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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Um árbitro, um treinador, um jogador e um jornalista sentam-se à mesa para falar de tempo útil de jogo


"Quem melhor para falar sobre o que se passa lá dentro do que quem anda lá dentro? O antigo árbitro internacional Duarte Gomes fala das propostas lançadas num painel do “Football Talks” sobre um dos temas quentes do futebol português

Imaginem esta fantasia:
- Um árbitro internacional, um treinador conceituado, um jogador profissional (que deixou recentemente os relvados) e um jornalista sentados à mesma mesa, a falarem sobre o jogo. A trocarem ideias sobre o contributo que cada um pode dar no sentido de o tornar mais justo e valorizado. Parece mentira, não parece?
A verdade é que aconteceu mesmo, na Cidade do Futebol, sede da FPF.
A iniciativa, uma das muitas inseridas no evento "Football Talks", contou com a presença de Luís Godinho (árbitro FIFA), Rui Vitória (selecionador do Egito), Tarantini (ex-jogador do Rio Ave, agora dirigente do Famalicão) e João Cartaxana (Diretor de Conteúdos do Canal 11). A moderação ficou a cargo do Miguel Prates (Sport TV).
O desafio era ouvir a opinião de quem está em campo, de quem protagoniza o jogo: os seus intervenientes diretos, os seus maiores atores. Quem melhor para falar sobre o que se passa lá dentro?
O tema de fundo? O do tempo útil de jogo e a forma como o contributo de árbitros, técnicos e jogadores pode melhorar os seus números, em prol de um futebol mais atrativo.
Foram muitas as ideias deixadas no ar, que ilustraram bem a perspetiva de cada um sobre o problema e, mais importante, sobre as soluções que se podem adotar para o erradicar.
É certo e sabido que, em épocas anteriores, a Primeira Liga portuguesa tem andado na cauda do pelotão no que diz respeito a faltas assinaladas e ao tempo que a bola efetivamente rola. Porquê?
Rui Vitória referiu que, quando a tolerância dos árbitros é menor, quando são mais implacáveis a "atacar" perdas de tempo, as equipas percebem a mensagem e tendem a adotar conduta mais profissional. Se não o fizerem por respeito, farão pelo "receio" da sanção, sempre penalizadora em termos individuais e coletivos.
Para o treinador, "a questão de haver mais tempo útil de jogo, mais bola a rolar, faz todo o sentido mas obriga as equipas a alterações táticas, sobretudo ao nível da intensidade e compromisso no jogo: quando o jogo pára menos, a exigência para correr é maior. É preciso que todos estejam disponíveis para oferecer mais entrega, foco e atitude. Além disso, ninguém quer ficar associado à 'vergonha' de fazer parte de uma equipa que pratica antijogo. Essa é uma publicidade negativa, que quanto mais exposta, mais obriga os clubes a evitá-la".
Faz sentido.
Já Tarantini referiu que os jogadores têm obrigação de tratar bem o jogo que jogam. De o respeitar:
"Nenhum atleta gosta de um treinador que privilegie táticas antidesportivas. Todos preferem jogar em equipas que jogam um futebol positivo. Claro que há momentos em que o resultado quase obriga à adopção de expedientes menores, mas isso deve ser sempre a exceção e não a regra".
O internacional Luís Godinho começou por afirmar que os árbitros têm um "guião" para seguir e que esse passa por tentar imprimir mais dinâmica ao jogo, não assinalando "contactos menores" e pressionando os jogadores para a adopção de práticas éticas. Referiu que "às vezes, é difícil aplicar a vantagem porque alguns jogadores são os primeiros a caírem, a ficarem no solo e a não quererem continuar a jogada".
Acrescentou que "culturalmente há uma propensão para a queda fácil, para o grito e para o conflito", que não ajuda nada a evitar paragens prolongadas.
E tem razão.
Mas na minha perspetiva, essa constatação não invalida que os árbitros não assumam mais riscos (desde que com coerência, ou seja, todos e em todos os jogos), atuando de forma menos defensiva.
É preciso coragem, eu sei, mas em termos qualitativos, essa é muitas vezes uma das características pessoais que separa o bom do excelente.
Em suma, foi uma conversa fantástica e boa de assistir, mas infelizmente muito rara na nossa praça. A pergunta é... porquê? 
O que custa pôr a falar quem tem a palavra mais importante a dizer? E, depois de falar, o que custa fiscalizar a mudança, acompanhar a evolução, perceber se de facto as palavras deram lugar às ações? Que bicho de sete cabeças é esse que impede agentes desportivos de conversarem com frequência, abertamente, sem nada a esconder? É tão "win, win" que o seu contrário custa a digerir.
Adiante.
Da minha parte, penso que é claro que, nos últimos tempos, a atitude das arbitragens está a mudar para melhor: há menos faltas em quase todos os jogos, mais vontade em deixar jogar e (muito) mais tempo de compensação atribuído.
Falta agora que restantes agentes desportivos façam a sua quota-parte, o que nem sempre é fácil e, às vezes, até se percebe porquê:
- A pressão que o jogador está sujeito para obedecer ao técnico, para manter o lugar no "11" e para provar o seu valor, leva-o por vezes a adotar condutas em que seguramente não se revê.
Pior só o facto dos treinadores portugueses, quase todos craques na função, sentirem que estão a prazo e altamente sujeitos à obrigação da vitória em cada jogo. Com o espectro do despedimento a cada jornada, não é nada fácil evitar a luta pelo pontinho a todo o custo. Se tivessem mais liberdade e outra tranquilidade, seguramente teriam abordagem bem diferentes ao jogo.
Para reflexão dos dirigentes portugueses.
Além deste, outros pormenores ajudam a explicar esta tendência: a qualidade dos relvados, a compreensão da imprensa (jornalistas e comentadores) para o erro inerente ao risco de "deixar jogar", a tolerância dos adeptos para a bola que entrou na sua baliza após contacto dúbio sobre o defesa (ou isso, ou o "deixem jogar à inglesa" só é bonito quando é o seu clube a marcar golo) e, claro, o papel do IFAB na forma como tem que continuar a legislar no sentido de contribuir para mais e mais fluidez do jogo.
Nesta coisa de haver mais bola a rolar, o contributo de todos é essencial.
Vale a pena pensar nisso."

1 comentário:

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