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quarta-feira, 27 de maio de 2020

Suicídios no desporto

"No passado fim de semana fomos confrontados com as notícias de que o futebolista sérvio de 38 anos Miljan Mrdakovic, que alinhou pelo Guimarães em 2007/2008, e de que a japonesa Hana Kimura, ‘Pro Wrestler’ de 22 anos, teriam cometido suicídio. Ventila-se que o primeiro caso poderá ter acontecido devido a uma depressão do jogador, enquanto o segundo poderá ter origem em ‘online bullying’.
De imediato nos vem à memória os nomes do antigo guarda-redes do Benfica, Robert Enke (suicídio em Novembro de 2009, aos 32 anos), e a do ciclista Marco Pantani (suicídio em Fevereiro de 2004, aos 34 anos)… e colocam-se também de imediato as questões: serão frequentes os suicídios entre os desportistas? Quais as causas prováveis dos suicídios conhecidos?
No ano do suicídio de Robert Enke demos conta também também das mortes semelhantes de Christophe Dupouey (campeão do mundo de BTT em 1998), de Mike Whitmarsh (vice-campeão olímpico de voleibol em 1996) e do futebolista brasileiro Marcelo Moço, do ASK Bruck/Leitha, que aos 30 anos foi encontrado enforcado no sótão da casa onde vivia. Ainda em 2009 o ciclista belga Dimitri de Fauw pôs termo à vida aos 28 anos.
Não conseguimos saber se serão frequentes os suicídios entre os desportistas, mas quase que poderemos dizer que são mais do que aqueles que imaginamos ou até daqueles que chegam ao nosso conhecimento através da comunicação social.
O mais antigo suicídio de um desportista que temos conhecimento remonta a 1886 e refere-se ao cavaleiro James Archer. Em 134 anos muito aconteceu… Recordamo-nos entre outros, por terem nomes sonantes devido aos seus desempenhos, de Abdón Porte (futebol), de Luís Ocaña (ciclismo), de Sandor Kocsis (futebol), de Melvin Turpin (basquetebol), de Antonio Pettigrew (atletismo), da judoka austríaca Cláudia Heill e do andebolista sérvio Novak Boskovic.
Devido à sua tenra idade realçamos o suicídio do halterofilista russo Igor Tepikin, de 15 anos, ocorrido em Moscovo, em 2012… e da ‘snowboarder’ britânica Ellie Soutter em 2018, nos Alpes Franceses, no dia em que completava 18 anos…
Entre nós registamos os suicídios do nadador Rui Abreu (este ocorrido nos Estados Unidos em 1982), assim como do ciclista Gonçalo Amorim em Santarém e de um cavaleiro francês na Herdade da Comporta, ambos em 2012.
A grande maioria destes suicídios é provocada por estados depressivos e de ansiedade, os quais são resultado da pressão colocada em cima dos desportistas, pela sua ânsia de ganharem ou atingirem bons resultados competitivos e pelas exigências de um desporto sujeito ao mercantilismo, a patrocinadores, a dirigentes e treinadores sem escrúpulos, ao uso da imagem e ao consumismo. A máquina desportiva (ao contrário do que muitos parafraseiam) não se compadece com a formação dos desportistas, com a sua maturação, a sua sociabilização e a sua adaptação. Mas o competidor também tem a sua quota parte das responsabilidades ao tentar alcançar os maiores feitos a qualquer preço, ao querer ultrapassar o inultrapassável – os seus próprios limites –, ao arriscar a sua saúde e a sua vida, e a correr atrás da fama, da glória e do dinheiro. E não, não estão sozinhos nesta corrida: nós temos também as nossas responsabilidades ao aclamá-los, ao incentivá-los, ao continuarmos a correr atrás da vitória, do recorde, da exaltação e do herói.
Muitos destes factos ocorrem nas cercanias de outros fenómenos: o treino intensivo precoce, o ‘doping’ e o terminar de uma carreira…
O médico Jean-Pierre Mondénard mostrou-nos em 1998 que dos 667 ciclistas franceses que participaram na Volta à França num espaço de 51 anos (de 1947 a 1998), 77 morreram prematuramente, 30 morreram de cancro, 18 de doenças vasculares, 19 em acidentes de viação e 5 suicidaram-se. Estes últimos são só 0,74%, dirão alguns…
Mas no desporto o suicídio não atinge só os principais intervenientes. Ainda não há muito, em 2011, na Alemanha, o árbitro Babak Rafati tentou cometer suicídio horas antes do encontro entre o Colónia e o Mainz. Em 2012 o treinador russo da equipa feminina de voleibol, Sergey Ovchinnikov, de 43 anos, consumou o suicídio. E só mais um exemplo, este mais recente: Robert Follis, treinador de MMA, cometeu suicídio mais recentemente, em 2017.
Resultado diferente tiveram aqueles que escaparam aos seus impulsos ou que não sucumbiram à depressão. Michael Phelps reconheceu ter pensado em suicidar-se logo após os J. O. de Londres em 2012. Em 2015 o futebolista Emmanuel Adebayor confessou já ter pensado em cometer suicídio em várias ocasiões, tal como em 2016 Ronda Rousey também admitiu que chegou a ponderar o suicídio após a derrota por KO frente a Holly Holm…
Urge estudar esta problemática. Urge proteger a saúde e a vida de competidores seja qual for a sua modalidade, a sua idade ou o seu estatuto desportivo. Urge modificar comportamentos e criar condições para que estes exemplos não se repitam. É urgente que o desporto o permita. E o possibilite!"

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