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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

As bravas do pelotão


"Este VI episódio de «Por águas nunca dantes navegadas», intitulado "as bravas do pelotão" é exclusivamente dedicado às atletas olímpicas portuguesas e à evolução do Movimento Olímpico no feminino.
Se olharmos retrospetivamente para os Jogos Olímpicos em 1894, importa recordar à data da sua criação pelo Barão Pierre de Coubertin, que os Jogos eram vistos como uma celebração da virilidade masculina, daí serem exclusivamente reservados aos atletas do sexo masculino. As mulheres começaram a sua participação apenas em 1900, numa primeira fase com limitações e como participantes de desportos considerados compatíveis com a sua feminilidade e fragilidade, mas foram excluídas, por exemplo, de uma das provas rainhas dos Jogos, como são as de atletismo.
Por iniciativa da francesa Alice Milliat e da Federação Internacional de Desportos Femininos (FSFI), iniciou-se uma disputa de poder com o Comité Olímpico Internacional (COI), as Olimpíadas Femininas foram organizadas de 1922 a 1934 num esforço para justificar uma pretensão que se exigia que fosse uma natural aspiração. As Olimpíadas embora lentamente, foram tornando-se mais femininas, mesmo com o desequilíbrio de género ter sido nota dominante ao longo do século XX, inclusive no próprio seio do COI, exclusivamente masculino até 1981, mantendo a maioria masculina até ao final do século. Para combater os efeitos de género, a carta olímpica tornou obrigatória a presença de mulheres em todos os desportos desde 2007. Em 2014, a Comissão Europeia defendeu a igualdade no desporto e o COI incluiu a paridade de género na agenda das Olimpíadas de 2020. A Delegação dos EUA em 2012 foi maioritariamente feminina, e pela primeira vez na história dos jogos o COI esteve perto de atingir a paridade de género nas Olimpíadas de Tóquio 2020, com uma representação quase igualitária de atletas homens e mulheres, neste ano, com 48,8% dos participantes a serem mulheres.
Desde 2007 a Carta Olímpica afirma que: "O papel do COI é encorajar e apoiar a promoção das mulheres no desporto a todos os níveis e em todas as estruturas, com vista à implementação do princípio da igualdade entre homens e mulheres" (Olimpíadas de 2015, Carta, Regra 2, parágrafo 7). A União Europeia aprovou esta orientação, e após organizar a conferência Igualdade de Género no desporto em Vilnius em 2013, a Comissão Europeia publicou em 2014 as Ações Estratégicas sobre a Igualdade de Género no desporto. Nesse mesmo ano, a 11.ª recomendação do foi adicionada à agenda olímpica de 2020, tornando a paridade de género um objetivo.
Como referido no início da crónica, este episódio de «Por águas nunca dantes navegadas» é feito em homenagem às 137 "bravas do pelotão", atletas olímpicas que são parte integrante da história do desporto e do olimpismo no feminino em Portugal, aquelas que ajudam e ajudaram a escrever as páginas mais brilhantes do desporto nacional, extensivo a todas homens e mulheres que de forma direta ou indireta contribuíram para estes êxitos, como por exemplo os seus treinadores. Não foram unicamente conquistas desportivas, foram avanços num caminho difícil da emancipação, afirmação e igualdade de direitos das mulheres, com um reflexo evidente e positivo na sociedade.
Contextualizado que está a história, e de uma forma necessariamente resumida, do início da participação feminina nos Jogos Olímpicos e a sua evolução até aos dias de hoje, importa agora falar das 137 lusas, as "bravas do pelotão" uma prosa contada em números. Elas representaram e afirmaram a presença feminina em mais de 20 edições dos Jogos Olímpicos de Verão e Jogos de Inverno, valendo a pena nomear de forma extensiva cada uma destas Olímpicas — Albertina Dias, Albertina Machado, Ana Alegria, Ana Antas de Barros, Ana Barros, Ana Cabecinha, Ana Catarina Monteiro, Ana Cristina Pereira, Ana de Sousa, Ana Dias, Ana Francisco, Ana Hormigo, Ana Moura, Ana Rente, Ana Rodrigues, Angélica André, Auriol Dongmo, Aurora Cunha, Bárbara Timo, Beatriz Gomes, Camille Dias, Carla Ribeiro, Carla Sacramento, Carla Salomé Rocha, Carmo Tavares, Carolina João, Catarina Costa, Catarina Fagundes, Cátia Azevedo, Clara Piçarra, Clarisse Cruz, Conceição Ferreira, Dália Cunha, Daniela Cardoso, Daniela Inácio, Débora Nogueira, Diana Durães, Diana Gomes, Diana Neves, Diana Teixeira, Dulce Félix, Eduarda Coelho, Elsa Amaral, Esbela da Fonseca, Evelise da Veiga, Fernanda Marques, Fernanda Ribeiro, Filipa Cavalleri, Filipa Martins, Florence Fernandes, Francisca Laia, Fu Yu, Helena Cunha, Helena Maria Mendes Sampaio, Helena Rodrigues, Inês Henriques, Inês Monteiro, Irina Rodrigues, Isabel Joglar (Chitas), Isilda Gonçalves, Jéssica Augusto, Jieni Shao, Joana Arantes, Joana Castelão, Joana Figueiredo, Joana Pratas, Joana Ramos, Joana Soutinho, Joana Vasconcelos, Lei Mendes, Liliana Cá, Lorene Bazolo, Luciana Diniz, Lucrécia Jardim, Mafalda Queiroz Pereira, Manuela Machado, Margarida Carmo, Maria Avelina Alvarez, Maria Caetano, Maria Carlos Santos, Maria João Falcão, Maria José Nápoles, Maria José Schuller, Maria Laura Silva Amorim, Maria Leonor Tavares, Maria Martins, Mariana Lobato, Maribel Gonçalves, Marisa Barros, Marta Moreira, Marta Onofre, Marta Pen, Melanie dos Santos, Naíde Gomes, Natália Cunha e Silva, Nédia Semedo, Patrícia Jorge, Patrícia Mamona, Patrícia Sampaio, Paula Saldanha, Petra Chaves, Raquel Felgueiras, Raquel Queirós, Regina Veloso, Rita Borralho, Rita Gonçalves, Rochele Nunes, Rosa Mota, Salomé Afonso, Sandra Godinho, Sandra Neves, Sandra Tavares, Sara Antunes, Sara Carmo, Sara Moreira, Sara Oliveira, Sara Ribeiro, Sílvia Cruz, Sónia Moura, Susana Costa, Susana Feitor, Tamila Holub, Telma Monteiro, Telma Santos, Teresa Bonvalot, Teresa Gaspar, Teresa Machado, Teresa Portela, Vanessa Fernandes, Vânia Neves, Vânia Silva, Vera Barbosa, Vera Santos, Victoria Kaminskaya, Yahima Ramirez, Yolanda Sequeira e Zoi Lima.
Desde 1952 até aos recentes jogos de Tóquio, são mais de 20 edições começando com a devida homenagem a 4 destas Bravas que já não se encontram entre nós, falo necessariamente da primeira participação portuguesa feminina nos Jogos de Helsínquia 1952 com 3 ginastas, e das irmãs, Dália da Cunha-Sammer e a sua irmã mais velha Natália Cunha e Silva que foram e muito bem consideradas pioneiras na ginástica feminina portuguesa. De Teresa Machado a melhor lançadora de disco portuguesa da sua época, com participação em quatro Jogos Olímpicos (1992, 1996, 2000, 2004), ficando em 10.º lugar no lançamento do disco, em Sydney 2000 e 11.º em Atenas 2004. E da Cristina Pereira, referência nacional no voleibol e atleta de Voleibol de Praia, formando dupla com Maria José Schuller, ao lado de quem conquistou seis títulos de campeã nacional (entre 1994 e 2000) e o 9.º lugar nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000.
De novo voltando aos números que relatam a História feminina da participação portuguesa, são 233 participações olímpicas, modalidades desde o Atletismo, Natação, Ginástica, Judo, representando estas 4 modalidades quase 80% das participantes, com o Atletismo à cabeça (49), seguida da Natação (21) a Ginástica (13) e o Judo (12) depois a Vela, Canoagem, Tiro, Ténis de Mesa, Esgrima, Equestre, Badmínton,Triatlo, Surf, esta com a curiosidade de ser 100% no feminino, Tiro com Arco, Remo, Voleibol de Praia, Ciclismo-MTB.
Em Los Angeles 84, em 39 atletas presentes, já tivemos uma representação condigna de 9 atletas femininas, o que significava uma percentagem de 24%, até então o máximo de participação no feminino, estava em 5 atletas em Roma 1960. Os Jogos de Los Angeles tiveram uma curiosidade com a participação de Jane Figueiredo na natação feminina na especialidade de saltos para a água, e acima de tudo um momento especial e único, com a nossa Rosa Mota a menina da Foz, a estrear-se nas medalhas com o Bronze na maratona, prova que fazia a estreia nestes Jogos Olímpicos, aliás o caminho até à glória para conquistar uma medalha olímpica seria uma enorme maratona de 32 anos. Em Seul 88 novamente no feminino e mais uma vez com a Rosa Mota, tivemos a primeira medalha de ouro no feminino, o ponto de viragem da participação feminina em Jogos Olímpicos deu-se em 1992 Barcelona, com 22 atletas, e nos Jogos seguintes em Atlanta 96 com a maior delegação de sempre até aos dias de hoje, 107 atletas no total, estivemos com 24 atletas femininas e com mais uma brilhante medalha de ouro da fantástica Fernanda Ribeiro, com a curiosidade de levar a bandeira nacional na cerimónia de abertura, prenuncio da medalha e do recorde olímpico na distância de 10.000 metros. Mas foi em Tóquio que batemos o recorde de participação feminina com 36 atletas, sublinhado pela brilhante medalha de prata da Patrícia Mamona no triplo Salto.
No que toca às medalhas são 7 as conquistadas, 5 no atletismo, uma no Triatlo e outra no Judo. As 2 medalhas de Ouro pertencem a atletas de renome mundial, a Rosa Mota na Maratona em Seul a Fernanda Ribeiro nos 10.000 metros em Atlanta, que também conquistaram o bronze respetivamente em Los Angeles 84 e Sydney 2000. As 2 medalhas de Prata são da surpreendente Vanessa Fernandes no Triatlo em Pequim 2008, e da Patrícia Mamona em Tóquio 2020 com um brilhante triplo salto, e finalmente uma fabulosa medalha de Bronze da Telma Monteiro no Judo Rio 2016,modalidade que já vinha a somar conquistas internacionais, sendo que, quer a Vanessa, quer a Telma quebraram o paradigma da relevância do atletismo nacional nos palcos internacionais, ao ganharem medalhas nas suas modalidades.
São 59 as atletas que repetiram edições dos jogos, no topo da lista com 5 participações, temos a Susana Feitor a menina da marcha, a Fernanda Ribeiro a atleta mais titulada do atletismo nacional, e a Telma Monteiro, que deu uma visibilidade contada em tantas vitórias internacionais ao Judo, mas temos mais, com 4 participações Olímpicas a Ana Cabecinha, Ana Dias, Conceição Ferreira a malograda Teresa Machado, Sara Moreira, Teresa Portela, Carla Sacramento, e com 3 participações a Jéssica Augusto, Filipa Cavalleri, Aurora Cunha, Albertina Dias, Luciana Diniz-Knippling, Esbela da Fonseca, Inês Henriques, Tamila Holub, Albertina Machado, Manuela Machado, Patrícia Mamona, Joana Pratas, Joana Ramos, Ana Rente e Vânia Silva, e são ainda mais 25 atletas com 2 participações, com a Rosa Mota em destaque, já que nas suas duas participações conquistou 2 medalhas, uma de Bronze em Los Angeles e uma de Ouro em Seul, ambas na Maratona.
Para um desporto no feminino não falado só em medalhas, temos resultados dignos de registo, são 45 resultados entre o 4.º lugar e o 11.º lugar em 9 modalidades (diploma olímpico até ao 8º lugar) destacamos o 4º lugar de Auriol Dogmo e os 5º? lugares de Liliana Cá no Atletismo, Teresa Gaspar no Judo (demonstração), Catarina Costa no Judo e Yolanda Hopkins no Surf, temos ainda posições relevantes como os sextos lugares de Aurora Cunha uma atleta de renome nacional internacional e uma "marca" do norte, Carla Sacramento, Jéssica Augusto, Ana Cabecinha e Patrícia Mamona todas no Atletismo, uma referência especial até pela disciplina em causa e por ser uma estafeta, o 8.º lugar no Atletismo em 4×400 em Barcelona 92, com a Marta Moreira a Lucrécia Jardim, a Elsa Amaral e a Eduarda Coelho e ainda de destacar a Joana Vasconcelos e a Beatriz Gomes na Canoagem com um sexto lugar.
Tivemos ainda até ao 10.º lugar, no 7º Lugar a Manuela Machado do atletismo por duas vezes, a Teresa Portela da canoagem a Filipa Martins na Ginástica, a estrear o célebre movimento em Português o "Martins", a Paula Saldanha no Judo, quase apurada para as medalhas, e mais 3 diplomas no 8.º lugar com a Ana Cabecinha Marcha, Teresa Portela Canoagem, Vanessa Fernandes Triatlo, ainda em posições de relevo temos os nonos lugares de Albertina Machado Atletismo, Vera Santos Marcha, Susana Costa Triplo Salto, Maria José Schuller / Cristina Pereira Voleibol Praia, Filipa Cavalleri Judo,Telma Monteiro Judo, Joana Ramos Judo, Bárbara Timo Judo, Patrícia Sampaio Judo, Rochele Nunes Judo, Teresa Bonvalot Surf, e em 10.º lugar, Albertina Dias Atletismo, Teresa Machado Atletismo, Carla Sacramento Atletismo, Clarisse Cruz Atletismo, Teresa Portela Canoagem.
Por quatro vezes a honra de transportar a bandeira na inauguração dos jogos, foi concedida no feminino, começando na cerimónia de abertura em 1980 com Esbela da Fonseca, seguindo em 1992, pela Judoca Filipa Cavalleri, em 1996 a Fernanda Ribeiro foi quem liderou a marcha olímpica, e em 2012 e 2020, a distinção coube á Judoca Telma Monteiro. A nossa primeira participação nos Jogos Olímpicos de Inverno coube a Mafalda Queirós Pereira em Nagano 98 no Japão em Esqui acrobático, depois desta estreia tivemos mais 2 atletas, a Camille Dias nos Jogos Olímpicos de Sochi 2014 em Esqui Alpino e Vanina Guerillot em Pequim a competir nas provas do slalom e slalom gigante em Beijing 2022.
Destas atletas de alto rendimento verdadeiras Bravas do Pelotão, cerca de 30% estão ainda em atividade, continuando o pós-carreira a ser um problema transversal e atual extensivo a todas as modalidades, no panorama desportivo nacional, e ainda por resolver. As profissões vão desde a área da saúde onde temos 13 profissionais de saúde, e referenciando apenas alguns exemplos, como médicas o caso da Petra Chaves, arquitetas a Débora Nogueira, Bancárias a Sandra Sarmento, enfermeiras a Cátia Azevedo, fisioterapeutas a Naide Gomes, algumas empresárias Diana Gomes, treinadoras a Ana Hormigo, muitas a trabalharem em autarquias como a Albertina Machado, institutos públicos a Ana Sousa, Professoras Universitárias a Eduarda Coelho, licenciadas em Educação Fisica e desporto a Paula Saldanha, Engenheiras a Rita Gonçalves, enfim uma grande heterogeneidade de profissões e actividades, mas sempre tendo como premissa um problema de fundo para resolver e que ainda subsiste, a integração no mundo do trabalho, após uma parte substancial de uma vida dedicada ao desporto. Sabemos ainda por cima que cada vez mais uma atleta de alto rendimento fruto de uma carreira exigente e a terminar cada vez mais tarde, tem dificuldade no acesso ao mercado de trabalho, e quando tal acontece, sem as soft skills necessárias para uma integração num mundo e realidade nova, o que torna necessário por da parte das entidades competentes que regulam estas matérias e de todos os intervenientes no desporto e nas causas dos atletas, uma abordagem mais estruturante a este tema.
Assim, neste contexto de dificuldade e superação as Bravas do pelotão inspiraram e inspiram também uma nação com evidente influência na forma como os simpatizantes fãs do desporto e a sociedade civil, passaram a perceber e aceitar estes sinais de mudança no feminino.
Este não foi, e contínua a não ser um caminho fácil para as mulheres, ainda com muitos obstáculos e preconceitos para derrubar, mesmo assim comparando as diferentes épocas, os avanços efetuados representam uma evolução significativa da sociedade, no reconhecimento de direitos das mulheres olímpicas.
Em Portugal, como noutros Países do mundo, o desporto e por maioria de razão o desporto no feminino, deve ser encarado não como um fim em si, mas como um meio poderoso de criar uma sociedade mais justa, mais inclusiva, mais solidária, mais educada e com mais cultura desportiva, razão pela qual acabo esta crónica a dar os parabéns e a prestar a nossa homenagem às "Bravas do Pelotão" aproveitando ainda para reforçar também a máxima responsabilidade de cada uma destas mulheres, como exemplo que são dos valores olímpicos do respeito excelência e amizade!
Os desportistas, atletas de alto rendimento, lutam contra vários estigmas, que serão abordados no próximo episódio de «Por águas nunca dantes navegadas»."

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