"Um dos aspetos mais desafiantes e fascinantes da carreira de treinador de futebol é o permanente desafio e a necessária capacidade de resistência, resiliência e adaptação a diversas realidades.
Tudo muda num segundo, seja o percurso num clube, seja o desafio de amanhã, seja a simples imprevisibilidade de um jogo, com a bola a bater na barra e a entrar na baliza ou, simplesmente, a negar a festa.
Rui Borges e Bruno Lage sabem-no bem, embora estejam em fases ligeiramente distintas das respetivas vidas profissionais e da sua evolução (que se faz de resultados, claro, mas também dos subsequentes desafios, propostas e planos, consoante os emblemas e os campeonatos).
O transmontano do momento traz ao futebol português dados curiosos e muitas vezes arredios do quotidiano: simplicidade, naturalidade, espontaneidade. Uma comunicação quase rudimentar (no sentido amplo do termo), pouco cuidada em ternos de media training mas, exatamente por isso, atraente.
Borges chegou ao Sporting com a época a decorrer e com a responsabilidade de levar uma equipa campeã nacional ao segundo titulo consecutivo, não tendo construído o plantel, e recebendo uma herança pesada de uma das maiores surpresas recentes do treino de futebol em Portugal, Ruben Amorim. O que João Pereira não havia conseguido em Alcochete e Alvalade, pediam os sportinguistas que Rui Borges alcançasse, na perspetiva da manutenção do sonho e de uma equipa nos trilhos do sucesso.
De Mirandela surgiu uma alma pura, que havia subido a pulso e começado a temporada com um surpreendente registo de qualidade à frente do Vitória Sport Clube (sobretudo no capítulo internacional, com uma imaculada prestação na Liga Conferência).
E um dos grandes méritos do treinador do Sporting foi, justamente, não querer ser mais do que era, não exorbitar na comunicação, manter a simplicidade e o humanismo que sempre o caracterizaram.
E aqui ligam-se os técnicos dos dois grandes da segunda circular: também chamado ao comando do Benfica com o comboio em andamento, Bruno Lage — com a diferença de que conhecia muito bem as carruagens e nelas já havia sido muito feliz — opta por um discurso muito idêntico ao de Borges, na sua essência. Direto, simples, frontal, a procurar atacar os problemas de frente e resolvê-los rapidamente, para não criar réplicas ou hipóteses de interpretações díspares.
O que é, é. O que não é, não é. Olhares diretos, nos olhos, procura de clareza, palavras curtas, de significado único e penetração imediata nos respetivos universos clubísticos. A comunicação social gosta (talvez por não estar muito habituada, ao longo dos tempos, a este tipo de estratégia e comportamento…), e os sócios e simpatizantes agradecem a sinceridade contida no modelo.
Para o final da temporada, surge também, do norte, uma pronúncia castelhana da América do Sul que alinha pelo mesmo diapasão. Jovem, culto (não pela formação superior em Jornalismo, mas pela abrangência dos argumentos e pela capacidade de oratória), Martín Anselmi vem, de azul e branco, reforçar uma época muito pouco habitual nos principais emblemas do futebol português.
O treinador escolhido por André Villas-Boas fala de futebol com a linguagem do jornalista e do adepto. Ambos (jornalista e adepto), não têm dificuldades em compreender a transparência quase de ruptura que o argentino aporta para os contactos com os media, abrindo o jogo em relação a jogadores, opções técnicas e táticas, visão estratégica e compreensão dos diversos momentos competitivos, ainda por cima numa época desportiva que ficou, do ponto de vista do rendimento objetivo, muito aquém das expetativas dos dragões, sempre muito exigentes e habituados, pelo menos, a lutar muito mais e até muito mais além do que sucedeu esta temporada.
Ora Sporting, Benfica e FC Porto tiveram (têm) nos seus treinadores lufadas de ar fresco no que ao modo e ao tipo de comunicação diz respeito. Alguns dos elementos essenciais do media training sempre estiveram presentes e — talvez o mais importante e significativo — não terão resultado de abordagens específicas dos respetivos departamentos de comunicação e dos spinning doctors de cada um dos clubes, mas de condições pessoais e inatas de três homens de origens distintas (Mirandela, Setúbal e Rosário), mas com a visão transversal do quão simples e importante é comunicar com objetivos bem definidos.
Saber do que se fala, quando se fala e para quem se fala é, afinal, a métrica básica e definidora, à partida, do sucesso do processo comunicacional para agentes que, como os três treinadores em equação, estão permanentemente sob o cutelo dos media, sob a avaliação interna (dos seus superiores hierárquicos e, até, dos seus jogadores) e externa (da imensa e disforme mole humana de adeptos e seguidores), e sujeitos à pressão que daí deriva sobre os seus cargos, o respetivo desempenho, e a ténue linha que separar o sucesso do insucesso.
A bola pode entrar ou não, o jogador pode falhar o golo ou obtê-lo, a final pode ser jogada e ganha ou, simplesmente, participada ou perdida.
Mas, se se olhar nos olhos, juntando vontade, perceção, naturalidade, compreensão e um pouco de humanismo transportado para a comunicação desportiva, eis que os três principais emblemas do futebol português apresentam, nas respetivas cadeiras de sonho, três ótimos exemplos.
Cartão branco
Se o Mundial de Futebol de Praia das Ilhas Seychelles deixou a ligeira impressão de que podia ter corrido melhor para os portugueses do futebol de praia, o reconhecimento veio esta semana. Bê Martins foi considerado o melhor jogador de 2024, enquanto o guarda-redes Pedro Mano recebeu idêntica distinção, na sua especialidade.
E o árbitro Sérgio Soares (cronometrista na final do Mundial, entre Bielorrússia e Brasil), foi eleito o melhor juiz de futebol de praia do mundo. Soares, aos 46 anos e cinco fases finais de campeonatos do mundo depois, chega ao topo, obtendo o reconhecimento e o agradecimento da comunidade do futebol de praia e elevando a matriz da arbitragem portuguesa, outra vez, ao mais alto nível.
A prova de que o sacrifício, quando aliado à qualidade e à dedicação, compensa sempre e pode preencher capítulos essenciais da nossa vida.
Cartão vermelho
Não queria acreditar quando, à distância de 10 mil quilómetros, vi nas redes: os clips de vídeo de Pedro Proença e Reinaldo Teixeira no apoio expresso a uma das candidaturas à Presidência do Grupo Desportivo de Chaves.
Não estão em causa os méritos do candidato em causa ou a sua apetência para o lugar. Está, evidentemente, em equação o dever de independência e de equidistância dos dois principais responsáveis pelas instituições (federação e liga) que organizam e tutelam o futebol português.
Não me parece que a simultaneidade da divulgação dos vídeos tenha sido obra do acaso, como tenho a certeza de que Proença e Teixeira não mediram a gravidade e as consequências da sua atitude.
A não repetir, em circunstância alguma."