Últimas indefectivações

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Comunicado


"A Direção do Sport Lisboa e Benfica informa que recebeu do Presidente da Mesa da Assembleia Geral a carta de renúncia ao mandato enviada por Luís Filipe Vieira.
A Direção reunirá amanhã, sexta-feira, durante a manhã, para formalizar as necessárias alterações à sua composição, de acordo com os estatutos.
A Direção do Sport Lisboa e Benfica apela à união de todos os Benfiquistas em torno dos objetivos comuns e na salvaguarda dos superiores interesses do Clube."

Análise: Crise Directiva no Benfica

João Mário...

O quadrado imaginário de Volante


"Na frente dos centrais, o lugar era dele. Os treinadores começaram a ensinar: ‘Vê? Joga como o Volante!’ A gente cá chama-lhe trinco.

A maneira como fazia de conta que ia para lá e, de repente, saía pelo lado contrário era desconcertante. Mas não abusava. Na maior parte do tempo ficava sobriamente vigiando o adversário mais próximo e pronto para o deitar abaixo se preciso fosse. Volta e meia dava um berro, em italiano como o pai, Giuseppe Volante, ferreiro ferroviário, uma profissão que mete mais erres pelo meio do que o falar de um pescador de Setúbal. Giuseppe tinha sete filhos e a certeza de que o mais novo era o mais esperto de todos. Mas José Peppe Norberto Volante queria mesmo era jogar futebol na equipa do Lanús, clube que nascera num dos subúrbios de Buenos Aires e cujo dono fora um francês misturado de basco e grego, Anacarsis Lanús. O Clube Atlético Lanús nasceu aí mesmo, fruto da fusão do Lanús Athletic Club e do Lanús United. José jogou lá. Depois foi treinador. Finalmente presidente. Era mesmo um tipo esperto.
Já Carlos, o filho número quatro de Giuseppe, andava de um clube para o outro. Não era fixado no Lanús como o irmão. Só jogou lá um ano. Chegou para ficar para sempre como um dos mais importantes futebolistas que por lá passaram. É preciso dizer que os outros clubes de Lanús também tinham todos Lanús no nome, não eram só o Athletic e o United. Havia o Argentino de Lanús e o Lanús Central. Carlos andou por todos. Mas quando se tornou jogador a sério, profissional de papel carimbado e assinatura reconhecida, foi no Atlético ao qual os adeptos chamam carinhosamente de Granate por causa da cor grená das camisolas.
Inquieto, Carlos seguiu para o Adrogué. Recrutado para o serviço militar saiu da tropa e passou a ser galucho do San Martín. Ninguém dava muito por ele. Carlos Martín Volante, nascido no dia 11 de novembro de 1910, volta e meia dava aqueles gritos em italiano, recompondo os meios-campos em que jogava, mas era mais de ficar do que de ir e o povo gostava mesmo era aquele jeito de não ir e ir mesmo. Tornou-se um jogador fixo. Desenhava mentalmente um quadrado em frente dos centrais e esse quadrado era dele._Mas mesmo dele, como se lhe pertencesse. Quem entrasse no seu quadrado não ouvia apenas os urros em italiano. Às vezes tombava no chão como um pinheiro cortado pela raiz.
Em 1928, Carlos estava no Platense, sempre sem saber para onde iria a seguir. Quando calhou jogarem com o Lanús, combinou com o irmão, José, que estava no primeiro ano da carreira, que não jogaria. Não ficava bem irmão contra irmão. Então foi a vez de a mãe Volante dar um berro: «Jogam os dois!». E que dessem tudo pela vitória que era assim que os tinha ensinado. O jogo não correu bem a Carlos. Ficou lá no seu quadrado e viu José empurrar o Lanús para um triunfo por 5-2. O público, esse, gritava contra Carlos, acusando-o de traidor. O público dos dois clubes: do Lanús por ter saído de lá; do Platense por achar que estava a fazer um frete aos da sua terra. Encolheu os ombros. Uns dias depois era chamado à seleção argentina pela primeira vez.
Nesse mesmo verão, o Gimnasia de La Plata fez uma excursão pela Europa. Um sucesso. Ganhou ao Real Madrid e ao Barcelona e foi jogar a Nápoles onde o médio-centro José María Minella encheu o campo. Os italianos quiseram ficar com ele, mas de pouco valeu a insistência. Acabaram por perguntar-lhe que jogador argentino se parecia mais com ele no estilo._Minella não teve dúvidas e indicou Carlos Volante. O convite chegou e a gritaria também. A mãe tinha os filhos todos presos pelos fundilhos e proibiu Carlos de assinar contrato. Então ele propôs: «Vou pedir 150 mil Liras por dois anos e mais quatro mil por mês. Ninguém paga tanto. Mas se pagarem, vou». Pagaram. E viagem e casa para ele e para o pai. Continuou inquieto: Nápoles, Livorno, Torino... Casou com uma filha de família rica de Turim, Maria Luísa, mas, quando soube que Mussolini tinha dado ordens para que todos os estrangeiros naturalizados, os ‘oriundi’, fossem chamados para o serviço militar, decidiu que já tinha tido tropa que chegasse e passou a fronteira para França. Tomou conta do seu quadrado imaginário com a perseverança de sempre, no Rennes, no Lille e no CA Paris. Durante o Mundial de 1938, ofereceu-se para ser massagista da seleção brasileira. No regresso foi junto e assinou pelo Flamengo. Mas para jogar.
Em 1939, o Flamengo tinha uma equipa cheia de argentinos: Arturo Naón, Agustín Valido, Alfredo González, Raimundo Orsi (que foi campeão do mundo pela Itália) e Carlos Volante. Carlos finalmente aquietou: ficou no clube até 1943.
Manteve-se um defensor feroz do seu quadrado. Naquela zona do campo só havia lugar para ele. Depois, quando o adversário vinha ao seu encontro, ou lhe roubava a bola e saía naquela simples complexidade do vai não vai e vai mesmo, ou derrubava o mamífero logo ali, sem piedade. Os treinadores começaram a ensinar os seus jogadores: «Tá vendo o Volante? Joga como ele. Joga como Volante». O nome ficou. A gente por cá chama-lhe trinco._ Mas, no Brasil, quem está na frente dos centrais é sempre o Volante."

Treino...

Modalidades #55 - Semanada...

Leonor...

Lanças...

105x68...

Práticas corporais desportivas


"Pensar sociologicamente o desporto em Portugal não se afigura fácil. É estar exposto a um conjunto de saberes e de crenças que se impõem sub-repticiamente. O interesse socialmente reconhecido da prática desportiva leva a que fiquem num estado do não pensável. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) recorre a uma metáfora para explicar o bom uso que convém fazer da teoria sociológica geral e que pode ser transposta para uma sociologia do desporto, lembrando-nos que os indivíduos se vergam a regularidades nas suas práticas quotidianas sem ter consciência explícita de obedecer às regras. É importante conhecer as regras de um desporto para compreender o que se joga realmente. Isso não significa que os atletas/praticantes tenham consciência de “obedecer às regras” na sua ação. O domínio das regras é, antes de mais, algo que tem a ver com a competência prática antes de ser uma operação intelectual. A aquisição pela aprendizagem de uma prática consiste na incorporação de códigos sociais múltiplos.
Um exemplo ajuda a melhor compreender os atos em função dos códigos simbólicos do desporto. Em agosto de 2014, num campeonato europeu de atletismo, o francês Mahiedine Mekhissi retirou a sua camisola antes de chegar aos 3000 metros. Foi advertido pelo comité de controle das provas. O seu comportamento não era admissível, mas não foi colocado em causa o resultado da prova. No dia seguinte, veio a desqualificação, depois de uma reclamação da delegação espanhola, transformando o se ato em “falta desportiva total”. O atleta foi acusado pela sua atitude de não ter respeitado as regras técnicas.
Existe uma dupla codificação da prática desportiva, que releva das próprias regras e das relações com o espaço social. É preciso ter em atenção a forma de praticar, o contexto, a situação competitiva e o “label” institucional. Existe um etnocentrismo nacional, reforçado pelo eurocentrismo dos “guardiães” do espaço desportivo. É sobre a base do poder de inculcação moral ligado ao desporto que as principais instituições, encarregadas de assegurar as funções de programação mental, tais como Escola, as religiões e os Estados, que se ampararam desta prática tão particular, para colocar ao serviço as suas visões do mundo."

Sem redenção


"E o veredicto chegou sob a forma de um cruel sintagma – “elevada probabilidade de eventos coronários”. E ele, com a alma vestida da mais despida desilusão, fez passar em flashback o filme da sua vida onde o herói não tem as moças para salvar, mas unicamente o desejo de se salvar a si próprio. Como se salvou ele? Ouçamos esta versão muito resumida da sua estória. Tudo começou lá longe, no estreito corredor do quintal das traseiras de sua casa, onde os duros talos de couve substituíam eficazmente os sticks de hóquei que nunca teve. Ele num lado, o seu amigo de sempre do outro, e toca a despachar uma bola feitas de trapos no afã de viver em ilusão a saga dos heróis de hóquei em patins que nos tinham dado mais um título mundial.
A partilha das aventuras desportivas tinha um especial momento de emulação quando se embrenhavam, em luta um contra o outro, na nobre modalidade desportiva de alta competição que se denominava – o vira. Passo a explicar para os disfuncionais de todos os teclados eletrónicos. O vira, era uma modalidade de alto risco, em que através de um rápido movimento da mão em concha se tentava virar para cima as imagens dos jogadores da bola. Tal conseguindo ficava-se com a quantidade de jogadores virados. Alguns utilizavam “escupe” para facilitar o viranço o que entrava no campo dos procedimentos ilegais condenados pelo tribunal ad hoc construído no momento. Certo dia, daqueles dias em que saímos à rua e tudo nos sai bem, na pugna “virística” contra o amigo ganhou-lhe todos os jogadores. Ele ainda lhe perguntou: - Ouve lá, tu puseste “escupe” na mão? Logicamente negou. Foi jogo limpo. O seu adversário de ocasião quase chorava pois tinha perdido os jogadores do seu panteão particular, a saber, Pinho, Acúrcio, Jaburu, Pedroto, Hernâni, Monteiro da Costa, Virgílio e outros. Passaram-se os dias e o derrotado continuava fechado na sua vil tristeza até que o nosso herói lhe pediu para copiar as contas de multiplicar e dividir que eram trabalho de casa exigido pelo professor Vasconcelos da escola do Bomfim. Como já se disse noutro lado, em relação às contas de “sumir” e “substramir” o nosso herói lá se ia safando, mas os confusos algoritmos das contas de multiplicar e dividir ultrapassavam a sua capacidade de processamento e, no âmbito das contas, ia de mau em mau até ao péssimo terminal. Logicamente que o amigo recuperou todos os jogadores perdidos pois a aselhice e a iliteracia matemática têm um preço.
Nas suas pugnas desportivo-guerreiras mimoseavam-se com vocábulos tais como camurço (metade camelo, metade urso) e naburço (metade nabo, metade urso). Estes insultos inenarráveis eram condimentados à pedrada, cada um protegido pela sua árvore. Só que o homem-que-sabia-fazer-contas já tinha alguns conhecimentos rudimentares de balística e, em vez de arremessar a pedra em linha reta, projetou-a, um dia, através de uma parábola invertida. A pedra subiu no éter e aterrou no cocuruto do “inimigo” transformando a face risonha e irónica do autor destas letras numa imensa catarata de lágrimas que, como o poeta dizia, se acrescentaram em imenso e caudaloso rio. “Vou fazer queixa à tua mãe”. “Não, por favor, não vás”. Foi. E mal ele começou a alombar com a ira punitiva da mãe logo a dor lacrimosa terminou e se transmutou num riso de satisfação vingativa na face do ofendido.
Quando por volta dos 14 anos começou a praticar basquetebol e remo na Mocidade Portuguesa o nosso herói levava no alforge o capital de experiências motoras que a infância e os anos pré-pubertários lhe tinham propiciado. Algumas das proezas físicas envolveram enorme risco. Um dia, por volta dos seus doze anos, subiu a uma das tílias que cobriam o recinto das suas brincadeiras e com os braços a tremer do esforço começou a chorar até que os funcionários do tribunal da rua Formosa o ouviram e o foram acudir.
No meio de tanta pobreza material nunca ninguém foi mais rico que ele em vivências motoras. Não, não era brincar, era verdadeira paixão pela brincadeira e movimento que o transformaram num émulo de Sísifo. Cada dia recomeçava com o afã de levar o pedregulho até ao cimo do monte. Em cada dia renascia renovado preparado para a tarefa nunca conseguida de se satisfazer com o jogo. O jogo, o desporto, entrou-lhe na vida pela porta mais robusta e duradoura – a porta da emoção e nunca mais de lá saiu.
Acreditem por favor. Exame de Contabilidade. A coisa não lhe estava a correr muito bem. Através da janela vê o diretor da escola a pintar o campo de basquetebol. Sai do exame e vai ajudar o diretor na nobre tarefa de pintar o campo para o jogo que aconteceria de tarde. Só fez Contabilidade na segunda época.
Acabou o curso comercial e começou logo a trabalhar. Isto nos seus 16 anos. Era o funcionário com mais habilitações escolares no escritório, mas o que ganhava menos – 500 escudos. Dava todo o dinheiro à mãe e ela “semanava-o” com 50 escudos. Aproxima-se o verão e as provas de canoagem em Espanha. Diz ao patrão: - O meu pai não quer que eu trabalhe mais”. Diz ao pai: - O patrão mandou-me embora pois tinha de me meter no quadro”. Com estas mentiras repetidas, com variações ad hoc a cada ano, ficava com os meses de verão disponíveis para o remo e canoagem. O basquetebol começou mais organizado nos seus 17 anos nos juniores do Clube Fluvial Portuense.
Entretanto vem a tropa e o desporto ficou suspenso quatro anos, mas não a atividade física levada aos limites. Não desenrolando em vaidades avulsas a sua competência motora, eis uma só traduzida em realizações militares. Na recruta, nas Caldas da Rainha, bateu o recorde da pista de obstáculos que pertencia ao Rui Rodrigues, jogador da bola da Académica. Pronto, para gabarolice já chega.
Importa referir a sua saga desportiva na Guiné. Um dia, muito debilitado psicológica e emocionalmente pelas acontecências da guerra, veio a Bissau tirar um dente. Tratar o dente era ir e regressar no mesmo dia. Dente fora dava uma semana a coçar a micose em Bissau. Decidiu tirar o dente mesmo contra a vontade do médico que disse que tal não se justificava. Com medo após atitude intempestiva do nosso ranger, o dentista lá se decidiu pela extirpação que mais tarde foi revertida à base de 1500 euros cada implante. No fim de semana alguém se lembrou de fazer uma jogatana de basquetebol entre a malta guerreira no decrépito campo da escola secundária. Só para matar saudades, mas a coisa foi difícil e redundou em entorses e ruturas. Um jogo e regresso à mata. O correspondente do Norte Desportivo, militar de ar condicionado na capital da Guiné, amigo do nosso herói e que com ele tinha jogado basquetebol no Fluvial, enviou para a metrópole uma notícia que terminava com algo parecido com: “O craque do Académico continua a espalhar na Guiné a magia do seu basquetebol”. Para notícia forjada não esteve nada mal. É assim que se constroem famas indevidas.
Regressado a penates mergulhou nas profundezas de um Banco a que acedeu facilitado pelas habilidades basquetebolísticas tão bem expressas na Guiné através de um jogo entre gordos e ancilosados. Durou pouco (um ano) a sua punição “banquística”. Abandonou o banco e entrou de alma e coração no Olimpo, aquele lugar no éden Grego que tem o Desporto e da Educação Física como forma de realização existencial. Da sua folha de serviços tendo a prática desportiva como referência algumas se salientam: (i) férias da Páscoa de 1996. Descida em solitário do rio Douro. O rio ia bravo pelas chuvas de inverno. Uns 50 km abaixo de Almazán rio tapado por árvore caída. O canoísta aventureiro embrulha-se emergido nos ramos e não sabe como escapa do afogamento. O rio poupou-o, pois, ainda era cedo. A ele há de regressar um dia, definitivamente, reduzido à sua dimensão quântica. (ii) maio de 2005. Rio Tejo. Lá para cima onde o rio é reserva natural protegida. Pagaia todo o dia e a noite caiu sem povoado à vista. Toca a dormir na margem, no saco de dormir. Por volta da meia-noite, barulhos estranhos acordam-no. Noite cerrada e perscrutando silhuetas contra a luz das estrelas divisa uns cornos bem afiados. Veados, a quem tinha fechado o acesso à água. Levanta-se rápido e vai dormir fora do trilho dos animais. Foi por pouco. (iii) junho de 2008. Um companheiro de longa data pretende um parceiro para fazer uma prova em França – o Dordogne integral, 135 km seguidos em competição. Quem quer casar com a Carochinha? Quem? Ninguém. Alguém se lembrou do único João Ratão possível. Só há um que vai contigo de certeza. Quem? O seu nome foi a resposta. Bem, foi coisa dura pois foi sempre a dar-lhe sem parar. Mais de sete horas seguidas de esforço. Ficaram em segundo da geral, mas para sobreviver, além dos geles que iam colados a fita-cola no casco do K2, iam também colados três comprimidos de Voltaren rapid que atenuaram as dores musculares e da artrose da anca no decurso da prova.
Ficamos por aqui, mas muito mais haveria a acrescentar ao filme deste jovem que agora se depara com o veredicto da morbilidade coronária. Que fazer? Haverá redenção para os “crimes” desportivos que cometeu? Querem-no condenar agora à imobilidade. Não é justo. Os deuses têm que ter piedade e permitir-lhe que continue a saga maravilhosa que deu sentido à sua vida. Há sempre redenção para quem pecou por amor. Já diz o aforismo popular que de popular tem pouco – mais vale ser rei por um dia que vassalo toda a vida. O nosso herói tem sido rei neste curto lapso de tempo que é uma vida. Tem toda a eternidade para ser vassalo.
Uma prática desportiva totalmente absorvente e com viagens frequentes ao excesso não tem redenção. Há sempre um preço a pagar. O coração fraqueja? Sim. As articulações claudicam? Sim. Mas a alma viceja na fruição duma vida em que o desporto foi fautor de transcendência."