Últimas indefectivações

quarta-feira, 27 de junho de 2018

A noite dos homens teimosos

"Vítor Baptista recusou-se a jogar. Mortimore, depois do 0-0 de Lisboa, dedicou-se a defender em Moscovo, outro 0-0. Tudo a zero até que Bento, à sua maneira, defendeu um penálti e marcou aquele, decisivo, que resolveu a eliminatória a favor do Benfica contra o Torpedo.

Porque estou na Rússia, embrenhado até aos joelhos em mais uma fase final de um Campeonato do Mundo, algo que me vai fazendo velho de quatro em quatro anos, à medida que eles se vão multiplicando na minha vida a uma velocidade que me pareceu em tempos, inimaginável, nada como escrever sobre Moscovo e uma célebre visita do Benfica à que era, então, capital da orgulhosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Vamos para o dia do acontecimento: 28 de Setembro de 1977.
O Benfica tinha feito um mau resultado em casa, na primeira mão da primeira eliminatória da Taça dos Campeões Europeus. 0-0 com o Torpedo de Moscovo.
O Torpedo era uma daquelas equipas chatas como a potassa, construída como um relógio que nunca se atrasa e nunca se adianta, peça de mecânica praticamente infalível.
É verdade que raramente atacava. Só mesmo pela certa, quando tinha na retaguarda gente suficiente para se manter a fancos de qualquer percalço.
Eu estive na Luz e vi. Ou, melhor, pouco vi.
Porque o jogo foi pastoso e timorato. Quase obrigatoriamente zero-a-zero, noves fora, zero.
Mas vamos até Moscovo, essa cidade extraordinária na qual agora me encontro.
Aqui, as coisas mudaram de figura.

O brilho de Bento
Todos sabemos que John Mortimore, ao contrário da grande maioria dos seus compatriotas, era um treinador de tendências poucos aventureiras.
Se o Torpedo fizera, na Luz, um bloco impenetrável, assim o fez o Benfica na antiga URSS. Metido nas suas tamanquinhas, entregando à dupla de centrais, Humbero Coelho e Eurico, a responsabilidade de protegerem Bento, o jogo não tardaria a arrastar-se: feio, lento, entediante.
O inglês que comandava a equipa de águia ao peito era conservador até à protérvia. Ficou, ficou e deixou-se ir ficando.
Sem que, da outra parte, houvesse imaginação suficiente para contornar o bloco de betão armado encarnado.
A coisa como que emperrou: não caía nem para um lado nem para o outro.
Na véspera, Vítor Baptista fizera das suas. Deu-se como doente, tinha um jogo da selecção em breve, necessitava de se poupar, de não correr riscos, jogar naquele ambiente gelado que rondava os zero graus só iria piorar a sua situação física, segundo ele mais do que periclitante.
E assim decidiu e assim o fez: não jogou.
E como precisava o Benfica do seu avançado para ir à procura do golo que resolvesse o assunto!
Não houve Vítor Baptista e ponto final. Ou pior: não houve Vítor Baptista e houve um processo disciplinar posto a andar pelo presidente Ferreira Quemado.
Entretanto, no campo, o zero-a-zero igual a zero da primeira mão tinha a sua segunda versão.
Noventa minutos em branco mais trinta de trabalhos forçados.
Penáltis: não havia outra forma de resolver a contenda.
Pietra marca o primeiro.
Bento defende o pontapé de Iurine.
José Luís não falha.
Nikonov atira para fora.
Chalana é altivo: 3-0.
Balenkov responde: 1-3.
E então, pelo meio de todo aquele cinzentismo, explodiu o brilhantismo de Bento.
Bigode farto, meão de altura, meio atarracado, braços que pareciam grandes demais, quase chegando aos joelhos.
Bento, Bento, e outra vez Bento.
Vai ele próprio bater o penálti decisivo. Corre para a bola com o à-vontade de um avançado de muitas batalhas, chuta forte, nem precisa de olhar para a baliza de Zarapin.
Ele sabe que a decisão foi sua.
O gesto foi seu."

Afonso de Melo, in O Benfica

Festa inaugural

"O Certame Velocipédico e Pedestre com que o novo clube de Benfica se deu a conhecer a Benfica.

A 26 de Julho de 1906 fundou-se em Lisboa um novo clube desportivo: o Grupo Sport de Benfica. Pouco depois, o clube que através da junção com o Grupo Sport Lisboa deu-se a conhecer à população lisboeta numa festa inaugural.
O evento, que teve lugar a 2 de Setembro, constou de um Certame Velocipédico e Pedestre, 'organizado sob o regulamento da União Velocipedica Portugueza' e abrilhantado pelo 'prestigimosa Sociedade Philarmonica Eutherpe de Bemfica'.
Tal como estava agendado, às três horas e meia da tarde, teve início a primeira parte do programa, as corridas de velocidade em bicicleta. Os participantes primeiro juniores e depois seniores, competiram ao longo dos 5 quilómetros do trajecto Benfica - Salgados - Porcalhota - Benfica. No final, os primeiro, segundo e terceiro mais rápidos de cada categoria receberam uma medalha de vermeil, uma medalha de prata e um objecto de arte, respectivamente.
A segunda parte realizou-se na 'Quinta da Feiteira, amavelmente cedida pelo seu proprietário o Ex.mo Sr. Cesar Figueiredo', como o clube fez questão de frisar no programa da festa. Iniciou-se com a corrida de fitas, em que os concorrentes receberam 'lindíssimas fitas de «moirée» de varias cores, que gentilmente offereceram as diversas senhoras que assistiam à festa'. De seguida decorreram as corridas negativas, nas quais os vencedores foram premiados 'com um cinzeiro de prata, uma garrafa de cristal e uma buzina'. E 'effectuaram-se depois as corridas de pucaras nas quaes tomaram parte todos os corredores'.
Uma corrida pedestre de três quilómetros, com início e término na Feiteira, passando pela Rua Cláudio Nunes e pelas Portas de Benfica, rematou o programa. 'Pouco depois (...) o jury tomou logar n'uma tribuna armada dentro da quinta (...) para proceder à distribuição dos prémios aos vencedores', que constavam na sua maioria de objectos de arte cuja oferta foi solicitada às 'principaes familias de Bemfica (...) para serem disputados no certamem'. 'Eram 6 horas e meia tarde quando terminou a festa'. Estava oficialmente inaugurado o Grupo Sport Benfica.
O programa do certame é um dos documentos que pertencem ao arquivo do Sport Lisboa e Benfica preservados no Centro de Documentação e Informação."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Mundial: a criatividade amordaçada e não só

"Às vezes perguntou-me o que seria, agora, Eusébio e, por exemplo, a sua jogada contra a Coreia do Norte

1. Está-se a jogar a última e decisiva jornada da fase de grupos do Mundial. Bom será que a qualidade e emoção dos jogos aumentem, como costuma acontecer jogo que se avizinham as fases críticas da competição. É que, para mim, a grande maioria dos jogos têm sido mais do mesmo. Aborrecidos, monótonos, cinzentões, jogados quase como quem está a fazer um grande frete e decorridos com a evidência do cansaço físico e mental de jogadores que têm mais de 50 partidas nas pernas.
A isto acresce, na minha opinião, um modelo de jogo jogado que não entusiasma. Jogos de tácticas aprisionantes, de receios mútuos que levam a uma anulação recíproca, muito palavreado à volta de quase nada, passes para o lado e para trás até dizer farta, mais preocupação em defender do que em atacar, muita poluição mental com técnicos e equipas agrilhoados pelo mediatismo que está para além das quatro linhas. Já lá vai o tempo em que havia a liberdade de iniciativa, em que havia jogadores que jogavam verticalmente, olhos na baliza, em que não se falava do pavor de errar, em que o chuto era mais para construir do que para destruir. Estamos num tempo de futebol matematizado em algoritmos tácticos (e estratégicos, como também nos dizem, porém quase sempre em absoluta confusão de conceitos), em que os jogadores, na sua quase totalidade, vivem capturados pela mecânica colectiva que lhes impede a liberdade criativa.
Às vezes, perguntou-me o que seria, agora, Eusébio e, por exemplo, a sua jogada contra a Coreia do Norte começando no meio-campo e acabando ceifado na grande área, com penálti assinalado e convertido. Ou a estética criadora de Johan Cruyff. Ou o virtuosismo pragmático de Muller. Ou o sambismo de Garrincha e a fantasia competente de Pelé. Ou o centro de gravidade desafiado por Maradona. Ou a clarividência inteligente de Bobby Charlton e Franz Beckenbauer. Ou a laranja mecânica. Ou o escrete de 1982. Ou a Hungria de Puskas, Czibor e Kocsis dos anos cinquenta. Ou... etc.
É certo que a regra não tem impedido a excepção. Houve alguns jogos (mais na 2.ª jornada) que valeu a pena serem vistos. Houve até algumas jogadas e golos de categoria. E livres gloriosamente marcados, sem receio de errarem, como o de Ronaldo ou de Toni Kroos. E tudo isto, com frases exclamativas de «golo do outro mundo», «momento épico de futebol», «jogada antológica». Até entendo esta excrescência superlativa, porque vão sendo momentos cada vez mais esparsos no futebol de laboratório que ora se espalha virulentamente. No entanto, a adjectivação hiperbolizada pode iludir, mas não apaga a naturalidade de outros futebóis de antes, mais virtuosos, mais excitantes, mais livres.

2. Há um aspecto que, todavia, tem sido assinalável nesta primeira fase: a da revolta possível dos países sem tradição vitoriosa e vistos, em geral, como os David contra os consagrados Golias. Qualquer jogo contra nações como Irão, Marrocos, Costa Rica, Islândia, Senegal, Japão e mesmo Suiíça eram aprioristicamente olhados como favas contadas. A razão fundamental para esta aproximação reside na globalização do futebol. A maioria desses países da parte de baixo do ranking mundial têm os seus mais representativos atletas a competir nas principais ligas, em especial nas europeias. O hiato entre o futebol doméstico e o que é jogado pelas selecções desses países continua, porém, a ser evidente, ainda que seja expectável que estes fenómenos de internacionalização total venham a criar efeitos positivos, mesmo a nível mais regional ou local.

3. Nos primeiros 32 jogos do Mundial, houve 232 remates enquadrados com as balizas, o que significa uma média de apenas 7,25 por jogo, não atingindo sequer os 4 pontapés por equipa e por jogo. Em termos médios para cada equipa chutar uma vez ao lavo, com ou sem golo, foram precisos à volta de 26 minutos. Coisa rara, portanto, que provoca sonolência, a não ser que estejamos directamente envolvidos no apoio a uma equipa. Partindo do princípio que a grande maioria dos melhores profissionais do mundo estão a competir, temos uma ideia de quão maçador e em torno (estéril) do meio-campo e sem profundidade se está a jogar. Curioso é o facto de Portugal, agora já com 3 jogos, ser o mais eficaz a converter estes remates em golos, ainda que tenha sido até agora das que menos rematou à baliza: 3 jogos, 9 remates enquadrados (2 de penálti) e 5 golos, 3 dos quais de bola parada!

4. Por vezes, ponho-me a imaginar quanta tinta e quanta imagem já haveria por cá com os erros de arbitragem e também do VAR. Mas imagino que seriam repetições até nausear e discussões inflamadas, curiosamente não tanto nas televisões dedicadas ao desporto, mas sobretudo na SIC Futebol, perdão Notícias, TVI 2-4, perdão 24, e na omnipresente e prenhe de alertas por dá cá aquela palha, CMTV.
Mas, agora com a cientificidade pretensamente quase infalível dos VAR, julgaria eu que, na montra mundial do futebol, já não houvesse lugar a erros crassos. Todavia, ainda a procissão vai no adro, e já muito para contar. Penaltis não assinalados em que o VAR se defende argumentando que não tem 100% da certeza da infracção, apenas tem 99%. Cartões vermelhos evidentes em que o subjectivismo entre uma coisa e outra semelhante inibe a indicação da expulsão ao árbitro de campo. Golos precedidos de faltas grosseiras, que grosseiramente o VAR não avaliou. Apenas nos foras-de-jogo, o VAR tem sido rigorosamente certo e mal seria que não fosse tratando-se, aqui, de uma simples constatação físico-geométrica.
Já agora, que alívio quando o árbitro apenas mostrou amarelo a Ronaldo, que correu o sério risco de ser expulso e não jogar nos oitavos-de-final!

5. Das partes e fracções dos jogos que vou vendo, não consigo prognosticar quem poderá vir a ser o campeão. Tenho visto momentos bons, mas espaçados, de equipas consideradas favoritas, mas só isso. Há países que têm excedido as minhas expectativas, tais como o México, a Croácia e até a mais sorumbática Suíça. Mas, no fim, creio que tudo andará à volta dos suspeitos do costume. Futebol por futebol, ainda apostaria num trio: Alemanha, Brasil e Espanha. No momento em que escrevo não sei se a Argentina conseguirá o quase milagre de se apurar para os oitavos-de-final. Se tal acontecer, coloco numa segunda faixa outras três equipas: França, Argentina e Portugal. E como outsiders, que, todavia, não me parece que aguentem até ao fim, poria outras três equipas: a Croácia, a Bélgica e a Inglaterra. Já na Rússia deverá sair aos pés da Espanha e espero que Portugal elimine o surpreendente Uruguai.

6. Percebo algumas das razões, designadamente logísticas e operacionais, que podem justificar o sorteio conhecido ab initio dos encontros depois da fase de grupos. Mas discordo dessa prática que até pode induzir alguma batota sobretudo na 3.ª jornada. É que estes jogos são disputados em dias diferentes e acontece que haverá jogos com duas equipas já qualificadas (ou quase) sabendo, de antemão, quem são os países que lhes calharão nos oitavos-de-final, dependendo apenas de ficarem em 1.º ou 2.º do grupo. E até podem achar que, em tese, é melhor ficar em 2.º porque entendem que o já apurado adversário de outro grupo e classificado em 1.º lugar é mais acessível. Além de que os sorteios sucessivos dão uma imprevisibilidade mais excitante à continuação da competição.

7. Imagino o que poderá vir a ser a primeira fase do Mundial no continente norte-americano em 2026, se for aprovado o alargamento para 48 equipas, em vez das actuais 32. Vai ser um fartote de jogos desinteressantes, onde, para chegar ao tal número de 48, já antevejo Lituânia, Malta, Chipre, Vietname, Maldivas, Venezuela e Burkina Faso, entre muitos outros, a sonhar lá estarem. Enfim, depois do inacreditável Mundial 2022 a jogar-se no Qatar (provavelmente em época natalícia, porque o climaticamente impossível no Verão!), pode estar iminente uma batelada de jogos e, claro está, de mais rios de dinheiro que é, sobretudo, o que faz correr a FIFA e seus muchachos e patrocinadores.

Contraluz
- 'Happy End': Sporting
Terminou uma fase muito crítica do clube, ainda que com sequelas que vão exigir tempo, transparência, sensatez e coragem para serem debeladas. Tempo difícil para uma intercalar Comissão de Gestão que fará o seu trabalho num período crítico de planeamento da época. A bem do futebol, foi bom ouvir Artur Torres Pereira num discurso sensato, urbano e prudente.
- Política: Kosovo
Dois jogadores suíços (talvez os melhores), afinal só são helvéticos na forma. Kosovares e/ou albaneses de coração, bem poderiam ter evitado molestar a outra equipa (Sérvia) com gestos gratuitos e políticos sobre o diferendo entre a Sérvia e a sua antiga província do Kosovo. É caso para perguntar porque jogam então pela Suíça e não pelo Kosovo? A resposta é óbvia: não estariam no Mundial. Carteira na Suíça, coração nos Balcãs... com a primeira a falar mais alto e o desplante a gesticular mais despudoradamente."

Bagão Félix, in A Bola

O genial Modric

"É o expoente máximo de uma determinada forma de jogar futebol, que nos tem fugido entre os dedos das mãos; um talento fora de moda, que resiste às novas tendências e luta pela sobrevivência com convicção inabalável. Porque a quantidade se sobrepôs à qualidade e o colectivo se tornou mais importante do que o individual, Luka Modric reciclou em parte o futebol que lhe corre nas veias: como todos os craques entende o jogo como fonte de engano e, em vez de usar a arte em benefício próprio, tem procurado elevá-la à condição global. Não se trata de fazer um ou dois truques com a bola, encantar plateias e transformar-se no herói da comunidade; serve o estilo para colocar o talento e a mentira ao serviço de uma ideia e da comunidade mais ampla que é a equipa.
Quando pega na bola, Modric sabe que todos os companheiros estão disponíveis para alinharem nas suas invenções; que todos o consideram um génio e estão dispostos a participar com uma passe para ele fabricar os sucessivos milagres que vai inventando. E precisa, claro, da cumplicidade com o treinador e de contribuir para a criação do manual que rege os mandamentos da equipa.
A Croácia, que tem várias estrelas, é uma equipa notável. Ao contrário de Ronaldo, Messi, Neymar ou Salah, Modric não se contenta em somar ao colectivo – e estes craques somam muitíssimo. Luka só se realiza a multiplicar o talento, melhorando, só por presença, a qualidade dos outros; em depurar a acção ao ponto de todos acreditarem na mentira que está a contar; em potenciar entre os companheiros a força de mensagens equivocadas sugeridas aos adversários: circular como se fosse burocracia, sabendo que, no momento certo, haverá o passe de rotura; arrefecer a manobra perspectivando o momento de aquecê-lo; jogar pela esquerda com a convicção de que o golpe surgirá pela direita; tocar a bola dezenas de vezes até ao passe ou do tiro fatal.
Modric pensa o futebol com a bola nos pés, por norma virado para a baliza e seguro de que atacar só faz sentido com a participação de muita gente. Quando está em condução todos devem estar conscientes de que não perderá muito tempo; de que a viagem será rápida e o destino da bola será um local do campo com pouca gente, porque essa é a sua especialidade: os lugares vazios. Já o mostrou no Rússia’2018: é tão grande, mas tão grande, que quando brilha a frase solta-se com deslumbramento: "Que bem joga a Croácia.""

Epílogo

"Espero que esta seja a última vez que escrevo, aqui no Record, sobre Bruno de Carvalho. E, já não sendo ele presidente do conselho directivo do SCP e presidente do conselho de administração da SAD, não haveria, em rigor, grande fundamento para ser tema desta crónica.
Estes últimos dias do seu mandato, na vertiginosa sucessão de acontecimentos, muitos deles por si provocados, causaram-me, contudo, a maior impressão. Não por causa do Sporting, porque, infelizmente, já nada do que ele possa dizer e escrever me espanta. Desta fez, foi Bruno de Carvalho, himself, que teve o condão de me surpreender. Que o destituído presidente tinha perdido o respeito pelos outros, dentro e fora do clube, é coisa de que toda a gente já se tinha apercebido.
A esta faceta veio acrescer, porém, outra: é que ele perdeu o respeito por si próprio. Com efeito, toda a volatilidade comportamental exibida ao longo do fim de semana, em que não ia à assembleia e foi, em que ia impugnar a destituição, mas acabou por não o fazer, em que ia impedir Sousa Cintra de entrar e saiu pela esquerda baixa, revela, no mínimo, um profundo desprezo por valores existenciais mínimos, como a coerência e a dignidade.
Lembra a história do actor, que, não conseguindo ser protagonista principal, por já não encantar o público, tudo faz para se manter o centro das atenções; no caso do Dean Martin, envolvia-se em todas as cenas de pancadaria de Hollywood, só para ser falado.
Mutatis mutandis, foi o que aconteceu ao presidente destituído: desde que o ouvissem, desde que não o apeassem do palanque, dizia tudo e o seu contrário. Não sou psiquiatra, mas, seguramente, este padrão patológico, vem nos livros e tem um nome.
Acaba por me fazer pena alguém, que, devendo saber ter uma vida para além do Sporting, imola desta forma todos os pressupostos de uma respeitabilidade futura. Porque o presidente destituído até poderá defender - e tem-no feito - que aquilo que fez e disse, foi-o na defesa dos interesses do Sporting; mas face aos acontecimentos da assembleia geral e outros que se lhe seguiram, quem vai acreditar nisso? É, na verdade, um triste epílogo."

Alexandre III

"Hoje joga a Costa Rica e recuperamos o clã de Alexandre Guimarães. Nascido no Brasil, Alexandre chegou ainda menino à Costa Rica, pelo país se naturalizou e pela ‘La Sele’ despontou como jogador e seleccionador.
O trajecto tem início no Itália’90, o primeiro Mundial em que participou. Apesar da derrota com o Brasil, Guimarães deu um pequeno contributo para a bem-sucedida passagem aos oitavos-de-final, após vitórias com a Escócia e a Suécia, mas não resistiu depois ao poderio da Checoslováquia. Ainda que figura menor – suplente utilizado em três jogos –, os doze minutos jogados por Alexandre contra o Brasil tornaram-no o primeiro a fazê-lo contra o país de nascimento num Mundial, mas não o primeiro a jogar por outra selecção.
Esse registo pertence ao ítalo-brasileiro Filó, ou Guarisi para os transalpinos, por quem jogou no torneio de 1934, disputado no país de Mussolini. Campeão pela Itália, tornou-se o primeiro campeão mundial… brasileiro, carregando do seu pai genes… portugueses.
Por falar em português, voltemos a Guimarães. Depois de uma participação como jogador, foi Alexandre o responsável pela segunda presença no Mundial da Coreia do Sul e do Japão, doze anos depois da estreia, já como seleccionador. Em 2002, jogaram contra a China, treinada por Bora Milutinovic, que os classificara em 1990, e voltaram a defrontar o Brasil. Em 2006, na Alemanha, a Costa Rica voltou a classificar-se sob o comando de Alexandre reforçando o adágio "não há duas sem três".
Assim, emerge um novo Alexandre III, que se tornou ‘o Grande’ – à semelhança do antigo rei da Macedónia –, com o contributo para as três primeiras classificações costarriquenhas. Este Alexandre III também deixou descendência Mundial, pois o seu filho Celso Borges esteve presente no torneio do Brasil em 2014 e foi fundamental para a melhor campanha de sempre da Costa Rica – eliminada por penáltis nos quartos-de-final pela Holanda – e também se encontra no Rússia-2018. O clã alexandrino conquistou e reinou nas cinco participações Mundiais de ‘La Sele’. Esta é a estória de uma família do futebol que se deu à Costa (numa história) Rica!"

Competência aquática: da necessidade educativa à preocupação política

"A costa portuguesa tem 943 km em Portugal continental, 667 km nos Açores, 250 km na Madeira onde incluem também as Ilhas Desertas, as Ilhas Selvagens e a Ilha de Porto Santo. Para além da costa, Portugal possuiu ainda uma das maiores zonas económicas exclusivas (ZEE) da Europa, cobrindo cerca de 1 683 000 km², sendo a 3ª maior ZEE da União Europeia e a 11ª do mundo. Este facto é tão relevante porquanto, de acordo com os relatórios mais recentes da WHO (2014),15 anos) é o afogamento. Em 2013, foram registadas cerca de 372.000 pessoas vítimas de afogamento no mundo, das quais mais de 142.219 foram crianças e jovens com idade inferior a 15 anos. Na Europa os dados são igualmente inquietantes, com mais de 5.000 crianças que anualmente são vítimas de afogamento (WHO, 2014). Portugal é inclusive um dos países que a European Child Safety Alliance (2009) aponta como prioritário na implementação de medidas preventivas.
Em Portugal o número de casos fatais é preocupante. Segundo o Observatório do Afogamento (FEPONS, 2018), em 2017, tivemos mais de 112 afogamentos em diferentes planos de água: mar (36); rios (20); piscinas domésticas (5); tanques (3); poço (10); piscinas de hotel (2); praia marítima (9); barragens (9), tanto com crianças como com adultos. Estes dados não abrangem os casos não declarados, nem os registos que resultam em hospitalização, apresentando normalmente prognósticos reservados.
Esta descrição, só por si, justificaria a existência de um programa educativo estratégico com prioridade política de competência aquática (para além da sua relevância social, de saúde, económica, cultural e desportiva) no desenvolvimento integral da criança e medida preventiva direta do afogamento. Na essência, uma criança pode aprender a nadar, mas numa situação complexa pode afogar-se por não saber responder à situação problema por uma razão fundamental: falta de competência aquática. Esta simples mudança de paradigma educativo (do ensino da natação para o da competência aquática) possibilitaria a extensão do programa, independentemente da inexistência de piscinas, possibilitando a sua operacionalização, em conformidade sazonal, em qualquer espaço aquático, sendo ele piscina ou lago, mar, rio, sem a dependência por vezes, limitadora de recursos financeiros para alugar espaços e pagar deslocações.
Alguns até poderão advogar que o sistema educativo português apresenta orientações curriculares para o ensino da natação em todos os ciclos de ensino. Ilusões que a prática desmente. O ensino da natação no atual sistema educativo é apresentada como alternativa (embora assinalada como prioritária no programa curricular do 1º ciclo do ensino básico), isto porque apesar das normas previstas nos Despachos n.º 12591/2006 e n.º 9265-B/2013, que preveem a lecionação de actividades físicas desportivas (facultativas) enquanto parte da oferta de atividades extracurriculares (AEC’s), reconhece-se nos últimos relatórios (DGEE, 2013) que a natação “raramente ou nunca” é considerada, apesar de sugerida pelos encarregados de educação e apontada pelas crianças como actividade desportiva preferencial.
A única estrutura que tem atenuado esta situação é o Desporto Escolar, com orientações específicas para o desenvolvimento de programas de actividade, dinamizando esta actividade em algumas, poucas, escolas, com um número reduzido de alunos. Na maioria dos Países Europeus, é através das escolas e do desporto escolar que se massifica a prática da natação e os números são avassaladores. 
Todo e qualquer programa de ensino da natação no 1º ciclo do ensino básico deveria estar centrado na competência aquática, enquanto sistema dinâmico, complexo e dependente das relações que o aluno estabelece com o contexto aquático envolvente, com importantes implicações no domínio da capacidade de percepcionar riscos e perigos, na prevenção do afogamento – nadar no mar, no rio, numa piscina ou com roupa pressupõe condicionalismos diferentes - e por inerência com níveis de proficiência motora aquática distintos.
Em 2007 foi apresentado o manual técnico de apoio às actividades de enriquecimento curricular para alunos do 1º CEB, contendo as orientações programáticas das AEC para a actividade física e desportiva, como resposta ao disposto no Despacho nº 12591/2006 (DR nº 115, de 16 de Junho). Uma análise do manual dá uma ideia, bem fundamentada, de como se deveriam desenvolver as actividades físicas e desportivas. Foi, no entanto, esquecido um pormenor: a estrutura edificada para colocar em prática esta proposta não estava preparada para tal. Assim, têm vindo a ser dispersados recursos em actividades com carácter lúdico, com pouco impacto na mudança da literacia e hábitos motores das crianças que continuam, na generalidade, com repercussões graves na qualidade de vida.
Urge a implementação em Portugal no 1º ciclo do ensino básico de um programa de competência aquática que só será eficaz se: (1) deixar de ter carácter facultativo e passar a ter um carácter obrigatório, inserido nos conteúdos das expressões físicas e motoras do 1º ciclo; (2) a supervisão pedagógica ser operacionalizada pelo grupo de Educação Física de cada agrupamento de escolas; (3) a implementação dos projectos pressupuser a organização local com agrupamentos de escolas, autarquias, clubes, associações e técnicos disponíveis os técnicos e creditados com título profissional estejam sob a supervisão do referido grupo disciplinar; (4) que haja um processo de avaliação concreto ao programa; (5) haja um processo de formação técnica contínua; (6) haja avaliação externa ao modelo. Este será o primeiro passo. Mudar o paradigma e assumir politicamente a aposta."

Os utópicos e irrealizáveis Jogos Olímpicos da Península Ibérica

"A mais recente manifestação do desejo de receber, em Portugal, os Jogos Olímpicos aconteceu através de uma divertida entrevista institucional que o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) deu ao jornal “O Jogo”. O dito, na peugada da competência do seu antecessor, anunciou a possibilidade do COP “juntar os trapinhos” com o Comité Olímpico Espanhol a fim das duas instituições se candidatarem a receber a organização de uns Jogos Olímpicos. Presumimos que os Jogos Olímpicos da Península Ibérica.
Disse o presidente do COP:
“Eu veria, com muito bons olhos, uma candidatura Ibérica à organização de uns Jogos Olímpicos. Espanha já foi candidata e não correu bem, mas tem capacidade para isso e acho que Portugal poderia ser parceiro desse desígnio, permitindo que se aproveitasse muito daquilo que nos é comum” (O Jogo, 2018-06-21).
Independentemente da falta de rigor epistemológico da referida ideia, o que não admira, o que é necessário esclarecer é que a hipotética candidatura portuguesa a receber os Jogos Olímpicos não é de hoje. Não é de hoje porque, há mais de vinte e cinco anos, faz parte das oníricas fantasias do nosso divertido nacional olimpismo uma vez que existem dirigentes que, como solução para o miserabilismo em que o desporto nacional se encontra, não são capazes de ter outra ideia mais de acordo com as verdadeiras necessidades dos portugueses e do País do que defender uma candidatura à realização dos Jogos Olímpicos em território nacional.
Vejamos, então, o que se passou nos últimos vinte e cinco anos.
Tudo começou em 1993 quando o jornal O “Público” (1993-11-13) informou que os dirigentes do PSD, durante a campanha para as autárquicas daquele ano, logo secundados pelo PS, prometeram a realização dos Jogos Olímpicos no Porto em 2004! No frenesim em que transformaram a campanha, bem podiam ter prometido o elixir da vida eterna pois seria a mesmíssima coisa.
Passado o prazo de 2004, surgiu a candidatura a 2008. Em 30 Outubro de 1999, o jornal Público informou que o próprio Presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) anunciou que havia treze cidades candidatas à realização dos JO de 2008 entre as quais Lisboa! Contudo, poucos dias depois, num audacioso rasgo de bom senso, o Governo e o COP anunciaram não existirem condições para que tal pudesse acontecer. E o secretário do COP foi obrigado a apresentar uma patética justificação ao País: “Portugal precisa, primeiro, de se afirmar no plano desportivo, com obtenção de grandes resultados” (Record, 3/2/00). Ora bem, os resultados desportivos estão à vista. Enquanto em 2004 a Missão Portuguesa aos Jogos Olímpicos ganhou três medalhas, em 2016 ganhou uma única e de bronze.
Seis meses depois o problema estava resolvido! Armando Vara, Ministro do Desporto do XIV Governo, acabadinho de tomar posse a 14 de Setembro de 2000, certamente ainda ofuscado pelo fogo-de-artifício de Sydney e embalado pelas palavras dos nossos olímpicos dirigentes, portanto em perfeitas condições para tomar uma decisão de, ao tempo, pelo menos, sete mil milhões de euros, deu “luz verde à candidatura Lisboa 2012”. E, para tal, num rasgo de populismo à portuguesa, afirmou: “Há uma grande vontade de todos em avançarmos com o projecto” (Record, 2000-01-10). Felizmente, a “cultura de rebanho” relativa à “grande vontade de todos” foi travada a tempo.
E foi travada na medida em que, em boa hora, José Lello substituiu Armando Vara. Lello emendou a mão do Governo e fez com que o presidente do COP regressasse ao Planeta Terra. E, afirmou ao jornal “Record” (2001-07-01): “Temos de ter a noção do que podemos fazer e eu acho que lançar uma candidatura aos Jogos Olímpicos (…) é continuar a investir no discurso da retórica e não no discurso do rigor”.
Até José Sócrates (Record, 2001-07-28), ao tempo responsável pelo Ministério do Ambiente e da Administração do Território, disse: “Achei sempre ridículo e caricato alguém falar disso”.
Apesar da posição de José Lello e de José Sócrates, o Presidente do COP recusou-se a regressar ao Planeta Terra. E, passados uns dias, ao sair de uma audiência com o então Primeiro-ministro António Guterres, informou, solenemente, a comunicação social (Público, 2001-07-31): “Fiz a proposta utópica e irrealizável de Portugal receber os Jogos Olímpicos. Não é importante em que ano, 2016 ou 2020...”. Ora, a propósito desta hilariante informação, o saudoso jornalista Rui Cartaxana expressou magistralmente a sua opinião no “Record” (2001-08-01): “Totalmente de acordo, quanto à proposta. Quanto ao ano, sugiro antes 2442, que é uma capicua”. Nunca em Portugal o Olimpismo tinha atingido tão alto grau de humor.
Entretanto, perante a vulgaridade que tomou conta do nacional olimpismo foram vários os políticos que tiveram de manifestar a sua opinião relativamente à irresponsabilidade que é a pretensão de receber em Portugal uma edição dos Jogos Olímpicos. Por exemplo, Carlos Carvalhas, Secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) numa entrevista à “A Bola” (2002-03-13) disse: “Nas condições atuais essa candidatura não faria sentido e poderia ser mesmo uma irresponsabilidade”. E Durão Barroso, em vésperas de tomar posse como primeiro-ministro disse: “Primeiro temos que atingir padrões europeus de prática desportiva, depois poderemos pensar em outros desafios” (A Bola, 2002-03-14).
Chegados a 2004, na abertura dos Jogos de Atenas (2004), tal qual tragédia grega, foi preparado um novo cenário para, duma forma mafiosa, envolver o Presidente da República na candidatura aos Jogos de 2016. Para que tudo parecesse idilicamente perfeito foi atracado no porto de Pireu o Navio Escola Sagres a fim de fazer de residência oficial do Presidente da República. Contudo, Jorge Sampaio não foi no canto das sereias do nacional olimpismo. E, numa espécie de Ulisses à portuguesa, fez-se amarrar ao mastro principal da Sagres, quer dizer, à realidade social, económica e desportiva do País. E recusou patrocinar a hipotética candidatura. E disse: “Trata-se de um empreendimento demasiado avultado” (Record, 13/8/04). Quer dizer, não podia haver Jogos Olímpicos para além do défice. E Marcelo Rebelo de Sousa, ao tempo, comentador na TVi (2004-08-22), concluiu que quem defende a organização dos JO em Portugal não sabe o que está a dizer. 
Mesmo assim, o presidente do COP não desistiu. Desta feita, acompanhado pelo edil de Lisboa propôs uma “candidatura aos Jogos…para perder” (Record, 2004-09-22). Mas o edil, ainda deslumbrado pelo cenário mitológico da abertura dos Jogos de Atenas a que assistiu, declarou: “…apercebi-me do tipo de preocupações, de necessidades e investimentos que tiveram de ser feitos, e seguramente Portugal está à altura do evento” (Correio da Manhã, (2004-11-27). Nem mais, nem menos! Quer dizer que Portugal estava perfeitamente à altura de apresentar uma candidatura para perder. Uns meses depois José Sócrates na qualidade de Secretário-geral do Partido Socialista, depois de um encontro com as altas figuras do associativismo desportivo no âmbito da campanha eleitoral para as Legislativas de 20 de Fevereiro de 2005, afastou qualquer hipótese de uma candidatura. E encerrou a questão: "As actuais condições económicas e financeiras não permitem ao país entrar nessa aventura” (TSF, 2005-01-18).
Já na vigência do XVII Governo Constitucional o ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, apanhado completamente de surpresa, sobre a possibilidade de poder haver uma candidatura portuguesa à realização dos Jogos Olímpicos respondeu: “o país precisa de sonhos e ambições (…) esses projectos têm de ser avaliados, sobretudo porque envolvem importantes recursos financeiros públicos” (Diário de Notícias, 2006-11-02). E o Secretário de Estado da Juventude e Desporto Laurentino Dias, no discurso que proferiu na gala comemorativa do aniversário do COP (2006-11-06), perante centenas de dirigentes desportivos, para que não ficassem dúvidas disse: “não temos condições para promover um evento desportivo internacional” dessa envergadura. E, posteriormente, após uma visita à China a fim de tomar conhecimento das infraestruturas dos Jogos Olímpicos de Pequim, concluiu: “Só loucos podem pensar que alguma cidade portuguesa pode organizar uma coisa destas” (Correio da Manhã 2007-02-01).
Finalmente, António Costa, ao tempo em que presidiu à Câmara Municipal de Lisboa, depois de também ter visitado Pequim encerrou o dossier “utópico e irrealizável” do COP e rematou: “É algo que a Câmara Municipal de Lisboa nem sequer está a equacionar” (Lusa, 2007/10/24).
Perante a posição de António Costa o presidente do COP disse compreender as suas palavras mas que mantinha o sonho. E, na brilhante lógica de apresentar uma candidatura para perder, insistiu: “Mantenho este sonho, embora compreenda que actualmente as dificuldades talvez sejam maiores do que nunca (…) Fazer uma candidatura não quer dizer ganhar uma candidatura (...) é um conjunto de intenções” (Meia-Hora, 2007-10-25).
Pensava eu que, por excesso de ridículo, a questão tinha sido colocada na “gaveta dos esquecimentos” do COP. Todavia, estava completamente enganado porque, a 21 de Junho de 2018, os portugueses, através de uma entrevista do presidente do COP, viram-se novamente confrontados com uma hilariante proposta de candidatura para receber os Jogos Olímpicos a apresentar ao COI a meias com Espanha! Não ficámos esclarecidos se o tal desígnio passa por fechar os Comités Olímpicos dos dois países e, de acordo com o pensamento de José Saramago, instituir um Comité Olímpico da Península Ibérica como prelúdio de uma próxima futura União Ibérica.
Por isso, perante o extravagante anúncio do presidente do COP o que urge perguntar ao Governo português é: O que é que tem a dizer sobre o assunto? Também vê “com bons olhos” tal onírica fantasia? Ou vai, mais uma vez, fazer regressar o presidente do COP ao Planeta Terra?
Por nós, na linha da proposta de Rui Cartaxana diremos que: Totalmente de acordo, quanto à organização de uns utópicos e irrealizáveis Jogos Olímpicos da Península Ibéria. Quanto à data, ainda de acordo com o jornalista, sugerimos o ano de 2442 porque é capicua."

Comité Olímpico de Portugal: o grande salto em frente

"Portugal tem há longos anos governos que pouco ou nada se dedicam a estruturar políticas públicas desportivas que possam conduzir o desporto nacional para além dos últimos patamares europeus, quer em termos de prática regular, quer em termos de resultados competitivos nas maiores competições mundiais como os Jogos Olímpicos e os Campeonatos do Mundo.
Em especial, nos Jogos Olímpicos a participação portuguesa desde há décadas que se tem traduzido continuadamente em fracos resultados, fragilidade que se tem ainda acentuado nas três últimas edições daqueles Jogos. Nos Jogos do Rio de 2016 os resultados foram mesmo os mais inconsequentes com os objectivos assumidos pelo Comité Olímpico de Portugal e até com o maior nível de financiamento de sempre atribuído para a preparação da participação portuguesa.
O governo actualmente em funções prometia no seu programa uma “nova agenda para o desporto”, a qual passada que está praticamente a legislatura nunca viu uma linha programática à luz do dia. A tutela do desporto, quer ao nível ministerial, quer ao nível da secretaria de estado do desporto, tem-se traduzido por uma completa ausência, vazio de ideias e projectos de desenvolvimento do desporto e apenas interrompida por aparições mediáticas dos membros do governo quando está sobretudo em questão o futebol.
O panorama do desenvolvimento desportivo, traduzido em definição de estratégias, fixação de objectivos de médio e longo prazo, em discussões profundas e alargadas sobre as principais questões subjacentes ao desenvolvimento, a elaboração de documentos sobre políticas públicas a prosseguir em determinados horizontes temporais, a solicitação da participação da academia em foros de elaboração e discussão de orientações de progresso, tudo isto tem sido praticamente inexistente desde há quase duas décadas em Portugal.
Acresce ainda o facto de as entidades responsáveis em matéria desportiva, como as federações ou especialmente o Comité Olímpico de Portugal, se terem inibido de na praça pública exigirem que o desporto seja tratado com a relevância económica, social e cultural que efectivamente tem ou pode deter.
A cultura desportiva nacional, isto é, o modo como os cidadãos e as diferentes instituições e organizações entendem o desporto, as suas virtualidades, os valores de dignidade e lealdade competitiva, ou a valia económica e financeira que estão intrínsecos na prática desportiva e nas suas diferentes competições, é em Portugal absolutamente indigente, transportando para a ribalta os desvalores do facciosismo, da rivalidade radical e irracional, da degradação pelo acesso da marginalidade e da violência, pela afirmação de deslealdade competitiva, e até pela insanidade do comportamento de dirigentes de algumas das maiores instituições desportivas nacionais.
Perante esta realidade do desporto nacional, que o Comité Olímpico de Portugal conhece e que o seu actual Presidente tem já reafirmado em algumas intervenções conhecidas, embora sempre de uma forma pouco audível em termos mediáticos e insuficientemente reiterada junto das principais instâncias do poder político, presidência da república e primeiro-ministro, é agora completamente inusitado que o mesmo presidente daquele Comité venha defender (em entrevista hoje publicada no “Jornal O Jogo”) que o nosso triste país desportivo se abalance a vir a fazer uma candidatura conjunta com Espanha à realização, imagine-se o salto quântico, duma futura edição dos Jogos Olímpicos. 
Nenhuma das mais recentes edições dos Jogos ficou por menos de 12 mil milhões de euros ao país organizador (até talvez mais do que isso na última edição dos Jogos do Rio 2016). No Rio a situação financeira em que ficou a cidade foi catastrófica, com dívidas gigantescas que ficaram para liquidar, já que como é do regulamento dos Jogos é a cidade hospedeira a contratante junto do Comité Olímpico Internacional e fica com as responsabilidades jurídicas e financeiras do que tiver aceitado contratar para a realização dos seus Jogos.
Portugal tem mais de 250 mil milhões de euros de dívida pública, que ficará a pagar, com elevadíssima probabilidade, durante muitas décadas, a uma média anual de juros que rondam os 7 mil milhões de euros, o que é quase equivalente a totalidade do orçamento actual da saúde. Mas a dívida total do país, pública e privada, excluindo o sector financeiro, é já de cerca de 725 mil milhões de euros, e é por isso que sucessivamente se assiste à venda ao estrangeiro de parcelas relevantes do nosso património, empresarial, imobiliário e outro.
Numa realidade financeira como esta, agravada por fraquíssimas perspectivas de crescimento económico, associadas à realidade desportiva medíocre acima descrita, como é possível que o actual Presidente do Comité Olímpico de Portugal, responsável desportivo de primeira linha, se atreva a propor a possível realização de uma candidatura nacional à realização de uma futura edição dos Jogos Olímpicos?
Em que realidade paralela vive agora o Dr. José Manuel Constantino para achar que é possível a um país que nem uma governação desportiva forte e estratégica tem tido ao longo das últimas duas décadas, que não é capaz de definir um quadro de desenvolvimento do seu desporto, que tem uma canga financeira colossal para as próximas décadas, pode vir a dar um “Grande Salto em Frente” e entrar na majestosa aventura galáctica de se candidatar à realização dos Jogos Olímpicos?
Como bem dizia o título de um filme que prendeu audiências durante anos. “Os Deuses devem estar loucos”! E o actual Presidente do Comité Olímpico de Portugal deve ser também um desses Deuses, porque deve imaginar-se fértil e gratuitamente a viver no verdadeiro “Olimpo de Portugal”."

Alvorada... do Guerra

Mundial, dia 13: Messi não falhou e está no caminho de Cristiano Ronaldo

"Uma jornada marcada por grandes momentos de ex-"portugueses". Marcos Rojo marcou o golo da qualificação da Argentina e Carrillo, de novo o melhor no Peru, também com golo, voltou a provar que deve algo a si próprio e à sua carreira

E finalmente apareceu Messi, ainda a tempo de guiar a Argentina para a fase seguinte (2-1 à Nigéria) depois da sua equipa ter estado encostada às cordas. Marcou um golo extraordinário, acertou num dos postes na cobrança de uma falta e, acima de tudo, esteve mais disponível para a equipa do que nos dois primeiros jogos. Messi ressuscitou quando a equipa mais precisava dele e o Mundial ficou mais interessante.
O grande herói da passagem aos oitavos-de-final, no entanto, foi o ex-leão Marcos Rojo, agora futebolista do United de Mourinho. Marcou o golo da sua vida (com o pé direito, tal como Messi!), a quatro minutos do final, materializando, com um remate indefensável, toda a vontade de um grupo que mesmo não estando bem demonstra uma garra extraordinária. É isso que leva a Argentina em frente, em direção ao jogo com a França, de onde sairá a equipa que depois cruzará com o vencedor do Portugal-Uruguai. Quer isto dizer que é possível haver um Ronaldo-Messi nos quartos-de-final do Mundial.
A Argentina é melhor com Banega, fica mais segura em 4x4x2 e não ganhou nada de especial com a troca de Aguero por Higuain. O problema é suportar Mascherano, cuja vontade às vezes já não chega – bolas perdidas, um penalty concedido… O veterano futebolista, que agora actua na China, obrigou a sua equipa a fazer horas extraordinárias, embora tivesse participado de forma indomável no esforço geral para chegar à vitória.
Com o apuramento da Argentina, o Mundial está prestes a reunir na fase seguinte todos os favoritos. Já só falta a Alemanha, que marchará a seguir para o seu lugar. Surpresas? Houve surpresas? Não! Houve, como em todas as grandes competições, algumas inquietações iniciais e muito folclore porque as grandes equipas continuam a diferenciar-se nos pormenores, no momento delicado – e três jogos são muitos jogos para algumas equipas, como esta Nigéria, onde o talento africano tarda em casar-se com o rigor táctico e a assumir a maturidade necessária para ter ambições ao mais alto nível. Os jogadores são bons, com uma grande dupla atacante, Musa-Iheanacho, mas falta mais equipa. De África, já só o Senegal pode aspirar a qualificar-se e não será fácil jogando com a Colômbia, que tem outra capacidade competitiva.
No mesmo grupo, o D, a Islândia ainda teve a sua janela de oportunidade, até porque a Croácia deu dia de folga quase geral para começar já a preparar o duelo com a Dinamarca. Escaparam Modric e Perisic e juntou-se-lhes Kovacic, o croata que quer deixar Madrid por estar farto desta sina de ser suplente. Ainda assim, chegou (1-2) para o voluntarismo islandês, bonito mas muito perdulário: três boas oportunidades na primeira parte e zero golos. A este nível, a Islândia é uma equipa com várias debilidades. Não tem capacidade criativa, vive de um futebol linear que gosta do choque. Tal como no Euro’2016, fez o possível. E já é extraordinário que um país de pouco mais de 334 mil habitantes consiga disputar competições desta importância.
O França-Dinamarca foi um jogo chato (0-0). A equipa francesa segue sem convencer. É muito previsível. Falta-lhe fantasia, sobra-lhe músculo. A Dinamarca queria empatar e conseguiu-o, sem arriscar, sem mostrar argumentos para ir muito mais longe.
O Austrália-Perú voltou a evidenciar as limitações do futebol da gigantesca ilha e mostrou como Carrillo poderia ser um dos grandes a nível global. Excelente golo, outra exibição de qualidade. O melhor peruano 36 anos depois de Cubillas (que depois seguiu para o FC Porto, no qual marcou uma época) e da anterior participação num Mundial. Como este Carrillo não triunfou quer no Sporting quer no Benfica, e como está a desperdiçar um lugar no futebol é um crime que ele comete contra si próprio."

Óscar Tabárez: o perfeito cavalheiro

"O “maestro” emana tranquilidade mas, por amor a um desporto e a um país, prefere orientar um conjunto de compatriotas milionários, alguns com notórios distúrbios de personalidade.

Uma das consequências do nosso estilo contemporâneo – o qual benevolentemente poderemos apelidar de pragmático – é que, à medida que se aproximam, todos os adversários nos parecem insuperáveis, como se cada obstáculo fosse um Everest. Caminhando “passo a passo”, para citar João Mário, avançamos e, ao olhar para trás, descobrimos que a montanha temida não passava de uma ligeira protuberância, uma irregularidade no terreno. Hoje, olhamos para sábado, e lá vemos, ao fundo, inalcançável, um Everest azul, cheio de escarpas traiçoeiras, neves sempiternas e passagens íngremes. E nada nos resta a não ser seguir em frente, enfrentar o monstro com as nossas picaretas arcaicas, botas em segunda mão, xerpas preguiçosos e um sentido de orientação que nos faz sempre escolher o caminho mais longo e perigoso.
Não quero com isto desmerecer o Uruguai, que tem um ataque superior ao nosso e na defesa não é pior, nem gerar otimismos infundados que pouca ou nenhuma utilidade terão. Outrora um bando de carniceiros no meio dos quais sobressaía um tal Francescoli, conhecido, por talento e antonomásia, como “o príncipe”, o Uruguai é hoje talvez o derradeiro exemplar daquele estilo latino-americano de elegância feroz que se distinguia quer do futebol brasileiro, quer do europeu. Hoje sobra pouco espaço para jogadores de acosso e intimidação, como também vão rareando, infelizmente, os governadores de pés de veludo como Francescoli. Mas à falta de uns e de outros, o Uruguai contenta-se com a agressividade moderada de um Godín e a mobilidade inteligente de Cavani e Suárez. Estes dois, um par de amigáveis vilões de desenhos animados, são versáteis, velozes, tecnicistas e carnívoros (mais Suárez, claro). Outras seleções poderão ter linhas avançadas igualmente boas, mas nenhuma superior à do Uruguai.
Apesar disto, o que me agrada mais nesta equipa é, com a permissão da juventude de bola no pé, o septuagenário que, a partir do banco e apoiado numa muleta, comanda com autoridade preternatural este bando de celestiais mercenários. Já poucos se recordarão, mas há vinte e oito anos, era este uruguaio fleumático que orientava o Peñarol na célebre madrugada de neve em Tóquio em que o Futebol Clube do Porto conquistou o mundo. Dois anos depois, Óscar Washington Tabárez levou a selecção do Uruguai ao campeonato do mundo em Itália, onde foi eliminada pela anfitriã nos oitavos-de-final. Regressou ao comando da equipa nacional em 2006 e, desde então, não falhou um Mundial. Em 2010, com um Diego Forlán metamorfoseado em organizador de jogo, esteve perto da glória. Caiu nas meias-finais contra a Holanda, sem nunca perder o ar ponderado de quem não se deixa abalar pelos sucessos dramáticos da existência.
O “maestro”, assim chamado por, durante anos, ter sido professor primário, emana a tranquilidade de quem poderia estar numa sossegada sala de aula nos subúrbios de Montevideu, a ensinar a conjugação de verbos, as cadeias montanhosas e os afluentes dos rios, mas, por amor a um desporto e a um país, prefere orientar um conjunto de compatriotas milionários, tatuados dos pés à cabeça e, alguns, com notórios distúrbios de personalidade. Mesmo debilitado, a sua simples presença garante estabilidade e elegância. Tabárez é a reminiscência viva de que este, por mais que os selvagens o queiram conspurcar, é mesmo um desporto de cavalheiros.
Hoje, na sua crónica no jornal A Bola, Miguel Sousa Tavares cai em cima de Jorge Sampaoli, o treinador argentino, por causa do seu aspecto. Diz que, com a sua roupa negra e cara de malandro do bairro de Palermo, Sampaoli mais parece um “chulo de cabaret” do que o treinador de um país civilizado. Como todas as hipérboles, todas as caricaturas, esta também tem, retirando-lhe os traços mais grosseiros, um esboço de verdade. Não será razão para condenar Sampaoli ao ostracismo, mas é tentador, embora em última análise talvez fútil, comparar o seu físico de brigão, de boxeur amador, com o sorriso sedutor, a altivez grisalha do seleccionador uruguaio – um Juvenal Urbino da área técnica – e procurar aí as diferenças de estilo entre as duas equipas: um Uruguai mais evoluído e uma Argentina, apesar de todo o talento disponível, a depender dos “huevos”, como afirmou Valdano. 
Seria para mim motivo de grande tristeza que fosse Portugal a forçar o mais que certo último adeus de Óscar Tabárez aos palcos de um mundial. Mas se isso vier a acontecer, espero que cumpramos esse penoso dever com a elevação e o nível que a carreira e a distinção de um cavalheiro não só merecem, como exigem.

Por momentos, durante aquele período da segunda parte em que a Argentina esteve eliminada, pensei que o fenomenal golo de Messi seria o mais belo e infeliz canto do cisne de um génio. O passe de Banega é extraordinário, mas aquela “recepção orientada” com a coxa a amortecer a bola para o pé esquerdo, e este a servi-la à medida certa do pé direito, estes dois toques suaves a alta velocidade quase tornavam dispensável o remate final, cuja utilidade, como a de um carimbo de repartição, foi a de certificar a genialidade que o precedeu e preparou. Messi despedia-se – tudo levava a crer – deixando para trás o inequívoco rasto do seu talento incomensurável porque, a partir do golo da Nigéria, a Argentina embateu sucessivamente no muro nigeriano, revelando falta de discernimento e escassez de ideias. Sobravam-lhe “huevos”. E, como diz o ditado, se a vida te dá “huevos”, faz omeletas."

64 casas de elegância

"Um dia descobri que era possível ser-se de um jogador de xadrez como se é de um clube de futebol. E fui do Capablanca!

No dia 24 de Agosto de 1946, podia ler-se na última página do Diário de Lisboa uma notícia que ia assim: «Morreu esta madrugada no Estoril o grande campeão mundial de xadrez, dr. Alexander Alekhine, que há meses se encontrava em Lisboa. Ainda ontem à noite estivera a trabalhar numa obra que tinha em preparação e fizera, igualmente, alguns estudos de treino. Mais tarde foi foi acometido de um ataque de angina pectoris a que não pôde resistir, sucumbindo antes da chegada do médico».
Alekhine, ou o dr. Alekhine, mais respeitosamente, tinha 53 anos. A sua morte ficou para sempre envolta em mistério. A autópsia desmentiu a angina pectoris da imprensa: encontraram-lhe uma bola de carne mastigada com três centímetros de diâmetro a bloquear-lhe o esófago. Mais tarde, o seu filho diria: «Foi apanhado pela longa garra de Moscovo». Anos antes, tinha sido considerado um inimigo do bolchevismo e fugido para França.
Alekhine foi sempre conhecido pela sua capacidade de concentração. Era capaz de jogar doze partidas ao mesmo tempo de olhos vendados. O que significa que dois jogadores do mesmo nível poderiam atingir o cúmulo da abstracção xadrezística: jogarem doze simultâneas sem precisarem de tabuleiros, só verbalizando as jogadas.
Houve um tempo da minha vida de estudante em que me dedicava mais aos livros de xadrez do que às sebentas do Direito. Dediquei-me a memorizar aberturas de jogos históricos, como o de Botvinnik contra Capablanca em 1938, no qual o russo aplicou uma extraordinária defesa nimzo-índia que o levou a uma vitória retumbante. Era aqui que queria chegar: descobri, pelo caminho, que se podia ser de jogadores de xadrez com se de clubes se tratassem. Pela sua forma de jogar, pelo seu estilo nas movimentações, pela sua personalidade e forma de vida. E eu fui do Capablanca!
Foi em Buenos Aires, entre Setembro e Novembro de 1927, que o dr. Alekhine roubou o título de campeão do mundo ao cubano José Raul Capablanca. A segunda maior batalha de toda história do xadrez por um mundial a seguir ao Karpov-Kasparov de 1984. Foi um choque!
Nunca até aí, o dr. Alekhine tinha vencido uma partida a Capablanca. O mundo aprendia a soletrar o nome do jogador infeliz transformado em cadáver na tranquilidade do Estoril.
Aos 4 anos, já Raul Capablanca jogava xadrez como um homem. Como diria Saint-Saëns sobre Mozart: «Apesar de criança não tinha a menor inexperiência». Batia-se com o pai sobre o tabuleiro das 64 casas e ganhava sempre. O pai, José Maria Capablanca, era oficial do exército espanhol. Raul afirmaria, ternurento: «Era un malo ajedrecista, pero un bueno soldado».
Confesso que o meu fascínio por Capablanca veio mais da forma como encarava a vida do que como encarava o xadrez. Também foi dr., para que nesse ponto Alekhine não lhe ganhasse avanço, com o curso tirado na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Ia jogando por prazer, sobretudo. E porque a sua elegância, tanto no jogar como no vestir, lhe foi abrindo as portas de uma certa sociedade que o encantava de sobremaneira. Em 1913 entra para o Ministério das Relações Exteriores de Cuba. Um diplomata, portanto. Viaja, espalha charme, torna-se famoso pela habilidade com que utiliza uma inteligência aguçada. No seu país ganha a alcunha de ‘Máquina de Jugar’.
Passa dez anos consecutivos sem que alguém o consiga superar nos movimentos das pedras que dispõe num estilo novo, temerário, tal como acontecera no momento do seu primeiro grande triunfo, frente ao campeão cubano Juan Corzo, tinha somente treze anos. O seu ídolo era o americano Nelson Harris Pillsbury, o hipnotizador das meninas solteiras de Havana: exibia-se nos salões jogando 16 partidas de olhos vendados e acrescentando-lhes, à laia de simpatia, mais uns jogos de damas e um mão de whist.
Capablanca quebrou, frente ao alemão Emanuel Lasker, matemático de profissão, o mais longo reinado de qualquer campeão mundial de xadrez: 27 anos. A vitória foi de tal modo retumbante que, a partir daí, passaram a chamar-lhe ‘El Infalible’. Divertia-se a apresentar artifícios nas mais diversas capitais da Europa e do Mundo. Com um descaramento divino, digno do Ega, de Os Maias, declarava o número de lances que iria necessitar para derrotar os opositores. Batia sempre certo. Para tal precisava de calcular milhares de possibilidades, até as mais absurdas.
Perder o título mundial para Alekhine, corroeu a fama de Capablanca com aquela destruição gradativa típica dos metais. No dia 8 de Março de 1942, pelas nove da noite, estava em Manhhattan, a ver um jogo de xadrez de rua. De repente, queixou-se: «Por favor, ayúdenme a quitarme el abrigo. Tengo una jaqueca insoportable».
Uma veia rebentar-lhe na cabeça sem respeito pela elegância do seu cérebro. Também tinha 53 anos. Tombou no chão como um cartucho vazio de papel pardo."

Penáltis bem marcados

"Se formos a penáltis e tivermos de escolher quem começa a rematar, a escolha é simples, somos nós os primeiros. Se por azar formos segundos, os jogadores que não tentem chutar de forma super-colocada.

A Teoria dos Jogos é um ramo da ciência que a Economia tem em comum com a Matemática. Estuda diferentes interacções estratégicas onde os jogadores têm de escolher uma determinada acção. Por exemplo, um jogador que tenha de marcar um penálti tem de decidir se chuta para a esquerda, para o centro ou para a direita. Simultaneamente, também o guarda-redes tem de escolher se se deve atirar para a esquerda, para o centro ou para a direita. Como é fácil de perceber, o jogo do penálti é aquilo que em Economia se chama um jogo de soma nula: a vitória de um jogador é a derrota do outro.
A Teoria dos Jogos descreve-nos qual a estratégia óptima de cada jogador. Por exemplo, um jogador que chute melhor para a esquerda deve chutar mais vezes para a esquerda do que para a direita, mas não deve chutar sempre para a esquerda. Se o fizesse, o guarda-rede saberia sempre para que lado saltar. Ou seja, o marcador do penálti deve seguir uma estratégia mista, aleatorizando o lado para onde chuta. É possível demonstrar matematicamente que se seguir a estratégia óptima, então a probabilidade de marcar chutando para a esquerda ou para a direita (ou para o centro) é igual. Para o guarda-redes, o raciocínio é análogo. Se os jogadores forem bons estrategas, então a Teoria dos Jogos também prevê que seja praticamente impossível saber antecipadamente qual a estratégia que o jogador vai seguir. Ou seja, nem o marcador adivinha para que lado se vai atirar o guarda-redes, nem este consegue adivinhar para onde vai o adversário chutar
Como os meus leitores já sabem, os economistas não perdem uma oportunidade para testar as suas teorias. Foi isso que Ignacio Palacios-Huerta fez. Além de Professor de Economia na London School of Economics, é também louco por futebol. Como nos EUA não conseguia seguir os jogos, pediu à mãe que gravasse todos os resumos dos jogos das ligas inglesa, espanhola e italiana, entre 1995 e 2000, e analisou os 1417 penáltis marcados nestes campeonatos ao longo destes anos. O estudo foi publicado em 2003 na Review of Economic Studies. As conclusões são claras. Os jogadores de futebol são estrategas exímios e comportam-se exactamente de acordo com as previsões da teoria:
1. O avançado chuta a bola mais vezes para o seu lado melhor (por exemplo, um jogador destro chuta mais vezes para a esquerda), mas de tal forma que a probabilidade de marcar é a mesma quer chute para a esquerda ou para a direita.
2. O guarda-redes salta mais vezes para o lado melhor do marcador de penálti, mas, novamente, de tal forma que a probabilidade de defender é a mesma quer salte para a esquerda ou para a direita. 
3. Olhando para os jogadores que mais penáltis marcaram, o autor tentou encontrar algum padrão que permitisse adivinhar o lado para que vai chutar e, mais uma vez, os jogadores revelaram-se estrategas exímios, sendo imprevisíveis.
Não tem a ver com a teoria, mas deixo aqui a informação a título de curiosidade. O melhor marcador de todos era Mendieta (Lazio), com uma taxa de sucesso de 90% (sendo a média de 80%). Toldo (Inter de Milão) era o melhor guarda-redes.
Provavelmente, reparou que nas conclusões eu apenas falei em esquerda ou direita, excluindo a hipótese o chuto ser para o centro ou de o guarda-redes se deixar estar quieto. A razão é simples. Houve tão poucos remates para o centro (cerca de 7,5% do total) ou situações em que o guarda-redes apostou no centro (1,7%) que o autor acabou por não os considerar nos seus testes. De qualquer forma, dado que 7,5% dos remates são para o centro, à primeira vista, seria de esperar que os guarda-redes de deixassem estar quietinhos também 7,5%. Mas essa conclusão não resiste a uma análise matematicamente mais cuidada.
Essa análise foi feita por Chiappori e Levitt, professores em Chicago, e por Groseclose, professor em Stanford, num artigo publicado em 2002 na American Economic Review. Naturalmente, não é possível fazer aqui a demonstração matemática, mas a ideia é relativamente simples. Se os guarda-redes ficassem muitas vezes quietos no centro, então o avançado nunca chutaria para o centro, dado que isso seria uma defesa quase certa. Dessa forma, o guarda-redes ficar no centro muitas vezes nunca poderia ser um equilíbrio neste jogo. Por outro lado, quando o avançado remata para o centro e o guarda-redes se atira para um dos lados, a verdade é que de vez em quando ainda consegue defender (por exemplo, com o pé). Ou seja, para o guarda-redes, atirar-se para o lado quando a bola vai para o centro é menos penalizador do que deixar-se ficar quieto quando a bola vai para a esquerda ou para a direita. É assim de esperar que sejam mais as vezes que o remate vai para o centro do que as vezes que o guarda-redes se deixa lá ficar quietinho. Mais uma vez se conclui que os jogadores são estrategas exímios, intuitivamente optimizando as suas hipóteses.
Para terminar, uma nota que me parece interessante. Lá por serem estrategas exímios, não deixam de ser humanos e também sucumbem à pressão psicológica. Num artigo publicado em 2010, Palacios-Huerta e Jose Apesteguia (Universidade de Pompeu Fabra – Barcelona) analisam os desempates por penáltis. Recolheram dados sobre 269 desempates por grandes penalidades que ocorreram em diversas competições oficiais da FIFA entre 1970 e 2008.
Como até Junho de 2003 era a moeda ao ar que decidia quem marcava primeiro, a ordem das equipas era puramente aleatória permitindo assim derivar um mecanismo causal. E a verdade é que a equipa que remata primeiro tem 60% de probabilidades de vencer enquanto a outra tem, obviamente, apenas 40. Quando se fala em lotaria dos penáltis, deve-se reconhecer que o primeiro bilhete da lotaria começa logo com a moeda que é atirada ao ar, dado que a equipa que marca primeiro tem 50% mais hipóteses de vencer do que a segunda. E isso acontece porque os avançados sucumbem à pressão: a equipa que marca em segundo perde mais vezes não porque o guarda-redes da primeira defenda os remates, mas sim porque há uma maior tendência para chutar para fora ou à barra.
Em Julho de 2003, a regra mudou ligeiramente. Desde então, já não é a moeda ao ar que decide quem marca primeiro. Agora a moeda decide qual dos capitães tem direito a escolher a ordem do remate. Como seria de esperar, o capitão que ganha a moeda ao ar escolhe começar primeiro. Sabe bem que ao fazê-lo está a colocar uma pressão adicional no adversário. Os autores apenas se aperceberam de uma excepção a esta regra: numa eliminatória do campeonato europeu em 2008, no desempate entre Espanha e Itália, o capitão italiano Gianluigi Buffon pôde escolher quem começava primeiro e escolheu a Espanha. A Espanha não desperdiçou a oferta e ganhou.
Conclusão. Caros capitães da selecção nacional, se formos a penáltis e tiverem de escolher quem começa a rematar, a escolha é simples, somos nós os primeiros. Se, por azar, formos os segundos, avisem os jogadores para não tentarem chutar de forma super-colocada. Com o nervosismo, arriscam-se a mandar para fora."

Quando pagamos tudo e um par de botas, até tremo com o Sporting!

"A dívida pública ultrapassa 126% do PIB e as operações Fizz resultam em penas suspensas, mas os conteúdos nas televisões e jornais remetem todos para o Bruno de Carvalho...

Pergunto-me se, neste país onde todos nós somos os tais a quem o pão cai sempre com a manteiga virada para o chão, também seremos chamados a pagar as contas do Sporting ou de qualquer outro clube de futebol.
Os números do mundo do futebol sempre me impressionaram. Eu gosto de futebol, mas confesso não encontrar qualquer racional para ordenados de milhões por ano, valores de transferências de dezenas ou até centenas de milhões, receitas de TV de outro tanto, etc. Mas o que é certo é que o povo é do que mais gosta. Só isso pode justificar os números.
Apenas por curiosidade, em ordenado base e por cada uma das 24h do dia, o Ronaldo ganha 2.431 euros, o Pepe 521 euros, o Salvio 347 euros, o Bas Dost 231 euros e o Rui Patrício ganhava 174 euros, o mesmo que Pizzi. Em valores anuais, só estes rapazes recebem 33,5 milhões de euros. Em 2017, os clubes de futebol pagaram 374 milhões de euros em comissões a intermediários – agentes, representantes ou outros – envolvidos em transferências de jogadores, contra os 183 milhões verificados em 2013.
Os clubes portugueses são, aliás, os terceiros da Europa a pagar mais comissões – pódio liderado por Inglaterra, cujo campeonato prima por uma qualidade muito superior e onde, alegadamente, não existem casos obscuros como em Portugal.
Na televisão chego a percorrer seis (ou mais) canais e todos estão a debater os jogos da semana. Mudam as caras mas o tema é o mesmo. Ou seja, mudam as moscas mas…
Chego portanto à conclusão que o meu não entendimento é um problema meu. Mesmo gostando de futebol, não alcanço certamente o que o futebol tem de tão extraordinário para movimentar biliões por ano.
O que se passa no Sporting trouxe-me uma preocupação acrescida. Um clube – ou, mais correctamente, uma empresa – que adia o reembolso dum empréstimo obrigacionista, afectando cerca de 4.000 credores, tem um perdão de dívida pela banca de 94,5 milhões de euros, nove dos jogadores da equipa principal rescindiram o contrato alegando justa causa, o seu Presidente não tem qualquer credibilidade que me permita acreditar na contratação de jogadores num futuro próximo ou na possibilidade de rolar créditos para sustentar o passivo (seja por crédito directo da banca, empréstimos obrigacionistas ou qualquer outro), deve estar muito próximo da insolvência.
Em rodapé num canal televisivo li que o Sporting precisa de 15 milhões de euros até dia 30 Junho para assegurar a gestão de tesouraria. Valor que esperava ter entrado por via de um empréstimo obrigacionista que a CMVM suspendeu, pela turbulência vivida no clube, mas que, na prática, nem precisava porque, obviamente, nenhuma entidade institucional ou particulares no seu perfeito juízo iriam comprar tal empréstimo.
O que me preocupa, perguntará o leitor… a mim, que até sou do Belenenses?
Quando a dívida pública ultrapassa 126% do PIB, quando as greves nos transportes, de médicos ou professores se mantêm ou quando operações Fizz resultam em penas suspensas, o que me preocupa quando nas televisões e jornais os conteúdos vão todos para o Bruno de Carvalho?
O que me preocupa num país onde vigora uma paixão cega pelo futebol e onde há o hábito de todas as alarvidades serem pagas pelo contribuinte é que, um dia destes, alguém me venha dizer que o Sporting, um clube emblemático e tão antigo, conhecido em todo o mundo e rebeubéu pardais ao ninho, não pode acabar… e lá vai o pagode entrar!
É que um dos bancos que “perdoou” a dívida por acaso até é o Novo Banco… sim, esse mesmo que já estamos todos a pagar (e vamos continuar). Nós pagamos e “ele” perdoa dívidas. Isto está tudo bem esgalhado. Aliás, até já foi “explicado” que este “perdão” de dívida é positivo, porque a totalidade do montante já tinha sido considerada como imparidade e assim há uma parte que será (afinal) recebida – assunção que me parece demasiado prematura.
Detalhe: dar esta animada explicação a quem paga pelas imparidades (recordo um texto anterior meu sobre este tema) é de bradar aos ceús. E a seguir ao Sporting, viria o Porto, que tem capitais próprios negativos (ou seja, está tecnicamente falido) e por aí fora. Seria uma festa, portanto. Mais uma!"

Pressão total de Nadal rende-lhe mais Majors

"Rafael Nadal viveu um jejum de Majors entre os seus títulos de Roland Garros em 2014 e 2017, mas no último ano venceu três: Roland Garros 2017 e 2018 e o US Open 2017.
Houve trabalho mental para recuperar a lendária confiança e sacrifício para sanar lesões e recuperar a condição física digna do ‘Touro de Manacor’.
Mas esforçou-se também para reaver a temível direita e preocupou-se em melhorar o arsenal técnico-táctico em três domínios: a esquerda e o serviço em 2017 e a resposta em 2018.
Chris Evert, recordista de sete títulos em Roland Garros, disse que a ‘Chrissie’ campeã em 1986 «teria dado 6-0 e 6-0 à versão de 1974».
O Rafa que elevou pela 11.ª vez a Taça dos Mosqueteiros arrasaria também o Nadal de 2005.
No Open da Austrália de 2017 surgiu com uma esquerda mais variada e agressiva.
Dantes, chegava tarde, batia-a em ‘open stance’, mais cruzada, muitas vezes chapada e para o meio do campo.
Naquele Major em que só perdeu na final com Federer, bateu mais em ‘close stance’ e em top-spin, para fora do court.
No US Open do ano passado, Rafa jogou 44% das suas esquerdas paralelas e 27% delas foram em slice. E quando cruzou a esquerda, 46% das vezes a bola viajou a mais de 130 Km/h. Números apresentados pelo treinador de Serena Williams, Patrick Mouratoglou, com recurso ao Olho de Falcão.
De acordo com o ATP World Tour, Rafa terminou 2017 como o jogador que mais pontos ganhou no segundo serviço: 61,5%. Em 2016 fora 54%.
Isso foi conseguido pela variação da colocação, tornando-se mais imprevisível. Sobretudo quando serve no lado das vantagens nulas.
Dantes servia quase sempre para a esquerda do adversário. Em 2016, em Masters 1000, só serviu quatro vezes (!) para a direita do adversário e 59 vezes ao corpo. Em 2017 visou o corpo em 124 ocasiões e a direita em 86 vezes. Mesmo assim, ainda privilegiou o seu ponto forte, o segundo serviço para a esquerda do adversário (167).
Vejamos agora a resposta ao serviço. Em Roland Garros Rafa quebrou 45 vezes o serviço aos adversários em 2017 e 41 em 2018, é brutal!
O Olho de Falcão mostra que em média colocava-se atrás da linha de fundo para responder aos serviços dos adversários 3,24 metros em 2015, 4,29 metros em 2017 e 4,57 metros em 2018.
Mas responder atrás não é defensivo? Não quando se tem pujança física para responder em 53% com a pancada de direita, com uma velocidade média de 126 Km/h e um top-spin de 2.936 rotações por minuto.
Dessa forma, ele coloca o adversário na defensiva tanto quando serve como quando responde ao serviço. É uma pressão total."

Adeus, Uruguai

"Estarmos parcialmente convencidos de que os nossos voltam para casa já no sábado é o melhor que podemos fazer enquanto adeptos. Provavelmente, é da maneira que eles só regressam dia 16.

A sorte sorriu a Portugal. Pusemo-nos a jeito tanto para ficar tanto em primeiro, como em terceiro, mas o risco compensou. Ou seja, Portugal fez questão de desperdiçar o primeiro lugar no grupo por uma boa causa. Para já, porque o primeiro milho é para os pardais e como nação insegura dificilmente aguentaríamos a pressão de vencer o grupo. Depois, porque apanhar uma tremenda bebedeira no dia de ontem não era minimamente recomendável – justificou-se apenas o ficar levemente tocado, dado o dia da semana. Para além disso, porque assim vamos apanhar uma equipa melhor, o que é melhor para nós, em vez de uma pior, que seria pior. Confusos?
Ora bem, não sei se estão a par desta realidade, mas Portugal não joga nada. Muito pouco. O que não tem mal, até porque esta recusa em jogar à bola acontece também em várias selecções com mais qualidade individual do que a nossa (leia-se, qualidade individual colectiva, porque qualidade individual de um só indivíduo ninguém tem a mais do que nós).
Portugal joga tão pouco que talvez desse para ganhar à Rússia. Talvez desse. Conseguem entender o perigo? A selecção joga tão pouco que não seria claramente, mas apenas ligeiramente favorita frente à Rússia. Isto seria terrível. Entrar em campo com um tangencial favoritismo, fruto do histórico e do estatuto da equipa, acoplado a um futebol mediano que não justifica nenhuma expectativa alta. 
Contra o Uruguai é diferente: Portugal não joga um chavelho e, por essa razão, parte claramente atrás. O Uruguai tem jogadores de classe mundial, joga à bola, fez nove pontos. Perfeito. Tudo montado para que acabem a ir para casa após uma chouriçada, sorte, ressaltos, três expulsões, ir a penáltis, sei lá, alguma produção do destino que leve a que a superioridade táctica tenha zero influência no resultado final.
É o que se quer, em 2018 como se quis em 2016 – apostar que uma narrativa surrealista contudo fatal se desenrole à nossa frente sem que a pobreza táctica ou a beleza do jogo do adversário nela interfiram.
Não podemos contar que vamos ganhar isto, sei lá, com a ideia de futebol do FM, do Visão de Mercado, do Rui Malheiro, do Carlos Daniel, do Luís Freitas Lobo, percebem? Isto é a selecção, pá. Vamos limpar isto com o futebol do Sr. Carlos da tasca da Avenida de Paris.
Não queremos saber de basculações ou se os apoios estavam bem colocados (nunca percebi porque é que os comentadores especializados deste desporto se referem a “pés” como “apoios”, será que quando terminam uma relação foi porque a namorada lhes “deu com os apoios”?). Queremos saber quem é que vai mandar um pastel lá para dentro e a que horas, queremos saber quem é que vai tirar o golo dos outros em cima da linha por instinto, queremos saber quem é o gajo que vai dizer ao Suárez que a irmã dele anda metida com um paraguaio para que ele lhe crave os caninos e acabe expulso. 
Portugal dificilmente jogará melhor do que isto e ainda bem. Um futebol rendilhado afastaria as pessoas que não sabem o que é que futebol rendilhado significa – e estamos a falar de uma facção numerosa do apoio à selecção. Foi assim há dois anos, será assim agora: Portugal pratica um futebol que deposita toda a confiança na falta de confiança. Quanto a nós, estarmos parcialmente convencidos de que os nossos voltam para casa já no sábado é o melhor que podemos fazer enquanto adeptos. Provavelmente, é da maneira que eles só regressam dia 16."