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terça-feira, 18 de outubro de 2022

Esgaio, João Mário, a Árvore e a Floresta


"É o nome na ordem do dia. Dos dias, para ser mais específico. Desde a passada terça-feira, após uma exibição menos conseguida por parte do defesa/lateral/ala direito do SCP, que o nome de Ricardo Esgaio está na ordem do dia. Do universo leonino e do futebol português.
Isso acontece porque a sua equipa perdeu. Acontece porque, ao perder o jogo, hipotecou a possibilidade de se aproximar imediatamente da passagem à próxima fase, permitindo que o adversário directo se lhe igualasse em pontos. Acontece porque, uma vez mais, a larga maioria gosta de personificar e atribuir um rosto aos desaires. Acontece porque, uma vez mais, é mais fácil exacerbar emoções e descarregá-las numa só pessoa do que ser racional e procurar compreender o lado do outro.
Esgaio é, por estes dias, o bode expiatório de todos os males existentes na performance leonina ao longo de 2022/2023. Não por ser o responsável por todos os passes falhados ou por todas as bolas não recuperadas. Não por ser a causa de todos os golos sofridos e todos os golos falhados, mas sim por ser o mais recente elo individual mais fraco aos olhos daqueles que optam pela “cegueira”, daqueles que insistem em não perceber que o futebol é um desporto colectivo e que o todo será sempre mais do que a soma das suas partes.
A verdade é que não há nada de novo nessa perspectiva nebulosa. De há largos anos a esta parte que o futebol português perdeu adeptos apaixonados pelo jogo e deu lugar a pessoas que só querem saber dos seus clubes…desde que eles ganhem. E não é preciso recuar muito no tempo nem palmilhar muitos quilómetros para o verificar. Basta atravessar a Segunda Circular, pronunciar o nome de João Mário e auscultar as reacções da nação benfiquista…
Um dos nomes mais consagrados deste início de época fulgurante da armada de Roger Schimdt, João Mário era há bem pouco tempo um dos proscritos favoritos dos adeptos encarnados. Pouco intenso, lento, incapaz de “ir ao choque”, “só joga para o lado e para trás”, de tudo um pouco se ouviu acerca do internacional português que, com o decorrer da época, passou de titular indiscutível a terceira/quarta opção para o meio-campo encarnado.
O final de 2021/2022 anunciava um possível adeus à Luz por parte de João Mário. O empréstimo ou até mesmo uma possível venda terão sido equacionados. Falou-se e escreveu-se em todo o lado que o modelo de jogo do novo treinador encarnado, fervoroso defensor do pressing e counter-pressing da escola alemã, não contemplava alguém com as características do jogador formado em Alcochete. Porém a época 2022/203 começou, leva já dezassete jogos oficiais para o SLB e João Mário é figura de proa no tal modelo de jogo que não o contemplava. Uma das figuras de proa.
Mantém o hábito de jogar para o lado e para trás, o que poderia ser um contra-senso e um crime de lesa-pátria para o modelo de jogo preconizado pelo treinador alemão, mas que o dota da temporização e do critério necessários para o aumento da qualidade e variabilidade no momento ofensivo encarnado.
Não está mais capaz de “ir ao choque”, mas está muito mais capaz de reagir à perda para pressionar e recuperar a bola. Não desenvolveu capacidades físicas que lhe permitem sprintar e ganhar metros aos seus mais rápidos e directos opositores, mas potenciou (ou ganhou) capacidades volitivas que o tornam mentalmente muito mais predisposto a ajudar a equipa nos momentos de transição ataque-defesa e de organização defensiva.
Tudo isso porque está inserido num contexto colectivo que o favorece, que o protege e que o potencia. Tudo isso porque está inserido num conjunto de dinâmicas que lhe permitem liberdade de pensamentos e acções com as devidas e inerentes responsabilidades. Sem amarras tácticas castradoras. Sem comportamentos colectivos e individuais desequilibrados. Como já esteve Ricardo Esgaio em Braga, por exemplo. Ou como já esteve Neto no ano de estreia e do título de Rúben Amorim no SCP.
Daí que um colectivo forte exaltará sempre jogadores com o perfil de João Mário. Independentemente do modelo de jogo. Por lhes dar tempo e espaço para se assumirem na sua plenitude e na plenitude de todas as suas melhores capacidades. Ao mesmo tempo que ajudará a proteger jogadores com o perfil de Ricardo Esgaio. Independentemente do modelo de jogo. Por expô-los menos vezes ao erro e por solicitar as suas melhores acções em segurança e “ambiente controlado”.
Não digo que seja urgente, mas é importante que deixemos de querer ver apenas uma árvore quando a mesma está inserida numa floresta. É importante porque fazê-lo demonstra inteligência, humanidade e racionalidade. “Coisas” que podem e devem acompanhar sempre a paixão que transborda do nosso peito."

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