Últimas indefectivações

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Foi um dérbi vibrante e cabe agora ao Benfica reagir


"Foi um dérbi vibrante, repartido, interessante e correto este a que assistimos no último domingo, mas que já passou. Outros virão no novo ano e cabe agora ao Benfica reagir. Para as equipas técnicas, entretanto, o último jogo só fica fechado, especialmente quando as coisas correm mal, depois de detalhadamente analisado, para aproveitamento futuro. Como sempre eram grandes as expetativas e sempre diferentes, à partida para este novo confronto. Desta vez, a recente troca de lugares entre os dois clubes na tabela e a proximidade pontual eram condições para confirmar ou inverter. A estreia do novo treinador do Sporting e como iria estruturar a sua equipa era também uma curiosidade extra.
Relativamente ao jogo e a todos os jogos, a maneira como se começa determina muitas vezes a maneira como acaba. Neste último exemplo, o Benfica começou a perder bem antes de sofrer o golo. Se tivéssemos o poder de escolher uma parte de um jogo para sermos melhores, eu escolheria sem dúvida a primeira, porque condicionamos o adversário para a segunda parte, mais ainda quando se chega em vantagem ao intervalo. Foi o que o Benfica não conseguiu evitar.
Mesmo com a inversão da tendência que deu um Benfica melhor na segunda metade, a reação tem sempre muito de emocional e quem traz desvantagem do início, traz também o stress associado à necessidade de marcar. A perna pesa mais e o coração acelera. O discernimento não é o ideal e a urgência cresce a cada minuto que passa. Os dados lançados quanto antes definem, em muitos casos, o que acontece depois. O Sporting entrou mais agressivo no ataque, com espírito renovado tirando partido essencialmente do entendimento e poder dos seus dois avançados. A diferença, pareceu-me, acabou por mostrar-se na relação da dupla antagonista Trincão e Florentino.
O médio do Benfica não fez diferença como terceiro homem do meio campo. Já Trincão, com o espaço que lhe foi permitido, foi influente no peso atacante que representou no apoio a Gyokeres. Já do lado encarnado, Amdouni esteve na primeira metade muito solitário, não se conseguindo impor nem segurar a bola, frente à forte dupla que o guardou. A alteração de Lage ao intervalo deu um Leandro Barreiro influente na mudança deste cenário. Tanto na cobertura da zona de Trincão, que desde então pouco mais se viu, como no apoio e presença que conseguiu acrescentar na frente, que ajudou a libertação de Amdouni, embora sem reflexo no resultado.
Agora, pela frente espera-nos uma longa segunda volta, depois de cumprida a próxima jornada. A verdade é que os vencedores não se declaram tão longe da meta...

Segue jogo
Confesso a minha preferência pelo perfil do árbitro inglês. Característica simples, que aprecio e que faz diferença: na dúvida, mais vale não apitar do que o contrário. Sendo a Premier League considerada a melhor liga do planeta, além da qualidade dos jogadores, essa distinção assenta muito na intensidade do jogo e nas paragens que quase não existem. Por cá, os nossos massagistas estarão mais em forma do que alguns jogadores, tal a frequência com que entram em campo para perder tempo, quando dá jeito.
A nossa Liga é a quarta em que mais se apita e menos se joga, entre trinta ligas europeias estudadas. Os números não mentem. À atenção dos árbitros portugueses e de quem tem a responsabilidade de os formar. Em último caso, a Premier League está disponível na televisão. E nunca é demais lembrar que o futebol é um desporto de contacto... Ano novo, vida nova? Era bom.

IPO
Saúdo a feliz iniciativa da Liga com as Fundações de Benfica e Sporting associadas ao IPO (Instituto Português de Oncologia), socorrendo-se de dois jovens ídolos de clubes rivais, em vésperas do dérbi lisboeta. Em época natalícia, quando os corações mais se abrem aos que nos rodeiam e passam dificuldades, a iniciativa contou com a participação solidária de Tomás Araújo e de Eduardo Quaresma. Marcante uma das imagens que ilustram este evento a de um jovem acamado equipado à Porto, entre os dois jogadores dos rivais de Lisboa. Ver as camisolas mais representativas do nosso futebol unidas numa realidade em que a saúde e as doenças graves são os temas, é bonito e um exemplo para muitos que confundem o que é realmente importante."

O Benfica que desejo para 2025


"Terminou o ano de 2024 e mais uma vez o Glorioso acaba o ano civil de mãos a abanar. Nem um troféu para amostra. Tal como em 2020. Tal como em 2021. Tal como em 2022. Apenas em 2023 o clube conquistou 2 troféus oficiais no futebol masculino, o Campeonato e a Supertaça. Termina o ano no 3º lugar, depois de perder mais um derby para o Sporting, o 3º consecutivo em Alvalade nos últimos meses, isto já depois de ter despedido um treinador à 4ª jornada com uma indemnização milionária e depois de voltar a gastar consideravelmente mais em contratações que os seus rivais.
Na passagem de ano, há a tradição das 12 passas e de fazer os desejos para o Novo Ano e não tenho problemas em admitir que, entre desejos pessoais, profissionais, financeiros, amorosos, de paz no mundo e essas coisas, enfio/enfiava sempre lá pelo meio querer o Benfica Campeão. E dei por mim na madrugada de 1 de Janeiro a pensar "O que gostava que fosse o Benfica em 2025?". Vieram algumas coisas à cabeça...
- Que o Benfica seja Campeão Nacional, obviamente. E apesar de tudo, é perfeitamente possível. Até pela inconstância dos nossos rivais. Este parece um daqueles campeonatos "à Trapattoni" em que o menos mau vencerá. O Sporting de Amorim parecia imparável e inevitável, mas desde a saída deste para o Man Utd, as coisas alteraram. Veremos como cresce com Rui Borges, mas mesmo a vitória no derby não foi convincente. E o Porto também continua uma incógnita. Claro que o Benfica também não está propriamente uma máquina oleada e tem dado sinais de regressão, depois do entusiasmo com a entrada de Lage.
- Que o Benfica vença a Taça de Portugal e a Taça da Liga. É uma tristeza e uma vergonha reparar que o Glorioso não vence a Taça de Portugal desde 2017. E que apenas venceu 4 nos últimos 30 anos. E que não vence a Taça da Liga desde 2016. Este clube devia fazer-se de conquistas, mas as conquistas têm sido poucas.
- Que o Benfica faça uma boa participação na Liga dos Campeões e no Mundial de Clubes. Não falo em vencer, porque é irrealista, mas o clube pode e deve chegar longe em ambas as competições. Honrando o seu palmarés e lustro internacional.
- Que em Outubro tenha eleições livres, esclarecedoras e democráticas, à Benfica. E que Rui Costa não as vença e que quem o suceda (seja João Diogo Manteigas ou Noronha Lopes, os nomes que se perfilam, ou alguma candidatura ainda desconhecida) faça a limpeza de alto a baixo que o clube precisa. Que acabe com o Vieirismo de vez e traga sangue novo àqueles corredores da Luz e que a sua primeira medida seja uma auditoria profunda a tudo o que se passou no clube nos últimos anos.
- Que a reformulação dos estatutos seja aprovada e finalizada, mesmo que fique o lamento que o nº de votos de cada sócio se vá manter inalterável. Sócios com 3 votos e outros com 50 é algo difícil de entender. Mas houve avanços muito importantes com os novos estatutos.
- Que se aumente a lotação do Estádio para os 70.000 lugares anunciados, que se comece a dar uma roupagem nova ao seu exterior, que se faça o safe standing para a bancada onde estão os No Name, que se incentive cada vez mais o regresso das bandeiras à Luz, que se baixe os décibeis da música nas colunas e que o clube entenda que menos é mais. Menos música, menos speaker, menos instruções aos adeptos de como fazer a festa. Um jogo do Benfica tem que ser uma festa dos Benfiquistas e não uma festa do departamento de Marketing do Benfica em que os adeptos são adereços e joguetes na bancada.
- Que se retire as três estrelas no emblema do clube (uma gabarolice sem sentido), que se coloque a águia de novo a segurar a fleuma e não sentada em cima da roda, que se arranje maneira da vénia dos jogadores no relvado aos adeptos ser muito mais visível e valorizada e não perdida no meio do cântico do hino e que o clube faça esforços para que a entrada dos jogadores volte a ser como antigamente. Primeiro entra a equipa adversária sozinha no relvado e depois o Benfica. Quem se lembra do estrondo no antigo Estádio da Luz quando estas entradas das equipas eram à vez, sabe do que falo. Isso sim, é futebol. E não a coisa sem sal e sabor de entrarem as duas equipas ao mesmo tempo.
- Que o Benfica não apoie Pedro Proença na sua candidatura à FPF, esteja muito atento a quem se quer seguir na Liga (Artur Soares Dias? Lord have mercy) e lute afincadamente pelos seus direitos e grandeza no que diz respeito à centralização dos direitos televisivos, porque se for manso, tem tudo para ser de longe o maior prejudicado nessa negociação.
- Que o Benfica acerte muito mais nas contratações, tanto no futebol, como nas modalidades. É chocante o dinheiro que o clube gasta em tiros ao alvo, de forma recorrente. Ou precisa de novo diretor desportivo ou de repensar o seu sistema de scouting. E que com isso passe a não andar sempre tão desesperado por vender jogadores, com ou sem pressões de Jorge Mendes e consiga reequilibrar as suas finanças, que ainda pioraram mais na Presidência de Rui Costa, em vez de melhorarem. E já agora, que uma visão não tão mercantilista do clube ajudasse a mudar também o paradigma na cabeça dos nossos jogadores, mesmo os que são da nossa formação: que tenham vontade de brilhar mais do que 6 meses no clube e cresçam a pensar na glória do Benfica e não nos milhões lá fora. Aqui estarei a ser muito romântico, eu sei, mas nem é Francescos Tottis que estou a pedir. Só que, sei lá, em vez de irem embora 6 meses depois de explodirem, fossem passados 3 anos. Pronto, vá, 2 anos. Alguém acha que Gyokeres ficava 2 épocas no Benfica?
- Que quem dirige o clube sirva muito mais o Benfica, em vez de se servir, defenda muito mais o clube, em vez de se defender, seja muito mais proativo em vez de reativo e que saiba passar muito melhor aos seus atletas a mensagem e o significado do que é ser Sport Lisboa e Benfica. Que quem apoia o clube seja muito mais exigente, inconformado e revoltado com a ausência de títulos e valores que tem sido a norma no Glorioso de há umas décadas para cá.
Tudo isso acontecesse e seria um Benfiquista feliz. Não acontecendo...lá estarei à mesma. Em todos os jogos, sentado na minha cadeira, pagando todas as quotas e vivendo o Glorioso de forma intensa, na mesma maneira. Nasci Benfica, cresci Benfica, vivo Benfica, morrerei Benfica. Sempre a querer o melhor para o clube."

Zero: Afunda - S05E27 - A confusão das últimas semanas

5 minutos: Diário...

Terceiro Anel: Diário...

Zero: Mercado - S08E01 - Mercado de olho em Leões e Águias

Observador: E o Campeão é... - Mercado é problema ou solução para os grandes?

Zero: Tema do Dia - O que esperar do mercado de Inverno?

Observador: Três Toques - Seja onde for, "tiki taka" de Conceição é só um

Pre-Bet Show #100

Partidas e chegadas


"O Benfica “partiu” do lugar a que tinha “chegado” na segunda-feira passada e fê-lo por causa de uma primeira parte que não deixará de merecer a necessária reflexão dos jogadores e da equipa técnica. Sem tirar mérito ao bom início de jogo do Sporting, a verdade é que das três oportunidades criadas nos primeiros 45 minutos (sim, não foram mais do que três, ao contrário do que alguns comentários querem fazer crer), todas elas resultaram de incompreensíveis passes ou desconcentrações da equipa. Escrevi na semana passada que o pior que podia acontecer ao Benfica era “pensar que a décima quinta jornada é o ponto de chegada e não, como é, apenas o ponto de partida” e na primeira parte temi que o meu conselho não tivesse sido ouvido, perante um Benfica de “pantufas” que se apresentou em Alvalade perdendo quase todos os duelos, sempre atrasado na disputa da bola e com enorme dificuldade em construir jogo. Depois do intervalo, garantindo o essencial (como aqui tenho escrito, Trubin está um senhor guarda-redes), a equipa soube dar uma resposta à altura, Lage substituiu bem (Barreiro, tal como Amdouni, justificam mais) e podia, se tivesse sido eficaz, ter saído de Alvalade com outro resultado. Diz-se frequentemente que “a última imagem é a que fica” e é com ela que vou deixar partir 2024 na convicção que essa reação, essa segunda parte, seja o ponto de partida para a chegada que todos os benfiquistas desejam em maio de 2025. E, porque o futebol é apenas a coisa mais importante de todas as coisas, pouco ou nada importantes, desejo a todos um ano de 2025 repleto de paz, saúde e sucesso!"

Zero: Negócio Fechado - S03E16 - André Cruz...

Zero: Saudade - S03E17 - Ora diga «A»: do Brasil no Mundial90 para o Tirsense e outras excentricidades

Mais do que mau perder, Guardiola está a aprender a perder


"Estava marcado um jogo de futebol para crianças em Nova Iorque, banal nas entranhas, com pais babados prontos a assistirem em redor, mas o árbitro não apareceu, então o organizador teve de perguntar quem dali, mais do que vagar, teria conhecimento das regras do soccer para safar o imbróglio e servir de pessoa do apito. Perante o entroncamento, um tipo barbudo, com boné a pontuar-lhe a cabeça e pernas arqueadas chegou-se à frente. De bom grado assumiu o posto, mas, durante a partida, outros pais cedo mostraram o seu desagrado perante as insistentes vezes em que ele parava a ação e se punha a dar instruções à canalha e a corrigi-la.
Algures em 2013, a desfrutar do seu ano sabático, Josep Guardiola i Sala nem a gozar do estatuto incógnito no país que pouco liga ao futebol era capaz de relaxar, de por um segundo desligar a ficha da tomada e se escusar a irritar progenitores preocupados apenas com ver os filhos a divertirem-se. Sabemos o que lhe aconteceu antes e depois desse breve interlúdio pelas Américas: o treinador viera de 247 jogos com o Barcelona onde literalmente tudo conquistara em quatro anos, iria para três épocas e 160 partidas dominadoras com o Bayern de Munique e, mais tarde, entraria no Manchester City, que transformou no primeiro tetracampeão inglês e levou à vitória na Champions, feito que lhe cobravam para a sua valia ser provada sem ter um particular argentino na equipa.
A obsessão de Guardiola por futebol, não é de agora, roça o limiar do saudável. Calvo por tanto matutar acerca dos imponderáveis da bola, o catalão vai numa série de apenas uma vitória e dois empates em 12 jogos, cheio de derrotas que confluem para uma pintura inaudita de tão negra: o City recheia-se há quase dois meses de uma constante que é raríssima em Pep e equivalente nem a 13% das 905 partidas da sua carreira. O mais bem-sucedido técnico, porque dominador, dos últimos 15 anos do futebol, guiado por um ditador estilo que verga adversários ao seu carrossel de passes, de repente não arranja forma de ganhar um encontro.
Várias possíveis explicações haverá para o fenómeno. A fulcral será a lesão de totémico Rodri, o Bola de Ouro e mais influente dos médios, sem o qual a equipa fica desguarnecida de quem lhe segure os cordéis das marionetas coreografadas para o jogo de posse de Guardiola. Outras, igualmente detetáveis sem esforço, serão o baixio de forma dos seus pesos-pesados (Phil Foden, Kevin de Bruyne, Gündoğan, Bernardo Silva), incapazes de renderem o que se viu neles em épocas anteriores, as consecutivas mazelas de outros jogadores nucleares (Rúben Dias, John Stones, Akanji) ou os erros individuais que custam golos, minando o Manchester City em quase todos os jogos deste período.
Depois, existirão teorias.
Casmurro no olhar de muitos, compulsivo na estima de alguns, como na do pai de uma criança que o confrontou, noutra ocasião de criançada em Nova Iorque, por o ver a corrigir posicionamentos do seu filho, que jogava pela equipa adversária (episódio também contado pelo viciante podcast ‘Heroes & Humans of Football’), há um caso passível de ser desenhado com base nas falências do próprio treinador.
A habitualmente louvável fidelização de Guardiola ao seu estilo, à sua forma de fazer as coisas, está a tramar o City por manter a linha defensiva subida no campo, a conceder a enormidade de espaços que a equipa é incompetente a resguardar quando perde a bola. Ao não mudar a postura, não está a proteger quem joga. Também se pode apontar que está a colher os frutos podres de ter empurrado, até restringido, a liberdade criativa dos seus jogadores para momentos tão específicos dos padrões coletivos que agora, quando precisa de alguém que fuja às chocalhas e resgate a equipa das masmorras, faz com que ninguém se solte. Nem Jack Grealish, antes o maior vagabundo em campo do futebol inglês, espírito livre dos raides e dribles, hoje amestrado pela ordem que com os anos lhe tirou o risco da finta, a ousadia do remate, em prol de ser o porto seguro a quem se dá a bola, mas para ele a reter, conquistar faltas e deixar os companheiros recuperar o fôlego.
Além da insistência em não se desviar do plano, expondo aos adversários o conforto de saberem que é assim e assado que podem machucar o Manchester City, pode Pep ter ido longe demais na sua domesticação dos libertários?
Até o bem-disposto Jack, leve no trato, bonacheirão de gestos e ânimos, que não marca há 36 jogos e deu três assistências em ano e meio, mostrou três dedos da mão aos adeptos do seu Aston Villa, este fim de semana, lembrando o trio de Premier Leagues que tem no currículo com o City, rendido ao tipo de reação atiçada que Pep Guardiola já tivera, em Liverpool, com seis dedos dos seus esticados no ar para responder ao escárnio da falange em Anfield Road. Isto no homem que leva as mãos à careca, agacha-se, afunda a cabeça nas cócoras e chegou a quase mutilar-se, abrindo feridas no crânio e nariz com as unhas durante um dos jogos desta recente travessia em que confessa estar stressado e a ter noites pouco dormidas. O lado azul de Manchester cedeu às artes ocultas do mau perder, ou pelo menos aos sintomas.
Mas a explicação mais plausível no futebol em que os neurónios queimados no treino, a pensar em tática e sistemas, apenas te levam até certo ponto, será ir ao lado factual da coisa: Guardiola nunca tivera de ir ao tutano, em 16 anos de carreira, para tirar uma equipa de um ciclo destes, em que perder parece fácil e ganhar custa horrores. Provavelmente, um dos melhores treinadores da história, porventura quem mais influenciou o futebol moderno, não está a saber lidar com a continuidade da derrota.
É um estímulo novo para Pep. O máximo que estivera sem ganhar, mas empatando aqui e acolá, fora em 2016, já com o Manchester City, quando esteve seis jogos sem vitórias. Não somos moscas na parede para atestarmos como discursa o treinador perante os seus nestes delicados momentos, que conversa tem com cada jogador à parte, os truques a que recorre, o trato que dá ao cerne da pessoa diferente para ressuscitar os ânimos. Um técnico distingue-se pelo conhecimento tático, nos treinos e a agir durante os jogos, mas as habilidades pessoais têm de seguir em paralelo. E não sabemos, porque é inédito, como a obsessão de Guardiola se molda a uma secura de resultados desta aridez.
Uma outra explicação, tão simples se bem que palpiteira, pode estar na hipótese de os jogadores sentirem fastio com os seus métodos. São já muitos anos juntos, muitas épocas a ganharem, ninguém é imune ao tédio das rotinas. Apesar de ser sinónimo do que mais excelso existe no futebol, Pep Guardiola está a aprender no posto a conviver com a realidade que visita, às tantas, a enorme maioria dos treinadores - a ter que tirar uma equipa de hábitos perdedores. Constatar isso será elogiar-lhe a carreira mais do que empolar uma crítica ao declínio recente. Só na sua 16.ª época, e aos 53 anos, se pôs a jeito para experimentar tal coisa no futebol."

Otília, a rainha das bifanas


"Na noite anterior ao dia que será o dia de jogo, Otília deitada na cama faz contas de somar. Febras, entremeadas, hambúrgueres, salsichas, chouriças, pão normal, papo-seco, pão de cachorro, ketchup, mostarda, barris de cerveja, garrafas de vinho, uma de moscatel, outra de uísque barato, azeite, óleo (muito), sal, pimenta, especiarias (as que der para comprar), guardanapos, batatas de pacote, batatas-palha, cenouras, pickles, lavar copos, comprar pratos de plástico, confirmar se a televisão está boa, ligar para os senhores da internet, ir às botijas de gás, limpar a rulote, escrever na lousa e no papel as promoções («à entermiada, hamburgue, salchicha, hot-dog e bifanas»), lembrar o Manel de encher os pneus da viatura, dizer-lhe com carinho: «põe água no carro», ao filho pedir que leve os aventais pretos, à nora não dizer nada, que é uma cabeça tonta.
Passa a noite nisto: relembra tudo uma vez, depois volta a percorrer a listagem das coisas a fazer, perde-se a meio, começa de novo, «febras, entremeadas, hambúrgueres...». Com os anos de ofício, as coisas a fazer são lembradas com método, raramente mudam de posição, tudo tem a ciência que Otília criou na sua cabeça e no seu agir. Começa pelas carnes, a meio põe a necessária padaria, depois vêm os molhos, logo a seguir os bebes, as gorduras, os condimentos, acompanhamentos, a higiene, os utensílios, a necessária burocracia, as limpezas, os escritos e, por fim, os avisos à navegação da tripulação da rulote para que se não percam num detalhe, morram num pormenor, destruam a noite de negócio por um esquecimento sem sentido.
Otília tem dos dias a ideia de um trilho de comboio - pouco interessa o chegar, mais vale acautelar o ir. Limar os parafusos, arranjar as estacas de madeira, limpar as plantas que nascem no meio, fazer brilhar o metal. O comboio - esse comboio que anda em movimento há exactamente 64 anos - deve passar sem um sobressalto, galgar em direcção ao lugar para onde vai sem nenhum contratempo, dentro do tempo previsto, indo indo indo, só vapor, velocidade e horas marcadas no relógio grande dos ponteiros pretos das estações. Chega-se ao destino não por acaso divino mas pelas mãos de homens que acautelam o seu chegar. Os silvos da noite, os raios do dia, o fumo, a humidade, as temperaturas, os frios e os calores, a força do tempo - tudo mecânicos elementos que conspiram contra a desenvoltura do comboio em movimento. Basta que uma roldana, uma porca, uma lasca, um esquecimento aconteçam e toda a engrenagem afunda num tropeço de forma, abrandando o passo ao comboio, sulcando-lhe as vontades, quebrando-lhe o eixo, desencarrilando-lhe as promessas.
Houve um dia, já longínquo na memória, dia de sol glorioso de um princípio de tarde junto ao Estádio do Jamor, em que, por maus preparos e ineficazes antecipações, Otília ficara sem pão nem cerveja em frente a uma horda de adeptos sedentos, esfomeados, desvairados, alucinados, dementes. Culpa, claro, uma e outra e mais outra vez, da nora que, tendo ido de manhã tratar das unhas dos pés, se esqueceu acidentalmente (Otília reforça sempre, quase 30 anos passados, o a-c-i-d-e-n-t-a-l-m-e-n-t-e com uma projecção que fere fundo em quem a ouve) de passar pela panificadora e pela Central de Cervejas. Como se fosse possível alguém acordar um dia e desmemoriar o cérebro para função tão fundamental, como se um ser humano - na palete existencial entre o profundamente bronco e o brilhantemente genial - pudesse esquecer-se de tais ofícios e deveres.
As gentes aos urros, vociferando impróprios impropérios futebolísticos sobre Otília, queixando-se, esfomeados, da pouca-vergonha que era aquela barraca de madeira sem pão para o conduto nem líquido para a goela. «Nunca mais cá volto, ah é certinho», ouviu Otília a mais de 342 adeptos em fúria, chorando por dentro a perda da reputação tão a pulso conquistada a amor, carinho, saborosíssimas gorduras feitas de ancestrais segredos que sobreviveram na família Casimiro séculos e séculos e séculos até desaguarem nos seus truques mágicos de mulher veloz a tratar os comeres.
Disso nunca Otília se esquecera na vida e disso fazia questão de recordar pelo menos uma noite em férias - não para estragar o convívio estival, mas para alertar os parceiros de ofício e de vida para as profundezas mórbidas do desconcertante desleixo dos elementos. A nora Fátima tudo isto ouvia e calava - engolia em seco, olhava o horizonte, agarrava-se vezes sem conta ao copo de fresco verde e deglutia, sem botar faladura, uva, água e humilhação. O filho, cansado de ouvir os gritos da esposa (que Fátima no recato do lar ganhava novas coragens), desvirtuava o discurso da mãe, parodiando: «ao menos isto agora dá para rir», o que enfurecia ainda mais Otília e a fazia dar pontapés debaixo da mesa ao marido - que não estava minimamente interessado na conversa, perdido de uísque, lagosta e visões de mulheres lindas passeando cães no calçadão.
Otília adora servir os adeptos em jogos da Selecção. Em nova (há quanto tempo), comovia-se com José Águas: uma paixão que lhe durou a vida inteira e ainda não esqueceu - atrás das garrafas, junto ao bibelot de uma menina triste que tem na prateleira de cima, mora ainda o elegante benfiquista levantando uma orelhuda Taça dos Campeões. Por decoro e respeito ao esposo, fixou-a ali para que só ela o veja. Quando alguém pede um Martini (é tão raro pedirem Martinis nas rulotes), ela esquece-se das febras, segurando o antebraço do Manel: «deixa, eu sirvo; está um calor insuportável nas carnes».
Sente saudades dos outros tempos, Otília. Saudades de ser feliz, indo ao estádio. Comove-se muito com a alegria das pessoas antes dos jogos; entristece-se com a tristeza das pessoas depois dos jogos. No meio, enquanto as pessoas se alegram ou entristecem a ver o jogo, ela fica sentada num banquinho de madeira a ouvir o relato. Cansada, de olhos cheios de fumo e bochechas encarnadas de calor, fecha os olhos e encosta a cabeça contra a porta da rulote. Imagina que está dentro do estádio, ouve as jogadas e vê tudo por dentro dos olhos. Quando é golo, festeja com o marido, o cunhado, a nora e os filhos. Imitam o som das bancadas. Todos aos saltos na rua, batem em carros, apitam buzinas, abraçam-se uns nos outros todos engalfinhados. Depois, quando o golo perde o prazo de validade dos afectos, voltam silenciosos para perto da rulote e baixam o volume do som para favorecer outro golo - se ouvirmos baixinho o relato, potenciamos novo milagre.
Dependendo do resultado final, Otília assim também depende de si própria. Se a Selecção ganha, está tão feliz que se torna mecânica no ofício - ninguém quer saber da qualidade da febra se ganhou. Se a Selecção perde, fica tão triste que faz questão de preparar as melhores iguarias para os olhares e gestos e palavras desiludidas dos clientes que estão quase quase a chegar - pior do que a derrota, só mesmo a injustiça de lhe juntar uma ceia tão mal servida.
Otília finge sempre que não nos observa. Se olharmos para ela, os seus olhos estão na grelha; se não olharmos, ela olha-nos com amor e ternura. A dor nossa é a dor dela. A sua infelicidade é a mesma que sentimos. É por isso que Otília faz brilhar os olhos sempre que, perdidos ou ganhados, lhe dizemos com o coração na boca: «Otília, estas são as melhores bifanas do mundo!»."

2025, Odisseia de Hamilton na Ferrari


"Britânico é o sétimo campeão contratado pela equipa de Maranello, dos quais só dois reconquistaram o cetro na Scuderia: Juan Manuel Fangio e Michael Schumacher

No primeiro dia de 2025, o acontecimento desportivo que dominou as redes sociais foi a oficialização de Lewis Hamilton como piloto da Ferrari. O final da passagem do britânico pela Mercedes, a mais vitoriosa de um piloto numa equipa na história da categoria rainha do desporto automóvel. O momento é descrito como o fim de uma era na F1, ainda que desde a última conquista de Hamilton na equipa da marca alemã tenham decorrido quatro temporadas e uma nova era na F1 esteja em curso, a de Max Verstappen, sempre vencedor desde 2021.
Às primeiras horas do Novo Ano, Lewis Hamilton alterou a foto de perfil na rede social X e fê-lo com distinta subtileza, publicando uma imagem dos seus primeiros anos no kart, em que usava um capacete… vermelho. A Ferrari, na mesma rede social, escreveu a simples frase: «Hora perfeita para seguir @LewisHamilton». Na Mercedes, assinalou-se a despedida: «Após 246 corridas, 84 vitórias, 78 poles, 153 pódios, oito títulos Mundiais de Construtores e seis títulos Mundiais de Pilotos juntos... Tudo o que resta dizer é ‘danke’ [obrigado em alemão], Lewis». A acompanhar, a imagem de Hamilton, de costas, a sair para o fundo das boxes, tocando o emblema do fabricante, a estrela de três pontas.
Com a contratação de Hamilton, a Ferrari passa a ser o único construtor em que correram os cinco pilotos com mais títulos na F1, Michael Schumacher e Lewis Hamilton (sete), Juan Manuel Fangio (cinco) e Alain Prost e Sebastian Vettel (quatro).
O início de carreira de Hamilton na Ferrari será uma das maiores expectativas do ano desportivo de 2025, antevisto como uma odisseia. Lewis é o sétimo campeão contratado pela equipa de Maranello, dos quais só dois reconquistaram o cetro na Scuderia: Juan Manuel Fangio e Michael Schumacher."