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domingo, 14 de julho de 2024

A vitória do futebol honesto


"As meias finais foram apaixonantes. Jogos que celebraram o espectador, que souberam elevar o talento acima da ditadura do sistema. Pena que Portugal tivesse ficado do lado errado do futebol

Sim, este Europeu de futebol consagrou a vitória do futebol honesto, desse futebol que é mais feito de jogo puro, que celebra e estima o espectador, que reconhece e eleva o talento, mesmo quando este desperta da dimensão coletiva da equipa. Não se trata, assinale-se, de um futebol honesto no sentido de estar em oposição a um futebol viciado e batoteiro, mas de um futebol que renega a ditadura de um sistema acima de todas as coisas, que abdica da ideia desconsoladora de que não sofrer golos deve ser a prioridade na garantia do sucesso e que os grandes torneios se ganham não pela maneira como se joga, mas pela maneira como não se deixa o adversário jogar.
Há, de facto, equipas que jogam para não deixar jogar e que recorrem a estratégias de sobrevivência que tornam o futebol entediante. E há equipas que, mesmo sendo virtuosas, têm como primeiro objetivo matar as virtudes alheias. O futebol resiste a tudo isto e até permite pensar que é nessa diversidade que ele supera todas as outras modalidades coletivas. No entanto, importa reconhecer que é no outro futebol, no futebol jogado no campo todo, palmo a palmo disputado como se de cada centímetro com bola dependesse a vida, no futebol alegre e vibrante, sem tempos mortos, sem jogadores estatelados no chão por mera estratégia de antijogo, sem árbitros ameaçados na sua função, que o futebol ganha a atenção do mundo e regenera os seus fãs.
Neste Europeu, para sorte do futebol e para sorte de quem dele gosta, há uma vitória clara e nítida do que chamamos futebol honesto. Deixemos, por um momento, a questão nacional e pensemos nos jogos das meias finais, onde, infelizmente, Portugal já não esteve. O Espanha-França e os Países Baixos – Inglaterra foram jogos apaixonantes, que levaram os adeptos ao delírio. Daí que final de amanhã, entre a Espanha e a Inglaterra, seja tão apetecida.
Pena que temos de Portugal não ter estado, neste Europeu, do lado certo do futebol. Uma Seleção de belíssimos talentos que se perdeu, algures no tempo, deixando para trás os seus valores mais preciosos. Uma equipa que trata a bola com pés de veludo, sábia e criativa, capaz de deslumbrar, mas que não acreditou no seu poder de magia e quis apenas ser uma equipa competente e resultadista. Ideia fixa no sistema, preso a um futebol de régua e esquadro, a um futebol de Excel, que se sentia perturbado pelos rasgos de Rafael Leão, pelas incursões subversivas de Cancelo ou de Nuno Mendes, pela ousadia reprimida de Bernardo e apenas se encaixava na triste nostalgia de Cristiano.
Tudo acabou num remate estatelado no poste e depois disso nada de exaltante ficou na memória. E esse simples facto, numa seleção que tem os valores individuais que tem, é profundamente lamentável. Porque poderíamos ter sido, de novo, campeões europeus? Não. Porque poderíamos ter sido uma seleção lembrada pela afirmação da sua qualidade e acabámos por ser uma seleção da qual já ninguém verdadeiramente se lembra.
Será que, ao menos, aprendemos alguma coisa para o futuro? Será que Roberto Martinez, um senhor na vida e na relação com os portugueses, admitirá que errou e que existem valores competitivos que não se protegem apenas com a gratidão aos velhos heróis que já não traçam armas? Oxalá que sim.
Antes de o sabermos, fiquemos ansiosamente à espera do grande jogo de amanhã. Eu diria, talvez a Espanha se confirme e leve a Taça para aqui ao lado, fica perto e fica bem. Ou talvez não. Talvez esta Inglaterra que tão mal começou, sem brilho e sem aparente ambição, tenha crescido tanto que ainda tenha condições de tornar a surpresa maior. As incertezas do futebol continuam a ser o seu maior sortilégio."

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