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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A jogar contra os números

"Há golos que valem mais do que outros. Estatisticamente é mesmo assim: numa análise ao campeonato inglês, em 'The Numbers Game', Chris Anderson e David Sally concluem que, quando uma equipa marca três golos, os adeptos pode abandonar o estádio com alguma segurança. A probabilidade de vitória é altissima: 85%. Já a de derrota para quem está a perder por três a zero é ainda mais elevada: 95%.
Está-se mesmo a ver do que estou a falar. O Boavista marcou três golos, empatou e fugiu às probabilidades. Porquê? Lá está, porque depois disso o Benfica marcou três vezes, o que é ainda mais improvável.
Ora o problema esteve mesmo aí. A perder por três, o Benfica passou a ter as estatísticas a jogar contra si. Esqueçamos por um momento a arbitragem lastimável - sei que não é fácil - e concentremo-nos no desafio psicológico. A sofrer três golos em casa contra um adversário bem mais fraco, o principal risco do Benfica era o descontrolo emocional. Não aconteceu, até porque essa tem sido uma das virtudes da equipa com Rui Vitória.
Paradoxalmente, foi quando empatou o jogo que o Benfica deixou de ser dominador. Estranho? Nem por isso. A perder por três, Vitória inovou tacticamente e o Benfica recuperou a desvantagem. Aquando do empate, era necessário regressar ao sistema tradicional e reequilibrar a equipa. Mas, a partir de então, o Benfica não mais se reencontrou: emocional, física e, acima de tudo, tacticamente. Sem substituições disponíveis, com um engarrafamento de jogadores nas alas e falta de presença no meio-campo, o Benfica deixou de ameaçar o Boavista. As estatísticas adversas fizeram o resto."

Pesadelo sobre a terra encarnada

"Depois do jogo das seis bolos no poste do Estádio da Luz, o Benfica viu-se derrotadoem Dortmund por 0-5. Um momento triste na história encarnada no qual a ausência de Eusébio pairou como um fantasma negro.

Pela primeira vez ouvia-se falar de um candidato alemão à vitória na Taça dos Campeões. Pudera! O Borussia de Dortmund, depois de ter sobrevivido no Estádio da Luz a um vendaval de futebol ofensivo que levou seis (!!!) bolas às traves e aos postes do seu guarda-redes Tilkowski, vingava-se agora em casa, goleando o Benfica por 5-0. Querem mais? Lajos Czeizler, o treinador dos encarnados, estava naturalmente triste: 'Os meus pupilos desapontaram-me, com exclusão de Coluna. O clima agreste prejudicou os portugueses, mas a verdade é que os alemães foram melhores. Nem pareciam os mesmos que actuaram em Lisboa...' Um desalento perfeitamente natural. Afinal nunca o Benfica sofrera uma derrota tão violenta na Europa.
A semana passada falámos aqui nestas suas páginas e para aqueles que vão tendo a infinita paciência de me ler, sobre o único confronto entre Benfica e Borussia de Dortmund na já tão longa história das taças europeias. Foi na época de 1963/64. Em casa, a águia foi imperial, sujeitando os alemães a uma provação terrível que só a fortuna impediu de se transformasse num cenário de devastação. Seis boas na madeira foram demais para um resultado tão curto - 2-1. A viagem à Alemanha seria, como é óbvio, complicada. Tornou-se complicadíssima. Sobretudo porque Eusébio, magoado, ficou de fora.
Veja-se como formaram as equipas:
Borussia Dortmund - Tilkowski; Burgsmuller e Redder; Kurrat,Geisler e Sturm; Wosab, Schmidt, Brungz, Konietza e Emmerich.
Benfica - Rita; Cavém e Cruz; Luciano, Humberto e Coluna; José Augusto, Santana, Yauca, Serafim e Simões.
A eliminatória decidiu-se em apenas quatro minutos: 34 - golo de Konietza; 35 - golo de Brungz; 37 - golo de Brungz. A vantagem germânica jamais seria contrariada. Os jornais chamaram-lhe mesmo 'O Baile Alemão'.
Um Dortmund à Benfica
Defendo e irei defender sempre que a história dos clubes é feita também das suas derrotas. E não há que ter medo de falar delas porque também servem para perceber a grandeza de que são feitos. A derrota de Dortmund, no dia 4 de Dezembro de 1963, foi um dos momentos mais negros da vida do Benfica, na Europa. Mas, tal como a vitória escassa das seis bolas ao poste, é um momento ímpar que deve ser recordado. É o que estou a fazer, com vossa licença.
Leiamos um jornal da época: 'Um espectador que conhecesse bem o sistema do Benfica e entrasse no Estádio Rote Erde (Terra Vermelha) pensaria que os jogadores de calção escuro eram os portugueses: a forma como se escalonavam no terreno, a ralé com que se batiam, a forma como lutavam e até a facilidade com que tratavam a bola, levariam esse espectador a pensar que aqueles é que eram os 'malabaristas da bola' do Benfica, como a imprensa várias vezes lhes chamara. A verdade é que o Benfica jogava com  o seu habitual equipamento: calções brancos e camisola encarnada. Mas não era habitual ver-se dominado daquela maneira por uma turma que empregava precisamente as armas dos lisboetas - boa táctica, boa técnica individual, e garra, muita garra, querer e entusiasmo'.
Assim seria pelo tempo fora. Os portugueses sofriam e não conseguiam reagir. Coluna era imperial, mas insuficiente. A ausência do Pantera Negra pairava sobre o estádio como um fantasma. 'Os jogadores do Benfica acusaram nitidamente as dificuldades causadas pelo desgaste - desgaste motivado pela temperatura, desgaste derivado ao poder físico do adversário, desgaste por ter de acorrer sempre que necessário um reforço de ocasião'.
Uma eliminatória muito, muito equilibrada, viu-se estilhaçada pela realidade dos números. Em Lisboa, o Benfica falhou inacreditavelmente a goleada; em Dortmund, o Borussia não teve piedade.
Ficavam os antigos campeões da Europa pelo caminho; chagaria o Borussia de Dortmund à meia-final para cair aos pés do Inter de Mião (2-2 e 0-2) que viria a vencer essa edição da Taça dos Campeões Europeus. Agora, estamos à beira de um novo episódio deste confronto que a memória encarnada reteve. Mesmo que por más razões."

Afonso de Melo, in O Benfica

O estádio de todos nós

"Sob o traço de João Simões, a dedicação dos benfiquistas desembocou no Estádio da Luz.

Em 1939, os dirigentes do Benfica, devido aos planos de urbanização de Lisboa, foram informados de que no ano seguinte teriam de abandonar o Campo das Amoreiras. O clube encarnado voltava, uma vez mais, a ficar sem casa própria e a ter de jogar em campos emprestados. Não agradava a um clube desta dimensão estar nessa situação.
Os intentos da construção de um novo estádio tornaram forma com a eleição de Joaquim Ferreira Bogalho, em 15 de Março de 1952. O presidente conseguiu estimular a participação dos adeptos, co inúmeras iniciativas, e 'todos deram o que estava nas suas possibilidades', ajustando das mais variadíssimas formas. A quadra pró-estádio vencedora ilustrava bem o sentimento que ia nos corações dos benfiquistas:
'Gritarei até ser mudo
Venderei tudo o que é meu
Inda que, no fim de tudo
Viva o Estádio e morra eu.'
Uma dessas participações foi de João Simões, arquitecto e antigo jogador de futebol do Clube, após ter sido desafiado por Joaquim Bogalho: 'Oh Simões, não é capaz de desenhar um estádio?'. Este aceitou imediatamente: 'O estádio do Benfica andava na minha ideia desde os meus tempos de estudante de arquitectura'. Não se conteve, fez todos os esforços que se podia para que a obra fosse fiel à magnificência do Clube. A fim de desenhar em sua casa um projecto desta dimensão, foi até necessário derrubar paredes, 'e todas as noites, depois do jantar, gatinhava por cima das mesas, ele e mais um desenhador que fazia os cálculos'. Não havia entrave que impedisse a ânsia do arquitecto de passar para o papel o recinto que durante muitos anos imaginara na sua cabeça. E assim, 'possuindo ideias definidas concretas e ajustadas às conveniências e às possibilidades do clube, quer em localização, quer em recursos financeiros, (...) pôde na continuidade do seu pensamento «traçar» o estádio do seu clube'.
As obras tiveram início em 14 de Junho de 1953. Volvido um ano e meio, fruto da união, sacrifício e esforço ímpares, na data prevista inicialmente, a 1 de Dezembro, o Estádio da Luz foi inaugurado, com capacidade para perto de 50 mil lugares. 'A grandeza do Benfica teve, através da obra do estádio, uma tradução que não se exagera reputando-a de comovedora'.
Pode ficar a conhecer mais sobre o antigo Estádio da Luz na área 17. Chão sagrado do Museu Benfica - Cosme Damião."

António Pinto, in O Benfica

Benfiquismo (CCCLI)

Só assim: Juntos, podemos lá chegar...