"Norbert Elias (1897-1990) não participa no processo de sacralização do desporto moderno, mas retém a dimensão histórica, situando a sua génese no quadro da Inglaterra do século XVIII. Para este sociólogo alemão, a emergência do desporto supõe a pacificação do espaço social, assegurado pelo Estado, cujo critério distintivo é o exercício do monopólio da legítima violência física. Os confrontos privados, que colocam em perigo a integridade física e a vida dos indivíduos, são proibidos e sancionados. A emergência de uma configuração sociopolítica que condena o uso de todas as formas de violência nos confrontos corporais criou, assim, as condições favoráveis para a génese do desporto. A invenção da democracia parlamentar em Inglaterra apresenta, na perspectiva deste sociólogo, um princípio de correlação e de explicação para o surgimento e regulação das práticas desportivas. Dotado de uma função de irradicação da violência, o desporto ocupa uma posição central no processo de civilização, preso numa dupla perspectiva – objectiva e subjectiva – do processo de pacificação e transformação dos indivíduos. A violência, esta figura absoluta do mal, a guerra de todos contra todos, que se opõe à pacificação pela razão, pelo autocontrolo e pela universalização do direito. Os constrangimentos impostos pelas pulsões dos indivíduos são progressivamente incorporados sob a forma de um constante e rigoroso autocontrolo. Elias apoia-se nesta teoria para refutar a continuidade entre o desporto e os Jogos antigos. As traduções tardias da teoria do “processo de civilização” de Norbert Elias impôs-se como uma doxa (opinião) incontornável. O desporto faz reviver, de forma simbólica, as práticas do passado sem as apagar; ele actualiza uma espécie de “remorsos das brutalidades primitivas” e preserva o prazer do confronto real. A função do desporto é a de libertar as emoções e permitir de que elas se exprimam sob a forma de excitação controlada e moderada."
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