Últimas indefectivações

terça-feira, 17 de outubro de 2017

O curioso caso de Mile Svilar

"Mile Svilar pode vir a tornar-se o guarda-redes mais jovem de sempre a jogar oficialmente na Champions, batendo o recorde de Iker Casillas por um pouco mais de um mês.
Curiosamente, a oportunidade de Svilar resulta de um momento fisicamente mais instável do brasileiro Júlio César, que tem mais vinte anos do que o jovem belga.
A idade no posto de guarda-redes é importante, pela experiência, pela maturidade de um lugar que requer condições psicológicas específicas. No entanto, é verdade que o Benfica já se dera bem com a experiência de Ederson, muito embora o novo guarda-redes da selecção do Brasil tivesse rodado pelo futebol maior, ao contrário do que sucedeu com Svilar.
A questão mais importante será precisamente essa: pode um guarda-redes eliminar todas as etapas que pareciam aconselháveis para entrar em campo e defrontar um adversário do nível de um Manchester United, naquela que é a mais importante competição do mundo ao nível de clubes?
Pode haver opiniões diversas sobre a matéria, mas não existirá uma resposta definitiva. Pelo que se viu em Olhão (e viu-se mais do que se podia pensar pode ver) Svilar é um guarda-redes que gosta de jogar entre e fora dos postes, é corajoso, ágil, forte na luta aérea. Ou seja: deixa evidentes sinais de poder vir a ser um grande guarda-redes que, obviamente, ainda não é.
No entanto, dentro dos condicionalismos existentes no plantel do Benfica, é provável que Rui Vitória o escolha para o grande desafio. O que importará, então, é fazer perceber a Svilar que não correrá qualquer risco de vir a ser julgado por esse jogo."

Vítor Serpa, in A Bola

Uma boneca de trapos e uma vitória moral

"O termo ganhou raízes no futebol em Portugal. Por causa de um Portugal-Espanha jogado no velho Stadium de Lisboa. Juntou-se uma multidão para ver o lendário Zamora.

Porque foi semana de a selecção nacional jogar no Estádio da Luz, recorde-se um momento histórico da equipa de Portugal.
A chegada dos espanhóis a Lisboa mereceria noticiário volumoso. Uma multidão de largos milhares de pessoas deslocou-se à Estação do Rossio para aplaudir entusiasticamente os jogadores e treinadores adversários. Há alguém que tem direito uma recepção especial: o lendário guarda-redes Zamora, que desembarca no Rossio acompanhado pela sua mascote inseparável, uma boneca de trapos.
Zamora provocava alvoroço onde quer que fosse, era, aliás, o inspirador das famosas 'zamoranas', uma defesa na qual o braço e o antebraço formavam um ângulo recto, rapidamente imitada por todos os guarda-redes portugueses e, principalmente, pela miudagem nos seus jogos de rua.
O país deixou-se encantar definitiva e irremediavelmente pela sua selecção e, pela uma hora da tarde do dia 17 de Dezembro de 1922, o velho campo do Stadium, na Alameda das Linhas de Torres, rebenta pelas costuras.
Mais de 20 000 espectadores comprimem-se nos peões e nas bancadas; centenas de automóveis e side-cars invadem a beira das estradas do Campo Grande. Um verdadeiro 'acontecimento sportivo e mundano', como er ade bom tom dizer-se por esses dias.
Alguns minutos antes das duas, os espanhóis entraram em campo envergando os seus orgulhosos equipamentos vermelhos e azuis. Zamora, o grande Keeper do Espanhol de Barcelona e, mais tarde, do Real Madrid, o 'dominador emérito da bola', provocava excitação no público com a sua boneca de trapos e concitava a afeição geral. Os representantes das suas federações, Ornaechea e Raul Nunes, trocam ramos de flores no centro do terreno, o presidente da República, António José de Almeida, toma o seu lugar de honra ladeado pelo Presidente do Ministério, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e pelo ministro de Espanha, como era designado o embaixador, Alejandro Padilla.

A estrondosa vitória que não foi
O jogo começa então, lento e pouco merecedor de tão grande entusiasmo. Carreaga e Montesinos dominam o sector defensivo de Espanha, e o seu 'capitão', Samitier, que jogaria no Barcelona e no Real Madrid, o homem que chegava com a cabeça onde os guarda-redes não chegavam com as mãos, desenvolvia um jogo admirável, controlando os movimentos ofensivos dos portugueses, entre os quais Alberto Rio e Torres Pereira são, até ver, os mais dinâmicos. Os pontapés fortíssimos do zurdo Acedo assustam o público mas Carlos Guimarães está atentíssimo e tranquilo. Um «oooh!» de espanto sublinha o remate estupendo de Jaime Gonçalves às traves de Espanha. E o delírio rebenta a cinco minutos do intervalo: Alberto Rio, que já tinha jogado vários anos no Benfica, ganha a bola a um adversário e corre solto pelo meio do campo até a entregar a Jaime Gonçalves. Mais uma vez, este ensaia o seu fortíssimo remate. Só que agora, certeiro e infalível. Zamora está batido. A multidão parece querer mergulhar sobre o relvado, vêem-se lenços acenando nas bancadas.
Precisamente às 15 horas e 20 minutos, assinalam os registos, deu-se início ao segundo tempo. E os espanhóis surgem agora mais rápidos e mais agressivos. Há, talvez, um excesso de dureza ao qual os portugueses não estão habituados e que os obriga a recuar na defesa da sua baliza. Na sequência de um canto, o salto colectivo de quatro espanhóis na área de Portugal baralha por completo os backs lusitanos, e Monjardin empata a contenda. A qualidade da selecção espanhola vem ao de cima, o seu domínio acentua-se e é quase com naturalidade que Piera faz o 2-1. A vitória fica-lhes bem. E os portugueses reconhecem-no. O Diário de Noticias fala, no dia seguinte, de 'uma vitória moral estrondosa'. O termo ganhará raízes."

Afonso de Melo, in O Benfica

Bofetada respondida à marrada

"Agressão, benevolência e impaciência. O jogo mais aguardado da época que principiava surpreendeu mais do que o esperado.


No domingo dia 25 de Outubro de 1925, 'o encontro que mais publico atraiu foi o que se realizou no campo do Restelo'. Após quatro anos de interregno, o Benfica e o Carcavelinhos voltavam a defrontar-se, desta vez para a 2.ª jornada do Campeonato de Lisboa 1025/26.
Depois dos desafios de 2.ªs, 3.ªs e 4.ªs categorias, 'entraram finalmente em campo as primeiras linhas'. No relógio, marcavam 15 horas e 30 minutos. Citando A Capital: 'Era este um dos desafios que maior interesse estava despertando. Porém a surpresa foi muito maior do que se esperava'.
Por um lado, o facto das equipas já não medirem as suas forças, frente a frente, desde a 1.ª eliminatória da Taça Mutilados de Guerra, na época 1920/21. Por outro, 'pela rapidez das duas linhas de ataque', este adivinhava-se o jogo mais emocionante do dia. 'Todos os que iam presenciar o encontro tinham a impressão de ir assistir a uma verdadeira batalha'. Não erraram.
A violência começou desde cedo, sobretudo com 'os avançados de Alcântara (...) a carregar deslealmente' sobre o guarda-redes 'encarnados'. Francisco Vieira - classificado como 'um dos futebolistas mais leais e mais correctos' - ainda terá aguardado que 'o árbitro (...) reprimisse tais violências. Mas, impacientado, a uma carga mais violenta, perdeu a cabeça e esbofeteou um incorrecto adversário'. Este não se ficou e respondeu 'com uma autêntica «marrada»'. Como se não bastasse, segundo Os Sports, o público que se encontrava atrás da baliza, 'influenciado, envolve-se em grossa desordem'. De tal forma 'que a G.N.R. é quasi impotente para a extinguir'. Nem as coronhadas pareciam suficientes para acalmar a massa turbulenta.
O árbitro, até então bastante benevolente, 'para dar uma demonstração de energia, evitando que o jogo descambasse numa desordem de rua', expulsou os dois jogadores. Porém, 'o facto de (...) toda a multidão ter irrompido em alta grita (...) fazendo um barulho de ensurdecer' depressa o fez abdicar da sua decisão. O público serenou, os jogadores retomaram as suas posições e jogo continuou.
Foram inúmeros os episódios peculiares vividos pelo Benfica nos desafios do Campeonato de Lisboa. No Museu Benfica - Cosme Damião, na área 9 - Honrar a Cidade, encontram-se expostas as taças que simbolizam as conquistas do Clube na prova."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfiquismo (DCXXIX)

Goleador e Saltador...
Guilherme Espírito Santo

Esclarecimento...