Últimas indefectivações

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Emoldurar !!!

Regresso às vitórias...

Benfica 9 - 0 Belenenses

Vitória demolidora... e com um golo para recordar (que merece um post só para ele!!!). Depois do empate a meio da semana, o regresso à normalidade...

Vitória relâmpago!!!

Benfica 3 - 0 Castêlo da Maia
25-14, 25-13, 25-16

Vitória rápida, que não permite a recuperação do 1.º lugar, nesta fase da competição...

Benfica FM - Temporada 2004/05

O grito


"Se me fosse dado a escolher um quadro para ilustrar a época futebolística do Benfica até ao momento, julgo que a celebérrima obra-prima de Munch, O Grito, seria a mais adequada. Não apenas por tudo o que se tem passado, mas também pelo manifesto contraste em relação às expectativas iniciais.
O presidente do inédito tetra, do tri 39 anos depois, do bi passado 31 anos e da dobradinha que não acontecia há 27 anos, adjuvado por uma estrutura que contribuíra indelevelmente para o retumbante sucesso de anos anteriores, optou pelo regresso a um dos treinadores mais titulados na história do Benfica, e cuja enorme competência quase ninguém colocou em causa. Acresceu o avultado investimento no apetrechamento do plantel, promovendo-se a contratação de vários internacionais de países consagrados no futebol.
O resto todos sabemos: eliminação precoce da Liga dos Campeões, num só jogo e em terreno adversário: saída de Rúben Dias e lesão de André Almeida; subsequente necessidade de refazer a defesa e instabilidade defensiva que urgiu travar enquanto a sobrecarga do calendário não permitia treinar; casos de covid a surgirem e a minarem a equipa até que o surto dizimou o plantel e a estrutura; e péssimas arbitragens que acentuaram o período negativo e objetivamente nos prejudicam na classificação.
Munch inscreveu no seu O Grito que 'só pode ter sido pintado por um homem louco!'. Pois só também um louco poderia imaginar esta época até agora. Porém, ainda não terminou. Temos de ser sempre mais fortes que os adversários, incluindo árbitros, e mais eficazes na finalização. As condições dadas à equipa são óptimas, o treinador tem currículo robusto, e os jogadores de certeza que não desaprenderam."

João Tomaz, in O Benfica

Nem com Supergel


"Tenho uns calções que parecem o futebol português. São meio-acastanhados, caqui será o termo mais correcto, de acordo com os profissionais das tonalidades do pronto-a-vestir. Têm bolsos de lado, onde podem caber um bloco de apontamentos ou a carteira com documentos.
Lembro-me bem do dia em que os estreei. Fazia calor, estava a comer numa esplanada de praia, e uma porção de maionese escorregou ferozmente para meio da perna esquerda. Já fiz umas boas dezenas de viagens com eles. Na maior parte das vezes, trouxe recordações que dificilmente se esquecem: molho de carne junto à virilha direita, chocolate derretido na borda do bolso pequeno esquerdo e uns quantos rasgões ali bem perto de um dos joelhos, no bolso de trás e junto ao fecho.
Gosto muito de futebol, não tanto quando gosto do Benfica, mas acredito que estes calções são a clara imagem desta modalidade em Portugal. Tal como os calções, o futebol é um desporto que aprecio, mas que tenho cada mais dificuldade em consumir.
Face ao estado de degradação desta minha querida peça de roupa, já não a posso usar tantas vezes quanto queria, é cada vez mais para consumo interno: uso os calções no jardim, para andar em casa, porque as manchas já não saem, e, sinceramente, estão mesmo com muito mau aspecto para os exibir em público.
As nódoas do futebol português estão - também elas - cada vez mais entranhadas no tecido. O que se passa, em especial nesta temporada, já não tem remédio. Nem o Supergel (publicidade à parte), com os seus químicos destruidores de sujidade, conseguiria atenuar a enxovia actual da arbitragem da primeira liga. Só vejo uma solução: deitar fora os calções, comprar uns novos e aprender a comer sem me sujar."

Ricardo Santos, in O Benfica

Cuidem-se, isto não é brincadeira nenhuma


"Tudo começou com uma dor de cabeça. Estranha, diferente. Mais intensa quando estabelecia contacto visual com o ecrã da televisão, computador ou telemóvel. Mais leve, apenas com o quarto escuro, a cabeça em repouso na almofada, os olhos fechados à procura do sono. Depois, as costas. Os músculos em geral. Um desconforto em crescendo que nem o leite de creme da minha mãe a sair da panela conseguiu travar. Claro. Também tinha perdido o paladar, o cheiro e o sorriso. Vieram os vómitos, a tosse e a febre. Nenhum Ben-U-Ron eliminou os sintomas. No meio da aflição, o pior ainda estava para chegar: a falta de ar. Querer respirar e não conseguir. Tentar inalar todo o oxigénio do mundo e nem assim recuperar o fôlego. Assustado, perturbado e ansioso, ganhei coragem e peguei no telemóvel: 800 24 24 24, liguei para o SNS 24. Nos dia seguinte fui fazer o teste e, dois dias depois, chegava a pior das notícias. Estava confirmado o que os sintomas já indicavam. Pela primeira vez na vida, eu estava com uma crise de sportinguismo agudo. Isto de estar em 4º lugar, a 15 pontos da liderança, ganhar apenas 3 jogos durante 10 jornadas consecutivas e ter 1 ponto de vantagem para o Paços de Ferreira à 20.ª jornada é um cenário que se imagina horrível, contudo não sabia que causava tantos efeitos secundários no organismo. Então, é isto que os sportinguistas sentiram a vida toda. Que gente tão corajosa. Dizem que há uma primeira vez para tudo. Nesta matéria, está visto, estou prontíssimo para voltar ao normal. Porque esta sensação de sportinguista não é nada agradável, claro. Mas sobretudo porque tenho saudades de me sentir Benfica."

Pedro Soares, in O Benfica

Angústia


"Independentemente do que tenha ocorrido no jogo com o Arsenal, a temporada benfiquista está a ser penosa. À semelhança, aliás, do que já acontecera com a parte final da época passada.
De facto, desde o dia 8 de Fevereiro de 2020, quando, campeã em título, entrou no Estádio do Dragão com possibilidade de sair de lá com uma vantagem de 10 pontos e perdeu por 3-2, a equipa do Benfica entrou numa espiral negativa que a fez esbanjar sucessivamente Liga Europa, campeonato, Taça e, já nesta temporada, Liga dos Campeões, Supertaça, Taça da Liga e, como tudo indica, novo campeonato.
Mantendo a base da 'Reconquista', robustecida com internacionais da Alemanha, do Brasil, da Argentina, do Uruguai e da Bélgica, e orientada pelo técnico mais ganhador do futebol português da última década, a verdade é que, em campo, as coisas não funcionam. As semanas passam, e tudo vai ficando cada vez pior. Com um plantel tão rico, um treinador de excelência, e uma estrutura de provas dadas, vendo de fora é difícil encontrar razões para o parco rendimento.
Há atenuantes que importa ponderar: covid, arbitragens, bancadas vazias e calendarização. Mas tais circunstâncias não dispensam uma reflexão profunda sobre o que tem corrido mal, reflexão essa que não poderá deixar de parte o intrigante colapso no campeonato 19-20 - ainda pro digerir peal família benfiquista. Não se resolvem problemas de cabeça quente. E não se gere um clube a partir de pinturas nas paredes. É preciso serenidade, autocrítica e, mais do que nunca, união. De dentro e de fora. Sem ela, o final de época pode ser ainda pior do que se anuncia."

Luís Fialho, in O Benfica

Os vices


"O Sport Lisboa e Benfica não para e segue a todo o vapor, rumo aos próximos quatro anos. No início da semana passada, a Direcção anunciou a redefinição do pelouro das modalidades, com o vice-presidente Domingos Almeida Lima a passar as cinco modalidades de pavilhão para Fernando Tavares, que já tinha o Benfica Olímpico e o futebol feminino. Uma decisão baseada na complexidade das funções que ambos desempenham. Domingos Almeida Lima, cujo trabalho realizado no andebol, basquetebol, futsal, hóquei em patins e voleibol é merecedor dos mais rasgados elogios, irá concentrar-se, sobretudo, no apaixonante dossier das Casas, com a implementação do modelo 2.0. Fernando Tavares terá a dura missão de perpetuar e melhorar o ecletismo do Clube, gerindo 32 modalidades e 2500 atletas. Ambos são dirigentes com provas dadas, com uma dedicação fora do comum e, por isso mesmo, foram justamente reconduzidos por Luís Filipe Vieira. Fernando Tavares tem um percurso profissional na área da organização e gestão de empresas que fala por si, com uma experiência sobretudo enquanto gestor da grande multinacional BP, onde exerceu cargos de elevada responsabilidade em Paris, Londres, Bruxelas, Madrid, Milão e Lisboa. Quando assumiu funções no Benfica, em 2003, foi o responsável pela contratação de figuras emblemáticas - Ricardinho (fusal), Telma Monteiro (judo), Nélson Évora (atletismo) e Diogo Rafael (hóquei em patins). Regressou em 2016 e, além de ter contratado duas grandes estrelas - Pedro Pablo Pichardo (atletismo) e Fernando Pimenta (canoagem) -, pôs em marcha o futebol feminino com o êxito que é reconhecido. A Domingos Almeida Lima e a Fernando Tavares desejo os maiores sucessos, pois as suas missões, nos dias de hoje, são desafios só ao alcance dos homens corajosos, destemidos e resilientes."

Pedro Guerra, in O Benfica

Avós de Portugal


"O Benfica não para de inovar. E, como sempre, não pensa só em si, mas nos outros e na responsabilidade social que tem para com eles, adeptos ou não, uma organização gigante num país reconhecidamente pequeno como o nosso. Não nos iludamos, os impactos da covid-19 afectam a nossa sociedade sem exceções, e as dores que todos os portugueses sentem, todos as sentimos aqui também. Foram, e são, necessárias adaptações difíceis e imaginativas para conseguirmos continuar a produzir a riqueza de que a nossa economia tanto precisa para se reerguer. Produzir, tanto ou mais, é um desafio de todos e um foco para cada um de nós. Cuidar da família e dos que nos estão mais próximos impõe-se igualmente e a todos, por vezes de forma repentina e dramática. Mas todos continuamos porque é preciso continuar e fazer, mais e melhor, se necessário tudo ao mesmo tempo, mas nunca parar ou deitar a toalha ao chão.
Tudo isto é verdade, mas tudo isto corre o risco de desviar a nossa atenção individual e a nossa energia para nós próprios e para o nosso círculo social de proximidade, simplesmente porque não é, ou não parece ser, possível ir além. Importa, pois, atenuar cuidadosamente, mais que nunca, talvez, nos sectores mais vulneráveis da nossa sociedade e reconhecer as suas dores revendo-nos, se possível, na sua mitigação. Por outras palavras, olhar para os mais vulneráveis e ver soluções para o seu bem-estar físico e emocional. Foi isto que os colaboradores do SLB quiseram e souberam fazer, de forma organizada pelos Recursos Humanos do Clube, encontrando nas suas competências e conhecimentos valores que podem entregar aos mais idosos melhorando o seu bem-estar enquanto voluntários numa parceria entre a Fundação Benfica e a RUTIS - Rede de Universidades Seniores. Nada menos que colaborar voluntariamente como formadores da Universidade Sénior Virtual, quebrando as solidões do confinamento, estreitando laços duradouros e abrindo a porta ao fantástico Universo Benfica ao encantamento dos Avós de Portugal.
Valeu, pessoal!"

Jorge Miranda, in O Benfica

Núm3r0s d4 S3m4n4


"0
Só não é uma repetição da semana passada porque (1) deveria ter sido assinalada grande penalidade a castigar uma falta na área do Farense sobre Rafa, adensando os contornos de escândalo desta época; (2) Agora é inédito. É a primeira vez que o Benfica não dispõe de qualquer penálti a seu favor nas primeiras 20 jornadas do campeonato nacional (excluem-se, obviamente, as 10 edições com menos do que 20 jornadas);

2
Foi apenas a segunda vez que o Benfica foi visitado em casa alheia desde a inauguração deste Estádio da Luz em 25/10/2003. O Benfica-Arsenal, em Roma, foi antecedido pelo Benfica-Gil Vicente, a contar para a Taça da Liga, na temporada 2013/14, disputado no Estádio do Restelo;

3
Pizzi tornou-se no 3.º melhor marcador de sempre do Benfica na Liga Europa/Taça UEFA (9 golos, igualando Simão, que participou em mais 9 jogos). Nas competições europeias, Pizzi é agora o 8.º melhor de águia ao peito, com 14 golos (é o 24.º em todas as competições oficiais, com 90). Sublinhe-se que, após o desafio da 1.ª mão com o Arsenal, Pizzi liderava os marcadores, com 7 golos, na presente edição da Liga Europa;

15
Pontos de distância para o líder do campeonato à 20.ª jornada. Manifestamente inesperado tendo em conta os vários campeões no plantel, o elevado investimento em atletas internacionais e a chegada de um técnico cujo currículo está recheado de títulos, incluindo ao serviço do Benfica.

66,7%
Esta percentagem só é relevante para quem ler esta edição do jornal O Benfica na quinta-feira. O Benfica empatou a uma bola na 1.ª mão de uma eliminatória da UEFA, quando disputada em casa, pela 7.ª vez. O apuramento foi conseguido em 4 das 6 ocasiões anteriores."

João Tomaz, in O Benfica

Condolências por Alfredo Quintana


"Experiente andebolista, de 32 anos, faleceu às 12h00 desta sexta-feira. O Sport Lisboa e Benfica endereça as mais sentidas condolências à família e amigos de Alfredo Quintana, bem como ao FC Porto e à Federação de Andebol de Portugal, após a notícia que deixou consternado o universo desportivo português.

Segundo informação do Hospital de São João, no Porto, o experiente andebolista, de 32 anos, faleceu às 12h00 desta sexta-feira, quatro dias após ter sofrido uma paragem cardiorrespiratória num treino do FC Porto.
Quintana era um dos mais marcantes guarda-redes de andebol da atualidade. Natural de Havana, naturalizou-se cidadão português e passou a representar a Seleção Nacional, desde 2014, estando associado às melhores participações de sempre num Europeu (6.º classificado, em 2020) e num Mundial (10.º, há cerca de um mês).
Este é um momento para homenagear um atleta de excelência que sempre deu tudo pelas camisolas que envergou. Ficam o seu exemplo e forte espírito desportivo, que certamente permanecerão como referência para os jovens que ambicionam fazer carreira no andebol de alta competição."

Benfica After 90 - Arsenal...

“Uns chavalos drogados gritaram 'oh palhaço'. Eu, burro, respondi, levei e dei socos, fugi e fiz uma rutura. Porque não fiquei calado?”


"Porque "nunca tive muita paciência", diz às tantas João Peixe, formado no Benfica e uma das maiores promessas do futebol português que não atingiu o ponto de rebuçado talvez por causa da impaciência. Como daquela vez em que meteu na cabeça que tinha de ir para Inglaterra e deixou o Estrela da Amadora para trás mudando provavelmente o curso da carreira. A alcunha dele era Traimão: um peixe que dá choque.

Nasceu na Nazaré. Fale-nos um pouco da sua família, quem eram os seus pais, o que faziam profissionalmente, tem irmãos?
Sou filho único. O meu pai foi durante muitos anos pescador, agora está reformado. Foi pescador na Nazaré e no estrangeiro, embarcado em navios, e a minha mãe foi durante muitos anos, peixeira, vendia peixe de porta em porta. Uma família típica daquela zona.

Lembra-se de ir com a sua mãe vender peixe?
Sim, lembro-me de ir com ela à lota principalmente, quando o meu pai estava no mar com o meu avô e com o meu tio. Eles tinham uma traineira e quando estavam a chegar ao porto de abrigo para descarregar comunicavam por aqueles rádios de onda curta, salvo erro, e as mulheres eram chamadas. Eu estava lá com a minha mãe também, também ia à noite para a lota.

Era um puto reguila?
Era reguila sim [risos]. Era reguila ao ponto de me chamarem coisa ruim, como se costuma dizer [risos].

Qual foi a primeira asneira daquelas que mereceu um castigo mais duro?
Lembro-me de duas. Uma vez peguei num pau e dei na cabeça da minha avó e uma vez o meu pai passou-se comigo porque atirei uma pedra a um carro. Acabei por não fazer qualquer estrago no carro, foi ao lado, mas o meu pai passou-se comigo e deu-me uma coça.

Gostava da escola?
Gostava, gostava da escola e fui sempre muito bom aluno até ir para Lisboa, para o Benfica. Depois naquele último ano antes de ir, foi uma desgraça, a minha cabeça já não estava lá.

Faltava às aulas para ir jogar à bola?
Não, faltar às aulas não, mas nos intervalos das aulas, aqueles 15 minutos, meia hora de intervalo, já no ciclo, na preparatória, tínhamos um campo de futebol dentro das instalações do externato Dom Fuas Roupinho e passávamos os intervalos a jogar à bola.

Sempre disse que queria ser jogador de futebol?
Sempre.

Torcia por que clube?
Sempre fui benfiquista. O meu pai era benfiquista e eu comecei a gostar de futebol e a ver os jogos na televisão com o meu pai.

Quem eram os seus ídolos?
Os meus ídolos naquele tempo, eram o Nené, Filipovic, mais tarde, quando começo a ter outra noção e já estou em Lisboa, eram o Rui Águas, Magnusson.

Com que idade e como vai parar aos Nazarenos?
Aos nove anos, era infantil. Houve captações, foram cerca de 70 miúdos e eu também fui lá fazer os testes, aquilo era pegar na bola e tentar fintar todos para impressionar [risos], Fiquei e de forma natural comecei a fazer parte da equipa de infantis. Tenho uma história engraçada nos Nazarenos.

Conte.
Eu sou expulso num jogo contra o Sporting Clube da Estrada, que era uma equipa ali perto, de Peniche. Era como se fosse um Nazarenos-Peniche que eram dérbis de cortar à faca em qualquer escalão. E houve um jogador deles que me deu uma grande porrada junto à bancada, era a chamada zona dos índios, onde estava aquele pessoal que fazia mais barulho. Ele deu-me uma grande porrada, numa jogada por trás e eu instintivamente desatei ao soco com ele e fui expulso. Foi a minha única expulsão, serviu-me de exemplo para toda a vida. A sensação de ser expulso...Senti-me muito mal e apanhei dois jogos de castigo. Cumpri um jogo que ainda faltava no Bombarral nessa fase e depois íamos jogar a meia final do campeonato distrital de infantis com o Marinhense, mas eu não podia ir jogar. Só que eles lembraram-se de meter-me a jogar com o cartão de outro jogador [risos].

Não foi apanhado?
[risos]. A única coisa que me disseram que eu tinha de saber, era o nome que estava no cartão com que ia jogar. Nunca mais me esqueci do nome: Marco António de Sousa Lopes, era o nome do meu colega que era conhecido pelo Bolachas. Mas deviam-me ter dito também para eu decorar o nome da mãe e do meu pai, caso eu fosse chamado à cabine do árbitro no final do jogo. Jogamos, ganhamos 1-0 e fiz o golo. Eu já era conhecido ali na zona e o treinador da equipa do Marinhense fez queixa de mim. Fui chamado à cabine do árbitro que me perguntou como é que eu me chamava, eu respondi: Marco António de Sousa Lopes, perguntou-me o nome da minha mãe e do meu pai e eu fiquei atrapalhado e inventei "Olhe o meu pai chama-se Manuel de Sousa Lopes e a minha mãe, chama-se Maria" [risos]. Não fui bem treinado e apanhei seis meses de suspensão.

Ficou zangado, não?
Claro, eu tinha 11 anos. Aquilo foi muito mal feito porque bastava dizer-me para decorar o nome dos pais ou então acabava jogo e alguém pegava em mim e levava-me logo embora. O que aconteceu é que o treinador da equipa adversária era um ex-colega do meu treinador, senhor António Maranhão, e tinha andado uma época inteira a jogar com um jogador mais velho com um cartão de outro. Então o senhor Maranhão achava que ele nunca na vida ia fazer queixa, mas fez [risos]. Eram amigos mas ele ficou chateado.

Como surge o Benfica?
No ano seguinte não há o escalão de infantis por falta de verbas e ficamos parados sem jogar e então organizaram torneios, uns de futebol de sete e outros de futebol de onze. A malta dos Nazarenos fez uma equipa e limpámos os torneios da Páscoa e de verão e no final, o dona da equipa, disse que tinha um conhecimento juntamente com o António Carlos Midões, no Benfica, e que quem quisesse ir fazer testes que dissesse que eles levavam a treinar. Na altura fomos três da Nazaré. Fui eu, um primo meu e outro colega.

Os seus pais nunca se opuseram?
Não. O meu primo era bom jogador mas não ficou. Era do escalão acima, era mais velho do que nós um ano e isso também teve influência.

Esse seu primo é o Emílio Peixe?
Não, é outro meu primo, o Nuno. Eu e o Emílio não somos primos direitos, mas os nossos pais ainda são primos.

Entretanto ficou no Benfica.
Sim, o treinador era o António Bastos Lopes, convidaram-me para fazer contrato com o Benfica, a representar a equipa de iniciados do Benfica.

Foi viver para Lisboa, naturalmente.
Sim, fui sozinho, com 13 anos, para o centro de estágio debaixo das bancadas, junto à loja do Benfica. 

Como é que foi quando se viu sem os seus pais?
Para mim foi tudo bom. O meu pai na altura estava embarcado, eu era filho único e passei a viver num sítio onde tinha muitos "irmãos" e claro, ia muito motivado, muito contente.

Nunca chorou com saudades de casa?
Quando cheguei lá era tudo novo, estar a vestir a camisola do Benfica, viver no estádio, ir ver os treinos dos seniores, ver os meus ídolos de perto, ir aos torneios, na pré-época deu para vir a casa na folga porque ainda não havia escola, era verão, e foi tudo muito bonito. Passados uns meses, começa a vir o inverno, os dias a ficar mais curtos, começa a escola, já não vamos tantas vezes a casa na folga, começa a competição do campeonato a sério, há um jogo ou outro que pode não correr bem e...Cheguei a chorar. Lembro-me de estar a chorar no quarto e apareceu um colega, o Rui Ferreira, que jogou no Vitória de Guimarães mais tarde, "Então pá, o que é que se passa, estás a chorar?!". Eu, com vergonha, não ia dizer porque é que estava a chorar e inventei uma desculpa que tinha morrido alguém. Mas não, estava triste porque a minha mãe tinha lá estado comigo a ver o jogo e no final fui deixá-la no Saldanha para ela apanhar o autocarro para a Nazaré. Cheguei ao quarto e fui chorar.

Foi fazendo a formação toda no Benfica e entretanto é chamado pela primeira vez à seleção. Quando? 
Fui chamado à seleção de Lisboa, era titular e vencemos o torneio inter associações, isto em Sub-15. Depois fizemos um torneio de Sub-15 mas que era já a futura equipa de Sub-16, eram os Jogos Olímpicos da Juventude Europeia, em Bruxelas, na Bélgica. Foi essa a primeira experiência na seleção, a minha primeira internacionalização. Penso que começa aí a nascer, se não a melhor, uma das melhores gerações que o futebol português teve, com Nuno Gomes, Bruno Caires, Quim, Jorge Silva… E vencemos esse torneio.

Dos tempos no centro de estágio não faziam partidas uns aos outros?
Não, até portávamo-nos bem, a única coisa que fazíamos era pôr a música muito alta e o senhor Domingos, que tomava conta do centro de estágio, não gostava muito e desligava a luz no quadro e o pessoal ficava furioso também. Mas lembro-me de uma coisa engraçada que o mister António Bastos Lopes fazia quando fui para a equipa de iniciados dos Benfica.

Conte.
Quando íamos àqueles primeiros torneios internacionais, em que tínhamos de viajar, o mister na tanga com a malta que não estava habituada a andar de avião, começava uma ou duas semanas antes, com um caderninho onde tinha os nomes apontados, a perguntar quem é que se queria inscrever para o torneio de snooker na viagem de avião para Itália. Os que já sabiam alinhavam os que não sabiam como eu e outros, ficávamos naquela “snooker no avião?”; “Sim, não é quando o avião vai a subir ou a descer, é quando está lá em cima direito, no ar” [risos]. E claro havia malta que caia.

Adaptou-se bem à escola em Lisboa?
Não, andei dois anos e desisti no 8º ano, mais tarde é que acabei o 12º ano, já em adulto.

Quando começam os primeiros namoros e as saídas à noite?
Muito sinceramente, nunca fui de sair à noite. Saía à noite nas férias, na Nazaré. Nas folgas só saí à noite quando já era sénior. Agora, no verão, quando ia passar férias à Nazaré ia para para a discoteca curtir como os outros faziam. Mas sempre fui muito disciplinado nesse aspeto. A minha primeira namorada foi uma rapariga da Nazaré, mas foi coisa de pouco tempo.

Entretanto, tem o seu momento de glória no Europeu de Sub-18 em 1994, em Espanha, onde é campeão.
Sim. Estava a acabar o escalão de juniores. Antes dessa conquista, as duas primeiras conquistas foram de bicampeão nacional de juvenis.

Quanto dinheiro recebia do Benfica nessa altura?
Quando assinei a primeira vez, recebia 12 contos (60€).

Lembra-se do que fez ao primeiro dinheiro?
Penso que fui ao centro comercial Fonte Nova comprar umas calças de ganga vermelhas [risos]. Naquela altura estavam na moda. Comprei as calças e uma camisa numa loja fixe que havia lá. Mas isso não era o ordenado, era o subsídio para o passe.

Então qual o valor do primeiro ordenado?
O primeiro ordenado é quando começo a ir à seleção, a ser internacional e na altura houve interesse do FC Porto e eu aproveitei; não que eu quisesse sair do Benfica, mas aproveitei para fazer o meu primeiro contrato que foi no meu segundo ano de juvenil, com 16 anos e eram 85 contos (425€). E comprei uma televisão e um vídeo.
Ainda estava a viver no centro de estágio?
Sim, estive a viver no centro de estágio dos iniciados até ao último ano de júnior.

Recorda-se da primeira vez que foi chamado à equipa sénior?
Foi no meu 1.º ano de júnior. Foi pelo mister Toni. Se a equipa sénior tinha falta de jogadores ou porque estavam na seleção ou porque estavam lesionados, e precisava de três ou quatro jogadores para poder fazer uns treinos, solicitava ao coordenador da formação, que era o mister Nené. E o Nené é que escolhia quem achava que merecia a oportunidade de viver essa experiência. Foi no meu 1º ano de júnior que tive a minha primeira experiência.

Que memórias é que tem?
Tenho memória de que eu era muito forte no jogo aéreo, ganhava praticamente as bolas todas de cabeça. Quando começavam as peladas, o treinador atirava a bola ao ar, eu ia sempre disputar e normalmente ganhava. Mas ali nos seniores havia o Mozer [risos]. Ele ganhava sempre a bola de cabeça e os outros jogadores, na brincadeira começavam a rir e a provocá-lo para ver se me afiambrava, se me dava um encosto e eu caía . Ele olhava para mim e via que eu era um miúdo e nunca fez isso, mas achava piada. No 2.º ano de júnior, já treinava com os seniores todos os dias.

Como é que foi entrar no balneário sénior?
Quando há a apresentação, eu e o Bruno Caires íamos fazer parte do plantel na época 94/95 com o mister Artur Jorge e chegámos mais tarde porque estávamos no Europeu. Só me lembro que me equipava entre o Michel Preud ́homme e o Isaías.

Muito diferentes o Toni e o Artur Jorge?
Completamente. O Artur Jorge era uma pessoa que falava pouco. Era mais distante. Cumprimentava toda a gente do balneário, um a um, mas depois era parco em palavras, era distante. O Toni é aquilo que nós sabemos, uma pessoa mais terra a terra, nesse aspecto eram completamente distintos.

Percebeu logo que não ia ficar na equipa?
Eu fiquei até dezembro e possivelmente iria ficar lá a época toda, só que aquilo que era novidade para mim, de lá estar e de treinar com os seniores e essa coisa toda... quando chegamos a dezembro, já não é novidade. No princípio era motivante treinar com os seniores, achamos sempre que podemos ter alguma hipótese mas depois cheguei à conclusão de que era completamente impossível. Nesse ano tinha como concorrência o Caniggia, o Mario Stanic, o César Brito. Entretanto em novembro, dezembro já estou farto de estar ali, sinto que já não me contentava com os treinos junto dos meus ídolos. O Rui Águas já tinha ido para o Estrela da Amadora e saiu de lá para Itália, para a Reggiana, e eu vou para o Estrela: acabei por ser o substituto do Rui Águas no Estrela da Amadora.

Foi o Benfica que o mandou para lá ou pediu para sair?
Eu é que pedi para sair porque antes de começarmos o Europeu que vencemos em Espanha, fizemos estágio em Castelo de Vide, onde o Estrela da Amadora estagiava sempre. E fomos fazer um jogo de treino contra o Estrela da Amadora, ganhámos 3-0, fiz dois golos e fiquei a saber que o presidente do Estrela, o senhor Jaime Salvado tinha ficado impressionado comigo. Quando eu soube que o Rui Águas ia sair e que o Estrela andava à procura de ponta de lança para o substituir, eu próprio fui ter com o senhor Gaspar Ramos: “O Estrela da Amadora precisa de um ponta de lança e eu sei que o presidente Jaime Salvado aprecia as minhas qualidades, veja lá se não é possível emprestarem-me ao Estrela da Amadora". Eles falaram e realmente confirmou-se.

Está meia época como sénior no Benfica e vai para o Estrela onde estava Fernando Santos, certo? 
Exato. Era o mister era carrancudo, já se sabe, aquele feitio dele, de manhã...Havia as quartas-feiras que eram as chamadas “quartas-feiras europeias”, em que saíamos do balneário, nem aquecíamos, saíamos naquela rampa e era logo uma grande coça. Ele já falou sobre isso, aquilo tinha a ver, penso eu, com o Jimmy Hagan. O mister foi treinado por ele, aquilo era escola do Jimmy Hagan, claro que agora os tempos são outros e isso já não existe, mas naquele tempo era bem conhecidas as chamadas “quartas-feiras europeias” do mister Fernando Santos.

Nessa altura estava a viver onde?
Ora bem, quando subi a sénior tive que sair do centro de estágio e acertei com o Benfica um valor a pagar para eu poder arrendar uma casa; no entanto, comprei uma casa ali na Quinta da Luz, ainda não existia o Colombo. A minha mãe foi viver comigo, para me apoiar naquele primeiro ano de sénior.

Não havia ainda nenhum namoro sério?
Eu comecei a namorar com aquela que ainda é hoje é a minha esposa, naquela transição entre Benfica e Estrela da Amadora, foi quando conheci a Lara.

Conheceu-a como, o que é que ela fazia?
A Lara estudava na Universidade Nova, Literatura Portuguesa, e vivia na Quinta da Luz na casa dos tios. Cruzámo-nos ali. Passado uns meses a Lara começou a apresentar o “Top +”. Houve uma fase em que o Top Mais era apresentado por três raparigas desconhecidas, uma loira, uma morena e uma ruiva e a Lara era a morena. Ela ainda apresentou o “Top +” durante três anos.

Como correu essa época no Estrela da Amadora?
Ia ser uma época difícil porque íamos participar no Mundial de Sub20 no Qatar e passávamos a maior parte da semana na seleção, estávamos na seleção de segunda a quinta, portanto ia ser difícil afirmar-me na equipa, mas mesmo assim correu bem. Não fui um titular absoluto, mas fiz dois ou três jogos a titular e quando não era titular entrava sempre. Acabei por fazer três golos, dois contra o Belenenses e um deles, foi um dos golos muito importantes para a manutenção, foi na vitória contra o União da Madeira. Acabou por ser positivo, tanto que no ano seguinte o mister Fernando Santos queria que eu continuasse.

Não continuou porquê?
Porque fui parvo. Tinha o sonho de jogar em Inglaterra e houve um empresário, o Ângelo Martins, que tinha levado o José Dominguez para o Birmingham e o Rui Esteves para a Escócia, salvo erro para o Dundee United, e eu como tinha a característica de ser muito forte no jogo aéreo, ele fez-me ver que eu ia encaixar muito bem no futebol inglês ou no futebol escocês. Fui iludido por isso e também porque o mister Fernando Santos vai buscar jogadores ao Estoril - vem o Nova - e esse agente começou a encher-me a cabeça “Não vais jogar, não vais jogar" e não sei quê, começou-me a pôr coisas na cabeça. E eu fui burro, não quis ficar no Estrela da Amadora. Mas já tinha dado a minha palavra ao Estrela, já me tinha apresentado e já estava com uma semana de treinos no Estrela.

Teve problemas em sair? Não teve de pagar nada?
Não, porque ainda não tinha assinado, porque foi naquela primeira semana em que estamos ali e somos chamados para ir assinar e eu ainda não tinha assinado. Ainda era jogador do Benfica, tinha três anos de contrato com o Benfica.

Chega a ir para Inglaterra?
Fui. Esse empresário tinha um empresário intermediário que era uma figura do futebol inglês que tinha jogado no Liverpool, o Dave Watson, era treinador e agente ao mesmo tempo. A ideia era ir treinar à equipa onde esse empresário era treinador, o Darlington, para ele ver se eu era bom jogador e depois levar-me a treinar ao Dundee United, na Escócia, ou a alguns clubes importantes do futebol inglês. Eu fui. Troquei o certo pelo incerto, porque estava no Benfica, emprestado ao Estrela da Amadora, ao pé de casa, com um treinador que me conhecia, na I divisão. Porque é que fui inventar de ir para Inglaterra, com aquela ilusão de querer jogar no futebol inglês? Quando eu lá estava, o Benfica que tinha dito que me deixava ir resolveu chamar-me.

Porquê?
Eu acho que teve a ver com a situação do José Dominguez vir para o Sporting, porque o José Dominguez fez camadas jovens no Benfica. O Benfica não o aproveitou, ele foi para Inglaterra e depois voltou para o Sporting. E isso em termos de imprensa... Alguém deve ter dito ao senhor Gaspar Ramos: “Eh pá deixaste o miúdo ir para Inglaterra, olha o que é que está a acontecer ao José Dominguez, isto vai dar uma polémica do caraças…”. Eu já lá estava porque a autorização dele foi verbal, perguntei-lhe se podia ir e ele disse que sim. Mas entretanto o Benfica mandou uma carta para minha casa e a minha namorada, a Lara, telefonou-me a dizer: "Tens aqui uma carta do Benfica a dizer que sabem que estás em Inglaterra e que não podes, tens de vir para cá porque és jogador do clube, senão corres o risco de processo disciplinar". Vim embora. Só que quando cheguei a Portugal já estavam os plantéis quase todos cheios, ainda houve ali uma abordagem do João Bartolomeu, do União de Leiria, mas a coisa não se consumou, parece que o treinador queria um jogador mais experiente e então fui para a Académica, para a II liga.

Não foi para o Alverca?
Primeiro fui emprestado à Académica. Os meus colegas, o José Soares, o Akwa e outros, foram para o Alverca, que ia ser o clube satélite do Benfica, mas eu não quis, preferi ir para a Académica. Porque o Alverca em princípio iria lutar para não descer de divisão e a Académica era um clube histórico que lutava para subir à I divisão. Só que as coisas não correram bem e em dezembro vim para o Alverca. 

Porque é que as coisas não correram bem na Académica?
Antes disso, há uma situação muito importante que me estava aqui a escapar. Naquela fase final do Estrela da Amadora, eu não fui ao Mundial do Qatar porque tive uma lesão na última semana de treinos na seleção e é uma lesão que foi envolta em polémica.

Já lá íamos à seleção, mas sendo assim relate já o que aconteceu.
Num jogo-treino contra a seleção de Esperanças, que era tipo ensaio geral, era o último jogo-treino, o Quim bateu uma bola comprida, eu ia dar um pico a correr, mas senti o meu joelho a estalar e cai estatelado no chão. Foi uma lesão ligamentar que eu tinha tido no início da época pelos juniores do Benfica e que não ficou curada a 100%. Acabei por me ressentir disso mais tarde e já não fui ao Mundial do Qatar.

Há polémica porque há opiniões médicas diferentes, certo?
Sim. Há opiniões diferentes dos médicos da Federação e do médico do Estrela da Amadora. Os da Seleção diziam que eu não podia participar e o médico do Estrela dizia que sim, que era recuperável. No meio disto tudo eu queria ir, claro. Depois há uma situação. Os meus colegas vão passar o fim de semana a casa, antes da partida para o Qatar, e como eu era um jogador importante, o mister Nelo Vingada disse: "Não vamos dizer já que não vais. Vais ficar aqui a fazer tratamentos até ao final da semana, depois fazemos uma avaliação e vemos se realmente vais ou não", porque eu estava a recuperar muito bem. Entretanto, supostamente ia fazer um teste no domingo, ao Estádio Nacional, onde iam estar o doutor Camacho Vieira, chefe das equipas médicas da federação e o doutor Bargão dos Santos. Só que chamaram-me para ir no sábado e eu achei aquilo esquisito. Cheguei lá a pensar que ia fazer o tal teste, estava todo confiante, a sentir-me bem, já conseguia saltar e quando chego não fiz teste nenhum. Chamaram-me para uma sala juntamente com os treinadores, toda a equipa médica e a equipa técnica e disseram que lamentavam mas que eu não podia participar.

Explicaram-lhe porquê?
Sim, explicaram, mas eu estava desesperado, queria tanto participar. Só me lembro de eles estarem todos sentados na marquesa e eu dizer que me sentia bem, levantei-me, comecei a saltar e a sprintar no próprio sítio e o doutor Camacho: "Tem calma, tem calma que podes aleijar-te"; "Ó doutor eu sinto-me bem". Estava desesperado. Mas eles disseram que não, e eu fiquei agastado. Juntando isto ao facto de ter a opinião do médico do Estrela da Amadora... Eu devia ter ficado calado, punha a viola no saco, aceitava. Só que não fiquei conformado e dei umas entrevistas. Não quer dizer que os tivesse atacado, mas dei entrevistas e devia ter ficado caladinho.

O que disse nessas entrevistas, que tinha outras opiniões médicas?
Sim. Não disse diretamente que me tinham feito uma tramoia, mas de certa forma fiquei um bocado desconfiado porque tenho um médico a dizer que sim, eu sinto-me bem, queriam que eu fizesse o teste e afinal já não vou fazer teste nenhum, quer dizer aquilo soou-me um bocado...

E acha mesmo que houve tramoia?
Não. Agora à distância vejo que não houve até porque eu neste momento sou massagista e auxiliar técnico de fisioterapia e se eu estivesse no lugar deles fazia o mesmo. Era uma lesão ligamentar. Aliás, foi por conta dessa minha lesão que nasceu o meu bichinho pela recuperação física.

As entrevistas que deu não caíram bem na FPF.
Não devem ter caído porque eu tinha 39 internacionalizações e nunca mais pus um pé num treino da seleção, nunca mais fui chamado à seleção. Pode ter sido coincidência porque eu no ano a seguir acontece essa época má, a tal em que vou para a Académica.

Afinal porque é que as coisas não resultam em Coimbra?
Vou para Coimbra com um treinador, o mister Vieira Nunes, e ele é despedido à 4ª jornada. Vai para lá o Eurico Gomes, que quando chegou começou a dispensar uma carrada de jogadores para lá meter jogadores da confiança dele, que eram jogadores do empresário dele, o Manuel Barbosa. Aquilo que eu senti é que dispensou vários jogadores e a mim não teve coragem de dispensar por eu ser jogador do Benfica. Só que não me tratava bem e punha-me a treinar atrás da baliza. Enquanto andavam lá os jogadores à experiência que ele queria ir buscar, a mim punha-me a treinar atrás da baliza e depois, ao fim de semana, como esses jogadores que estavam à experiência não podiam jogar, e ele precisava de mim, eu ia para o banco e quando estava à rasca, metia-me. Senti que não tinha mais condições para continuar ali.

Falou com quem?
Fui falar com o treinador para lhe dizer que queria ir embora e liguei para o senhor Gaspar Ramos a dizer que queria ir para o Alverca.

Qual foi a reação do Eurico Gomes quando disse que queria ir embora?
Disse-me que lamentava que as coisas não estivessem a correr bem comigo, porque lembrava-se de ter visto um jogo nas Antas contra os juniores e tinha ficado com muita boa impressão minha, mas que depois as coisas não correram bem e por isso não se opunha. Entretanto eu sabia que o Akwa, que estava a fazer uma boa época no Alverca, ia sair em dezembro para ir participar no CAN, por Angola, e achei que devia ir para o Alverca, que era para onde eu devia ter ido no início da época, para junto dos meus colegas. Voltei e fiz uma boa segunda volta. Faço golos que ajudaram à manutenção do Alverca e no ano a seguir continuo no Alverca a pensar que ia fazer uma época melhor. Era o meu 3º e último ano de contrato com o Benfica. Mas essa época não correu bem.

O que aconteceu?
Não houve aposta da equipa técnica, liderada pelo prof. Arnaldo Cunha, na minha pessoa. Eu tinha sido bicampeão de juvenis com ele, mas ele não apostou em mim. Não jogava. E é quando o Benfica também começa a apostar naqueles primeiros brasileiros do Corinthians Alagoano, já era o Toni o diretor desportivo. Vinham através de empresários daqueles clubes do Brasil. E vem uma primeira fornada, uns três ou quatro, nessa altura o Arnaldo Cunha também é substituído e vem o José Augusto. O José Augusto chamou-me e ao Pisco, também emprestado pelo Benfica, e disse-nos: "Oh pá, vêm aí uns brasileiros, vocês vão começar a ser menos utilizados. Não sei se eles são bons ou não, mas vou ter de os pôr a jogar. Por isso, se vocês puderem tratar da vossa vida, tratem da vossa vida". Eu ia acabar o contrato com o Benfica e então fui para o Desportivo das Aves.

Através de algum empresário ou do próprio Benfica?
Eu apesar de não jogar a titular, entrava, e quando entrava, entrava sempre bem e no jogo contra o Aves, apesar de termos perdido 3-,0 em Alverca, fiz pela vida, deixei uma boa imagem. Depois quem me ligou foi o meu ex-colega de seleção, Jorge Madureira, que jogava no Aves, a perguntar se não queria ir para lá, que o mister Luís Campos estava interessado em mim. Falei com o Benfica e fui.

Foi sozinho ou já foi com a sua namorada?
Fui sozinho, ela continuava em Lisboa a estudar.
Como correu no Aves?
O Aves estava em 4º ou 5º lugar, estava a fazer uma boa época, tinha muitos jogadores jovens que tinham jogado nas seleções nacionais, alguns deles tinham sido meus colegas, casos do Madureira, Alfredo Bóia, Delfim, e a ideia era jogar. Só que antes de virem buscar-me tiveram uma fase em que estavam sem ponta de lança e houve um jogador, que costumava jogar a extremo, que começou a jogar a ponta de lança, o Noverça. Começou a fazer muitos golos, e claro, continuou a jogar como ponta de lança; não quer dizer que não pudéssemos jogar os dois, mas o que é certo é que passei uma época inteira no Desportivo das Aves em que o Luís Campos todas as semanas dizia “é esta semana, é este semana”, chegava o jogo e chamava-me: "Afinal não vai ser esta semana, estive a pensar bem" e tal. Ou seja, no resto da época toda não fiz um único jogo a titular. Era sempre convocado, jogava sempre, mas nunca era titular. Senti-me enganado por ele. Andava-me sempre a iludir. Eu tinha 20/21 anos e pensei: tenho de ir para um clube onde jogue.

Tinha empresário?
Não. Naquela altura em que fui para Inglaterra através do Angelo Martins eu tinha empresário, era o José Veiga. Só que rescindi com o Veiga para assinar com o Angelo Martins e ele ficou furioso comigo. 

O que acontece no final dessa época nas Aves?
Claro que não iam ficar comigo. Eu não joguei. A gente apercebe-se. Eu queria ir para um clube onde ia ter a certeza de que jogava e fui para o Desportivo de Beja. Desci uma divisão, para a IIB, agora o atual Campeonato de Portugal.

Também sozinho ou a Lara já foi consigo?
Sempre sozinho. A Lara só quando me radiquei aqui na Maia, que é de onde ela é natural, uns bons anos mais tarde, é que passamos a viver juntos em pleno. Nós já vivíamos juntos antes, mas nas folgas, porque eu estava longe. Só quando começou a chegar o fim da carreira e comecei a ficar por aqui é que passámos a viver diariamente.

Quando vai para Beja, tinha assinado por quanto tempo?
Sempre por uma época. O Desportivo de Beja foi bom, porque tínhamos uma super equipa para a II Divisão B. Tínhamos o Resende, campeão do mundo, o Vado que tinha jogado muitos anos na I divisão, Nuno Amaro, Sérgio Gameiro, Pisco, Xavier...Eu jogava à frente com aqueles que tinham sido os meus dois extremos no Benfica, o Xavier e o Pisco. Fizemos uma grande época e não foi melhor porque também não pagavam os ordenados e aquilo descambou um bocado. Mas para mim foi positivo porque fui titular praticante a época toda e fiz 16 golos.

Não fica porquê?
Não queria lá ficar, queria ir pelo menos para a II Liga e porque também não pagavam. Tive hipótese de ir para a II Liga, para o Felgueiras. O Engenheiro Jorge Vacas, que era o responsável pelas instalações e relva do Benfica, que era muito amigo do Diamantino Miranda que ia treinar o Felgueiras, um dia encontrou-me no Benfica, disse-me que eu tinha feito uma boa época em Beja, eu disse que gostava de ir para a II liga e ele "tem calma que vou falar com o mister Diamantino". Falou, disse-me que ele estava interessado em mim mas que tinha de esperar porque havia problemas financeiros no Felgueiras que tinham de ser resolvidos para o mister Diamantino avançar. Só que eu nunca tive muita paciência para esperar. E tive um convite a ganhar bem, do Oriental, do mister José Peseiro, e assinei. Passado um dia ou dois, estava eu na Nazaré, tocou o telefone e eram os responsáveis do Felgueiras a perguntar se eu queria ir para lá e eu disse que já tinha assinado há dois dias pelo Oriental. Já não havia nada a fazer. 

No Oriental, com o Peseiro, correu bem?
Não, tive uma lesão e a forma como a equipa estava feita, não estava talhada para mim. Eu era um jogador de área, era um finalizador, tinha de ter bons extremos, jogadores com aquelas características de tentar alimentar o ponta de lança. Eu não podia jogar em equipas que jogavam com as linhas baixas e em contra ataque. E o Oriental era assim que jogava. Não dava. Não conseguia fazer golos. Era uma equipa que no ano anterior tinha lutado para subir e praticamente a mesma equipa estava a lutar para não descer. Ele quis jogar em ataque continuado e não tinha extremos com essas características para alimentar e nem eu fazia golos, nem a equipa ganhava. Ele mudou a estratégia e começou a jogar com as linhas recuadas e esse tipo de futebol para mim não dava. E eu pedi para sair. E em boa hora.

É quando aparece o Sporting da Covilhã.
Exato. Vou para uma equipa que jogava em ataque continuado, que queria subir de divisão.

E encontra um treinador com o qual acabou por jogar noutros clubes: o António Jesus.
Foi o treinador que tirou mais proveito das minhas características. Subimos à II liga e fiz 12 golos. Estive lá duas meias épocas. No segundo ano fiquei só até dezembro.

Porquê?
É a tal história. O Covilhã ia ser uma equipa da II liga que ia lutar para não descer. E ao lutar para não descer, não joga em ataque continuado, as bolas não chegam e só fiz uns três ou quatro golos. Quando isso acontece as coisas acabam por não correr bem e lá vou eu para o FC Marco e subo de divisão. Depois vou para a AD Sanjoanense com o mister João Cavaleiro, que era um treinador de quem eu gostava muito e que jogava em ataque continuado. Fiz 17 golos. A seguir tenho novamente uma oportunidade na I liga, mas na Grécia, é quando vou para o Ionikos.

Como foi quando chegou à Grécia?
O primeiro impacto foi horrível porque fiz escala em Milão, Itália, para ir para Atenas e um sacana de um italiano embirrou comigo. Foi uma viagem super atribulada, quando cheguei ao aeroporto de Milão, que parece ser o aeroporto da Europa onde passa mais droga, e eu ia com aquela pinta de jogador da bola [risos] e desconfiaram de mim.

O que fizeram?
Vieram com os cães, chamaram-me para uma inspeção numa sala, perguntaram-me para onde é que eu ia. Eu tenho aquele ar meio cigano e no verão ainda fico mais moreno, naquela altura usavam-se os casacos de cabedal amarelo torrado, e eu ia com um desses casacos, barba por fazer, pronto, vieram logo com os cães. Revistaram-me. Mas tudo bem. Não tinha nada. Perguntaram-me o que ia fazer, disse que era jogador de futebol e que tinha contrato com Ionikos. "E o contrato? onde está o contrato?"; "O contrato não tenho aqui, vou fazer quando chegar lá" [risos]. Deixaram-me ir. Mas é sempre chato. Só que não ficou por aqui.

Então?
Eu levava uma mala às costas comigo e outra na mão e em Itália eram super exigentes. Metiam a mala dentro de um suporte de papelão e se a mala não coubesse, não podia passar. Eu já estava um bocado em cima da hora e o gajo "não, não". Mas a tratar-me mal. Não gosto nada de italianos por causa disso. São muito arrogantes. Já quando íamos aos campeonatos da Europa eles eram muito vaidosos, sempre de nariz empinado, nunca tive grande simpatia pelos italianos [risos]. E o gajo embirrou comigo. Estava a mandar-me fazer o check in da mala para o porão. Disse-lhe que não ia ter tempo que ia perder o avião. E perdi mesmo o avião. Tive de dormir uma noite no aeroporto, num banco. Só tinha voo no outro dia, às sete da tarde. Cheguei atrasado, não apareci na apresentação do clube, perdi a oportunidade de assistir ao ritual de ver o padre ortodoxo a benzer ou abençoar a época e o balneário. Foi uma noite horrível, não conseguia dormir e para passar o tempo andava lá às voltas. Foi um treino [risos]. Já quando tinha ido à Grécia um mês antes, para negociar contrato, tinha tido um azar.

Que azar?
Tive a infeliz ideia de meter 150€ na mala para despachar e lá se foram os souvenirs. Roubaram o dinheiro que ia naquela bolsa lateral da mala. Também me pus a jeito, não é? [risos].

E na Grécia, como foi a adaptação?
A Lara esteve lá comigo e a experiência durou sete meses. Adaptei-me bem ao futebol, que não era muito diferente do português. Havia dois tradutores, um traduzia em inglês e outro em castelhano. Eu era o portuga que tinha de me desenrascar com o castelhano [risos]. Tínhamos um jogador sírio, outro norueguês, dois uruguaios, três espanhóis, e dois argentinos.

Como era o dia a dia?
Depois dos treinos ficava em casa. Vivia na melhor zona de Atenas, a zona de Glyfada, onde os jogadores da bola viviam todos. Estava bem instalado.

Do que gostou mais da Grécia e dos gregos?
O país é maravilhoso, muito bonito, a temperatura espetacular, a comida muito boa. Achei que os gregos são uma mistura de portugueses com árabes. Eles são um povo europeu mais parecido connosco, vê-se que são latinos, só que depois estão no limite da Europa, eles e os turcos, estão ali num cantinho que mais um bocadinho era como se fossem árabes, mesmo na mentalidade.

Houve algum hábito que tenha adquirido?
Eles têm um prato que chamam pita, que é tipo kebab, embora não seja este kebab árabe que comemos aqui. Chama-se pita, é de frango, tem um molho deles. Também adoramos o queijo feta e o frappé, aquele café frio deles. Ainda tenho um misturador que trouxe de lá para fazer esse café.

Só lá esteve sete meses porquê?
Eu vou para lá e o treinador era uma figura, o Oleg Blokhin, ucraniano, foi bola de ouro em 1975. Só que já começava aquela fase em que o treinador só treina, ou seja, as contratações eram feitas pelo presidente. Eu e a maior parte dos jogadores éramos contratados pelo presidente. Claro que o treinador também devia ver uns vídeos e dar um aval, mas não era aquela contratação do treinador conhecer e querer ir buscar. Ou seja, à partida já ia fragilizado. Eu era quase sempre convocado e entrava, mas raramente fui titular. Depois aquilo ali na Grécia, chega-se a dezembro e se as coisas não estiverem a correr bem, vão seis, sete embora e vêm seis, sete novos. E foi o que aconteceu. Mas se eles não me quisessem dispensar eu próprio também já queria ir embora porque eles não pagavam.

O que fez depois?
Tentei vir para Portugal para um clube da II liga. Mas o que tinha algum interesse, a Ovarense, estava muito mal e também não pagava. Acabei por ir para o FC Pedras Rubras, ainda na mesma época. É o clube da terra da minha mulher, era Francisco Chaló o treinador, tinha lá um ex-colega do Covilhã, o Romeu, que falou de mim. É o primeiro ano da história do Pedras Rubras na II divisão nacional, também estavam a lutar para não descer e queriam um ponta de lança que lhes desse garantias. As coisas correram bem. Fiz seis golos em cinco jogos seguidos, o que foi um recorde pessoal. No futebol sénior não é normal em qualquer equipa fazer cinco jogos seguidos a marcar.

Mas não ficou lá.
Não quis ficar porque o clube pagava-me um ordenado chorudo para aqueles quatro cinco meses, mas não podia continuar a pagar isso uma época inteira. E eu também queria jogar num clube da IIB que tivesse ambições para subir de divisão. É quando vou para o Sp. Pombal. Só que em Pombal fiz apenas um jogo.

Porquê?
Fiz uma rutura muscular no último jogo do Pedras Rubras, já na parte final do jogo. Entrei de férias, como era uma rutura pequena não fiz ecografia, pensava que com o descanso ia passar. Hoje sei bem que as ruturas têm de ser sempre tratadas senão aparecem fibroses, o que cria problemas porque o músculo fica sem flexibilidade. Mas na altura achava que passava. Vou para o Sporting de Pombal e ressenti-me da lesão logo na segunda semana e aquilo foi uma grande confusão para o presidente. Eles queriam muito subir de divisão, o ponta de lança para eles é sempre aquela coisa, é sempre o jogador que recebe mais... Eu também carregava muito esse fardo que era ir para esses clubes com cartel, com nome e era sempre bem pago, mas quando corria mal sobrava sempre também para mim. São aquelas posições cruciais, é preciso ter um bom ponta de lança e um bom guarda redes. Dos guarda redes não sei, mas os ponta de lança normalmente eram os que recebiam mais e depois era um pau de dois bicos. Se correr bem somos uns heróis, se não correr bem somos os primeiros a ser sacrificados.

O que fez o presidente?
Assim que me lesiono quis mandar-me embora. O treinador era o João Carlos Pereira, que tinha tido uma situação parecida na época anterior e não quis atravessar-se por mim. Fui-me embora.
Para o União Micaelense. Gostou de ter estado nos Açores?
Gostei muito. Também gostei muito do mister Isidro Beato, que apostou em mim. O mais engraçado é que nessa época voltei a Pombal para a Taça de Portugal. Julgo que à 4ª eliminatória calha um Sporting Pombal-União Micaelense, ganhamos 4-2 ou 4-3 e fiz o golo. E quando fiz o golo fui lá à bancada chamar uns nomes a quem me dispensou [risos]. Estava a correr muito bem no U. Micaelense, tinha feito já nove golos, seis para o campeonato e três para a Taça e vou ver um jogo a um café, um Sporting-FC Porto em que o FC Porto ganhou 1-0 com golo de Costinha. Acaba o jogo e venho a pé para ir jantar, vou a passar naquelas ruas estreitinhas dos Açores e aparecem-me dois “chavalos” que vinham completamente drogados ou bêbados e eu para não me atravessar por eles, passei para o outro lado da rua e eles começaram "Ouve lá palhaço, estás a mudar de lado, palhaço". E eu burro respondi. Houve um deles que me deu um soco, eu dei-lhes uns socos também mas como eles eram dois eu dei um pique para fugir e fiz uma ruptura muscular [risos]. E foi uma desgraça, praticamente não joguei mais até ao final da época. Uma coisa estúpida, porque é que eu não fiquei calado.

Ainda passa por imensos clubes até pendurar as botas. O que mais o marcou nesses anos seguintes? 
Depois o Académico de Viseu, o clube também não me pagava. Não era titular e no jogo em que ganhei a titularidade fiz um golo, mas arrebentei o acromioclavicular, fui operado, acabou praticamente a época para mim. Tirando isso, tenho um regresso ao Pedras Rubras que não correu bem, ao contrário da primeira vez. Volto a estar com o António Jesus quando vou para o Benfica de Castelo Branco e aí fiz uma grande época, fomos campeões da III divisão, subimos, e fiz 19 golos. Eu não queria ficar em Castelo Branco no ano a seguir, porque já tinha aquela experiência de jogar em equipas para ser campeão ou de jogar para não descer em que não fazes golos e perdes a moral. Não quis ficar na IIB, apesar de me pedirem por tudo para ficar.

E foi para onde?
Para o Tondela. Eu tinha tirado o curso de massagista em Castelo Branco nessa época e agora queria tirar o curso de técnico auxiliar de fisioterapia, mas em Castelo Branco não havia. Então juntei o útil ao agradável, ir para uma equipa da III divisão que lutasse para subir e onde pudesse tirar o curso. Vou para o Tondela, não gostei da forma como as coisas estavam a correr na pré-época e voltei a tempo de fazer o primeiro jogo na IIB pelo Castelo Branco. Eu não queria lá ficar, mas como não estava a gostar de estar em Tondela, voltei. E acabou por acontecer o mesmo que noutras ocasiões, equipa a lutar para não descer, as bolas não chegavam, não fazia golo, a equipa começa a jogar em contra ataque e vamos para o banco. Fui para o União da Serra, fiz alguns golos e subi de divisão outra vez. Depois vou para Rio Maior, o treinador era o Paulo Torres, mas não pagavam, e pedi para sair e vou para Tondela, mas já com o António Jesus, e subo outra vez de divisão com ele. Dali vou para o Torreense com o Paulo Torres novamente.

Nessa altura já exercia como massagista?
Não. Depois do Torreense, vou para Penamacor, fiz uns golos, mas descemos de divisão porque aquilo era um clube muito amador. Depois pensei: "Agora vou para perto de casa para começar a fazer a transição". Porque já estava com 34/35 anos, e a minha ideia era continuar a jogar mas ao mesmo tempo começar a exercer na área da fisioterapia, da massagem e recuperação.

Tem filhos?
Tenho uma filha com sete anos, a Natacha, que nasceu em 2013. Eu deixei de jogar em 2012, mas ela sabe que o pai jogou futebol.

Custou-lhe muito pendurar as chuteiras?
Não. Depois desta maratona toda já estava um bocado cansado. Ainda venho para perto de casa, na zona da Maia, e ainda subo mais uma vez de divisão. Jogo nos Custóias FC e no Perafita, e no último ano, no Vilanovense e no Valonguense.

O que fez a sua mulher profissionalmente depois de apresentar o “Top +”?
A Lara durante nove anos foi professora de português e desde há alguns anos que é comercial de dispositivos médicos. Eu tenho um gabinete de massagens e recuperação física, trabalho por conta própria. Mas durante três anos fui agente de jogadores.

Fez algumas transferências de jogadores?
O jogador mais conhecido que transferi foi o Hugo Seco, que joga no Farense. Ele na altura estava a jogar em Malta e eu é que o transferi de Malta para o Benfica de Castelo Branco. Mas depois comecei a gostar mais da área de fisioterapia e vi que não tinha feitio para o mundo das transações.

Porquê?
Fiquei desiludido. Qual foi a ideia? Como eu tinha sido um globetrotter como jogador, tinha muitos conhecimentos. Eram 27 clubes, um deles no estrangeiro. Achei que era uma pena não aproveitar essa experiência e contactos, só que, é um mundo muito complicado. Se estamos à espera que os amigos e as pessoas que jogaram connosco nos ajudem, é para esquecer, são as que menos nos ajudam. Depois, os jogadores quando precisam andam atrás e sempre a pedir, mas quando é a altura de pagar as comissões alguns também não se portam bem. Não são todos. Os próprios clubes também para pagar as comissões... . Também tirei o nível I e II do curso de treinador, mas nunca exerci. A única coisa que serviram foi para "emprestar" a um colega que não tinha curso para poder treinar na IIB. Pediu-me para eu fazer como se faz agora na I Liga quando eles não têm o curso de IV nível [risos]. Mas não vale a pena estar a dizer quem foi o colega ou o clube.

Onde ganhou mais dinheiro?
No Benfica.

Além do gabinete de massagens e recuperação física, onde investiu mais?
Em imobiliário.
Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Nunca fui de extravagâncias. Tive sempre carros simples e baratos. A maior extravagância que eu fazia era com o dinheiro que ganhava das diárias na seleção, pegava nesse dinheiro e na Quinta da Luz ia à loja da Strauss e comprava uma carrada de CD's. Era maluco por música.

O que gostava mais de ouvir?
U2, Bon Jovi, Pink Floyd, anos 80. Esses CD's ainda os tenho todos, são para aí uns 500/600. Agora quase nem toco neles, por causa das novas tecnologias, mas pronto.

Tem ou teve algum hóbi?
Gosto de bricolage e obras.

É um homem de fé?
Sim, mas não sou praticante.

E superstições?
Tinha muitas quando jogava futebol mas perdia-as todas. A que fazia mais era benzer-me duas, três vezes antes de entrar em campo.

Tatuagens?
Não. Nem gosto.

Qual foi o adversário mais difícil que teve pela frente?
Aquilo que me ficou na memória, foi na seleção de sub-20, em que fizemos um jogo-treino com uma equipa japonesa, o central dessa equipa era o Buchwald, um alemão que marcou o Maradona, no mundial de 1990. Nesse jogo ele marcou-me, eu nem toquei na bola. Os dois melhores centrais que defrontei foi o Buchwald, nesse jogo-treino, e o Gamarra, quando estava no Ionikos.

E o seu maior rival, quem foi?
O jogador mais chatinho e que por acaso hoje é um grande amigo, mas que nas camadas jovens era muito chatinho, é o Nuno Abreu. Chegou a jogar no Benfica.

Segue ou pratica outro desporto além do futebol?
Eu cheguei a jogar andebol nos infantis. Neste momento o único desporto que sigo é o futebol e sigo cada vez menos porque este ambiente à volta do futebol, as polémicas, estes programas todos os dias...Deixei de ver. O futebol está muito estragado, muitos campeonatos paralelos. E depois os jogos perderam muito interesse por não haver público. Cada vez vejo menos futebol.

Se pudesse escolher, qual o clube de sonho onde gostava de ter jogado?
Em Portugal joguei no clube que queria e gostava. No mundo, o AC Milan, era fã. Aliás, o meu maior ídolo a nível mundial era o van Basten.

Qual foi o momento mais feliz e o mais triste da carreira?
O mais feliz foi quando me sagrei campeão da Europa de juniores, de sub-18. O mais infeliz foi quando me lesionei e não pude estar presente no mundial do Qatar.

O seu maior arrependimento?
Não ter ficado no Estrela da Amadora.

Os treinadores que mais o marcaram?
Pela positiva António Jesus, João Cavaleiro e Fernando Santos. Pela negativa, Eurico Gomes e Manuel Pinheiro. Mas o marcar pela negativa às vezes não quer dizer que não seja bons treinadores, às vezes falham como pessoas e isso marca-nos mais.

Tem ou teve alcunhas?
Era o "Treco" e "Pescadinha", na Nazaré. Na Nazaré havia um rapaz, na minha infância, que me dava uns calduços, ele tinha um irmão mais novo do que eu, e quando me dava os calduços eu dizia-lhe "ai é? Quando eu apanhar o teu irmão, tu vais ver" ele respondia: "Traimão dá choque". Traimão é um peixe que dá choque e depois os meus colegas da minha idade começaram a chamar-me Traimão, Traimão, e por abreviatura começaram a chamar-me Treco. “Pescadinha” foi na Covilhã, o treinador adjunto, o mister Virgílio, chamava-me pescadinha de rabo na boca, mas não sei porquê. E também, claro, Borda D'Água, que é o meu sobrenome.

Se não fosse jogador de futebol o que teria sido?
Não sei, não faço ideia. Uma coisa é certa, pescador não ia ser.

Quais as maiores amizades que fez no futebol?
O Xavier, José Soares, Nuno Abreu, Fernando Souto, Pedro Henriques, entre outros.

Para terminar, tem mais alguma história para partilhar?
Posso contar que quando fui para o Covilhã quem fizesse os golos recebia um queijo da serra oferecido por uma loja do Fundão, que era patrocinador. Quando cheguei comecei a fazer alguns golos e a primeira vez ganhei o queijo mas tive de lá ir ao Fundão buscar o queijo. Fiz mais dois golos na jornada seguinte e fui lá buscar os queijos todo contente. Só que, quando cheguei, percebi que os queijos não eram sempre para quem marcasse os golos, mas para dar a outros elementos da equipa, o que é justo porque não marcamos golos sozinhos. Só que como era eu que estava sempre a fazer golos, às tantas tive de dizer que não podia ser sempre eu a ir ao Fundão buscar o queijo se não não ganhava para a gasolina [risos]. Mas a propósito de patrocínios tenho outra.

Para acabar, força.
Também havia um patrocinador que oferecia a quem fizesse um hat-trick um jogo de quatro pneus, mas eu não sabia. E num jogo contra o Fanhões, estávamos a ganhar 2-0 e eu tinha feito dois golos. Na última jogada falhei um golo, não digo que era de baliza aberta, mas era daqueles para marcar. Acabou o jogo e eu estava contente porque tinha marcado e tínhamos ganho, mas quando entro no balneário começam todos “Perdeste os pneus, perdeste os pneus”. Eu sem perceber. “Mas como? O meu carro está lá fora” [risos]. Depois lá me explicaram."

Fever Pitch - João & Patrick... França!