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domingo, 30 de outubro de 2022

Numa jornada, somos amados. Noutra, odiados. O mundo da bola vive ao pontapé do ‘bota-abaixo’


"Desde que iniciei funções enquanto comentador de arbitragem, tenho sido confrontado com algumas tentativas de beliscar a seriedade que tento colocar no meu trabalho. Não vejam esta constatação como um lamento ou vitimização. Não é.
Queria apenas dar-vos nota que andar no mundo da bola, lá dentro ou cá fora, é um desafio constante, um teste duríssimo. Isso não é necessariamente problemático. É como é e há que seguir em frente, conhecendo o contexto, as pessoas e as suas circunstâncias.
Há muita gente que sabe perfeitamente do que falo: jogadores, treinadores, dirigentes, jornalistas e comentadores sentem ou já sentiram na pele os danos colaterais da sua exposição nesta indústria.
Parece haver nas pessoas (não em todas) uma relação de amor/ódio com quem dá a cara neste universo. Uma relação que, no caso do comentário desportivo, depende essencialmente de uma só variável: se a sua opinião legitimar a delas, ótimo; se contrariar, é o fim do mundo.
Numa jornada, somos amados. Noutra, odiados.
Quando essa aparente bipolaridade parte do adepto mais sensível, que não consegue controlar a sua paixão, mal o menos. Regra geral trata-se apenas de gente que vive tudo isto com demasiada intensidade e que tem muito tempo livre. O ‘bota-abaixo’ é apenas uma forma de esquecerem os desafios de uma vida que nem sempre é fácil.
Mas quando se percebe que há movimentos coordenados a outro nível, que há uma espécie de exército digital manobrado para defender ou atacar comentadores em função da opinião que emitem, confesso que fico francamente desiludido.
Não faltam exemplos de pessoas com responsabilidade no futebol (não me peçam nomes, porque todos sabemos quem são) que, numa semana, usam determinada análise para reforçar a defesa dos seus argumentos e na outra citam-na para atacar o mensageiro e tentar descredibilizá-lo pessoal e profissionalmente.
Fazem-no com um à vontade inacreditável, pouco se importando que toda a gente percebeu a cambalhota que deram no espaço de poucos dias. Gabo-lhes a falta de vergonha, mas não tenho respeito nenhum por gente assim. Mas há outras formas criativas para tentar afetar a integridade e a legitimidade de quem dá a cara na área do comentário.
Uma delas é associá-los a simpatizantes de clubes rivais, no sentido de danificar a independência e idoneidade de uma só assentada. É velhinha, mas não passa de moda. Outra é colá-los a alegadas incoerências na opinião, manipulando imagens, vídeos ou textos de forma cirúrgica. Também já tem barbas brancas, mas é um sucesso online.
A estas juntou-se outra mais engraçada, que é aquela que sugere que alguns comentadores organizam-se secretamente para emitir opiniões coordenadas, beneficiando claramente uns e prejudicando deliberadamente outros. É como tudo o que dizem resultasse de algo concertado. De uma cabala à medida de um objetivo perverso.
Não vou mais longe: há não muito tempo perguntaram-me se eu costumava falar e trocar opiniões com outros comentadores de arbitragem. Tive que me rir, porque nunca pensei que o tom da pergunta encerrasse um caso de polícia.
A resposta é clara e muito transparente: sim. Falo frequentemente com outros colegas de ofício, como sempre falei e continuarei a falar!
Mas já agora, que fique claro... não falo apenas com eles.
Falo com outros ex-árbitros (que, por exemplo, exercem funções enquanto dirigentes, observadores, técnicos), falo com jogadores no ativo e reformados, com treinadores de futebol profissional e amador, com pessoas ligadas a clubes, com árbitros no ativo, com malta das associações distritais, com jornalistas, comentadores, adeptos...
Falo com todas as pessoas que conheço ou que me pedem opinião profissional. Desde que venha por bem, tem sempre a minha consideração. O meu trabalho é de inclusão. Só fica de fora quem me trata mal.
Portanto, para que não restem dúvidas: falo, ligo, atendo chamadas e troco mensagens com quem eu quiser, porque da minha vida e do meu trabalho sei eu. Mais ninguém. Quando a paranoia toma conta das pessoas, elas tendem a ver os outros à sua imagem. É normal.
Mas seria útil que percebessem que nem todos se regem pelos mesmos valores. Nem todos têm telhados de vidro. Há quem tenha capacidade de se relacionar, de ter gostos pessoais ou preferências clubísticas, sem permitir que isso afete a independência do seu trabalho. Sem permitir que isso belisque a sua honestidade.
É quase descabido ter que o reafirmar desta forma nos dias que correm, mas estes são ainda piores que outros. Há momentos que a mensagem só passa assim: letra a letra, com todas as palavras, na primeira pessoa.
Dúvidas? Sabem onde me encontrar."

4 comentários:

  1. Isso devia ser só um dos fundamentos mais profundos. O respeito pelo outro. Como dizes, se vier por bem...

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  2. DG, vai-te lavar lobo vestido de cordeiro!

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  3. Um lagartodependente que come da malga MDCSQT!
    Desinfeta!

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