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domingo, 26 de fevereiro de 2023

Por águas nunca dantes navegadas - Episódio VII "O Estigma do Desportista"


"Recorrendo á etimologia da palavra Estigma, percebe-se que ao longo do tempo ela foi adquirindo distintos significados. Inicialmente, ainda na Grécia Antiga, era utilizada para sinalizar as marcas corporais de escravos e criminosos. Na Idade Média, a palavra passou a designar as marcas da graça divina ou sinais físicos causados por doenças. Actualmente, a palavra estigma possui diferentes significados, mas especialmente, no que se refere aos seus aspectos sociais. Para a sociologia o conceito de estigma social está relacionado com a categorização de um grupo por outro, conferindo-lhe um grau inferior de status social. Atribuir um estigma está relacionado com as pré noções, os preconceitos, os esterótipos e o medo do desconhecido que fazemos sobre os outros. O estigma , preconceiro, julgamento, existe a todos os níveis da sociedade e estará muitas vezes ligado a questões de género, sexo, raça, mas também ao mesmo tempo que todos lutamos para resolver estes problemas que afectam pessoas de todo o mundo, temos que também resolver um problema que existe na sociedade nomeadamente a percepção da mesma em relação aos desportistas em geral e aos atletas de elite em especial, que eu chamaria, o estigma do desportista. Este estigma existe não é falado, porque também os que sofrem do mesmo, os atletas não têm voz, ou por inacçao, porque acham que individualmente não vão mudar nada, mas principalmente porque vivem inseridos num sistema corporativo de que não fazem parte. Mesmo actuando na sua zona natural de conforto, muitas vezes existe como que um apagão um sistema que impõe essa falta de consciência de grupo, mais uma vez e outra vez, e vezes sem conta que ouvimos, " os atletas têm é que treinar e competir", um preconceito silencioso que não se manifesta de forma audível, mas que está presente nas avaliações, nos olhares, e que é aceite sem contestação pela maioria. O conceito de que o desportista só sabe fazer desporto, que usam os músculos e não o cérebro, que não tem capacidade nem desempenho para lidar com um outra realidade que não seja o desporto, tem que acabar.
Se já é assim enquanto atletas de alto rendimento este processo mantém-se ao longo da sua vida activa, em muitos casos, os atletas retirados enfrentam estigmas e dificuldades para se integrarem no mundo de trabalho, e isso pode acontecer por várias razões, incluindo:
1. Percepção de que o atleta é "apenas um atleta": Muitas vezes, os empregadores podem ter uma visão estereotipada dos atletas, vendo-os apenas como pessoas com habilidades físicas, mas sem outras habilidades ou caracteristicas a valorizar.
2. Falta de experiência de trabalho: Alguns atletas podem ter dedicado grande parte da sua vida ao desporto chegando tarde ao mercado de trabalho sem as necessárias soft Skills e, portanto, não têm muita experiência fora do mundo desportivo.
3. Dificuldades de transição: A transição do ambiente altamente estruturado e disciplinado do desporto para o ambiente com outras regras e códigos de conduta, que pode tornar-se desafiador paea os mesmos.
4. Barreiras linguísticas: Para atletas que competiram em países estrangeiros, pode haver barreiras linguísticas e culturais que dificultam a sua integração no mercado de trabalho local. Para superar esses desafios, é importante que os atletas comecem a planear com antecedência a sua transição para a vida pós-carreira enquanto ainda estão a competir. Como por exemplo incluir e obter experiência de trabalho e do mercado laboral, mesmo que seja em part time , ou voluntariado durante os intervalos entre as competições, procurando outras valências, educação adicional ou qualificações profissionais relevantes, começando a construir uma rede de contatos fora do seu mundo natural. Os atletas também podem beneficiar da orientação de organizações especializadas na transição para a vida do pós-carreira. Além disso, é importante que os empregadores valorizem as caracteristicas e experiências únicas que os atletas podem trazer para o mundo do trabalho, oferecendo oportunidades para a sua integração e desenvolvimento profissional.
A AAOP tem vindo a trabalhar e a tentar minimizar este problema muito relacionado com o estigma do desportista, durante e depois da sua vida de alto rendimento, faz parte da mossa missão e vocação para os atletas, pelos atletas para a sociedade. Mas também está focada na fase do pós carreira, alertando as entidades públicas para esta realidade, estabelecendo também uma série de contactos que já deram muito recentemente resultados palpáveis, nomeadamente a assinatura de um primeiro protocolo inovador com uma corporação multinacional, a Intelcia , no sentido de promover as caracteristicas dos atletas de alto rendimento para as empresas e dar-lhes formação necessária nas soft skils em ambiente de trabalho e futura empregabilidade.
Existem outra vias de empregabilidade sendo a mais natural o dirigismo desportivo, que apesar de ser um ambiente muito corporativo com desafios únicos para os atletas que fazem a transição para cargos de liderança. Temos que contar também que o dirigismo desportivo está envolvido num ambiente politizado, onde as decisões são por vezes tomadas com base em considerações políticas ou pessoais, em vez de critérios puramente desportivos. Os atletas que se tornam dirigentes desportivos estando cientes destas dinâmicas, ao serem capazes de navegar por elas de forma eficaz, podem alcançar e melhorar os objetivos e manter viva a integridade do desporto, e ser um motor para novas apostas, novos processos novas mentalidades, e provávelmente resultados diferentes.
Os atletas que se tornam dirigentes desportivos têm a oportunidade de usar a sua experiência no desporto para liderar e desenvolver organizações desportivas, mas também enfrentam muitos desafios ao longo deste caminho. Não estamos a dizer que 100% dos atletas podem seguir esta via, por um lado porque têm outras valências e qualificações fora do desporto, ou porque simplesmente pode não ser essa a sua vocação, mas considerando aqueles que fazem esta aposta e dentro de um ambiente de meritocracia e de avaliação contínua , que os atletas entendem muito particularmente e apreciam como ninguêm, pode fazer-se esta transição atleta dirigente de uma forma muito efectiva. O que não pode acontecer é convivermos com a actual realidade que em Portugal, com apenas uma percentagem infima de atletas com acesso a cargos dirigentes, já para não falar de altos quadros dirigentes em que a percentagem é práticamente inexistente. A oportunidade existe para tantos atletas, o desporto de alto rendimento tem que ser profisionalizado, reitero que o modelo organizacional no desporto não deve ser diferente do modelo empresarial. Aliás, um projecto, um clube, uma federação, para além de ser uma empresa de vida, é uma Empresa no sentido literal, em que o profissionalismo, o compromisso, os resultados, as boas práticas, os praticantes (que são a base do edificío), o alinhamento de todos na mesma estratégia e a sua sustentabilidade e responsabilidade social, estão umbilicalmente ligados aos bons resultados, e quem melhor que os atletas para levar a cabo esta missão, uma lufada de ar fresco precisa-se.
Em resumo, diria que o problema existe, mas também existe uma enorme oportunidade para o resolver, e o primeiro ponto fundamental é os atletas terem a necessária consciência de classe, de que só unidos poderemos ter voz activa, para consciencilizar e mudar mentalidades e acima de tudo acrescentar valor e ideias, em segundo lugar apostar forte no tecido empresarial e dar a conhecer as caracteristicas dos atletas de alto rendimento, tão apreciadas pelos lideres dessas empresas, e finalmente apostar na via do dirigismo desportivo, apesar de ser um ambiente desafiador sabemos que os atletas que se tornam dirigentes desportivos desde que com a preparação e a orientação adequadas, e fazendo esta transição com sucesso, são verdadeiros lideres de sucesso nas suas equipas e organizações.
Se tivermos todos, sociedade civil, educação, saúde desporto alinhados na mesma direcção, mudamos concerteza este estigma, estas percepções e contribuiremos juntos para uma sociedade mais solidária mais inclusiva mais igualitária e com mais sucesso desportivo, porque o desporto na sua essência tem o poder único de despertar uma nação!"

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