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quarta-feira, 3 de julho de 2024

Ronaldo: de volta à estaca zero


"Depois de ter ameaçado seguir outro caminho, Roberto Martínez regressou ao mais sagrado dos mandamentos da Federação Portuguesa de Futebol: não desagradarás ao capitão. O que inclui não testar alternativas, não vão estas mostrar um rendimento que reacenda o debate em torno de Ronaldo

Depois do Mundial do Catar, esperava-se que o papel de Cristiano Ronaldo fosse repensado e adequado às características da equipa e não o contrário, aquilo que até aí, muito naturalmente, tinha acontecido, que era construir a equipa à volta do talento e da capacidade goleadora de Ronaldo. Abriu-se uma janela de oportunidade para que a titularidade do avançado não fosse um dogma federativo, mas uma decisão em função dos interesses do coletivo.
Com a entrada de Roberto Martínez tudo indicava que seria assim. O trauma do Mundial teria trazido Ronaldo à terra, lembrando-o da inevitável passagem do tempo e do seu novo lugar no ecossistema da seleção, ainda a principal figura mediática, sempre um dos líderes do balneário, mas não necessariamente o protagonista obrigatório, o titular por decreto, remetido a um lugar mais periférico que teria a vantagem de aliviar a pressão sobre um jogador que, aos 39 anos, já não era o mesmo de há uma década. Os primeiros sinais foram positivos. A fase de apuramento, mesmo contra adversários de outros campeonatos, foi um exercício inteligente desse novo e saudável equilíbrio.
Até que chegamos à fase final e, subitamente, estamos outra vez no Catar. Ronaldo é imprescindível, inquestionável, insubstituível. Rodam todos, menos Ronaldo. Seja qual for a razão – a presença inspiradora do capitão, o medo que supostamente inspira nos adversários ou a necessidade de o manter satisfeito na busca de recordes pessoais – já ninguém se atreve a sugerir que seria uma boa ideia deixar Ronaldo no banco num jogo em que Portugal até tinha garantido o primeiro lugar do grupo.
Há duas semanas, escrevi que, nas circunstâncias que antecediam este Europeu, a titularidade de Cristiano Ronaldo se justificava. E continuo a achar o mesmo, apesar de o rendimento ser questionável. Mas não compreendo o porquê de lhe dar a titularidade contra a Geórgia, um jogo que apenas serviu para o capitão levar um amarelo e exibir níveis patológicos de exasperação com o árbitro, com os colegas, com o mundo.
Depois de ter ameaçado seguir outro caminho, Roberto Martínez regressou ao mais sagrado dos mandamentos da Federação Portuguesa de futebol: não desagradarás ao capitão. O que inclui não testar alternativas, não vão estas mostrar um rendimento que reacenda o debate em torno de Ronaldo. Agora mais do que nunca é preciso fechar os olhos e seguir em frente com a aposta cega no capitão. Tantos anos depois, a seleção continua a ser dependente de Ronaldo, é à sua volta que tudo gira. E não é uma boa dependência. Não é a dependência dos golos e das exibições, mas a dependência do seu estatuto e da obrigação de o preservar a qualquer custo."

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