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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O perigoso vírus do futebol português

"Este desporto é apaixonante e emotivo, talvez um pouco irracional. Mas há claramente por aí um vírus no ar que afecta especificamente o discernimento de (alguns) adeptos portugueses.
Com a saúde não se brinca, isso já sabemos, e por isso deixo este alerta à Direcção Geral de Saúde: atenção que anda por aí um perigoso vírus, longe de ser tão letal ou preocupante como o 2019-n(CoV) - vulgo coronavírus - mas que eventualmente pode merecer a vossa atenção num futuro próximo.
Afecta adeptos de futebol fanáticos, e os sintomas são mais ou menos claros. Alheamento da realidade, muita irritabilidade, alucinações, alguns delírios e atribuição de importância absolutamente desmedida ao fenómeno futebolístico. Os sintomas são particularmente evidentes nas caixas de comentários de várias publicações, e o vírus deve ser altamente contagioso, porque os novos casos sucedem-se a um ritmo alarmante.
Agora um pouco mais a sério: é desesperante verificar o ponto a que isto chegou. Há uns dias, o músico António Zambujo escreveu um curto (mas bonito) artigo no Público sobre o FC Porto - SL Benfica. Um texto, diria eu, inatacável, com recordações de infância, o confesso gosto pelo clube da Luz, mas elogios também ao percurso do clube portuense. Mas nem o talentoso Zambujo escapa às farpas dos fanáticos. «Já sei porque te odeio!», dizia um, a confundir o seu gosto musical com as opções clubísticas de um excepcional músico. E mais um rol de insultos que nem vale a pena referir. 
Já agora, outro exemplo do mesmo tipo. Quando foi anunciado o concerto dos Blind Zero na magnífica Festa do Avante!, choveram críticas nas tais caixas de comentários. Pessoas apreciadoras de outro estilo de música? Não! Adeptos de futebol que não concordam com as opiniões públicas do portista e carismático vocalista Miguel Guedes… «Oportunidade de apertar o papo ao palhaço do Guedes», dizia um.
Chegamos, portanto, a isto: todo e qualquer assunto passa pelos óculos vermelhos/verdes/azuis/amarelos/pretos aos quadradinhos dos adeptos portugueses.
Comportamento: insultar e vilipendiar qualquer rival, defender acriticamente qualquer assunto relativo ao próprio clube (há excepções, claro).
O fenómeno repete-se. Famalicão perde 0-7 com o Vitória? «Deviam descer, estão a dar tudo para ganhar ao Benfica na Taça!», berram uns. «Incrível, já estão a preparar terreno para entregarem o jogo ao Benfica!», gritam outros. É isto em loop. Treinador contratado para o clube X? «Já vai para lá abrir as pernas ao [inserir clube]!». «Este só vai para lá porque quando estava no [inserir clube] roubou pontos ao meu [inserir clube], é uma vergonha!». Guarda-redes faz uma boa defesa. «Contra o [inserir clube] mandou um frango, estava comprado!». Ou a alternativa: “Fez esta boa defesa porque estava comprado pelo [inserir clube] para defender bem!».
E assim sucessivamente.
É tóxico. E é toda uma realidade paralela e delirante que não tem fim. A polémica faz parte do futebol, a discussão sobre essas polémicas também. Mas há limites para o fanatismo, para a falta de capacidade crítica e para o insulto fácil. Estou certo que muitos dos que escrevem por essa internet fora, se parassem uns minutos para pensar a sério quando batem furiosamente no teclado, seguramente pensariam: «oh diabo, isto que eu estou a escrever não tem sentido nenhum». Quero acreditar nisto.
E portanto, perante este cenário, retomo o tom de brincadeira, e pergunto à DGS e às autoridades competentes: será que haverá cura para o vírus do fanatismo desmedido? Se não houver, dá para manter estes «doentes» em quarentena ou isolamento? Apenas para a coisa não se espalhar ainda mais.

PS - não se sabe bem quem disse, mas: o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes. Sugiro que pensem nisso."

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