Últimas indefectivações

terça-feira, 31 de outubro de 2017

A dor azul de Portugal

"É tempo de recordar o novo Estádio da Luz e há, sobre as minhas memórias dele, um momento infinitamente triste. Mas um momento também de aprendizagem. De saber escolher de que lado ficar no momento profundo das opções difíceis.

Quero começar por pedir desculpa a quem me lê. Estamos na altura de recuperar memórias sobre o novo Estádio da Luz - as minhas memórias do antigo perdem-se no infinito - e eu vou rebuscar agora nas lembranças colectivas.
Eu vivi um momento terrível neste novo estádio e nada me fará esquecê-la.
Por isso vou ao baú das minhas histórias já escritas.
Também por isso, peço-vos desculpas.
Dia 4 de Julho de 2004.
Nesse tempo eu era o responsável pela imprensa da Selecção Nacional.
E, confesso, dificilmente encontrei, onde quer que fosse, um ambiente de tão saudável amizade e profissionalismo entre todos. Foi único! Foi único!
Por isso, volto atrás e conto. Ou melhor, reconto.
Reconto tal como o senti e escrevi.
Há filmes que têm vidas inteiras lá dentro.
Havia cinemas com vidas inteiras lá dentro: o Paris era um deles.
Foi no Paris que vi Butch Cassidy and The Sundance Kid. Em português chamaram-lhe Dois Homens e Um Destino. Na adolescência do meu tempo, não deve ter havido muitos de nós que não se tenham apaixonado pela Etta Place. E tido ciúmes do Robert Redford quando ele espreita a sua nudez pela janela e ela responde, simplesmente: 'You're late...'.
Na adolescência não deve ter havido muitos de nós que não tenham tentado passear uma rapariga no quadro da bicicleta assobiando ao mesmo tempo o Raindrops Fallin' on My Head... Aliás, na adolescência do meu tempo, não deve ter existido ninguém que não soubesse assobiar o Raindrops Fallin' on My Head e que não quisesse fazer parte do Wild Bunch.
Vou tudo isto a propósito de ganhar e perder, das vitórias e das derrotas.
Não sei quantas vezes fui ao Cinema Paris ver Butch Cassidy and The Sundance Kid. Umas poucas, pela certa. Sei é que nós saíamos de lá vencedores apesar da derrota final. Isto pode não fazer muito sentido, mas é um facto indesmentível: há homens que, por mais que ganhem, nunca serão vencedores: outros, por mais que percam, vencerão sempre.
No Cinema Paris, nós já sabíamos que não havia meio-termo: era preciso escolher do lado de quem é que seríamos ficar. Por isso é que o título em português não era mau: Dois Homens e Um Destino. O destino era esse.
Nestas coisas da vida, é preciso alma, coração, sentimentos, o que lhe quiserem chamar.
É por eles que se respeitam os derrotados como se fossem vencedores e, tantas vezes, por falta deles se desprezam os vencedores como se fossem derrotados.
Como dizia Bertold Brecht, que tinha sempre boas frases sobre todas as matérias: 'Nem todos os que regressam a casa são vencedores, mas não há vencedor que não regresse a casa'. Eu percebo perfeitamente o que ele queria dizer.
Para quem não se lembra, eu lembro aqui: no final, Butch Cassidy e The Sundance Kid estão na Bolívia, em San Vicente, fechados numa minha de sal, cercados por militares e pelos homens da Agência Pinkerton. É então que Kid, ao ver como eles disparavam, diz:
- They're good!
Com uma frase destas, qualquer caso perdido passa a estar ganho. Aqueles que vencem na vida têm sempre um discurso que vai direito à alma, ou ao coração, ou aos sentimentos das pessoas, como queiram. Por mais simples que sejam as frases ou as palavras.
Em cinema, chamam-lhe freeze-frame: Paul Newman e Robert Redford atiram-se para a frente de armas na mão, a imagem pára, ouve-se o som dos tiros, o filme acaba. Não fugiram ao seu destino.
Dia 4 de Julho também fiz um freeze-frame.
Uma tristeza vermelha; uma alegria azul. A dor azul de Portugal.
A Grécia era campeã da Europa e levou-nos uma taça que era nossa, como se a roubasse sadicamente ao íntimo na nossa alegria.
Esqueçam as lágrimas. A festa azul parece longe, longe, como o som dos tiros. O que fica na memória é aquela imagem parada de quem não pôde fugir ao seu destino.
Agora, o espectador que escolha do lado de quem é que quer ficar.
Eu escolhi!
E sei que todos aqueles, a meu lado, no Estádio da Luz, era vencedores apesar de vencidos."

Afonso de Melo, in O Benfica

De olhos em bico

"China, Japão e Coreia do Sul: 21 dias de aventura, vitórias e boas memórias. Quer dizer... à excepção da comida.

No Verão de 1970, depois da digressão a Angola e a Moçambique, o Benfica rumou ao Extremo Oriente. Era a primeira vez que um clube de futebol da metrópole portuguesa viajava com tal destino. A expectativa era imensa!
Foi no dia 17 de Agosto que o Clube partiu à descoberta de Macau, Hong King, Kobe, Tóquio, Osaka e Seul, do seu futebol, das suas tradições e de, claro está, muitas peripécias. Outra coisa não seria de esperar de uma digressão dos 'encarnados'!
O primeiro percalço foi sentido ainda no voo de ida quando, ao sobrevoar a Tailândia, 'o avião levou fortes abanões atmosféricos'. Eusébio e Vítor Martins não conseguiram conter o susto, chegando mesmo 'a soltar gritos'.
Já com os pés bem assentes em solo asiático, os jogadores foram 'assaltados por um verdadeiro exército de caçadores de autógrafos'. Mas, de todos, Torres foi o que desfrutou 'de uma popularidade ainda maior'. A sua altura não passou despercebida no Extremo Oriente. Segundo o jornalista Aurélio Márcio: 'Mais alto ainda parecia rodeado por miúdos tão miúdos'. O facto de jogar 'de botas calçadas', enquanto os restantes jogavam 'de sapatilhas', também terá contribuído para essa fama em torno das suas dimensões. Ao que consta, as suas chuteiras ficaram danificadas na digressão a África e não foi possível substituí-las a tempo da viagem, 'é que o Torres anda perto dos 50 no calçado'.
Ao longo desses 21 dias aconteceu de tudo um pouco, até presenciaram um grupo de bailarinas a trocar de roupa, 'num ápice, num «strip-tease» inesperado' que deixou os olhos em bico os jogadores que se estavam nos camarins da da Expo'70 em Osaka. A experiência menos positiva terá sido mesmo a gastronomia local. 'Os jogadores não gostaram nada daquilo. Começaram a pedir pão e manteiga e vinho e acabaram mesmo por comer uns valentes bifes'.
No regresso, para além de muitas histórias para contar, a comitiva trouxe diversos objectos que ainda hoje se preservam no Departamento de Reserva, Conservação e Restauro. Entre eles, o galhardete entregue a Simões pelo capitão da selecção de Macau antes do primeiro desafio da digressão, no dia 20 de Agosto.
Muitos dos adeptos desconhecerão que foi igualmente desta viagem que veio a vénia que ainda hoje os jogadores do Benfica fazem, antes do início de cada jogo, em direcção às bancadas do Estádio da Luz. Citando Simões: 'Foi este malvado pequenino que trouxe a ideia dessa digressão'."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfiquismo (DCXLIII)

Contracto assinado...!!!

14 anos...