Últimas indefectivações

terça-feira, 28 de agosto de 2018

19 contos e uma taça de latão

"Falemos aqui da primeira viagem do Benfica à Grécia, no final de Agosto e princípio de Setembro de 1973. Foi precisamente em Salonica que os encarnados se estrearam. E como duas vitórias convincentes: 3-1 ao Olympiakos e 2-0 ao Aris garantiram a vitória no Torneio de Salonica

Em 1973 já o Benfica viajara um pouco por todo o mundo mas nunca fora à Grécia. No final de Agosto, início de Setembro, avançou para uma digressão que compreendeu três jogos, dois precisamente em Salonica e mais um em Atenas. Os resultados foram inequívocos: duas vitórias e um empate - Olympiakos (3-1), Aris (2-0) e Olympiakos (1-1).
Pormenor curioso: o Olympiakos veio a ser o adversário dos encarnados na primeira eliminatória da Taça dos Campeões desse ano. E voltou a amargar: 1-0 e 1-0 para o Benfica.
Porque vem a propósito vamos ver o aconteceu em Salonia na primeira vez que Dona Águia aí pousou.
A estreia, frente aos homens do Pireu, correu de forma tranquila.
Jimmy Hagan resolveu fazer uma experiência: meteu Humberto Coelho na frente de ataque, com o apoiou de Nelinho e Moinhos. Em cheio: Hemberto marcou os três golos!
A equipa apareceu em campo com esta disposição: José Henrique; Artur, Malta da Silva, Messias e Adolfo; Rui Rodrigues, Toni e Simões; Nelinho, Humberto e Moinhos. Depois Bento substituiu José Henriques, e Nené e Vítor Martins entraram para os lugares de Moinhos e Rui Rodrigues.
Toni encheu as medidas de toda a gente. A vitória benfiquistas foi irretocável como um quadro de Matisse. Os gregos geralmente eivados do mais fanático nacionalismo, renderam-se à superioridade portuguesa. Mas, enfim, o adversário fora o Olympiakos, vindo lá da beira de Atenas, a capital, nem sempre bem recebido nas viagens ao norte da Grécia.
Salonica ou Tessalónica (significa 'vitória sobre os tessálios'), capital da Macedónia, a original, de tal ordem que o país que saiu da dispersão da Jusgoslávia até já teve de alterar o nome. Tessalónica: assim se chamava a meia-irmã de Alexandre, o Grande, baptizada por seu pai, Filipe, no dia preciso da batalha que travou contra os tessálios, seus vizinhos.
É na segunda cidade da Grécia que o Benfica decidirá o futuro na Liga dos Campeões deste ano.

Frente ao Aris
Esperava-se maior agressividade grega no segundo jogo do Torneio de Salonica que opôs o Benfica ao Aris, de seu nome, completo, em honra de Aris, o rival de Hércules.
Humberto Coelho voltava a jogar como ponta-de-lança. A equipa que entrou no Estádio Kleanthis Vikelidis ia assim formada: Bento; Malta da Silva, Bastos Lopes, Messias e Adolfo; Vítor Martins, Bernardino Pedroto e Simões; Nelinho, Humberto e Artur Jorge. Depois, José Henriques, Moinhos e Nené entraram para os lugares de Bento, Nelinho e Artur Jorge.
Era um Benfica capaz de apostar em jovens como António Bastos Lopes, que faria uma grande carreira no clube, ou Bernardino Pedroto, que fez neste jogo a sua estreia com a camisola encarnada mas que não viria a ter muito futuro na Luz. Mas a verdade é que marcou um dos golos da vitória por 2-0 sobre o Aris (o outro foi de Messias) e contribuiu decisivamente para a conquista de uma grande taça em latão e para o prémio de 19 contos para cada jogador do Benfica.
Em Atenas, dois dias mais tarde, um empate com o Olympiakos a um golo fechava a primeira viagem benfiquista à Grécia. Simões, de penálti, ainda deu vantagem aos lisboetas, mas os atenienses viriam a empatar a dez minutos do fim.
Em Portugal, preparava-se o jogo da festa de despedida de Eusébio. Seria marcante nessa época: implicaria a saída de Hagan em conflito com a direcção. Mas isso, como diz o povo de Ois da Ribeira a Santiago de Riba Ul, já  são outros quinhentos. E ficam para segundas núpcias."

Afonso de Melo, in O Benfica

Dois pés que caminhavam juntos

"O Clube que além do desporto, amava o teatro

Em 1917, o Clube, entendendo que a arte eleva o espírito, apoiou a fundação do Grupo Dramático do Sport Lisboa e Benfica. Com Cosme Damião como presidente e director de cena, assistiu-se ao desabrochar dos amadores da cor rubra na arte de representar. Desde então, a par da dedicação incansável ao desporto, o amor ao teatro foi uma constante. Um exemplo dessa dupla faceta foi Eugénio Salvador que ora chutava a bola, ora 'vestia a pele' de uma personagem, tendo mais tarde optado pelo teatro, mas mantendo sempre ligação com o Clube.
Havia uma amizade tão bonita e autêntica entre os artistas e os jogadores que quando algum dos amigos precisava de apoio, lá estava o outro para o que desse e viesse! Aquando da disputa da Taça Trabalhadores do Teatro, em 1922, atletas como Cosme Damião e actores como Vasco Sant'Ana uniram-se em jogos em prol da Associação da Classe dos Trabalhadores do Teatro. Noutra ocasião, para que o antigo Estádio se erguesse, foi significativa a dedicação de diversos personalidades como Amália Rodrigues, Artur Agostinho e Félix Bermudes, então antigo presidente do Clube, escritor e dramaturgo.

Espontaneamente foi crescendo o número de benfiquistas a pisar o palco. E em finais de 50, é contratado o técnico Humberto de Ávila, que contava com 105 aspirantes e actores! Houve um trabalho intensivo na formação em expressão dramática para, no ano seguinte, no mês do desabrochar das flores, o Grupo Cénico do Benfica se apresentar, pela primeira vez, no palco do Clube Estefânia, contando com dezenas de benfiquistas na assistência. Que emoção!
Durante décadas, organizaram-se espectáculos, sessões culturais, palestras e conferências, quer nas próprias instalações, quer em teatros como o São Luiz, e também se estabeleceram parcerias para a obtenção de descontos nos bilhetes.

De facto, o Teatro e o Benfica andavam bem juntinhos. Até os jogadores, depois dos treinos, iam no autocarro do Benfica assistir a espectáculos! Um casamento perfeito, dois pés diferentes, de proporções ergonómicas distintas, mas que caminhavam com o mesmo fervor, suor e vontade, almejando alcançar a glória naqueles breves minutos, que sabem a segundos, pisando as tábuas e ao mesmo tempo o macio relvado, sob o olhar atento dos espectadores. Ter um coração rubro dá para estas coisas...
Para este e outros voos culturais, visite a área 16 do Museu Benfica - Cosme Damião."

Paula Antunes, in O Benfica

Sabe quem é? Polícia bateu, desmaiou... - Artur Santos

"Confusão com o Sporting e golo que não devia no primeiro dérbi na Luz; Guttmann tirou-lhe a Taça dos Campeões

1. Andava-se por Março de 1959, o Benfica perdeu em Alvalade por 2-1 - e foi essa derrota que abriu caminho ao título que o FC Porto ganhou (no ano do caso Calabote). Sim: esse foi dérbi escaramuçado - sendo ele (que nascera 28 anos antes em Paço de Arcos), uma das suas vítimas (levado em maca para o balneário até...)

2. O Sporting já estava em vantagem - a bola saiu, Manuel Libório, o apanha-bolas que era vendedor de gelados, não lha quis dar - Ângelo correu pela pista para lha arrancar, o Libório escorregou e caiu e multidão que se acotovelava na pista buliu em ira a imprecação. Pouco depois, de falta sobre Travassos, saiu a expulsão do Ângelo - e logo houve quem o agredisse no frenesim da pista. Em sua defesa, saltou o seu defesa-direito - que levou cacetada da polícia e ficou, logo ali, estendido no chão. «Tivemos de ser nós, os jogadores do Benfica, a colocá-lo numa maca, e levá-lo para o balneário». (E sim, era ele...)

3. Era ele - o filho dos donos de um lugar de venda de frutas e hortaliças no Mercado de Paço de Arcos (que ao entrar para a escola, passara a andar quase sempre com uma pequena bola de borracha no bolso dos calções). À mãe desagradava-lhe a «loucura», ao pai não - sonhava vê-lo no que foi.

4. Aos 13 anos foi, como aprendiz, para uma oficina de serralheiros mecânicos - sem deixar de se atirar, fora do trabalho, às jogatanas com os amigos. Um deles lançou-lhe desafio para formarem um clube. Chamaram-lhe Os Onze Unidos de Paço de Arcos - as quotas era feitas à mão, os equipamentos comprados com o dinheiro que de dava para o monte.

5. Doutra vez o desafio que o amigo lhe atirou, brusco, foi diferente. «O que eu gostava era de ir para o Benfica e que tu fosses comigo para lá. Deu-lhe em troco: «Para o Benfica? Deves estar a sonhar!» Natividade trocou-lhe ao sentimento: «És um medroso. Custa alguma coisa a gente chegar lá e pedir para treinar? Até já sei o dia em que vai haver testes...»

6. No dia certo, meteram-se ambos no comboio - e apanharam o eléctrico para o Campo Grande. Recebeu-os Cândido Tavares - e, no final do teste, exclamou-lhes: «Vão já tratar de fazer a vossa inscrição à secretaria - para se estrearem no próximo jogo!» Assim chegou aos juniores do Benfica. Um ano depois, puxaram-no para as reservas (e largou a serralharia).

7. Foi para a tropa - e, estando-se já em 1951, lesão de Jacinto abriu-lhe lugar na primeira equipa do Benfica. De lá não saiu mais - e jogou (a defesa direito) a final da Taça de Portugal que o Benfica ganhou à Académica por 5-1. Na época seguinte, voltou a vencer a Taça - foi a que ficou marcada pelo golo de Rogério na última jogada (o golo que pôs o placard em 5-4).

8. À terceira final consecutiva da Taça, terceira vitória (com mais história a rasgar-se os seus pés): treinador do Benfica era Ribeiro dos Reis, treinador do FC Porto era Cândido de Oliveira - e do duelo entre fundadores de A Bola saiu resultado estonteante: 5-0 (com três golos de Arsénio - que jogava futebol, sem deixar de trabalhar na CUF como serralheiro...)

9. O seu primeiro de quatro títulos de campeão começou a apanhá-lo (na temporada de 1954/1955) no primeiro dérbi na Luz. Acabou 1-1 - e o golo do Sporting marcou-o ele, ele que nunca marcara na própria baliza e nunca mais marcaria. (Apesar disso, à saída do relvado, alguém apanhou a Costa Pereira a exclamação de que o melhor homem em campo até fora ele) Não, já não era, então, defesa direito - Otto Glória passara-o a central quando Bogalho decidiu que Félix nunca mais jogaria pelo Benfica (por atirar ao chão a camisola - encolerizado por o clube o ter multado por «comportamento incorrecto» numa jogo da Selecção).

10. A sexta Taça que venceu, recebeu-a de Américo Tomás (na sua segunda vez como PR no Jamor) - e o quarto campeonato foi com Béla Guttmann. Para a Taça dos Campeões que o Benfica ganhou ao Barcelona, fez um jogo apenas (o dos 6-2 ao Ujpest): para apostar em Germano, Guttmann quis passá-lo para a direita da defesa. «De imediato lhe disse 'mister', não jogo nessa posição há muitos anos e ser deslocado para lá não me agrada». A conversa azedou, pouco mais jogou - e para capitão do Benfica foi, então,  José Águas."

António Simões, in A Bola

VAR ou não VAR

"Ainda a falha do sistema de videoárbitro no FC Porto-V. Guimarães

As falhas técnicas do VAR, sendo admissíveis quando se fala em tecnologia de ponta, só são um problema para a credibilidade do sistema se não forem cabalmente explicadas, deixando zonas férteis para o crescimento de teorias da conspiração. Ainda assim, o mais recente "apagão" do VAR, no FC Porto-V. Guimarães, coloca algumas questões em relação às instruções que foram dadas aos árbitros no início da temporada. Desde logo, as orientações apontadas especificamente aos árbitros assistentes no sentido de retardarem a sinalização dos foras de jogo em zonas de finalização, deixando prosseguir lances que não sejam de decisão evidente. Num mundo perfeito, a instrução faz todo o sentido: porquê invalidar um lance de golo iminente por causa de um fora de jogo duvidoso se o VAR pode esclarecê-lo mais adiante? Ainda ontem, houve uma jogada do género revista e corrigida com sucesso no Tondela-Rio Ave. O problema surge quando o árbitro assistente arrisca e uma falha técnica, como a que aconteceu no Dragão, impede o VAR de funcionar. Talvez seja um quebra-cabeças irresolúvel, esse de encontrar o equilíbrio perfeito entre o risco de tomar uma decisão e o risco de não a tomar, mas é certamente um ponto que os árbitros terão de continuar a trabalhar. Por outro lado, talvez faça sentido ir um pouco mais longe ao nível da "publicidade" das questões que envolvem o VAR. Os italianos vão avançar esta temporada para a divulgação dos lances analisados nos ecrãs gigantes dos estádios. Por cá, até por limitações técnicas de uma boa parte dos recintos, talvez seja cedo para esse passo, mas há outros, mais curtos, que podiam ajudar. Por exemplo, informar as equipas e, sobretudo, o público presente no estádio da existência de uma falha técnica no VAR através da instalação sonora podia evitar situações de tensão e polémicas desnecessárias."

Fomos campeões da Europa e mal sabemos porque não foi no futebol

"Falar do bilhar é falar de qualquer outra modalidade que não o futebol, repleta de atletas que, nas mesmas 24 horas, vestem a pele das suas profissões e a de atletas profissionais de alta competição. 

No desporto, o desporto-rei marcou gerações de famílias nos quatro cantos do globo. Os estádios enchem multidões e a televisão faz a cobertura dos jogos que fazem as comunidades locais vibrar.
O mundo fica em suspenso em dias de campeonato da Europa ou do Mundo, sendo que as equipas vencedoras sabem que a vitória significa, também, o título de herói nacional nos seus países, onde, do dia para a noite, cada jogador veste as roupas de um qualquer deus da mitologia greco-romana. 
Somos milhares de pessoas a praticar mais do que uma modalidade — ou uma modalidade distinta do futebol — e a entusiasmarmo-nos com ela.
E, nos últimos meses, bem que podemos encher o peito de orgulho pelas conquistas nacionais em distintas modalidades desportivas.
O desporto português — apesar de ter um parco porquinho-mealheiro de investimento que fica bem longe do investimento de muitos dos outros países rivais em competição — encheu-nos de medalhas, elevando as nossas cores até ao topo da escala mundial, como se de um mantra se tratasse. As medalhas multiplicaram-se e repetiram-se.
Fomos campeões europeus no futebol em sub-19, o que nos enche de orgulho, mas também vimos chover medalhas no atletismo, na natação, mais recentemente na canoagem com duas medalhas de ouro de Fernando Pimenta no campeonato do mundo e, por fim, fomos campeões europeus no bilhar no final de Julho. Peço, desde já, desculpa se me estiver a esquecer de alguma conquista em alguma modalidade.
No bilhar — que vou explorar devido à sua pouca visibilidade — trouxemos nove medalhas do campeonato da Europa, que se realizou na Holanda. Para além do título de campeãs da Europa por equipas obtido por Sara Rocha e Vânia Franco, Henrique Correia foi campeão europeu de straight pool. A selecção de seniores, composta por Henrique Correia, Manuel Pereira e Sérgio Silva, trouxe para Portugal a medalha de prata por equipas.
A Sara Rocha confessou-me, na semana passada, que estava extremamente triste pela falta de reconhecimento que o seu município e o país deram a estas conquistas: desde a falta de cobertura noticiosa, comparativamente com outras modalidades, ao reconhecimento municipal e do país.
O município de Viana do Castelo reconheceu, e bem, os seus atletas do bilhar, Vânia Franco e Henrique Correia. Já o município de Braga — que é aliás, Cidade Europeia do Desporto 2018 — deixou cair em branco as duas medalhas de bronze e o ouro que Sara Rocha conquistou no bilhar. Quero sinceramente acreditar que o período de férias do mês de Agosto justifica esta atitude por parte do município.
Estou aqui a mencionar atletas que não recebem um único cêntimo de investimento na sua formação desportiva e que, ao invés dos atletas das nações rivais, não fazem do bilhar profissão.
Sara Rocha é directora comercial de uma editora. A que horas da madrugada abre a porta de casa, todos os dias, depois de se vestir de directora comercial e, por fim, de atleta de alto rendimento de bilhar? Não é surpreendente que seja a primeira atleta de alto rendimento desta modalidade no país? Afinal, não é financiada e compete com atletas que fazem disto profissão.
Sinceramente, todo este cenário pinta uma heroína nacional, no mesmo patamar dos "Cristianos Ronaldos" desta vida.
E falar do bilhar é falar de qualquer outra modalidade que não o futebol, repleta de atletas que, nas mesmas 24 horas, vestem a pele das suas profissões e a de atletas profissionais de alta competição. 
Para mim, vocês são os nossos maiores orgulhos desportivos, os verdadeiros heróis da mitologia desportiva portuguesa que ficará para sempre na nossa história."

Champions, a hora da verdade está aí...

"Na finalíssima de Salónica, mais do que esta ou aquela táctica, este ou aquele jogador, será relevante a força psicológica da equipa.

A época do Benfica vai ficar indelevelmente marcada, para o bem ou para o mal, pelo que a equipa de Rui Vitória fazer, depois de amanhã, em Salónica. Será quase escusado enfatizar, de tantas vezes se ter já dito, qual a real importância de se ter uma equipa na fase de grupos da Liga dos Campeões, especialmente para um clube como o Benfica, de um país periférico, com um mercado televisivo pobre e essencialmente vendedor, o que exponencia a necessidade de ter os jogadores na melhor das montras. Perante as dúvidas que rodearam a permanência de Jonas (entretanto indisponível por razões físicas), a chegada tardia de Gabriel e ainda o interesse, que permanece, em Ramires, subsistirá sempre a dúvida quanto à proficiência da SAD encarnada, que não foi capaz de dotar o grupo às ordens de Rui Vitória, em tempo útil, de todos os trunfos entendidos como relevantes. Mas este não será o momento próprio para aprofundar o tema. Na noite de quarta-feira se saberá se o esforço dos dirigentes encarnados foi, ou não, suficiente. Como só faz falta quem está, Rui Vitória deverá meditar na melhor forma de abordagem ao desafio do estádio Toumba, um dos mais difíceis do mundo, e a preparação desse jogo, mais do que táctica ou técnica, deverá ter o foco na vertente psicológica. Para passar a eliminatória, cada jogador do Benfica deve entrar em campo consciente de que o resultado de Lisboa foi deveras lisonjeiro para o PAOK e que, equipa por equipa, os vice-campeões de Portugal são melhores que os da Grécia. Será a partir dessa convicção que o Benfica poderá montar um esquema que deve ser, ao mesmo tempo, ousado sem ser suicida e ambicioso sem ser irresponsável. Embora esteja claro que o 4x3x3 do Benfica tem sido curto para as necessidades atacantes da equipa quando joga em casa, o mesmo não pode ser dito das prestações fora de portas, já que tanto em Istambul quanto no Bessa a produção foi assaz positiva. Assim, não será de estranhar que, para além do regresso de Salvio ao onze e da eventual chamada à equipa de outro ponta de lança (a saber, mediante os boletins clínicos que se seguem), o Benfica apresente a matriz que tem sido a sua imagem de marca na presença época. O segredo do sucesso, porém, estará na forma como Rui Vitória entrar na cabeça dos jogadores, criando condições para que suba ao relvado uma equipa muito personalizada.

Ás
Rui Patrício
O empate caseiro dos Wolves frente ao super City teve a marca de duas mãos, a de Boly, autor do golo à Vata, e a de Rui Patrício, a remate de Sterling, naquela que foi, provavelmente, a melhor defesa da sua carreira (a de Paris, a cabeçada de Griezmann, foi outra coisa, matéria-prima de estátua). Patrício em grande!

Ás
João Félix
Marcou a diferença no derby não só pelo golo que evitou a derrota do Benfica mas sobretudo pela lufada de ar fresco que representou a sua entrada para terrenos mais próximos do ponta de lança, João Félix é daqueles que não engana, ficando apenas por saber qual o caminho que vai seguir até ao estrelato. Mas parece pronto...

Ás
Luís Castro
Um dos grandes treinadores do futebol nacional não merecia a contestação que já sentiu em Guimarães, após três derrotas consecutivas. No Dragão, não só deu um pontapé na crise que se avizinhava, como ganhou espaço para respirar melhor e poder aplicar, na Cidade Berço, todo o seu saber. Roma e Pavia não se fizeram num dia.

Um pouco de Luz e outro tanto de Jamor
«Não estamos a fazer as coisas que nos levaram a ser campeões nacionais. Não há desculpas. Temos de fazer bastante mais»
Sérgio Conceição, treinador do FC Porto
Sérgio Conceição pegou de caras o touro da derrota caseira frente ao V. Guimarães, numa partida em que se viu o espírito vimaranense que pós a Luz em sobressalto e o esquecimento portista que quase custou dois pontos aos dragões no Estádio Nacional. Para  FC Porto, a boa notícia é que o seu treinador não está a jogar ao faz de conta e promete atacar o mal pela raiz.

O tango dos 'boks' e a lei dos 'blacks' de Barrett
Dois factos marcaram a segunda ronda do Championship: a Argentina afirmou-se, de forma categórica, e varreu a África do Sul por 32-19, em Mendoza, enquanto que na fortaleza do Eden Park a Nova Zelândia arrasou (40-12) a Austrália, com um 'poker' de ensaios de Beauden Barrett, o melhor do mundo.

Fernando Pimenta no Olimpo
Fim de semana inesquecível para Fernando Pimenta, que se sagrou, em Montemor-o-Velho, campeão do mundo em K1 1000 e bicampeão mundial em K1 5000. Longe vai já a desilusão das folhas, na Lagoa Rodrigo Freitas, nos Jogos do Rio de Janeiro, com a garantia que já tem de pertencer ao Olimpo que se sentam os melhores desportistas portugueses de todos os tempos. A canoagem, em Portugal, é um caso de sucesso, que nada tem a ver com sorte ou acaso. Trabalho, competência e talento colocaram o nosso país no pelotão da frente da modalidade. Um excelente exemplo para ser seguido pelas federações desportistas que se lamentam muito mas pouco fazem para tomar o destino em mãos próprias. E há muitas, sempre à espera que façam por elas o que lhes cumpre, como se a excelência caísse do céu e os campeões nascessem de geração espontânea."

José Manuel Delgado, in A Bola

Fernando Pimenta

"Deixemos, pelo menos por um dia, que o futebol passe para segundo plano. Esqueçemos, por uns minutos que seja, as discussões em torno de um dérbi mais equilibado do que se vaticinaria (o que não é exactamente uma novidade na história dos dérbis) ou sobre se o claríssimo fora de jogo em que André Pereira marcou o segundo golo do FC Porto frente ao Vitória de Guimarães devia ter sido apanhado mesmo sem VAR. Falemos, hoje, de Fernando Pimenta. Porque aquilo que aconteceu este fim de semana em Montemor-o-Velho merece sobrepor-se a todas as outras discussões. Ontem, pouco mais de 24 horas depois de se ter sagrado, pela primeira vez numa carreira recheada de títulos - já olharam bem para o currículo deste super-homem? - campeão do mundo em K1 1000, metros, voltou a vencer o ouro, revalidando o título em K1 5000 metros. E fê-lo com uma superioridade tal que não deixou margem para dúvidas: estamos perante um atleta que figura, já, entre os nomes grandes do desporto nacional. E deve Fernando Pimenta ser enaltecido como tal.
Sim, é verdade que às vezes, encadeados pelos holofotes do futebol, que quase tudo cegam, não damos o devido destaque a quem o merece. Mas, como costuma dizer-se, não há mal que sempre dure. E não nos podemos - nós que fazemos jornais - queixar de haver falta de cultura desportiva se nada fizermos para combater esse flagelo. Este é, portanto, o dia de Fernando Pimenta. Que há muito o merecia. É um daqueles atletas que nos fazem sentir orgulho de ser portugueses. Ele e todos os que, mesmo não ganhando, lutam contra as dificuldades para representarem Portugal em modalidades nem sempre devidamente reconhecidas. São, cada um à sua maneira, uns campeões."

Ricardo Quaresma, in A Bola

Sei que não VAR por aí

"Em 2014, um presidente de má memória que passou pela Liga, Mário Figueiredo de seu nome, jurava a pés juntos que a sua instituição não tinha "maneira alguma" de obrigar os clubes a iniciar jogos das provas profissionais à mesma hora, isso na sequência do escândalo causado pelo atraso do FC Porto, na Taça da Liga, que fez o Sporting sentir-se prejudicado. Até que, Ovo de Colombo, alguém se lembrou de que existem telemóveis e que os delegados os podem usar para coordenar o apito inicial quando necessário, invalidando quaisquer manobras dilatórias.
O sistema do vídeo-árbitro falhou no Dragão e, azar dos Távoras, aconteceram dois lances polémicos, um dos quais, o 2.º golo portista, com foros de escandaloso. Numa acção de formação do Conselho de Arbitragem, destinada a jornalistas, questionei um alto responsável do sector sobre que ilações foram retiradas da quebra no Aves-Benfica, da época passada, e que tanta tinta fez correr. Foi-me explicado que, quando uma anomalia acontece, um técnico informa o 4.º árbitro, que avisa o árbitro principal desse facto. Estão ainda disponíveis auscultadores que podem ser utilizados se o sistema de comunicação principal falhar. Nada disso ocorreu no Dragão, com a explicação de que seria impossível injectar imagens para o monitor do estádio.
A minha desconformidade é fácil de entender. Em 2018, só Fábio Veríssimo não soube que André Pereira estava claramente deslocado. Bruno Paixão viu na Cidade do Futebol, mas as regras não lhe permitem comunicar com o 4.º árbitro via telemóvel, por exemplo, em último recurso, e alertar para o erro grosseiro, tendo voto de qualidade em caso de falha do sistema tradicional de som ou imagem. É a próxima inovação na qual Portugal deve ser pioneiro."

Pensar o Desporto é pensar a Vida

"Creio que é de Jaspers o que vou escrever: “fazer filosofia é estar a caminho”. Como Wittgenstein o refere: a filosofia não é uma doutrina, é uma actividade. Quando se procura o sentido, o movimento intencional é inevitável. Não basta o movimento, importa saber o que se pretende fazer do movimento. Portanto, para mim, filosofia é, de facto, estar a caminho, mas com significação e sentido. A história manifesta-se pela transição, pelo movimento. Incumbe, no entanto, ao filósofo e ao teólogo esclarecer o sentido da transição, do movimento. E o sentido não se alcança racionalmente tão-só, pois que, ao pensá-lo e ao vivê-lo, a análise filosófica transforma-se em vivência filosófica: não há, nele, “razão pura”, mas os possíveis que a complexidade humana permite, mormente pelo “agir comunicativo”, específico da condição humana – “agir comunicativo” que se faz sistema, ou seja, uma dialéctica de relações. Uma abordagem sistémica da motricidade humana diz-nos que é uma complexidade que a realiza, em procura imparável de um sentido, a transcendência. Leonardo Boff, herdeiro emblemático da “teologia da libertação” define assim o ser humano: “É um ser de abertura. É um ser concreto, situado, mas aberto. É um nó de relações, voltado em todas as direcções (…). É só se comunicando, realizando essa transcendência concreta na comunicação, que o ser humano constrói a si mesmo. É só saindo de si que fica em casa. É só dando de si que recebe. Ele é um ser em potencialidade permanente” (Tempo de Transcendência, Sextante, Rio de Janeiro, 2000, p. 36). Se bem entendi Leonardo Boff, o ser humano vive em permanente anseio de transcendência, já que tem a consciência, também permanente, dos seus limites. No mundo do saber, por exemplo, quanto mais se sabe, mais se compreende que ainda há muitíssimo por saber. Newton, um génio, dizia: “O que sei é uma gota de água, no oceano da minha ignorância”.
O iluminista Voltaire deixou escrito: “Se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo”. De facto, sem Deus, a vida é um absurdo, a transcendência não tem sentido. Com Deus, a vida é um mistério? Assim é. Mas um mistério que nos é anunciado pela mais poderosa energia espiritual que o mundo já conheceu: Jesus Cristo! A sua mensagem parece alheia ao tempo e continua juvenil, sonora, bem timbrada e sem nada de alienante. Como pode alienar um Homem, que defendeu, até à morte na cruz, que… todos somos iguais, que libertou da morte a mulher adúltera, que abraçava e beijava as criancinhas enquanto dizia aos apóstolos e ao olhar húmido e esquivo das mulheres que os acompanhavam: “É preciso ser, como as crianças, para entrar no Reino dos Céus”? Volto a Leonardo Boff: “o ser humano é um projecto infinito. Um projecto que não encontra neste mundo um quadro para a sua realização plena. Por isso, é um errante, em busca de novos mundos e novas paisagens (…). O ser humano é um projecto ilimitado, transcendente, não dá para ser enquadrado (…). Não há nada que possa enquadrá-lo, nenhuma fórmula científica, nenhum modo de produção, nenhum sistema de convivialidade. Nem mesmo o nosso moderno sistema globalizado, dentro do pensamento único, que afirma não haver alternativa para ele, reforçado pelo fundamentalismo da economia de hoje, que garante só existir de válido o modo de produção capitalista global, com sua ideologia política, o neoliberalismo, que proclama não haver outro caminho a seguir” (pp. 37/38). Centrado na imediatez empírica, fascinado pela frivolidade, pelo supérfluo, seduzido por um hedonismo que os media publicitam sem cessar, de costas voltado para a transcendência de qualquer metafísica – a Europa racionalista e céptica e ligeiramente cristã já foi comunista e socialista e é hoje “hipermoderna” (a segunda modernidade).
Hipermoderna? Segundo Gilles Lipovetsky, hipermoderna, porque “o Estado recua, a religião e a família privatizam-se, a sociedade de mercado impõe-se: apenas está em jogo o culto da concorrência económica e democrática, a ambição tecnicista, os direitos do indivíduo (…). Assim, somos testemunhas de um formidável aumento das actividades financeiras e bolsistas, de uma aceleração da velocidade das operações económicas que funcionam, agora, em tempo real, de uma explosão fenomenal de volumes de capitais, em circulação no planeta” (Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles, Os Tempos Hipermodernos, Edições 70, Lisboa, 2018, p. 57). O Doutor Sobrinho Simões, um dos expoentes da medicina e da investigação médica, em Portugal, em entrevista à revista do Expresso, de 25 de Agosto de 2018: declarou: “A minha grande descoberta foi que as explicações biológicas fazem sentido para muita coisa, mas não para explicar quem sou”. Empurrado por ventos vários da fortuna, cheguei a esta mesma conclusão do insigne cientista português, porque nunca desvinculei a biologia de tudo o que eu sou, para além do biológico. Uma lei geral de Teilhard de Chardin assim se exprime: “Nenhuma realidade material pode evoluir, sem atingir a fase de uma mudança de estado”. A compreensão una do real, como totalidade biológica em devir e que, pelo devir, se faz vida e cultura, diz-nos quem somos ontologicamente e mostra-nos a vinculação da transcendência a tudo que é qualificante do desenvolvimento humano. A regência do Maestro Leonard Bernstein emocionava-me, quando o via na televisão, como me emocionei, rapaz ainda, durante a meia dúzia de vezes que assisti, na Sé de Lisboa, ao trabalho do Maestro Pedro de Freitas Branco à frente da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional. Tudo era jogado na arte destes dois Maestros: o biológico e o cultural, a matéria e o espírito, o saber e a sabedoria; tudo era jogado numa evolução que era transcendência, sobre o mais.
No livro de Ernst Bloch, Le Principe Espérance (Gallimard, Paris, 1976, p. 247) pode ler-se: “na origem, descobre-se o não; na história, o ainda-não; no fim, o nada ou o Todo”. Quando observamos atentamente a realidade, inunda-nos uma sensação capitosa de sol e de risco, sentimos o próprio pulsar da vida. Há, de facto, na vida, uma penetrante monotonia do “ainda-não”, que afinal é um convite à transcendência e, pela transcendência, à esperança. No entanto, só se espera, quando se tem fé em nós, no nosso trabalho, no nosso convívio com aqueles que nos acompanham. É que a transcendência não rola num mundo quieto, veludoso, de puro encantamento. Pelo contrário: são cruentas as disputas, intempestiva a inveja, agressiva a incompreensão. Nelson Évora, campeão do mundo, campeão olímpico, campeão europeu, de triplo-salto, desabafou a uma revista, durante uma espécie de interregno na rotina das suas obrigações de atleta de altíssima competição: “por detrás de uma medalha, há sempre muitos dramas, muitos sacrifícios” (Caras, 2018/8/25). E há esperança e fé e transcendência… em equipa, em grupo, em comunhão interpessoal! O Desporto vive dos olhares juvenis de desafio e triunfo dos (das) atletas mas, sobre o mais, do anseio inapagável de transcendência, visando a vitória, o desempenho espectacular, o recorde. Sem o anseio de transcendência, sem agonismo, o Desporto nada mais é do que jogo, higiene, lazer. A famosa divisa olímpica “Citius, Altius, Fortius” é um eterno apelo à transcendência – que atravessa qualquer visão evolutiva da realidade. Sem a transcendência, a matéria não seria vida e a vida não seria espírito e liberdade. Por seu turno, o anseio de transcendência supõe fé. Relembro Santo Agostinho: “Crê e compreenderás”, ou seja, a fé precede, a razão procede. De referir ainda que o campeão, ou seja, o especialista em transcender e transcender-se não é tão-só um criador de cenas singularmente impressivas de fome sublime de glória, mas também a sua pátria precisa dos seus excepcionais desempenhos. A sua transcendência é a transcendência de um país inteiro.
Pensar o Desporto é Pensar a Vida! Um Desporto com Fé e Transcendência e portanto que sabe tematizar e viver as grandes questões de uma história colectiva! Por isso, biologizar o Desporto (e ficar por aí) é desumaniza-lo. Camus inicia o Mito de Sísifo, com a tese seguinte: “Só há um problema filosófico, verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia (…). Nunca vi morrer ninguém pelo argumento ontológico (…). Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem, por considerarem que a vida não merece ser vivida”. Mas eu acrescento a pergunta: é a vida que não tem sentido, ou a morte? É que a morte esvazia de sentido qualquer sentido da vida. Assim, a pessoa humana só consegue encontrar sentido em tudo o que faz, se vencer a morte. Os valores, os mais ardentes e generosos, as nossas mais puras e legítimas ambições, tudo a morte vence, se a morte for isto só: uma redução do ser ao nada. Mas, se tudo é evolução e a evolução supõe a passagem da quantidade à qualidade, ou da qualidade a melhor qualidade: “onde está, ó morte, a tua vitória?”. A hominização, a humanização é a cultura que as completa. Porque é cultura também, é que a biologia é uma das bases da complexidade humana. Por que não pensar a morte como uma passagem de uma vida que prepara uma outra incomparavelmente melhor? Para mim, é a imortalidade que dá sentido ao valor. De uma vitória desportiva, de um atleta de excelência é possível extrair inúmeras lições… que não são só de carácter biológico! Salvo melhor opinião, a expressão “Actividade Física” não pode fundamentar o Desporto, por que o Desporto, sendo biologia, não é biologia tão-só. O Desporto existe de facto, onde a morte e o nada forem superados, vencidos, ou em processo de transcendência."

A noite em que se quebrou o ciclo do ódio

"As ignições sucessivas de ódio e estupidez, promovidas por inúmeros incendiários com responsabilidades no futebol português, criaram o insuportável clima de animosidade e ressentimento em que mergulhámos nos últimos anos e resultaram numa guerra que produz apenas vencidos. Só quebrando o ciclo vicioso de agressão seguida de retaliação – e de nova agressão com nova retaliação e por aí fora – será possível pôr fim a um conflito que tem tanto de imbecil como de inútil.
Nunca até ao passado sábado algum dos envolvidos na vergonha havia tido a grandeza de tomar a iniciativa de dizer: acabou. Foi preciso o retorno ao activo de um presidente jubilado e imune à doença para se dar esse primeiro passo. Os insultos a Sousa Cintra, Torres Pereira e Marta Soares, nas redes sociais, por parte dos radicais do próprio clube – muitos já nascidos no caldo de acrimónia permanente – pela presença na tribuna durante o dérbi da Luz, só confirmam a extraordinária dimensão do seu corajoso gesto. Só espero que a nova direcção leonina não volte a cair na tentação do compromisso com a turba ululante.
A seguir, a última parte das declarações de Sousa Cintra ao jornalista Neves de Sousa, em Março de 1990. O actual líder da SAD leonina explicava, na primeira pessoa, as negociações que o conduziriam à liderança.
O vazio que levou Cintra à presidência (conclusão). Não queria ser moço de recados nem figura decorativa. O Sporting não se compadece com essas coisas. Cortei com eles e estava cortado. Decido avançar sozinho, arranjo umas pessoas à pressa porque não tinha ninguém e não estava metido nestas coisas do desporto. Foi tudo uma coisa feita à pressa. Arranjei um quadro em cima do joelho. Depois de muita conversa e muita louça partida, finalmente acerto com o Carlos Monjardino: se ele quisesse candidatar-se, eu desistia em favor dele. Disse-lhe isto. Continuei a avançar, preparei umas coisas para a campanha e estava eu muito bem descansado quando me apareceu o advogado, dr. Abrantes Mendes, e o médico, dr. Costa, com uma mensagem do dr. Monjardino. Tinha decidido candidatar-se e era para ver se eu desistia. "Com certeza, só tenho uma palavra". Então, convoquei uma conferência de imprensa para dizer que, tal como estava combinado, eu desistia a favor do Carlos Monjardino. E estou na conferência quando o telefone toca e me dizem que o Monjardino tinha decidido desistir outra vez. Ainda pensei se seria verdade. Cheguei ao escritório e tinha uma carta, entregue às seis e meia da tarde, com protocolo, a dizer que ele desistia. Aquilo parecia uma autêntica palhaçada. Depois da conferência de imprensa... Era para deixarem o Simões completamente livre. Eu já tinha desistido. Porém, tive muita pressão dos sócios, de diferentes grupos: vinham para aqui [escritório da Vidago] e para minha casa esperar por mim, com bandeiras... Arranquei praticamente na ponta final, tive só três dias, foi uma coisa em cima da hora. Da minha lista, só algumas pessoas é que eu conhecia...
Em 24 de Junho de 1989, Sousa Cintra foi eleito presidente do Sporting, com 40.898 votos. António Simões obteve 16.063, Jorge Gonçalves 6.522 e Miguel Catela 109 votos. Era o fim da crise."

“A agressão do Sá Pinto ao Artur Jorge é de um tresloucado. Ainda o confrontei, uns empurrões, e levei um processo”, Parte II

"Primeiro teve uma escola de futebol, depois tornou-se adjunto, foi coordenador de scout no Benfica, mas é na pele de treinador/seleccionador que Rui Águas se sente melhor. A irmã Lena chegou a convidá-lo para ser vocalista da sua banda mas, apesar de não desafinar, só aceitou entrar num videoclip. Quanto ao legado e ao peso do nome que para ele mais parece ter prejudicado do que ajudado, a verdade é que o clã Águas continua ligado ao futebol. Rui voltou a ser seleccionador de Cabo Verde, Martim, o filho mais novo, seguiu-lhe as pisadas de jogador, enquanto a filha, Mariana, tornou-se jornalista especializada em futebol

Foi embora da Reggiana de Itália passado meio ano porquê?
Porque o contrato acabou e eu resolvi pôr um ponto final na carreira de jogador.

Quando chega cá, o que pensava fazer da vida?
Eu não me lembro bem o que pensava. O que me lembro é que um amigo meu, uma pessoa mais velha do que eu, me propôs a escola de futebol Rui Águas. A ideia inicial nem sequer foi minha.

Ser treinador já era uma ambição?
Não. Nessa altura eu queria evitar voltar a esta vida. Mas ao mesmo tempo é muito difícil substituir uma coisa tão absorvente por outra qualquer normal para a qual nem sequer estamos habilitados. Por isso a substituição de uma carreira de futebolista é muito difícil. Não sendo treinador, não sendo agente, director desportivo... é difícil arranjar o raio de uma coisa que uma pessoa domine e de que goste. Por isso é um drama para muita gente.

Nunca pensou no que seria se não tivesse sido jogador de futebol?
Seria professor de educação física, era para aquilo que eu estava a estudar.

E acabar o curso, pensou em fazê-lo?
Houve uma fase em que pensei, já depois de acabar o futebol, mas entretanto mete-se uma coisa, depois outra e...nunca mais. Em termos de formação fui fazendo algumas coisas. Fiz uma pós graduação em marketing desportivo e foi difícil porque uma pessoa perde completamente o hábito de estudar. Fui convidado para dar a cara ao curso no ISCTE. É uma pós-graduação a sério. Custou-me muito, mas fiz porque dei a cara, as pessoas conhecem-me, não posso dar parte fraca (risos). Fiz uma formação de psicologia também. E alguns seminários.

Estava a dizer que esse seu amigo convenceu-o a abrir a escola. Foi das primeiras em Portugal.
Foi a segunda, a primeira foi a do Humberto Coelho. Foi uma coisa simples, estruturada em instalações alheias, através de aluguer de espaço, nunca numa perspectiva de negócio clara; foi uma coisa muito pelo gosto e no fundo tentando não perder dinheiro. Eu geria mais a escola do que treinava, mas presenciava tudo aquilo que se passava. Foi muito engraçado e interessante lidar com muita gente diferente. Ainda durou 10 anos.

A primeira função que tem como treinador é na selecção. Como surge o convite?
O primeiro convite é-me feito pelo mesmo Artur Jorge, mas quando vem para o Benfica. Isto no penúltimo ano da minha carreira. Eu acabo o contrato com o Benfica e o Artur Jorge entra e pede-me como assistente dele, porque ele conhecia-me do FCP, gostava de mim, tinha confiança em mim, só que o Benfica não aceita a sugestão.

Não aceita porquê?
A explicação foi que eu estava demasiado próximo dos jogadores. Depois acredito que também tenha havido aquelas convulsões anteriores de que já fiz eco e aquilo terá deixado algum... Mas há essa primeira hipótese que não resulta e depois ele volta a convidar-me quando vai para a seleção. E aí é a minha primeira experiência.

É nessa altura que vai tirar o nível IV de treinador?
É. Eu já tinha habilitação suficiente para estar onde estava. O IV nível é o topo da formação e achei que estando na selecção devia fazê-lo.

Fica dois anos como adjunto na selecção A. Como foi o primeiro embate?
Senti-me um bocadinho fora de água ainda. Por um lado fácil, porque não me sentia muito diferente deles de facto. Não foi o agarrar de uma oportunidade, como quem diz "É isto, não vou fazer outra coisa para o resto da minha vida". Tanto assim que essa primeira experiência cai e eu não mexo um dedo para que surgisse algo imediatamente.

Em concreto quais eram as funções do adjunto do seleccionador?
As coisas estavam num patamar que não tem nada a ver com o de hoje, em que os staff's têm 10, 12 pessoas. Na altura era o Artur Jorge, eu e o Raúl Águas. E não havia ninguém para trabalhar com os guarda redes. Eu não tinha formação nenhuma, a não ser os cursos normais, mas entretanto surge a hipótese de um curso de treino de guarda redes. "Porque não"? Iria sentir-me mais útil a fazer algo realmente necessário, do que ser apenas mais um assistente ou adjunto. Então fui à Holanda fazer esse curso. Éramos 50 fulanos de uma série de países, todos eles ex-guarda redes e eu ex-avançado. Voltei e trabalhei com o Vítor Baía, que era meu colega e amigo no FCP, fui treinador dele e do Silvino. Foi engraçado. Procurei documentar-me. Falei com o Mlynarczyk, guarda redes polaco que trabalhava com os guarda redes no FCP e que tinha sido meu colega, uma excelente pessoa. Foi ter com ele ao FCP e ele explicou-me como é que fazia. Senti-me melhor, mais útil.

Entretanto há o famoso episódio da agressão do Sá Pinto ao Artur Jorge, no Jamor. O que aconteceu em concreto?
É um episódio triste. Houve uma agressão de um tresloucado a uma pessoa que pode ser pai dele, o que é uma coisa horrível. E depois há a tentativa de defesa seja como for da pessoa em questão e vale tudo. No meio da advocacia vale tudo para tentar defender um ativo. No fundo, era já o que se chamava na altura, de um clube grande, tentando culpabilizar estupidamente quem por lá andava. 

Mas o que motiva o Sá Pinto àquela agressão?
Não é convocado. Lembro-me que teve uma atitude chata num estágio ou outro e o Artur Jorge entendeu que não o devia chamar. Naturalmente, tem o seu direito. E o tipo chega ao estádio e agride o homem. Nem sabia do que se estava passar, só quando o Artur Jorge chega ao balneário para se ver ao espelho, porque estava magoado, é que me apercebo. Eu disse: "O quê?". Eu não queria acreditar quando me contaram. Saí do balneário e o Sá Pinto estava a sair de carro. Fui ao encontro dele, confrontá-lo, o que acho ser uma coisa normal. Eu, um superior de um fulano que acaba de agredir uma pessoa que é meu parceiro de trabalho. E ele da maneira como estava, enfim, uma pessoa num estado normal não faz aquilo que ele fez, mas o estado de loucura continuava tanto que houve ali uma altercação. Não houve nada de especial, uns empurrões. Pronto. Depois meteram um processo a mim. O Lourenço Pinto, advogado, processou-me e não quiseram saber da mentira, falsos testemunhos... . De repente arranjaram ali uma coisa qualquer para defender, atacando.

Isso resultou em quê?
Em nada.

Alguma vez voltou a falar com o Sá Pinto?
No dia em que aquilo acabou...Eu já cumprimentei pessoas que achava que nunca o ia fazer... Nunca fui uma pessoa conflituosa. Houve gente neste trajeto que claramente me prejudicou, foi má, meia dúzia de pessoas que eu com o decorrer do tempo acabei por voltar a cumprimentar, mas com uma certa distância. Circunstancialmente, cumprimento, porque as coisas passam-se há 10, 15, 20 anos e eu decido ultrapassar essas coisas. Mas nunca falámos mais sobre o assunto. Há coisas que não têm explicação, nem justificação.

Toda a situação ajudou-o a alimentar dúvidas sobre o rumo que queria seguir?
Pois, é tudo uma sequência. Essa é mais uma, pesada, chata. As pessoas depois chateiam-me na rua também, adeptos do Sporting. Eu levo com adeptos desde sempre. Ou porque vou para o FCP, ou porque venho do FCP, ou por causa desta história. E desse conjunto de chatices, se calhar sim, pensei :“Chega desta porcaria”. Deixa-me lá ir treinar os jovenzinhos e fazer alguma coisa de útil que isto eu não quero.

Mas depois desses dois anos como adjunto vai para o Estoril.
Sim. Surgiu o convite directo do presidente do Estoril na altura. O Estoril estava na II Divisão B e era um clube simpático, daqui da zona. Vamos. Vou e sinto-me bem. Não acabou a época no Estoril, porque entretanto o V. Setúbal que estava numa má situação na tabela e vem ter comigo. Dizem-me para esquecer aquela época, mas que contavam comigo para preparar o que vem a seguir. Fui. A coisa começa a correr benzinho e nós quase nos salvamos. Chegamos à última jornada e precisávamos de ganhar em casa e empatamos. Descemos de divisão. Da condenação estivemos quase salvos, mas descer de divisão é sempre uma coisa....

Isso foi na primeira época?
Nessa época fiz meia época no Estoril e outra meia no V. Setúbal, que desce. reinicio a época com uma equipa completamente mudada, só que aquele peso da descida, num clube como o V. Setúbal é difícil. Complicado logo de início. Mas o início é sempre mais difícil quando é tudo novo. Não havia tolerância suficiente e eu saio.
Como é que foi sofrer a primeira chicotada?
Eu encaro as coisas com muita naturalidade. Por exemplo, quando terminou o meu contrato com o Benfica, eles chamaram-me, fizeram umas grandes introduções, uns grandes problemas, “Temos de ir jantar”, etc. Mas eu, acaba o contrato, tudo bem, fui à minha vidinha, não houve jantar nem coisa nenhuma. Nenhum despeito ou problema, zero. Aceito. Tenho talvez até um exagero nesta naturalidade. Para uma pessoa normal, talvez seja difícil perceber mas quando perdemos a final da Taça dos Campeões europeus como nós perdemos com o PSV Eindhoven nos penáltis, o Benfica não ia a uma final há 20 anos, no fim eu não estava contente evidentemente, mas achava que tinha ganho a melhor equipa. Porque os outros eram melhor equipa, tinham merecido mais. E estava tranquilo. Às vezes conto isto às pessoas e elas não acham normal. Mas ainda hoje me lembro que estava no autocarro e pensava: "Mereceram, foram melhores". Não fiquei nada furioso ou chateado. Tenho essa característica, na maioria das coisas sou muito objectivo. E voltando a essa chicotada, achei também que o ambiente que estava criado ali não era o melhor e, vamos embora.

Entretanto o seu pai faleceu, em 2000. Doença prolongada?
Cancro da mama. Aliás, eu sou seguido no IPO, porque eles têm uns programas de risco familiar. Chamam os descendentes de certos tipos de cancro. A médica do IPO disse-nos que nós éramos a primeira família de estudo neste tipo de cancro. Fui fazer o rastreio e o meu pai deixou-me o raio da célula. Ou seja, sou uma pessoa que pede algum acompanhamento e controlo nesta matéria.

Foi muito doloroso o processo do seu pai?
Foi, sobretudo nos últimos meses. Para ele e para nós. Mas a morte, lá está, para mim é uma coisa natural e necessária, neste caso até para ele e para a minha mãe. Ele já estava na ala dos doentes terminais e foi de facto melhor.

Conseguiu despedir-se dele?
Sim. O meu pai estava numa fase já muito crítica e naquele dia atrasei-me um bocadinho a ir buscar a minha mãe e eu ia naquela angústia, com medo que não fosse a tempo. Peguei na minha mãe, em Benfica, fomos para o IPO e o meu pai ainda estava vivo. Mas morreu um pouquinho tempo depois. Eu senti o último suspiro dele e disse à minha mãe: "Mãe, o pai morreu". Depois fui chamar a enfermeira, uma rapariga espanhola muito simpática, que confirmou o óbito. Se tivesse lá chegado e o meu pai já tivesse morrido, seria horrível.

Depois de Setúbal vai para o Marítimo como adjunto. De quem?
De um fulano ucraniano, Anatoliy Byshovets.

Como é que isso surge, tinha empresário?
Não, tive uns projectos de empresário (risos). Um deles, Luciano d'Onofrio, está na origem da minha ida para o FCP e da minha ida para Itália. Éramos amigos, jogamos juntos em Portimão, depois passou a agente. E essa história do Marítimo surge porque o empresário Paulo Barbosa trouxe o Byshovets para o Marítimo e a mim conhecia-me do Benfica. Achou que eu podia ser alguém capaz de apoiar o senhor. Acontece que foi difícil entre o temperamento do senhor em causa, o presidente do Marítimo e a equipa. Aquilo não resultou. A coordenação entre o russo com o presidente foi muito difícil e aquilo sobreviveu muito pouco tempo, por isso estive na Madeira três ou quatro meses. 

Estava na Madeira com a família?
Não, aí fui sozinho.

Entre o Setúbal e a Madeira ainda esteve um ano parado.
Estava com a escola que abre e sem procurar ou fazer muita pressão para que alguma coisa acontecesse. E hoje arrependo-me um bocadinho porque hoje sinto falta...Acho que podia estar num patamar diferente. Sou a mesma pessoa, sei o mesmo, tenho a mesma capacidade, a mesma formação, mas perdi em termos de mercado, de estatuto, percebo que estaria num outro nível se tivesse mantido mais contacto.
Como surge o Sp. Braga?
Eu conheço e sou amigo do Prof. Jesualdo Ferreira desde a faculdade. Ele não chegou a ser meu professor lá, mas já era treinador e eu jogava naquelas equipazinhas quando ele tenta contratar-me para o Torreense uma equipa que ele treinava. E mantivemos sempre algum contacto ao longo dos anos, ainda hoje somos amigos. E ele acaba por convidar-me e passei três anos com alguém com que realmente se aprende.

O que é que ele tem de diferente dos outros?
Não tendo sido jogador, não sendo uma pessoa de raiz muito simpática, aberta, acho que explica um bocadinho a competência dele, o facto de ter conseguido evoluir na carreira, tendo estes handicaps. Quanto não se tem essas duas características, tem de se ser realmente bom e competente. E ele foi uma pessoa de projecto, de estudo, de reflexão.

Em Braga esteve sozinho ou com a família?
Com a família menos o meu filho mais velho que estava já na faculdade aqui a tirar publicidade e marketing. Ele ficou sozinho, ficou a Mariana e o Martim, fizeram lá as escolas, a Mariana começou a faculdade dela lá. E a cidade de Braga foi uma experiência bestial. Gostamos todos muito, foram três anos muito bons.

Desses três anos o que mais destaca?
Coesão. Coesão familiar, coesão no clube, um clube a progredir, uma cidade a sentir o seu clube, um clube a emancipar-se um bocadinho da história do Benfica, porque historicamente havia ali muito bracarense, meio bracarense meio benfiquista, aquilo foi a fronteira do braguista. Não é bracarense mas braguista, o tipo que não é do Benfica, mas do Sp. Braga. Foi marcante. De alguma maneira o prof. Jesualdo contribuiu bastante.

Nunca sentiu necessidade durante esses três anos de se tornar treinador principal e deixar de ser adjunto?
Nessa fase ainda não. Depois na reflexão posterior, talvez. Quando acaba essa experiência.
Mas vai para o Benfica tratar do scouting.
Isso foi um departamento que o Benfica decidiu criar e convidou-me para liderar esse projecto.

Quem o convida é já o Luís Filipe Vieira?
Sim.

Aquelas mágoas em relação ao Benfica ficam para trás?
Sim. Mas isso não é em relação ao Benfica, mas a episódios, a pessoas. Já era outra vida. E ao mesmo tempo era uma coisa aliciante voltar ao clube numa posição de algum destaque.

Esteve lá três anos.
Sim, um como coordenador do scouting geral e dois como coordenador de scouting da formação, porque entretanto o Rui Costa deixou de jogar e passou para essa função.

Mas foi adjunto também...
Isso foi numa altura em que saiu um treinador principal, acho que foi o Camacho, e eu tinha habilitação que era necessária para estar no banco. Ajudei ou procurei ajudar um bocadinho por fora o Chalana.

A seguir vem a primeira experiência como treinador além fronteiras, numa equipa de sub-20, o Al Hilal, da Arábia Saudita.
Sim, o convite vem de um agente que eu conhecia. Nessa fase já queria voltar de facto ao treino. As experiências que tinha tido tinham deixado perceber que podia e gostava. E vou com um assistente meu, porque permitiram-me levá-lo. Correu bem. Mas uma terra dificílima para viver.

Foi sozinho?
Fui, a minha mulher foi lá um mês. Mas uma mulher lá...Mas a mais quando nós não vivíamos num condomínio, porque os treinadores principais das equipas profissionais os tipos arranjam uns condomínios onde estão os europeus, é uma coisa fechada, uma pessoa pode andar de fato de banho, mostrar a barriga, pode fazer aquilo a que está habituado. Não era o nosso caso. No nosso caso estávamos num hotelzeco normal, e aquilo é uma cultura absurda ao ponto de uma pessoa ter problemas de falar com uma mulher ou perguntar qualquer coisa, porque é uma pressão tal. foi uma experiência dificílima, mas boa, útil.

Em que aspecto?
Em termos de treino, dos resultados. Eram miúdos, que naquele país coitados...Há Uma convivência em que se percebe as diferenças, aquilo que nós ajudamos num contexto complicado. Por exemplo, miúdos com 19 anos não podem levar o cabelo espetado ou não podem falar com uma rapariga. Quando a minha mulher, a Leonor, lá estava, eu ai buscar os cafés para bebermos cá fora porque ela não podia entrar no café. Não deixou saudades. Depois, um calor, uma coisa... Nós achamos que aqui faz calor, mas lá é uma coisa de 53º graus. Uma coisa absurda. Treinamos à noite. Mas foi complicado em algumas situações. Porque o árabe que tem uma posição superior trata os outros como caca, e eu não admitia; por isso, o percurso foi pintado sempre aqui e ali por alguma revolta da minha parte que eu ia procurando controlar, mas que acabou por desgastar um bocadinho. O meu assistente foi meu parceiro, e é importante ter uma boa convivência com quem estamos todos os dias.
Tinha intérprete para falar com os jogadores?
Sim, um marroquino que ainda hoje me chama de pai. Muito humilde, mas um personagem que aprendeu por ele, trabalhou com brasileiros e desenrascou-se e estudou. Uma pessoa muito simples. E ficamos muito amigos. Ele traduziu directamente do português o que era muito confortável para mim, porque assim não tinha de falar em inglês podia falar logo em português.

Depois desse ano na Arábia Saudita o que se segue?
Há o Al Nasr do Dubai, cujo diretor era o Eriksson que me conhecia. E o mesmo agente iraquiano que me levou para o Al Hilal falou com o Eriksson e fui coordenador da Academia do Al Nasr, durante um ano. Um sítio muito diferente para melhor, para se viver. Em termos do entendimento do futebol e das relações com os treinadores, eles têm uma ideia muito diferente e desfocada daquilo que eu acho que deve ser o papel de um coordenador e a coisa não durou muito. Por isso foi só essa época e quando voltou surge imediatamente Cabo Verde, que estava sem treinador. Algumas pessoas conhecem-me lá.

A sua mulher é cabo verdiana, calculo que já lá tinha estado.
Sim, há muitos anos.

Tem um significado diferente por ser a terra da sua mulher?
Tem. Há uma proximidade grande. Fui a Cabo Verde a primeira vez em 1987. Curiosamente conheço um miúdo pequenino, a quem chamavam de Rui Águas porque ele gostava muito de mim. O pessoal lá é doido por bola e muito benfiquista. O miúdo era benfiquista e era doido por mim. Conheci o miúdo nessa altura, devia ele ter uns 6 anos e passados estes anos todos ele é director da federação caboverdiana de futebol e é a pessoa que me convida para ir. É o Gerson Melo. Ele tem feito uma carreira de dirigente fantástica. Está cá a viver, está como coordenador de desporto CPLP. É um rapaz com muito valor.

Vai para Cabo Verde com a família?
Não, o esquema é mais de evento, seja formações para dar, sejam estágios, sejam jogos ou torneios para observar, por isso não é habitação permanente.
Mas como foi essa primeira experiência como seleccionador?
É menos estressante do que ser treinador de um clube, porque é um stress espaçado. É um tipo de trabalho diferente, mais de observação, de pesquisa.

Mas não deve ser nada fácil num país como Cabo Verde onde há várias condicionantes...
...Sim, desde logo de infraestruturas, de poder financeiro. Por exemplo, nós jogamos com uma equipa africana mais poderosa, em Cabo Verdade no dia 1 e jogamos no dia 5 o 2º jogo no país em causa e há seleções que têm o avião governamental, o que permite que no mesmo dia a equipa viaje, descanse, treine. Cabo Verde não, Cabo Verde tem que saltar para uma ilha, depois tem que saltar para Lisboa, depois tem que saltar para a África do Sul. Estou a dar o exemplo de Lesoto, onde vamos jogar. A Tanzânia, os Camarões, a Nigéria, que têm outro poder económico quanto mais não seja ganham diretamente por esse conforto. Porque viajar em África é difícil. É demorado, depois os aviões são pequenos, os jogadores que têm as pernas grandes vão encolhidos.

Em termos de recursos humanos também não deve ser fácil.
Sim, são um milhão e meio contando com os que estão em todo o mundo. Os melhores jogadores estão todos fora e muitos jogam por outro países. Reunir as pessoas e dar um corpo, colectivo, não só no campo como fora do campo, e nisso eles são difíceis de igualar porque têm um sentimento muito de equipa, de país, de bandeira, de hino, de emigração, portanto dificilmente podia ser melhor e ajuda muito. Em termos técnicos é exigente porque dependemos de uma série de filosofias diferentes de treinadores e depois temos quatro ou cinco dias para unificar as ideias. Que é difícil. Uma pessoa treina de uma maneira todo o ano e de repente vem outro fulano dizer não faças isso assim porque eu quero antes assado. Por isso, o esforço tem de ser ao milímetro, organização, a optimização de tudo aquilo que se faz tem de ser aproveitando ao limite. Enquanto pessoa e enquanto treinador o papel é muito de abraçar a malta que chega e fazê-la funcionar em pouco tempo.

Foram dois anos e vem embora por questões financeiras certo?
Também, mas não só. Porque a direcção que me convidou entretanto foi substituída. Houve eleições eles quiseram sair e entraram outros. Não foi só pelo dinheiro, se fosse só pelo dinheiro eu não me tinha vindo embora, foi um conjunto de situações que achei que não podia continuar. Entretanto dá-se o inverso. Esses senhores que lá estavam saem e regressam aqueles que me contrataram. E são gente que eu sei que dá garantias de mesmo numa estrutura limitada de poucos recursos, mas o valor humano está lá e a organização e o profissionalismo.

Ficou feliz com o regresso então.
Fiquei.

A sua maneira de ser encaixa mais no papel de seleccionado do que no de treinador?
Não, acho que há diferenças de facto, mas é uma questão de ajuste de flexibilidade, de perceber o contexto. Acredito que haja gente que encaixe num contexto e noutro não. No meu caso acho que tenho a elasticidade suficiente para acertar tanto num como noutro projecto.

Tem pena de não ter sido mais treinador de clube?
Tenho. Tenho porque é mais diário, é mais stress, mas ao mesmo tempo o exercício de treino, do dia a dia da melhoria, é algo que faz falta e desenvolve mais o treinador. O dia a dia é que nos melhora. 

Está disposto a voltar a treinar diariamente?
Sim. Foi o que fiz agora no Egipto que foi a última passagem antes de regressar a Cabo Verde.

Como foi no Egipto?
Difícil. País difícil, se a I divisão já é difícil lá no contexto de divisão secundária no Egipto é horrível. Ir jogar fora é uma coisa...

Como assim?
Não se sabe o que vai acontecer. Em termos de segurança, de qualidade dos campos, dos árbitros. 

Alguma vez apanhou algum susto?
Não especialmente. Ali percebe-se que a cada esquina, e a cada esquina dentro de campo mesmo, é uma desorganização. Eles têm muitos policiais, mas curiosamente metem uma data de polícias fora do campo, depois dentro do campo passa-se tudo e não há polícia nenhum. De facto não me senti bem, não era aquilo que eu esperava. E decidi voltar. Também porque já havia a perspectiva deste regresso à seleção de Cabo Verde.
O seu filho mais velho é publicitário, mas a Mariana é jornalista na área do desporto e ao Martim seguiu-lhe as pisadas e tornou-se jogador de futebol. Como lida com isso?
A Mariana sempre praticou desporto, foi voleibolista até ter que escolher a profissão. Ela jogou voleibol na I divisão até aos 25 ou 27 anos. Jogou no Sp. Braga e depois veio para cá para a Lusófona. Adora desporto e a adoração empurrou-a para esse tipo de meio. É uma escolha dela. Mas a verdade é que ela não se imaginaria a fazer aquilo que está a fazer. É uma miúda a dar para o tímido. Ela iniciou-se no Record a escrever. Depois abriu um concurso para a televisão e achou que era uma porta qualquer que se poderia abrir melhor e foi. Foi escolhida. Acho que é uma miúda muito profissional, muito empenhada, inteligente, sabe falar, e sabe bastante de desporto e de futebol. E lidera aquilo como não imaginaria. Ela é um bocadinho como eu. Eu trabalho em televisão há muitos anos, pontualmente, e sei que as pessoas achavam que por causa do meu temperamento eu não iria ter sucesso, mas tem-se revelado o contrário. Também em competição eu não era a mesma pessoa de fora. Quem me via como civil, tranquilo, e me via a competir eram coisas diferentes. Acho que é um bocadinho o caso da Mariana enquanto cidadã e profissional da televisão. Transformamo-nos e aquilo que parece que não dá, dá.

Gosta do papel de comentador?
Gosto. gosto de facto. Não gosto de chavões, de falar aquilo que toda a gente fala. Mas também não pretendo ser demasiado sofisticado e pretensioso para tentar ser diferente. Procuro ser natural e com uma linguagem pessoal, dizendo as coisas mesmo incómodas mas de uma maneira delicada, educada. Porque às vezes é só estúpido a maneira como se é frontal. É como com os jogadores, uma da coisas que eu acho que temos de ser é verdadeiros e justos. E eles sentem. Essa é uma grande arma do treinador, ser justo.

Teve treinadores assim ou foram mais o que não eram assim?
Naquele meu tempo e até determinada altura o treinador era sempre o artista, o malandro, o que tem o truque, um bocadinho o Portugal. Hoje não. E o jogador percebe isso. O jogador tem um bocadinho fama de mal formado mas não é bem assim.

Hoje são mais bem formados?
Sem dúvida. Quando digo mais bem formados, digo com mais experiência escolar e com mais vivência. A sociedade também se abriu. Antigamente nós comíamos com tudo e, paciência. é como a história de Saltillo de que estávamos a falar. Esta gente hoje em dia... O meu filho joga no Campeonato de Portugal e tem uma opinião muito definida. É um miúdo com capacidade, com a faculdade também, apesar de ter congelado a matrícula em Letras e Literaturas da Universidade Nova.

Percebeu desde cedo que o Martim ia ser jogador de futebol?
O Martim revelou qualidades desde muito cedo, não só para mim, como também para os clubes. O mesmo Aurélio Pereira que me convidou a mim, convidou a ele.

Ele também sofre com o peso do nome?
Sem dúvida.

Isso tem complicado mais do que ajudado?
Não tenho qualquer tipo de dúvida. Nem em relação a mim, nem em relação a eles. Embora no caso da Mariana é diferente, até porque ela se afirma com muita clareza. O Martim sofre de maneira diferente, porque é a mesma actividade do avô e do pai.

Mas ficou contente por ele ser jogador?
Sim. Mas ele escolheu. Embora de facto ele tenha capacidade para jogar. Ele tecnicamente é muito melhor que eu; é mais um médio ofensivo do que um ponta de lança.

Porque é que ele não vingou num grande?
Eu não acho nada, porque ele não teve essa oportunidade ainda. Ele nesta fase tem andado todo este percurso por esta divisão. Não tem tido oportunidade de elevar um bocadinho o nível da competição, que seria a II Liga. Achei que este ano ia ter essa oportunidade e até agora ainda não apareceu. E é uma pena, porque é um miúdo que tem qualidades que está um bocadinho fora...quem o vê jogar diz: "Este jogador não devia estar aqui".

Então porque é que acha que esse salto ainda não aconteceu?
Pois, não sei. Eu não queria exagerar na história do pai, mas tenho a certeza que não ajuda.

Ele tem uma tatuagem do avô numa perna.
Duas, fez agora a do pai também.

Isso deixa-o orgulhoso ou não é fã de tatuagens?
Eu fiz uma em Itália. Uma pequenina, que um cãozinho a babar-se supostamente a olhar para alguma cadelinha (risos). Mas já perdeu alguma cor. Na altura em Itália fazia-se bastante e os meus colegas faziam grandes tatuagens e eu naquele contexto decidi fazer uma pequenita.

Ainda não falamos dos famosos 6-3 e 7-1 entre Benfica e Sporting. Esteve em ambos.
Sim. 7-1 na primeira fase em que estive no Benfica, 6-3 na segunda.

O que recorda desses jogos?
Recordo que nos 7-1 não devia ter jogado (risos). Não só pelo resultado mas porque na semana anterior que tinha marcado dois golos ao Belenenses, tinha sentido uma dorzinha no adutor e devia ter ficado quieto. Mas eu estava em boa forma e evidentemente o treinador queria que eu jogasse. E fiz um teste e decidiu-se que eu entraria.

Mas como explica aquele resultado?
Tudo nos corre mal e aos outros tudo corre bem. Não há muito mais a dizer. É a inspiração de alguns e a desinspiração total de outros. No 6-3 também é isso. Um João Pinto inspirado. São números raros, mas que ficam. Esse 6-3 é um jogo que valia um campeonato praticamente, por isso é uma vitória muito importante, muito contundente, muito especial. E a outra é uma derrota também muito especial, que teve aquele efeito humilhante mas que não nos impediu de ganhar o campeonato nesse ano.

Há uma outra história antiga, que veio a público e que tem a ver com a rivalidade entre FCP e Benfica. O enxofre no balneário. Conte-nos lá o que aconteceu realmente.
Isso foi quando visitamos o FCP, jogo importante do campeonato e ganhámos 2-0, em 1991, no meu dia de anos. O descaramento era tal e a rivalidade levada ao extremo e a guerra entre clubes também que nós quando chegamos ao balneário eles tinham posto esse tal produto que eu não sei exactamente o que era, mas que não permitia que alguém o cheirasse, que se mantivesse dentro do balneário. Enfim, mais um episódio.

É supersticioso?
Não. Embora às vezes tenho aquelas coisitas que acho que qualquer um de nós tem, mas nada que eu consiga recordar o quê em concreto.

Alguma vez foi alvo de praxe ou praxou?
Não. Eles agora na selecção de Cabo Verde cada vez que há um estreante, tem de fazer um discurso e cantar. É uma ocasião engraçada sempre, mas não me lembro de ter feito nem que me tenham feito. 

Disse numa entrevista que pelo facto de antigamente haver muito menos câmaras nos jogos, havia muita pancadaria que passava em claro. Acha que havia mais maldade do que há hoje?
Havia, claramente, mas porque era permitido. Valia um bocadinho de tudo. Árbitros claramente mais pressionados, para ser elegante... E a cobertura dos jogos infinitamente mais ligeira. Por isso havia muita coisa que se passava naquele tempo que hoje me dia seria detectado. E o jogador hoje em dia também é muito mais defendido fisicamente do que era na altura, onde havia entradas que hoje seriam cartão vermelho directo e que não eram naquele tempo. Nesse aspecto acho que melhorou a arbitragem e os critérios.

O que retirou de si enquanto jogador que o tenha ajudado como treinador?
Muita coisa. A minha vivência, experiência aquilo que senti de treinadores, o que gostei e não gostei acabam por formar o produto que sou hoje, independentemente da questão mais científica, do método, daquilo que se aprende. Antigamente só se dava atenção aos fulanos que jogavam. Uma das coisas que mais me incomodava na altura enquanto jogador e enquanto assistente técnico de alguns treinadores era isso, porque num plantel precisa-se de toda a gente e sempre achei terrível que o tratamento não fosse igual. E essa é uma das minhas regras base, tomar atenção se calhar até mais àqueles que não jogam.

Quais os treinadores que mais o marcaram pela positiva e pela negativa?
Pela positiva, Jesualdo Ferreira. Ele foi meu treinador assistente do Toni, no Benfica. Pela negativa, o do E. Amadora, Acácio Casimiro. Não sendo bom achava que era bestial e era um tipo arrogante. Eu sempre gostei de cumprir horários e quando eu chegava cedo ao campo do E. amadora ele estava no café à frente do estádio, pois ele conseguia chegar atrasado ou chegar a correr. Isso é logo uma coisa que eu achava estúpida. Depois, a própria vivência.

Se fosse jogador hoje o que mudava em si?
Teria que moderar o meu relacionamento com os centrais (risos). Teria que moderar pela evolução tecnológica.

Onde é que ganhou mais dinheiro?
Onde fiz a minha evolução financeira foi no FCP. Fui para o FCP ganhar 11 vezes mais do que ganhava no Benfica.

Nunca se meteu em negócios, tirando a escola?
Com o Samuel e com o Vando, meus colegas de Benfica, cada um menos experiente que o outro, metemo-nos num supermercado. Surgiu a hipótese ali em Alfragide onde comprei o meu primeiro apartamento, eles viviam também naquela zona. Surgiu uma loja, aquelas coisas que não se pensa muito, e enfim, gente que joga futebol e que entrega a alguém supostamente credível e sério...E pronto, passado pouco tempo aquilo não deu. Mas pronto fomos colegas desse negócio (risos).

Sente que houve pessoas que se aproveitaram muito de si?
"Amigos" e mesmo um amigo verdadeiro, mas isso por uma questão patológica de vício de jogo. E outros vários. Tardei muito em ouvir ou em ter cuidado ou em não acreditar quase imediatamente nas pessoas. Isso custou-me bastante. Por isso, enquanto jogador teria alterado também essa minha natureza de acreditar nas pessoas.

Tem algum hóbi extra futebol?
Não.

O que faço nos tempos livres?
Vejo umas séries. Vi "A Casa de papel" o "Breaking Bad", que foi a melhor série até agora.

Tem algum género de música preferido?
Normalmente digo que gosto de música boa (risos), mas isso é subjetivo. Gosto muito de ouvir música. Ultimamente tenho ouvido música cubana.

É bom dançarino?
Não. Mas gostava de dançar se ninguém estivesse a olhar para mim. Gostava de aprender. A Leonor dança bem. E cantar? Não desafino. Tenho uma voz, para um civil, razoável. A minha irmã, Lena, numa determinada altura tinha ficado sem o vocalista e convidou-me, mas eu não tinha na altura disponibilidade mental para esse tipo de desafio. O meu pai cantava bem, e assobiava muito bem, tinha aquela coisa dos pássaros, dos animais. Eu também sou um bocadinho assim como ele. Mas ele era africano de nascimento, os cães adoram-no, ele tinha aquela sensibilidade animal. Ele conseguia imitar vários sons, desde papagaios a pardais.



O seu caminho nunca se cruzou com o da sua irmã?
Não, nem os amigos. A minha irmã do meio juntava-se à Lena, com os amigos. nós andámos um bocadinho separados. Depois, a partir do momento em que começamos a tocar a nossa música, fomo-nos apoiando um ao outro. Eu gostava do que ela fazia, entrei num teledisco que ela fez na praias das Azenhas do Mar, apareço a dar uns toques na bola enquanto ela está na piscina a cantar. Ia ver os concertos quando podia.

Alguma vez sentiu necessidade de lhe deitar a mão?
Sim. A Lena um temperamento um bocadinho diferente, eu sou mais parecido com a Cristina, mas sempre vivemos muito a nossa vida. Mesmo hoje em dia, a frequência com que nós vemos é muito baixa. Falamos, preocupamo-nos, aqui e ali comunicamos, mas não somos daquelas famílias que estão em permanente contacto.

Não se reunem no natal?
Depende. Cada um tem o seu núcleo. Não é aquela tradição familiar de passarmos juntos. Sempre fomos cada um no seu caminho, embora sabendo dos outros, mas com intervenção discreta."