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quarta-feira, 10 de abril de 2024

VAR - Ver. Assimilar. Resolver.


"Quem está em sala está sempre pressionado, porque sabe que a verdade desportiva depende da sua ação ou inação

A sigla acima não corresponde à original (a expressão vem do inglês «video assistant referee»), mas podia.
Atualmente muitos de nós sofrem desta coisa das urgências. A vida anda a uma velocidade tal que o nosso envolvimento tem que ser constante e imediato. É uma forma de sobrevivência numa realidade demasiado exigente, que voa a ritmo frenético.
No futebol, onde paixão e razão tantas vezes se confundem, isso é ainda mais verdade.
Quando olhamos para determinado lance e sentimos que a decisão não foi no sentido que achamos justo, ficamos revoltados e enraivecidos. E o nosso instinto animal logo apressa-se a catalogar o decisor de incompetente (versão meiga) ou desonesto (versão radical). Não sentimos que estamos a ser injustos com ele, porque só estamos a dizer a nossa verdade.
Mas além dessa incapacidade, a de avaliarmos cenários com distância e serenidade, incorremos também num erro comum: o de nunca nos colocarmos na posição de quem arbitra.
O desafio não é fácil nem obrigatório, obviamente, mas podia ajudar a entender erro e acerto numa outra perspetiva.
Peguemos no exemplo do videoárbitro, que dispõe de mais meios para avaliar com maior precisão. Porque é que acham que, às vezes, a sua recomendação não corresponde à expectável?
Eu tenho uma opinião, que muito provavelmente estará errada, mas é a minha e garanto que não é disparada levianamente.
A ver:
1. Quem está em sala está sempre pressionado, porque sabe que a verdade desportiva depende da sua ação ou inação. Essa pressão é distinta da que os seus colegas sentem em campo e faz parte de uma aprendizagem, que nem todos conseguiram assimilar do mesmo modo. É-lhes exigido que aliem celeridade a eficiência e isso, já se viu, não é para todos.
2. Há um dilema pessoal difícil de gerir para o videoárbitro, em relação ao seu colega de campo: de cada vez que o chama ao ecrã e a decisão é alterada, o juiz principal é penalizado na sua avaliação. Se a decisão se mantiver e for apurado que houve erro na intervenção, é o VAR o penalizado. Quando a obrigação de decidir bem colide com a classificação e perspetiva de carreira, algo pode perder-se pelo caminho. Não é deliberado, apenas humano.
3. Para ter sucesso no seu desempenho, o VAR deve seguir três passos distintos: identificar corretamente o lance (observar os vários ângulos, a jogada anterior, mãos e braços, consequências, reações, etc); assimilar a informação (enquadrá-la na letra e espírito da lei, na coerência em relação a lances similares, no critério do árbitro e na sensibilidade tática e emocional de jogo e jogadores); por fim, decidir. Formar opinião fundamentada nas regras, adequando-a ao rigor protocolar:
- Posso/devo intervir, face à situação técnica em apreço e ao que dispõem as leis de jogo?
Quem demitir-se desta estratégia, analisando lances de potencial intervenção como se estivesse a ver bola com amigos, enquanto bebe umas minis e come uns tremoços, está claramente na função errada.
4. É preciso sentido de responsabilidade. É preciso compromisso máximo com a missão. Arbitrar em sala pressupõe ainda mais exigência, foco, concentração e equilíbrio. Pressupõe conhecimento exímio das regras e leitura sábia sobre o jogo. Pressupõe sensibilidade, tato, feeling.
Estou convencido de que a maioria dos árbitros tem esta noção e tenta, dentro das suas competências, cumprir com rigor. Mas também penso que há uma minoria inapta para a função, seja porque ela não se adequa às suas competências pessoais e profissionais, seja porque erradamente nunca entendeu a importância transcendental do que está em jogo.
A videotecnologia existe para servir o futebol, dando-lhe mais e maior verdade desportiva. É só para isso, não para ser alternativa de carreira."

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