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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Quando Eusébio foi Pelé...

"O 'King' às vezes afinava quando o queriam comparar com Pelé: 'Pelé da Europa? Porque não é ele o Eusébio da América so Sul?' Mas, em 1958, o Braisl foi campeão do mundo na Suécia, e havia uma equipa chamada 'Os Brasileiros' na Mafalala.

Pelé fez há bem pouco tempo 76 anos. Há 59 anos foi campeão do mundo pela primeira vez. Extraordinário, não é?
Lá, na Mafalala, Lourenço Marques, Moçambique, em 1958, D. Elisa Anissabani gritava por Eusébio, mas Eusébio não vinha. Ficara de ir buscar o jantar da família, agora maior: D. Elisa Anissabani tivera até mais duas, e já somava seis rapazes. No regresso, faltava um. Faltava um no campo da bola de terra vermelha, estavam dez para onze, Eusébio era preciso. Esqueceu o jantar, esqueceu a família. O chamado da bola era mais forte do que a voz da mãe. E, ainda por cima, a Mafalala ganhara um clube de futebol: Futebol Clube Os Brasileiros.
Futebol Clube Os Brasileiros: nome de pompa e circunstância.
Em 1958, na Suécia, operou-se o milagre: o Brasil deixava de ser apenas a selecção que melhor futebol jogava e passava a ser, de facto, a melhor de todas, títulos incluídos. Nelson Rodrigues chamou-lhe 'O Triunfo do Homem'.
No dia 29 de Junho de 1958, o Brasil venceu a Suécia, no Estádio Raasunda, por 5-2. Pela primeira vez uma selecção vencia um Campeonato do Mundo num continente que não o seu; pela primeira vez uma selecção vencia uma final de um Campeonato do Mundo de goleada. Pelé, tinha somente dezassete anos. 'Pelé é um menor total, irremediável', gritava Nelson Rodrigues nas páginas da Manchete Esportiva. «Não pode nem assistir a um filme da Brigitte Bardot. Ao receber o ordenado, o bicho, é o pai que tem de representá-lo. Pois bem: - Pelé assombrou o mundo! Não se limitou a fazer os gols. Tratava de enfeitá-los, de lustrá-los. (...) Ninguém é melhor do que ele. Tivesse jogado contra a Inglaterra e creiam: - havia de driblar até a rainha Vitória.»
Com Pelé havia também Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas de Vinicius de Moraes. E havia Didi, da 'folha seca', e Zagalo, e Vavá, e Nílton Santos, e Bellini, e Djalma Santos, e Zito, e Gilmar. Ainda e sempre Nelson Rodrigues: «Cada golo de Vavá era um hino nacional. Na defesa, Bellini chutava até a bola. E quando, no segundo tempo, Garrincha resolver caprichar no baile, foi um carnaval sublime. A coisa virou show de Gande Otelo. E tem razão um amigo que, ouvindo o rádio, ao meu lado, sopra-me: 'Isso que o Garrincha está fazendo é pior que xingar a mãe!' (...) Como apalpar o impalpável? Como marcar o imarcável? Na sua indignação impotente, o adversário olhava Garrincha, olhava as pernas tortas de Garrincha, e concluía: 'Isso não existe!?'»
'Não faz mal dizer...'
Eusébio era apenas um pouco mais novo do que Pelé.
Afirmava Eusébio: 'Não se falava noutra coisa. Brasil, campeão do mundo, o futebol fantástico, os dribles, os golos. Além disso, tinham sido equipas brasileiras e deixar mais cartel em Lourenço Marques, nas poucas vezes em que éramos visitados por clubes estrangeiros. Por isso baptizámos o nosso clube de FC Os Brasileiros. E cada um de nós tinha o seu nome de guerra correspondendo aos grandes craques. Um era o Didi, outro o Garrincha, outro o Zagalo, e por aí fora. E eu? Tenho de contar tudo, não é? Então não faz mal dizer que eu era o Pelé...'
Eusébio, Pelé; Pelé, Eusébio: os dois nomes parecem ligados por um hífen. Às vezes, Eusébio levava a mal a comparação, irritava-se, desabafava: 'Chamaram-me o Pelé da Europa? Porquê? Porque não chamam ao Pelé o Eusébio da América do Sul?' Mas uma saudável amizade os uniu desde que se encontraram pela primeira vez, em Paris, no Parque dos Príncipes, num extraordinário Benfica - Santos que marcou a estreia internacional do menino de Mafalala.
Falavam a mesma língua Português? Não. A língua universal do futebol dos grandes nomes. Uma língua quase só deles. Dos que ficam para lá da lenda."

Afonso de Melo, in O Benfica

O encontro de dois 'solistas'

"O Estádio da Luz fo palco do encontro de duas vedetas. Eusébio e Chico Buarque 'trocaram galhardetes' no futebol e na música

Eusébio atravessou o campo do Estádio da Luz 'com o seu ar tímido de menino envergonhado, pontapeando uma bola', até chegar junto de uma das balizas, onde um grupo de pessoas o aguardava. Para trás ficaram os seus colegas de equipa, a treinar para o jogo que iria decorrer no domingo seguinte, a 27 de Abril de 1969, dali a apenas dois dias.
Chico Buarque esperava-o, juntamente com alguns jornalistas, envergando uma camisola do Benfica com o n.º 10 e uma viola. Esta era a terceira vez que vinha a Portugal, em quatro anos de actividade profissional. Contudo, era a primeira vez que o cantor que 'Lá pelos Brasis onde é «Rei» incontestado' iria conhecer o 'Rei' do futebol português.
A admiração era mútua: o atleta português, conhecido apreciador de música, tinha vários dos seus discos, o músico brasileiro, conhecido aficionado por futebol, tinha-o como ídolo do desporto-rei português. Portanto, foi com naturalidade que Chico Buarque, após estender desembaraçadamente a mão, disse:
'-Eu com a bola, você com o violão. A ver se resulta.'
E a troca fez-se, após Mário Coluna ser também apresentado ao artista. Eusébio ficou surpreendido com o talento demonstrado pelo jovem brasileiro com a bola, mas não ficou atrás quando foi a sua vez com a viola.
O treinador Otto Glória aproximou-se para os chamar para junto do resto da equipa, mas não sem antes 'bater um papo' com o seu compatriota sobre a Cidade Maravilhosa, a Praça Onze e as garotas de Ipanema... O tempo passou rapidamente, Chico Buarque olhou para o relógio e viu que estava atrasado para o ensaio no Teatro Villaret, onde nessa noite iria actuar juntamente com Vinicius de Moraes e Nara Leão. Estava na hora de partir, com a única tristeza de saber de que não conseguiria ver um jogo de futebol em Portugal, de ver Eusébio jogar...
Pode ficar a conhecer mais momentos em que o caminho de Eusébio se cruzou com outros mitos na área 24. O 'Pantera Negra' e outras lendas do Museu Benfica - Cosme Damião."

Lídia Jorge, in O Benfica

Benfiquismo (CCLXXXVII)

Vermelho do Benfica