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domingo, 18 de fevereiro de 2024

Clubes portugueses são os campeões da dependência das receitas da UEFA e o peso dos salários nas contas está acima do aconselhável


"A UEFA divulgou um relatório sobre a situação financeira do futebol europeu. Em 2022, os clubes nacionais que participaram nas competições internacionais foram lá buscar, em média, 36% das suas receitas, valor que não foi ultrapassado por qualquer país das 15 principais ligas. Num ano em que se registaram recordes de receitas a nível internacional, há duas tendências que merecem reflexão: o crescente peso das apostas na publicidade e a quebra das receitas televisivas em mercados como Itália, Alemanha ou França

Mais receitas, encaixes comerciais e de patrocínios maiores, mais gente nos estádios, muitos milhões a circularem. A UEFA publicou um relatório sobre a situação financeira do futebol europeu e, em traços gerais, o cenário é descrito pela entidade máxima do jogo no continente como altamente favorável. No entanto, um olhar mais em pormenor aconselha alguma prudência.
Vamos ao otimismo da visão mais ampliada: escrutinadas as contas de mais de 700 clubes das 55 federações-membro, a UEFA atesta que, em 2022, houve €24 mil milhões em receitas, somando os encaixes de todos os emblemas da Europa. É um valor recorde, correspondente a um crescimento de 13% face a 2021, ano altamente marcado pelos constrangimentos da covid-19, e de 4% face a 2019, antes da pandemia entrar nas nossas vidas.
O documento indica que, entre 2013 e 2023, as receitas dos clubes europeus subiram a um ritmo médio superior a mil milhões de euros por ano. Em 2023, a UEFA calcula que tenham havido €26 mil milhões em encaixes, mas essas contas ainda não estão fechadas.
Como esperado, a liga campeã do dinheiro a entrar é a Premier League. Em 2021/2022, os emblemas do principal escalão inglês registaram €6,5 mil milhões em receitas, um valor praticamente igual à soma dos 642 clubes das 50 ligas pior classificadas no ranking UEFA.
Atrás da Premier League segue a la Liga, com €3,3 mil milhões, a Bundesliga, com €3,2 mil milhões, a Serie A (€2,4 mil milhões) e a Ligue 1 (€2 mil milhões). A seguir às big five está a Rússia, cujo campeonato, apesar de todas as restrições devido à invasão à Ucrânia, ainda vale €1,1 milhões em receitas para os seus clubes. O sétimo lugar é da Eredivisie, dos Países Baixos (€629 milhões), uma posição acima de Portugal.
A I Liga é, assim, o oitavo campeonato em que os clubes geram mais receitas, com €557 milhões em 2022. Valores que dependem, mais do que em qualquer outro país de peso relevante do continente, do dinheiro que vem das competições da UEFA.
O relatório gaba o facto de 93,5% do dinheiro gerado pelos torneios europeus ser canalizado de volta para os clubes. Em 2022, €2,9 mil milhões foram distribuídos da UEFA para as equipas.
Em nenhum dos 15 países com maior coeficiente UEFA houve um peso maior das receitas da UEFA nos ingressos registados nos emblemas do que em Portugal. Em 2022, as seis equipas nacionais na Europa encaixaram, em média, €29 milhões via prémios da UEFA, equivalente a 36% das suas receitas totais, num bolo somado de €177 milhões para os clubes da I Liga.
A Áustria iguala Portugal, com os mesmos 36%, havendo ainda um valor acima dos 30% na Dinamarca (34%). Nas big five, o peso da UEFA não supera os 20%, com a campeã a ter sido, claro, a Premier League, com €500 milhões.
Países com mercados muito pequenos — abaixo dos €15 milhões de receitas totais — têm um peso superior do dinheiro da UEFA, como a Albânia (53%), Andorra (57%), Arménia (49%), Gibraltar (72%) ou Kosovo (49%), mas são realidades em que receber €2,8 milhões, como no caso de Gibraltar, significa uma parte grande do valor total que entra no futebol do país.
O estudo indica ainda um dado que deve chamar a atenção dos clubes nacionais: o peso dos salários em Portugal está acima do recomendado pela UEFA.
Segundo as regras de sustentabilidade financeira que chegam de Nyon, os salários — de jogadores e restantes trabalhadores — não devem ser superiores a 70% das receitas dos clubes. Em Portugal, em média, esse valor é de 74%, com um custo total de €419 milhões, indo €292 milhões para pagar a futebolistas.
Os níveis são ainda mais preocupantes em França, onde 89% das receitas dos conjuntos da Ligue 1 são para pagar salários. Na Bélgica (88%) e Turquia (88%) e Itália (83%) também há valores muito elevados, com a Alemanha (59%) a situar-se no polo oposto.

Estádios e Receitas Com Transferências, Particularidades Nacionais
No que toca às receitas com bilheteira, a Premier League é, novamente a vencedora, com €894 milhões. Portugal fica-se pelo 11.º lugar, com €58 milhões, atrás de países como a Bélgica, Escócia ou Suíça.
Em relação aos estádios, há um número que afasta a I Liga da média europeia. 64% dos estádios das principais divisões europeias são detidos pelos Estados ou pelos municípios, mas em Portugal apenas 22% dos recintos são públicos. É apenas o 48.º valor mais elevado entre as 55 federações-membro.
Por comparação com os país vizinhos de Portugal no ranking das ligas, 33% dos estádios na Bélgica são públicos, ao passo que nos Países Baixos são os mesmos 22% que Portugal. Há casos como a Turquia ou Israel, em que 100% dos estádios são públicos, ou a Suécia, com 75% dos recintos a serem dos governos ou municípios, e França (90%).
Outro parâmetro em que a Premier League não tem adversários são as transferências. Os 20 clubes da mais endinheirada competição do planeta gastaram, em 2022, €1,8 mil milhões em compra de jogadores, acima dos €mil milhões de Itália. Portugal foi o sétimo país que mais gastou, com €160 milhões.
Não obstante, há um ponto em que a I Liga lidera a Europa: o balanço entre compras e vendas. Graças aos €248 milhões que os emblemas nacionais encaixaram, Portugal foi, em 2022, o país da UEFA com maior balanço positivo entre futebolistas que saíram e entraram, com €88 milhões positivos.
Atrás de Portugal ficou a Eredivisie, com €68 milhões positivos. Na ponta oposta estão os €1,015 mil milhões negativos da Premier League.

O Caso Das Apostas e As Quebras na TV
Como em quase todos os campos de análise, a Premier League é a vencedora das receitas de televisão, com €3 mil milhões, mais do dobro da segunda liga que mais faz em contratos de transmissão, a La Liga, com €1,4 mil milhões. Portugal está logo a seguir às big five, com €178 milhões.
Mas quando, em muitas rubricas, as receitas gerais do futebol no continente têm subido, aqui a tendência é a oposta. As 55 primeiras divisões da Europa valeram, somadas, cerca de €8 mil milhões em direitos de TV, uma quebra de 4% face a 2019. Vendo de outro ângulo, a principal divisão de Inglaterra gera o equivalente a mais de metade em direitos televisivos do que os outros 54 campeonatos registam.
A tendência afeta alguns dos países maiores, como França (menos 19% de receitas de TV em 2023/24 face a 2019/20), Itália (menos 14% no referido período) ou Alemanha (menos 13%). A maior queda é da Turquia, com uns incríveis 67% a menos agora do que em 2019/20, mas também os Países Baixos não conseguiram melhorar o contrato anterior, com 1% a menos em 2023/24 face a 2019/20. Um aviso para Portugal quando a centralização de direitos se aproxima.
Uma outra tendência recente diz respeito à omnipresença da indústria das apostas e dos jogos de sorte e azar como patrocinadores de clubes e competições.
Cinco das 10 principais ligas da UEFA têm empresas de apostas como o mais recorrente patrocinador nas camisolas dos seus clubes: Portugal, Inglaterra, Rússia, Países Baixos e Bélgica. No total, 23% das equipas das primeiras divisões do continente têm a indústria do jogo como parceiro mais visível nos seus equipamentos.
Em 2012, havia 10 campeonatos europeus cujo nome incluía uma empresa de apostas, valor que cresceu para 18. Há, ainda, 12 taças nacionais cujo naming foi vendido a firmas da indústria do jogo. Números que merecem reflexão tendo em contas os alertas que vão sendo lançados em torno do problema da ludopatia."

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