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terça-feira, 12 de maio de 2020

A morte antecipada da centralização dos direitos de TV

"A centralização dos direitos de televisão seria a solução adequada e salvadora para tornar o futebol português mais equilibrado e competitivo? Na competição interna, talvez. Na performance internacional dos principais players, muito pelo contrário.
É verdade que as receitas dos clubes mais pequenos tenderiam a sair reforçadas. Mas, em sentido contrário, ninguém consegue garantir que os ganhos dos clubes grandes que os ganhos dos clubes grandes - pelo menos do Benfica -viriam a aumentar. Nem sequer a manter-se.
O nosso mercado é limitado e assenta em três players principais que facturam perto de 80% do negócio. Se cada um dos grandes repartisse parte dessa riqueza própria, que resulta da sua dimensão social e económica, ou no coração e razão de sócios, accionistas, clientes e adeptos, perderia robustez financeira e dimensão comparativa internacional.
Os clubes grandes têm três fortes principais de receita: prémios da UEFA, direitos de TV e transacções de passes de atletas. Se não tiverem uma conjugação regular e positiva dessas fontes, perdem fulgor externo. Veja-se o caso do Sporting.
Por isso, o número de presenças do clubes portugueses na Champions, em cada ano, é crucial. Benfica e FC Porto conseguiram destacar-se dos restantes competidores, porque a sua dimensão e a capacidade competitiva internas lhes permitiram conquistar essas presenças regulares.
Se os participantes habituais na Champions (por vezes, único) dessem lugar a uma rotação resultante do upgrade interno da competição, a partilha rotativa dos prémios da Champions teria um impacto negativo na expressão externa das nossas maiores equipas.
O reforço da competição a nível interno seria sempre bem recebido - não há nenhuma contradição - desde que a valorização de uns não fosse feita à custa da desvalorização de outros.
É verdade que Portugal tem conseguido razoáveis presenças europeias ao nível de clubes, porque os prémios da UEFA, como factor diferenciador, tem sido conquistados pelos vencedores do costume, Benfica e FC Porto.
A questão central é que o nosso futebol teria uma enorme dificuldade para gerir, em simultâneo, uma mínima presença na Champions e uma elevada taxa de rotatividade dos campeões.
Por isso, a fragilização a nível europeu dos clubes portugueses mais competitivos em favor de um maior equilíbrio a nível nacional seria um erro difícil de emendar.
E sem uma certeza - contratualizada e quantificada - de um reforço das receitas via centralização, o Benfica nunca poderia deixar castrar o seu potencial e abdicar da sua legítima ambição europeia. Os sócios do clube e os accionistas da SAD nunca o aceitariam.
Em nenhuma circunstância os players dominadores de mercado têm obrigação de partilhar riqueza própria para reforçar e equilibrar quer concorrentes, quer a competição em que participam. Por isso, nunca poderiam renunciar e perder capacidade de competir internacionalmente.
Quanto mais o Benfica se envolvesse nas dinâmicas e na procura de equilíbrios na competição interna, partilhando recursos que são seus, mais se desvalorizaria e perderia capacidades na frente externa. Ou seja, o Benfica nunca poderia permitir que o reforço de competitividade interna fosse feito à sua custa.

Poderá dizer-se também que a centralização dos direitos de TV permitiria que o produto 'Liga Portuguesa' fosse vendido em pacote, com marca própria. É uma falácia!
Nem nos mercados de língua portuguesa a nossa liga tem potencial como marca-umbrella. Tal como não têm expressão comercial as ligas neerlandesa, belga, polaca ou grega. Não conseguem vender para lá de Ajax, PSV, Anderlecht ou Olympiakos. As pequenas ligas conseguem vender apenas os seus maiores clubes. As ligas inglesa, espanhola ou italiana geram equívocos quando servem de exemplo.

Sejamos realistas, no mercado internacional do futebol vende-se muito melhor isoladamente a marca Benfica, talvez o FC Porto, e cada vez menos o Sporting, do que uma marca nacional agregadora. Os defensores da centralização sabem-no muito bem.
Se a Liga Portuguesa construísse uma marca central única e tentasse comercializá-la nos mercados externos, o seu valor económico e a comunicação comercial estariam sempre assentes no Benfica, um pouco no FC Porto e talvez no Sporting. O Benfica nunca poderia participar nesse projecto 'benfiquitizado', pintado de bordeuax e verde.
É exactamente pelo facto de dois clubes, ou no máximo três, captarem historicamente as presenças na Champions que o futebol português consegue alguma notoriedade internacional ao nível de clubes.
As notícias sobre a morte do desejo de centralização dos direitos de TV não são nada exageradas.
Não minimizemos também que desde 2016 existe um acordo entre operadores de telecomunicações que obriga à partilha dos conteúdos desportivos , e dos respectivos custos, em função do número de subscritores.
Assim, nunca mais existirá concorrência. E, por isso, em futuras renovações de direitos de TV, os preços tenderão a baixar. O produto virou uma commodity.
A Liga nunca conseguiu desmontar esse acordo. Nem a FPF, nem a AdC, nem sequer o Governo. Assim, ninguém pode garantir que a receita global vai crescer. A única coisa que se pode garantir - isso, sim - é que o bolo será muito menor. E aí os grandes serão os principais prejudicados.
Ponto final na ambição de centralização dos direitos de TV. Cada um veste as suas calças."

Horácio Periquito, in O Benfica

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