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segunda-feira, 8 de maio de 2023

A canhota de Neres arrombou a bruma com um passe para Rafa


"O Benfica venceu esta noite o Sp. Braga, na Luz, por 1-0, com golo de Rafa, isolado por David Neres, o único homem que competiu com os dribles de Bruma

Não estava a fazer um jogo especialmente feliz. Vai vivendo a sua bruma, o tal nevoeiro espesso, um momento misterioso e incerto. Rafa, ao contrário de Bruma, que transformou o relvado da Luz numa exposição de dribles, olhou para a frente e tinha um meio-campo inteiro para galgar. Parecia uma pradaria onde acontecem coisas boas.
David Neres, talvez o único futebolista do Benfica que ia tentando fazer chover, isolou o colega com a canhota, de primeira. Foi sublime. Rafa correu. E correu. E correu. Quando chegou perto de Matheus, desviou a bola do guarda-redes brasileiro. Os adeptos nas bancadas gritavam como se precisassem disso para viver. Os lisboetas venceram esta noite o Sp. Braga, por 1-0, e dormem descansados sabendo que o FC Porto, agora a sete pontos (menos um jogo), não se vai aproximar.
A entrada dos homens da casa, depois de desamarrado o nó, foi avassaladora. O Estádio da Luz acompanhava. Toda a gente sentia a responsabilidade de cumprir o seu papel. Os toques curtos começaram a repetir-se no miolo. Ao recuarem tanto, obedecendo aos prazeres da resistência, os visitantes pareciam querer frustrar os jogadores que sentem que não podem perder este campeonato depois de tanta vantagem. Sem Al Musrati, Artur Jorge apostou em Uros Racic. Já Roger Schmidt surpreendeu ao deixar de fora Florentino, colocando lado a lado Chiquinho e João Neves.
O Benfica, com muito mais bola, teve na primeira meia hora algumas oportunidades de golo, quase sempre bloqueadas por Cristián Borja, um homem com uma missão, um mártir que saiu diminuído fisicamente. O Sp. Braga sacudiu a pressão a partir dos 30 minutos, começando a trocar mais vezes a bola e sobretudo encontrando Bruma, um driblador delirante, imparável, cheio de vertigem e coragem e feito de uma matéria mágica.
O terceiro classificado da Liga, a seis pontos dos líderes, estavam órfãos da serenidade e sabedoria de Al Musrati, notou-se em vários momentos que faltava a feitiçaria do líbio. Investia-se demasiado nas bolas longas e nos contra-ataques heróicos. João Neves ia mordendo os rivais como quem não comia há duas semanas. É admirável a energia do jovem, mas também a maturidade, fez muitos minutos com cartão amarelo. Toca bem na bola e rega o relvado com suor. Borja continuava na sua missão bloqueadora. O Benfica voltou a montar um cerco à baliza de Matheus perto do intervalo.
A segunda parte manteve mais ou menos a mesma toada, embora tenha sido convocada a inevitável fadiga. O jogo teve pedalada, mais ainda quando o Sp. Braga quis dividi-lo, saindo lá de trás. Os rapazes de Schmidt continuavam sem tomar boas decisões. Os fantasmas de tempos idos certamente cutucavam as janelas da memória. Um golo cantado falhado por Gonçalo Ramos deu força à tese mística. Neres ia ganhando protagonismo. Se ele pedisse, a bola cantaria uma qualquer música do seu país. O que os jogadores do Benfica corriam quando a bola lhes escapava denunciava o respeito que tinham pelos colegas de profissão que estavam do outro lado. E também pelo que poderia significar uma derrota esta noite.
Ricardo Horta teve alguns momentos com bola, mas não foi o jogador influente do costume. André Horta parecia ansioso, normalmente não se atormenta com a bola no pé. Abel Ruiz quase não existiu no ataque, era antes uma peça defensiva. Iuri Medeiros, com seis golos no currículo contra os encarnados, não encontra o espaço e momentos para ser quem é, até que foi substituído por Pizzi, ovacionado pelos adeptos da casa. Pela natureza do jogo, iam sobressaindo os centrais, Sikou Niakaté e Vítor Tormena.
O golo de Rafa foi aos 67’ e parece ter atirado água para os olhos de alguns dirigentes do Benfica. Logo a seguir, o mesmo jogador apareceu isolado e, talvez com o orgulho e as feridas já saradas, tentou picar por cima de Matheus. Neres estava ao lado e talvez merecesse a gentileza do companheiro. O jogo ficou menos óbvio, menos encaixado, pois a equipa de Artur Jorge quis mais, surgiram os vigilantes António Silva e Nicolás Otamendi. Entrou para meter veneno no jogo ofensivo dos guerreiros, como vimos, Pizzi, Simon Banza, Álvaro Djaló e Jean-Baptiste Gorby. Schmidt respondeu com Florentino, Petar Musa e Gonçalo Guedes.
Um cruzamento de Sequeira prometeu o empate, mas a bola passeou-se pelos terrenos baldios da área de Vlachodimos Odysseas, que não teve assim tanto trabalho, apesar da tensão durante todo o jogo. Os mais de 60 mil adeptos no estádio viram ainda como Bruma deixou para trás dois rivais, pela esquerda. Estava imparável, tremenda exibição do jogador formado no Sporting. Parecia uma espectáculo à parte. O cruzamento foi pecaminoso, não pela direção, mas pela força, que foi uma atrocidade. Banza só teve tempo de meter a cabeça na rota do objetivo voador e quase a perdeu.
Com um sururu pelo meio, o jogo foi-se derretendo em duelos e precipitações. O apito final soou, o que significava que o Benfica marcava encontro com o alívio, um senhor que sempre chega nas melhores alturas."

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