"Janeiro está aí à porta. Janeiro é, para os adeptos do futebol, um mês de ansiedade, mês de decisões em Portugal (Taça da Liga), decisões nas competições europeias - quem vai em frente, quem fica pelo caminho - e, como não seria de descurar, mês de transferências.
Quem fica, quem sai. Onde precisa o clube de se reforçar, onde deve investir para ir «mais além». É um mês de emoções, incertezas... enfim, sonhos!
É um mês de energias renovadas, mas é também um mês de apreensão e dúvida, do lado negro do futebol. Do lado da negociação de bastidores, do olhar por cima do ombro.
O período crítico dos últimos seis meses de contrato (!)
Falo, claro, do mês em que os jogadores que estão a seis meses de acabar o contrato de trabalho com o clube no qual estão empregados e podem comprometer-se... por exemplo, com o maior rival (!). Podem, consequentemente, tornar-se também eles rivais na próxima época desportiva.
O equilíbrio entre a liberdade contratual do jogador, a livre organização do clube (empresa, em bom rigor) e a integridade da competição chocam e confundem-se. Com esta realidade em mente, não só as entidades nacionais como as internacionais tentam «domar» os atores desta dança das cadeiras.
FIFA vs. LPFP: obrigações que se cruzam
Assim, prescreve o Regulamento de Estatuto e Transferências de Jogadores da FIFA que, apesar do jogador ser livre de celebrar um contrato de trabalho com um clube terceiro a partir do momento em que faltem 6 (seis) meses para acabar o seu contrato de trabalho, o clube que tenha a intenção de o contratar tem, antes de o fazer, de informar o clube com o qual o jogador tem um contrato em vigor.
Em corolário, e reforçando a obrigação de respeito entre clubes, a LPFP prescreve no seu Regulamento de Competições que, no caso de registo de jogador que, no período de seis meses anteriores à caducidade do contrato em vigor com um clube, celebre, até 31 de maio da época corrente, contrato de trabalho com outro clube, é conditio sine qua non que seja junto ao processo de inscrição do novo clube o comprovativo da comunicação ao clube de origem, no prazo de cinco dias contados sobre a data de assinatura.
Ou seja, se a FIFA obriga a que a comunicação ocorra antes, a LPFP obriga a que a comunicação seja feita posteriormente. Sendo que a LPFP obriga a essa obrigação apenas até 31 de maio da época corrente, por razões óbvias de calendário desportivo e de integridade da competição (assume que, a partir da data indicada, os jogos oficiais das competições estejam já cumpridos).
O dilema do clube: perde o ativo financeiro, mantém o ativo desportivo
Importa agora centrar a questão na dinâmica do clube que vê o seu ativo financeiro perdido, mas, por outro lado, dispõe ainda do ativo desportivo. O equilíbrio não é fácil de alcançar e o próprio jogador estará mais exposto à crítica e à suspeita em cada uma das suas atuações.
A gestão destes casos será sempre um caso particular e a resposta é impossível de ser dada de um ponto de vista transversal. Todavia, a entidade patronal deverá sempre obedecer ao respeito pelos princípios básicos laborais, nomeadamente proporcionando condições iguais às dos seus companheiros e nunca diminuindo, hostilizando, colocando de parte ou, por hipótese, colocando em horário de treino diferenciado.
Assédio moral: limites legais e consequências
Estas práticas revestem assédio moral para com o trabalhador e poderão, inclusive, motivar o jogador a rescindir o contrato de trabalho.
Da mesma forma, sempre que exista, da parte da administração do clube, qualquer pressão, por via de assédio moral ao jogador - excluindo-o, por exemplo, de participar em competições oficiais - enquanto este não renovar com o clube, o que é obviamente, ilícito e conduz também à legitimidade do jogador proceder à rescisão de contrato de trabalho, invocando justa causa.
A perspetiva do jogador: o único momento de liberdade plena
Resta, por fim, analisar a perspetiva do jogador. Hoje é comum assistirmos a grandes jogadores saírem no final do seu contrato. A perceção hoje é que a valorização do jogador deve originar um retorno imediato e direto.
Nessa perspetiva, quando os jogadores procuram respeitar o vínculo a que se propuseram e, no seu termo, melhorar as suas condições económicas, estão, em bom rigor, somente a lutar pela sua autodeterminação laboral. Não deverá ser lido como aproveitamento de uma situação, mas sim, e apenas e só, o benefício inerente à própria especificidade da profissão que, ao contrário de todas as outras, impede a plena liberdade de decisão de manutenção, ou não, do vínculo profissional.
A saber, salvo melhor opinião:
- Não existe outra profissão na qual o trabalhador, por terminar o seu contrato de trabalho, seja impedido de trabalhar noutra entidade patronal fruto de uma ação disciplinar de um órgão regulador.
- Não existe outra profissão na qual o ónus financeiro colocado a um trabalhador por cessar antecipadamente o seu contrato de trabalho revista a importância que se assiste no mundo do futebol.
- Não existe outra profissão na qual o empregador pode rejeitar que o trabalhador cesse o seu vínculo para mudar de empregador que lhe garante melhores condições laborais.
- Não existe outra profissão que impeça, ou, em bom rigor, limite o trabalhador temporalmente de se inscrever numa outra entidade desportiva.
Assim, quando um jogador escolhe esperar o final do contrato de trabalho para decidir o seu próximo desafio, ele está, tão só, a aproveitar a única altura em que está plenamente habilitado a escolher, sem «constrangimentos», o seu próximo empregador. Algo que, pela especificidade da profissão, lhe está vedado durante praticamente toda a carreira."