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sexta-feira, 22 de maio de 2020

Duas semanas não são nada

"Duas semanas não são nada; passam num instante. Pelo menos, é assim que quem está de fora costuma dizer a alguém, num consolo perante o infortúnio de uma situação externa... Quanto menos preparados e precavidos estivemos para as súbitas guindadas de percurso a que o destino nos força, e quanto mais repentina for a adversidade, às vezes até parece que tudo nos caiu em cima, fica-se de rastos, e mais insondáveis se nos apresentam as soluções... Neste tempo difícil que atravessamos, infelizmente, muitos de nós acabámos por tomar conhecimento de autênticos pesadelos que subitamente vieram interromper a normalidade de vidas pessoais cujo quotidiano fora devastado, até de modo letal e irreversível. E de quantos casos, em outros contextos familiares e empresariais nos quais parecia reinar uma aparente regularidade, não nos teremos entretanto dado conta de se terem visto feridos por outros consequências menos fatais, mas ainda assim envoltas em duros dramatismos que dificilmente se dissiparão num futuro próximo?
Em todo o caso, com toda a riqueza semântica das mil variantes de que a nossa antiga língua nos permite beneficiar, nem sempre aquela mesmo expressão de conforto - 'duas semanas não são nada' - reveste esse profundo significado solidário, fraterno, compassivo e cheio de comiseração com que a usamos para transmitir alívio espiritual a terceiros desesperados.
Dizem os que sabem, que o uso da nossa querida língua é infinito. Muito mais diversos e poderoso, até, do que os milhares de declinações expressivas que a utilização física conjugada expressivas que a utilização da face ainda nos concede, para completar com a expressão do rosto quanto nos vai na alma e mais um par de botas...
Aquela mesmíssima asserção pode ser usada, por exemplo, com um sentido exclusivamente interior. De si, para si. Numa conversa a sós. Apenas de mim, para mim, a conversar sozinhos e só comigo. Com o meu sentido prático e este proverbial espírito positivo - de resto, à força de tanta devastação e tanto confinamento, agora um pouco mitigados - confesso que já dei comigo a ter de me consolar a mim mesmo: 'Já só faltam duas semanas! Não é nada; isto passa num instante...'
E depois, serão só mais oito. Até ao Marquês."

José Nuno Martins, in O Benfica

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