Últimas indefectivações

terça-feira, 24 de março de 2015

Fazia tanto calor no Campo Grande...

"Há dez anos que o Benfica não conquistava um título. Nessa final do Campeonato de Portugal, defrontou e venceu o Barreirense por 3-1 após prolongamento. Estávamos no dia 1 de Junho de 1930 e a multidão explodiu de entusiasmo.

Iniciada na pretérita semana eis que continuamos a debruçar-nos sobre as «taças esquecidas» do Benfica, os tais Campeonatos de Portugal conquistados em 1929/30, 1939/31 e 1934/35. Já vimos como se disputou esta competição e como passou, a partir de 1938/39, a designar-se por Taça de Portugal. Portanto, há que juntar ao espólio encarnado três troféus de Campeão de Portugal ou, se quiserem, mais três Taças de Portugal, passando das 25 normalmente contabilizadas para 28. Infelizmente, tais vitórias têm caído no olvido e fugido aos registos.
Registo-as eu. Aqui nestas vossas páginas.
Vamos, então, até ao dia 1 de Junho de 1930. No Campo Grande, defrontaram-se Benfica e Barreirense para a final da 9.ª edição do Campeonato de Portugal. Final absolutamente inédita já que nenhum dos clubes tinha atingido até aí a decisão da prova.
Para o Benfica tratava-se de uma questão de honra: afinal o Sporting (uma) e o Belenenses (duas) já tinham arrecadado a taça, assim como o FC Porto (duas), Marítimo, Carcavelinhos e Olhanense.
Como a primeira edição fora disputada somente por FC Porto e Sporting (campeões regionais de Porto e Lisboa, ficando de fora os campeões da Madeira e do Algarve), e as quatro edições seguintes ficaram restritas aos campeões de cada associação, só em 1926/27 (com o alargamento da prova) o Benfica participou no Campeonato de Portugal: seria eliminado pelo Belenenses (0-2) nas meias-finais.
Em 1927/28, nova meia-final, contra o Carcavelinhos, derrota por 1-3.
Em 1928/29, nada melhor do que os oitavos-de-final: frente ao Belenenses, 2-3.
Em 1929/30, sim, finalmente! Finalmente a final.
E para lá chegar, vitórias sobre o União Operária (8-1), Casa Pia (2-0 e 2-2), Carcavelinhos (4-2 e 0-2), com 7-0 no desempate) e União de Lisboa (1-0 e 1-1).
Seguia-se o Barreirense que eliminara o União de Coimbra (3-0), Boavista (3-1 e 7-2), Espinho (5-2 e 5-0) e Belenenses (1-1 e 3-2).
Não havia um único lugar vago!
Expliquei aos meus pacientes leitores, na última crónica publicada, que usei e abusei da leitura de Ricardo de Ornellas, esse enorme jornalista para ficar a saber algo mais sobre esta competição, a primeira verdadeiramente nacional que se disputou em Portugal.
É ele que fala com entusiasmo desse ano do regresso do Benfica aos títulos e do grande espectáculo do Campo Grande que obrigou a prolongamento. Não havia um único lugar vago.
Lamentava-se a ausência de entidades oficiais, governantes de peso, de estadão.
Falava-se da final da Taça do Rei, na véspera, em Barcelona, com vitória do Athletic Bilbao sobre o Real Madrid (3-2), tendo a família real presente.
Depois foi o jogo. Que rico jogo.
Início de domínio barreirense, com jogadas de muita técnica que a defesa 'encarnada' se via em palpos de aranha para desfazer.
E um golo a premiar tal desempenho. Autor? Correia.
Depois a reacção do Benfica, com alma e vontade. E poder de remate. Bolas na trave, defesas valorosas de João Câmara, o golo do empate por Dinis.
Sobreveio o cansaço com o decorrer dos minutos. Estava calor em Lisboa, nesse início de Junho. Alguns jogadores pareciam esgotados.
O tempo corria com lentidão e o jogo também.
Vinha aí um castigador prolongamento.
«E aí o Benfica foi o Benfica das grandes tardes. O Benfica que empolga e faz entusiasmar a multidão. Sentiu-se vencedor, meteu uma bola e não desanimou, queria mais, queria vencer por mais 'score' o seu adversário. Não descansou, não empregando o batido 'truc' da bola para fora. E outro 'goal' surgiu. Estava o triunfo consolidado, estava ganho o encontro. Estava proclamado o Campeão de Portugal de 1930 o velho Sport Lisboa e Benfica».
Como eram curiosos os textos da época. E continuava a prosa encomiástica...
«Há dez anos que o Benfica não sabia o que era ser campeão. Esteve muitas vezes próximo do título de campeão de Lisboa e nunca o conseguiu. Ontem, vencendo as inúmeras crises que o têm assoberbado, conquistou brilhantemente o título máximo do 'foot-ball' português. Os seus homens ontem batalharam na medida máxima das suas forças. Desde o guarda-redes ao ponta-esquerda todos se esforçaram por alcançar a vitória».
O árbitro dava pelo bucólico nome de Silvestre Rosmaninho.
Os golos foram de Correia e Dinis, no tempo regulamentar, e de Manuel de Oliveira e Guedes Gonçalves no prolongamento.
Os barreirenses lamentavam-se pela final perdida. Já tinham vencido nesse ano o Belenenses (5-3), o Sporting (5-1) e o próprio Benfica (4-2), sempre em Lisboa. No quarto e mais importante desafio, viam-se derrotados. Voltariam a nova final, em 1933/34, mas seriam batidos pelo Sporting.
Quanto ao Benfica, não foi preciso esperar muito. Bastou um ano apenas para repetir a final e a vitória, a única dobradinha da história dos Campeonatos de Portugal com este nome.
O episódio segue dentro de momentos...
BENFICA: Dyson; António Pinho, Jorge Teixeira; Aníbal José, João Oliveira, Vítor Hugo; Augusto Dinis, Mário Carvalho, Jorge Tavares, Guedes Gonçalves, Manuel Oliveira.
BARREIRENSE: João Câmara; Falcão, José Fonseca; José João, Álvaro Pina, Carvalho; Raúl Jorge, Pedro Pireza, Correia, João Pireza, Bento.

Afonso de Melo, in O Benfica 

O problema de sempre

"Não restam dúvidas de que o Benfica de Jesus é temível quando engata aquele carrossel ofensivo que asfixia os adversários. Também é sabido que se trata de uma formação que, de quando em quando, é capaz de defender sem bola, para depois lançar contragolpes letais (foi assim este ano no Dragão). Mas há cinco anos que se sabe também uma outra coisa: estamos perante uma equipa incapaz de controlar um jogo com posse de bola. No fundo, o Benfica ou ataca ou defende sem bola, quando procura pautar o ritmo do jogo; adormecendo-o e mantendo o controlo da bola, a equipa falha.
Bem pode Jesus queixar-se da arbitragem, mas em Vila do Conde manifestou-se uma debilidade que acompanha a equipa há algum tempo: a incapacidade para gerir uma vantagem. O problema, por estranho que possa parecer, foi mesmo o golo madrugador. O que não seria problemático, caso a equipa tivesse continuado a atacar, procurando o segundo golo. Mas como, por motivos insondáveis, a opção foi deixar passar o tempo, quase abdicar de atacar e fazer uma gestão imprudente da vantagem, no final aconteceu o que vinha sendo anunciado: a derrota e, de longe, a pior exibição da temporada.
E, ao contrário do que foi sugerido nas análises à partida, a mudança do sentido de jogo não ocorreu apenas na segunda parte. Durante a primeira metade já se pressentia um Benfica apático, que pareceu estar sempre a jogar em inferioridade numérica no meio-campo e que foi incapaz de esticar o jogo, aproveitando os espaços que um Rio Ave a pressionar alto oferecia.
Mas como nem tudo pode ser mau, não só o que se passou no Estádio dos Arcos deve servir como aprendizagem para os oito jogos em falta (dos quais seis são em Lisboa), como ao FC Porto faltou o estofo de campeão, que surge precisamente nos momentos em que é possível aproveitar as falhas dos adversários."