Últimas indefectivações

sábado, 29 de agosto de 2015

6 quilos, 10 quilos, 14 quilos

"O Benfica ainda só conseguiu ganhar um dos oito jogos que disputou e, perante isto, a boa notícia na Luz é que Taarabt já perdeu seis quilos. À falta de outro género de sucessos, se houve coisa que resultou desde a abertura dos trabalhos no Seixal foi o programa de perda de peso de Taarabt. Agora, com seis quilos menos de Taarabt talvez pudesse Rui Vitória, com o que sobrou do marroquino, inventar uma espécie de transportador de jogo com pé de canhão como o Benfica não tem desde o tempo do grande, do enorme Isaías.
Um funcionário (ou ex-funcionário do Benfica, tanto faz) foi alvo de uma perseguição na A1 vendo-se obrigado pela polícia a encostar o automóvel onde viajavam calados dez quilos de cocaína. O volume apreendido desfaz qualquer ideia benigna de que o embrulho em trânsito se destinava ao consumo do condutor. Tudo indica que se trata de um caso de tráfico desmantelado pelas autoridades e um caso em que o nome do Benfica aparece envolvido. Justo e devido no entanto, é saudar a nossa polícia sempre que faz o seu trabalho sem olhar à cor ou às cores dos grandes meliantes, dos pequenos chantagistas ou dos ladrões mais vulgares e atrevidos. Este episódio ocorreu há um mês e na notícia que foi dada no princípio desta semana pelo "JN", excepção feita à referência ao nome do Benfica e ao parágrafo francamente preconceituoso e indiscriminado para "os cidadãos de nacionalidade colombiana", não há muito mais que possa ferir susceptibilidades. O Benfica não será certamente um narco-clube como se constata olhando para a sua tão remediada realidade. Fosse o Benfica um coio funcional de traficantes de alto gabarito e não andaria todos os anos a vender meia equipa aos milionários da Europa e de Singapura. Antes nadaria em dinheiro. Provavelmente à vista de toda a gente.
O Sporting também perdeu 14 'quilos' e em menos de meia hora. Vai direitinho para a Liga Europa, onde a vida é mais fácil, ainda que pior remunerada. Na competição principal o sorteio ditou o reencontro de Mourinho com o Porto e o encontro do Astana com o Benfica. Esse mesmo, o Astana! Por muito mal que lhe corram os trabalhos com o Atlético Madrid e com o Galatasaray, só muito dificilmente conseguirá o Benfica não se qualificar para a Liga Europa. Ainda que o Astana possa não ter pior equipa do que o Arouca."

Não te deixaremos cair, Nelson Évora

"Esta quinta-feira, ao ver Nelson Évora voar para o bronze nos Mundiais de atletismo, depois de anos de calvário, lembrei-me da extraordinária Vanessa Fernandes. Já ninguém se lembra de Vanessa. Chegou a melhor do mundo no triatlo em 2007, conquistou a prata nos Jogos Olímpicos de 2008 e depois caiu no abismo da depressão. Mas eu lembro-me bem daquela prova olímpica, em 2008, também ali em Pequim, onde Nelson foi campeão olímpico e onde agora voltou a ser feliz. Há seis anos, Vanessa viu fugir a tricampeã mundial Emma Snowsill para o ouro e parecia perder gás na luta por uma medalha olímpica. Quem, como eu, seguia a corrida, temeu o pior. Foi então que se ouviu a voz do pai, Venceslau Fernandes, que venceu a Volta a Portugal aos 39 anos e só parou de pedalar aos 45: "Aguenta, Vanessa, aguenta! É até cair! É até cair!".
Foi, ao mesmo tempo, assustador e emocionante. Há uma parte de nós que não pode deixar de se chocar por ver um pai querer levar uma filha ao limite. Mas há outra que se emociona com a superação de uma atleta perante as adversidades, capaz de ir buscar forças onde estas pareciam não existir. Não sei se Vanessa ouviu os incentivos berrados pelo pai, mas ela lá aguentou. Tanto que conquistou uma medalha de prata que lhe soube a ouro, admitiu no final. Mais tarde, quebrou. Nunca mais foi a mesma, desapareceu das competições, caiu no esquecimento. Quando esboçou um regresso e lhe perguntaram do que sentiu mais falta enquanto esteve afastada, respondeu: "Da dor". Nenhum poeta o escreveria melhor.
Esta dor não é fingimento. Experimentem perguntar ao Nelson Évora o que sentiu quando, já depois de ter acabado um treino, decidiu voltar para trás para dar mais um salto e, crac, sentiu a tíbia partir-se. Perguntem-lhe o que sentiu quando soube que não podia defender o título olímpico, quando foi operado seis vezes em quatro anos, quando lhe disseram que corria o risco de lhe amputarem a perna direita. Perguntem-lhe o que é querer saltar e não poder, darem-no como morto para o atletismo, perder patrocínios, questionar-se se valia a pena sofrer tanto. Logo ele, que tinha sido campeão olímpico e mundial, que não tinha mais nada a provar a ninguém. Podia ter desistido, ninguém o recriminaria. Agora, perguntem-lhe o que sentiu esta quinta-feira quando, ao último salto, ali naquele Ninho de Pássaro onde conquistou o ouro olímpico, conseguiu o bronze nos Mundiais e arrancou o dorsal do peito, apontando para o seu nome, como quem diz que a Fénix renasceu.
Agora acreditamos nele, mas houve uma altura em que só ele acreditava. Há dois anos, disse-me que voltaria mais forte do que nunca e que ainda ambicionava chegar aos 18 metros, barreira mítica que só cinco atletas na história do triplo salto conseguiram ultrapassar. E eu interrogava-me se seria determinado ou ingénuo, porque um homem não poderia ser mais forte depois de ter fracturado a tíbia e passar mais tempo em cirurgias e em fisioterapia do que nas pistas. Nelson ainda não é o mais forte do mundo, mas não duvidem de que os adversários já estão de olho nele para os Jogos Olímpicos do próximo ano, no Rio de Janeiro.
Esta quinta-feira, como quando Rosa Mota (maratona, 1988) e Fernanda Ribeiro (10.000m, 1996) correram para o ouro, como na prata de Vanessa em Pequim (triatlo, 2008) e de Obikwelu em Atenas (100m, 2006), como no bronze de Rui Silva (1500m, 2004) e em tantas outras conquistas do atletismo e do desporto nacional, voltei a estar colado à televisão (e, agora, também à internet). Portugal não parou para ver o Nelson saltar como faz quando a seleção de futebol joga num grande campeonato, mas devia tê-lo feito. Porque ele é um exemplo do melhor que o país tem e do melhor que podemos ser se acreditarmos em nós. Tudo nele é sangue, suor e lágrimas, esforço, determinação e devoção. Quem tanto sacrificou para ali estar, merece toda a atenção e todos os aplausos. E merecia que o "Correio da Manhã", o "i" e o "Sol" não se tivessem esquecido dele nas primeiras páginas desta sexta-feira.
Infelizmente, há uma elite pseudointelectualoide que despreza o desporto, porque o desporto é coisa das massas. Nunca terão lido Albert Camus, o filósofo que foi guarda-redes de futebol até aos 17 anos e que não prosseguiu uma carreira promissora devido a uma tuberculose. "Depois de ter visto muitas coisas em muitos anos, tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol e ao que aprendi no Racing Universitário de Argel", escreveu nos anos 50.
Depois da prova, Nelson Évora deu um salto ao Facebook para deixar uma curta mensagem aos fãs. "Vocês sabem o que este bronze representa". Haverá quem pense que é pouco para quem já foi o melhor do mundo. Não é. É um feito incrível para quem sofreu o que ele sofreu. Merece bem estes versos que Manuel Alegre dedicou a Carlos Lopes, depois de o português ter vencido a maratona olímpica em 1984: "Mais do que ser primeiro/ herói é quem / sabe dar-se inteiro / e dentro de si mesmo, ir mais além"."

Nelson Marques, in Expresso

Que achar de Bruno? É bestial ou besta?

"Bruno excede-se nas ameaças, nas acusações, nas subjectividades. Em matéria de verbo não condescende nem transige. Mas terá razão?

No futebol, e não apenas na classe dos treinadores, os protagonistas são divididos, sem preocupações ou remorsos, em duas categorias: há os bestiais e há as bestas. Trata-se duma visão obviamente básica, na maioria dos casos sem outra razão que não seja a ausência de razão e o sobejo duma intuição alucinada. Esta realidade torna-se mais evidente quando alguém foge da normalidade vigente ou da previsibilidade e entra numa marginalidade de discursos e comportamentos. E o caso do presidente do Sporting, Bruno de Carvalho.
Para alguns sportinguistas Bruno é o messias que anuncia a boa nova dum clube que não se resigna às injustiças do mundo e às aberrações das satânicas gentes que dominam o futebol. Porém, para quase todos os outros Bruno é apenas um Maquiavel renascido, um Belzebu regressado, um bruto e um desmiolado com incontida sede de protagonismo.
Devo dizer que, depois das últimas cintilantes actuações do presidente do Sporting, cresceu o número de opositores, na razão directa do aumento da fé fecunda dos seus fiéis seguidores.
Bruno excede-se nas ameaças, nas acusações, nas subjectividade. Bruno excede-se, sobretudo, na forma de dizer e de escrever a um povo imaginário, como se fosse um líder revolucionário na plena coragem da subversão. Por isso fala em trampa com a humildade intelectual de quem quer que todos o entendam e, por isso, baixa o nível da proclamação. Poderia dizer que o mundo do futebol é fétido, que o reino está tão podre como o da antiga Dinamarca. Mas Bruno, em matéria de verbo, não concede nem transige. Os moralistas ficam vermelhos de vergonha, os conservadores ficam amarelos de indignação, os opositores ficam verdes de raiva e os adversários ficam azuis de inclemência.
É manifesto que Bruno não é um homem ponderado.
Mas o problema maior é o de saber se, apesar de Bruno ser o que é ou o que finge ser, tem razão. Do ponto de vista formal, quando fala dos malefícios da arbitragem, é verdade que o Sporting tem sido prejudicado. Particularmente na Europa, onde tem sido tão regularmente prejudicado que nos pode levar à conclusão de que se trata mais dum castigo premeditado que dum acaso de mera circunstância. E, se assim for - o que é muito provável que seja -, remete-nos para uma primeira e indiscutível realidade: quem não tem força nem notoriedade melhor será que tenha uma estratégia de luta. Dar o peito às balas, quando a armadura é a pele do corpo, não é coragem, é suicídio.
Sinceramente, não me choca a brutalidade (não confundir com frontalidade) discursiva de Bruno de Carvalho, apesar de o presidente do Sporting fazer os possíveis e os impossíveis por chocar tudo e todos. Apenas lamento que tanta e tão fulgurante energia seja desperdiçada sem qualquer préstimo ou resultado notável.
Temo, no entanto, que o Sporting continue a ser um alvo demasiado exposto e demasiado vulnerável e a única coisa que não entendo é que Bruno de Carvalho não se preocupe com isso, sabendo, como terá de saber, que não é ele próprio, enquanto mero cidadão, que estará em causa, mas a instituição que diz defender com espada em riste, mas deixando-a à mercê dos canhões inimigos.
Eu sei que há quem pense que a gritaria é apenas um modo de diversão para evitar a discussão de factos negativos. Há mesmo quem diga que é uma maneira inteligente de fazer a defesa dum treinador que estaria, agora, em posição de ser atacado. Seja como for é perigoso. As pessoas podem vir, apenas, a achá-lo louco."

Vítor Serpa, in A Bola