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sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Futebol português está 'estranho'


"Nas últimas sete jornadas da Liga, por incrível que possa parecer, temos falado de … futebol!

Errare humanum est. Ou seja, errar é humano. Mas dito em latim até parece que o erro é mais desculpável. Confere-lhe até alguma solenidade e ao prevaricador o tempo e a oportunidade de se recompor. Com o sentido de humor que verteu em muitas das suas obras, o russo Anton Tchekhov (1860-1904), notável dramaturgo e mestre na arte do conto, foi ainda mais longe: «Errar é humano. Mas mais humano ainda é colocar a culpa noutra pessoa». No futebol, isto por norma traduz-se num «o avançado falhou dois golos de baliza aberta, o guarda-redes deu um frango, o treinador errou a estratégia, mas a culpa da derrota é do árbitro».
Neste contexto, e eu até tenho medo de estar a agoirar, o futebol português está um pouco estranho. Já vamos para a oitava jornada e ainda ninguém rasgou as vestes em protesto com os erros dos árbitros. Nem um comunicado indignado e cheio de adjetivações, acusações e insinuações. Nem um único veto a um árbitro. Nem uma graçola, «com a ironia que lhe é habitual», mas neste caso por saída de cena.
O futebol português está tão estranho esta época que temos falado do Gyokeres e dos golos que marca; do Daniel Bragança que será o suplente mais titular das equipas portuguesas; do Pedro Gonçalves e do Trincão, na seleção ou não; deste ser ou não o melhor Sporting de sempre. Falámos das escolhas de Schmidt e temos falado da nova era de Bruno Lage; de opções táticas no Benfica; de qual a verdadeira posição de alguns jogadores; do renovado Kokçu ou do impacto que Akturkoglu está a ter na águia, com golo e alma daqui até Istambul. Temos falado do PREC portista (Processo de Renovação Em Curso); do Samu que é uma força da natureza; do Francisco Moura que nos custa a entender como só agora chega a um grande; do menino Rodrigo Mora, que tem tudo para ser craque; até da avaliação do trabalho de Vítor Bruno, que tinha de mudar um pneu com o carro em andamento e tem dado conta do recado, apesar do acidente na Noruega e do desaire em Alvalade.
Quer isto dizer que os árbitros estão a errar menos? Para ser sincero, não faço a mínima ideia. Por um lado porque nunca tive nem tempo nem pachorra e muito menos disciplina para tomar nota de todos os erros dos árbitros e fazer a contabilidade de ganhos e perdas; depois por ser um exercício perfeitamente inútil, que apenas serve para descarregar frustrações e desresponsabilizar treinadores e jogadores pelos erros próprios.
O homem sábio concentra-se apenas no que pode controlar e melhorar. Como defende o professor brasileiro Mário Sérgio Cortella, «o homem não aprende com o erro, o homem aprende com a correção do erro». O árbitro erra sim, há erros que podem ditar um resultado, mas nada se pode mudar. Como não muda a certeza de que, ao fim de uma época, vence o mais competente em todas as variáveis do jogo, em todas as mecânicas de equipa, na gestão dos recursos humanos.
Eu estou a gostar deste ar respirável que se tem vivido até à sétima jornada. Por incrível que possa parecer, temos falado de futebol."

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