teve 'nota técnica' e 'nota táctica', sobretudo esta última. Portugal defendeu muito? Sim, mas também atacou muito. Aliás, o grande mérito desta equipa foi saber defender com todos e atacar com todos. Ninguém se limitou a lutar pela sobrevivência. Houve paciência e concentração para deixar os adversários subir no terreno, não lhes dar espaço de (grande) manobra e roubar-lhes a bola para iniciar o contragolpe. A táctica resultou, porque todos a souberam interpretar bem e foram eficazes na hora das decisões.
Não foi melhor, nem pior. Foi diferente o jogo português. Pragmático e cínico, sim. E qual é o mal? É deixá-los falar. A taça está cá e as traças ficaram lá."

Santos, Ronaldo & associados

"A Selecção Nacional é campeã da Europa de futebol porque tem uma identidade muito própria. Com Fernando Santos sabemos quem somos: uma equipa organizada e disciplinada, com sentido estratégico e talento colectivo. Depois, Fernando Santos é daqueles treinadores que conta com a estima, o respeito e a admiração dos seus jogadores - aliás, nunca vi Cristiano Ronaldo elogiar tanto um treinador como o faz com ele. Fernando Santos sabe de futebol - atente-se na sua visão no momentos das três substituições na final com a França, o que evidencia sabedoria - e sabe ser líder. Atente-se na sua gestão ao longo de todo o percurso que encerrou com o título europeu, confirmando aí que a nossa equipa tem um líder e tem um rumo, um líder que sabe transcender-se nos momentos mais difíceis - e como eles foram tantos durante toda esta nobre competição.
A Selecção Nacional chegou ao título europeu porque provou, em cada um dos seus jogos, que temos uma equipa segura. Uma equipa que entende o jogo de forma a que nada a surpreenda e que tem um treinador que tem a rara capacidade de preparar atletas que se lideram a si próprios nos momentos de alta pressão, como se viu ainda na final de domingo, e sobretudo depois da saída de Cristiano Ronaldo um líder natural, especialmente pela capacidade de contagiar os outros, mas também porque é um líder moral ao influenciar as atitudes dos seus colegas. Mas de Cristiano Ronaldo deve ainda dizer-se que é também o líder do espectáculo e do 'perfume' que, com os anos, se tornou também um líder de comportamentos. O que só lhe fica bem.
Nestes momentos de orgulho nacional, uma palavra para os outros 22 jogadores que souberam formar uma equipa de hábitos e intencionalidades, que souberam ser solidários e eficazes nas suas tarefas; e é por tudo isto e por nada disto que temos Selecção, uma Selecção que foi modelada por Fernando Santos e pensada por Fernando Gomes, que nos enche de orgulho, e isso é que é importante, num país que bem precisava deste colinho tão bom, mas que dispensava ainda mais o aproveitamento de alguns, afinal, o aproveitamento dos do costume."

Mundial é um objectivo obrigatório

"O estatuto que Portugal passou a ostentar após a memorável jornada do Stade de France não lhe permite outra coisa que não seja assumir, quando chegar a hora certa, o objectivo de lutar pelo próximo Campeonato do Mundo, na Rússia. É um desafio gigantesco, o maior de todos, mas o campeão europeu não pode ficar de fora da lista de candidatos. Não há pressas nem angústias porque o momento é para desfrutar e também porque 2018 ainda vem longe. Pelo caminho há muito a fazer e o primeiro passo de todos - assim que a euforia acalmar e for altura de voltar a arregaçar as mangas - será confirmar a renovação de Fernando Santos. Depois disso, então sim, surgem duas etapas pré-Mundial. 1.ª: a qualificação para o próprio Campeonato do Mundo, obviamente. 2.ª: a primeira participação na Taça das Confederações, que decorrerá entre 17 de Julho e 2 de Julho de 2017.
Há uma base extraordinária para atacar os próximos dois anos, talvez os mais aliciantes e sedutores na longa vida da Selecção Nacional. Os mais velhos do onze que disputou a final de Paris são Pepe, José Fonte e Cristiano Ronaldo. E esses terão, no Mundial da Rússia, 35, 32 e 33 anos respectivamente. O caso do central do Real Madrid poderia ser o único a suscitar algumas dúvidas. Mas se Pepe é hoje, aos 33 anos, o melhor central do Mundo, então há boas razões para acreditar que em 2018 ainda será indiscutível. O mais fantástico de tudo, no entanto, é saber que aqueles que vão assegurar o futuro também já ajudam a garantir o presente. Sobre Renato Sanches já quase tudo se disse. Talvez só falte dizer que se tornou impossível fazer planos a longo prazo que não o incluam. Pensar que ainda há poucas semanas havia tanta gente ilustre a duvidar das condições do jovem médio para ser titular neste Europeu... Acontece aos melhores, claro."

Benfiquismo (CLX)

Taça Ibérica

Uma daquelas Taças oficiais...
organizada pela FPF e a RFEF...
entre o Campeão Português e o Campeão Espanhol,
que o Benfica venceu...
1984

Orgulho nacional

"Aprendi, ao longo da carreira, que para ser árbitro competente e imparcial, deveria ser o mais pragmático e racional possível, em campo. Embora as emoções estejam sempre presentes, estas devem ficar guardadas para o homem, para o amante do futebol que há em cada árbitro. Mas essa linha, a que separa essas realidades, é ténue. A capacidade de a traçar, sabendo que ela quase se confunde, é a que distingue o bom do excelente. Nesta ou em qualquer carreira.
É certo que seremos sempre o resultado da competência e do saber com as inerências emocionais, mas há profissões em que apenas a razão devia impor-se, deve decidir, com distanciamento das tentações que o coração tantas vezes nos tenta impingir. É assim na arbitragem como na advocacia, na magistratura, na medicina e em tantas áreas.
No domingo, o ex-árbitro Duarte Gomes torceu pelo seu colega inglês e equipa. Torceu para que ele fosse competente, para que tivesse noite feliz e para que soubesse encontrar a sorte. Torceu para que ele acertasse muito e para que não ficasse ligado ao resultado.
No mesmo domingo, o Duarte Gomes pai, filho, irmão, amigo e colega de muita gente, quis que Portugal vencesse. Quis que Portugal derrotasse a França, sem dó nem piedade. Quis que Portugal desse a chapada de luva branca que a humildade devia à prepotência. Quis que Portugal representasse a vitória dos oprimidos contra os opressores, da crença e do querer contra o chauvinismo e a arrogância. No domingo, o Duarte Gomes homem quis que Portugal vingasse derrotas do passado e que fosse campeão europeu. Conseguem compreender o dilema ao ver aquele jogo, enquanto trabalhava? A luta interior que foi analisar com a razão sem sucumbir aos desvarios da emoção? Era a arbitragem de uma das mais importantes finais desportivas do planeta, em que uma das equipas presentes era a Selecção de todos nós! Sabem uma coisa? Não foi tão difícil quanto imaginei. Foi até bem mais fácil do que supus. Quando os anos e a experiência ensinam a separar a razão do coração, tudo se torna mais fácil. E essa é uma dívida que jamais poderei pagar à arbitragem. Uma de muitas. 
Mas a história, por estes dias, não se escreve com páginas sobre árbitros. Não deve nem pode, aliás. Escreve-se pela brilhante etapa que uma geração ultrapassou em nome de um povo. Um povo que há muito merecia alegria assim, que lhe devolvesse a esperança e que lhe transmitisse mensagem: a de que quando a vontade é grande, não há obstáculo, dor ou medo que não se ultrapasse, que não se vença ou que não se supere.
Well done, boys. E obrigado..."

Duarte Gomes, in A Bola

Ronaldo: herói e mártir

"Quando Cristiano Ronaldo disse que queria vencer o Campeonato da Europa para dar uma prenda ao povo português terão sido poucos que lhe deram importância. Pelo contrário, foi criticado por estar a banhos em Ibiza quando os companheiros já trabalhavam no Jamor, sem se dar conta que acabara de triunfar na Liga dos Campeões com a camisola do Real Madrid. Ele e Pepe gozavam o descanso merecido e concedido pelo seleccionador. Confesso que também eu não me fixei nessa declaração que era o anúncio do momento encantador que estamos a viver. Classifiquei-a, na altura, como simples gesto de simpatia da parte de quem desfrutava a terceira Champions da carreira. Avaliei mal a situação, porém. Erro meu, por não ter levado em devida conta que Ronaldo é viciado em vitórias e em títulos e obstinado em conseguir sempre mais e melhor, revelando uma ambição sem limites na descoberta de patamares suficientemente elevados que lhe permitam tocar a perfeição.
Este foi o Europeu que Ronaldo quis oferecer a todos os portugueses e aquele em que muito se sacrificou para alcançar esse objectivo. Ultrapassada a barreira dos 30 anos, sentiu que, provavelmente, se lhe deparava a derradeira oportunidade de alcançar conquista de grande dimensão internacional pela Selecção. Se já era o melhor jogador do Mundo, a partir de agora deve ser visto também como o melhor capitão do Mundo, a extensão perfeita de um treinador junto do grupo de jogadores.

Ronaldo foi o guia, dentro e fora do campo. Foi o arquitecto da ponte de amizade que se estabeleceu entre a Selecção e a maravilhosa comunidade lusa em França. Foi o psicólogo que levantou o moral de companheiros em períodos críticos, como a história da grande penalidade apontada por Moutinho no jogo com a Polónia e o empurrão revitalizador ao esgotado Raphael Guerreiro, com a França. Foi amigo de todos nos treinos, com infinda disponibilidade para dar sorrisos, abraços e afectos. Na noite de domingo, ao lado do seleccionador, no banco de suplentes, foi sofredor e o braço direito de Fernando Santos na ajuda que lhe deu no envio de mensagens de confiança e de motivação para o interior do recinto de jogo.
Depois das lágrimas do capitão provocadas pela lesão e consequente saída de cena, depressa emergiu a tal força de acreditar que emprestou a esta equipa portuguesa uma solidez granítica na defesa dos seus interesses desportivos, além de contar com a comovente cumplicidade de milhares de portugueses e portuguesas, os quais viram o seu inestimável apoio recompensado quando Ronaldo ergueu o almejado troféu.

A nossa Selecção apresentou-se em Paris, não para estragar a festa dos franceses, mas sim para fazer a festa dos portugueses e para provar que apesar de ser um país pequeno em superfície é, confirmadamente, uma potência do futebol mundial. Estivessem os nossos governantes ao nível dos nossos futebolistas em talento, dedicação, garra e vontade de ganhar, de certeza que em Bruxelas olhariam para nós com mais respeito...
Ronaldo assumiu-se como líder e, além disso, foi o maior dos heróis. Pelo que jogou, apesar das pesadas consequências de temporada exigente, disputada ao mais alto nível e em cenários muitas vezes desfavoráveis, e pelo que representou na Selecção e no relacionamento com o povo. No entanto, pagou factura pesada pelo facto de ser a grande referência de Portugal.
Na conferência de imprensa da projecção do jogo, Didier Deschamps teve duas frases enigmáticas:
1. «Se existe plano anti-Ronaldo ninguém sabe a receita»;
2. «Neutralizar Ronaldo seria perfeito, mas reduzir a influência que tem na Selecção de Portugal já seria bom».
As palavras são dele e trago-as à colação sem qualquer intuito bacoco, mas não deixa de ser um raio de coincidência a entrada desabrida de Payet precisamente sobre o joelho mau de Ronaldo: o esquerdo. Não quero insinuar sequer que houve a intenção por parte do jogador francês de excluir o capitão português do palco do jogo em maca, de o transformar em mártir da arrogância gaulesa, mas acredito na intenção de entrada rijinha para provocar dor e inibição. Não significa que tenha sido assim, mas os treinadores que se dão ao trabalho de me lerem sabem que não estou a dar nenhuma novidade... Há quem recorra a esses estratagemas com a ideia de fragilizar o opositor.
Enfim, como prémio de consolação Payet aparece no primeiro lugar do barómetro da UEFA. Tenham paciência... O novo campeão da Europa é Portugal: Ronaldo quis, Santos acreditou e a obra nasceu."

Fernando Guerra, in A Bola

Obrigado, Bekim Balaj

"Há outro herói ignorado na história do primeiro título europeu de Portugal

Ontem, durante a inevitável viagem diária pelas redes sociais, reparei num agradecimento recorrente a Arnór Ingvi Traustason, o simpático médio que garantiu o triunfo da Islândia sobre a Áustria no último segundo da derradeira jornada da fase de grupos, atirando Portugal para o terceiro lugar e, com isso, afastando a Selecção Nacional dos tubarões. Claro que agora é fácil dizer que os tubarões não assustam ninguém, mas não fica mal o reconhecimento, até porque um tubarão por Europeu chega muito bem para encher barriga. Entretanto, e já agora que estamos em maré de agradecimentos, provavelmente faz mais sentido agradecer a Bekim Balaj. Quem? Bekim Balaj, o albanês que marcou o único golo do primeiro jogo da fase da apuramento para o Europeu. Graças a ele, Portugal perdeu contra a Albânia. Foi, aliás, o último jogo que perdeu: Fernando Gomes decidiu não esperar mais e chamou Fernando Santos, que trouxe com ele este realismo mágico que nos traz a todos com um sorriso pateta no rosto desde domingo à noite. Então cá fica: um muito obrigado a Bekim Balaj, onde quer que esteja."