Últimas indefectivações

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Encantos e desencantos de um Benfiquista do norte

"1990, Carrazeda de Ansiães. 449 km à Luz. Tarde demais para testemunhar a glória europeia, cedo demais para ter uma infância feliz.
Foi mais ou menos assim que este vosso consócio cresceu: com algum terror das segundas de manhã, confuso entre a realidade do quotidiano futebolístico e as histórias de grandes clássicos na Luz, dos 4-4 em Lerverkusen, naquela bancada, dos posters gloriosos e triunfantes que forravam a velha carpintaria, herdadas pelo sangue de uma indefectível devoção ao Sport Lisboa e Benfica.
Não podia conformar-me com aquela disparidade entre o que via e o que ouvia. Pedia A Bola, mesmo antes de saber ler; fazia relatos imaginados num pequeno microfone; a bandeira que hoje me acompanha aos jogos tem um pequeno rasgão, de êxtase, às voltas pela Vila numa pequena bicicleta a celebrar, sozinho, um título no Hóquei. Mas não chegava. O Benfica, o meu Benfica, era longe. Como que um filme que vem lá de Hollywood, um amor distante, intocável, intangível. Decidi, portanto, pedir explicações: com aquela letra de escola primária, escrevi a Vale e Azevedo. Não me respondeu. Mas, à data, senti que fiz a minha parte.
Vigo. Inconsolável, procurei no olhar revoltado do meu pai as respostas para aquilo que acabara de ver. Habituado aos Domingos de Distrital, sabia, tinha a certeza, até àquele dia, que nunca aconteceria ao meu Benfica, ao grande Benfica. Foi mais uma facada na fantasia, no orgulho, a primeira de muitas nos dias que se sucederam, num fenómeno que também não compreendia, e arrisco dizer ainda não compreendo: por que é que se odeia tanto alguém só por ser de outro clube; por que é que os adeptos, velho e novos, de um clube que ganhava sempre tinham tanta raiva ao Benfica. E, é também por isso, que quero que o Benfica ganhe sempre: por nós, pelos nossos e pelos que dos nossos infortúnios fazem depender a sua felicidade.
Depois veio aquela final do Camacho, a monumental caravana a celebrar o título de Trapattoni e cheguei a Lisboa a tempo de assistir, finalmente de perto, a cheirar a relva, ao rolo compressor de Jesus. Subi à Estátua, literalmente, e senti, ali, naquela noite que depois daquele momento nada nos poderia parar. Íamos, todos juntos, cumprir o sonho, cumprir o destino do Benfica.
Todos os maus dias que daí em diante nos aconteceram tiveram sempre o sabor agridoce de um pequeno contratempo: ajoelhamos, com ele, no Dragão, mas sabíamos que em pouco tempo haveria de ser tudo nosso, ganhar de goleada em todos os estádios, erguer todos os troféus até ao dia em que veríamos um de nós com a orelhuda na mão. Tínhamos, e temos, as melhores infraestruturas, a promessa da estrutura mais diferenciada e profissionalizada, adeptos que vão a todo o lado e não abandonam os seus. Tínhamos tudo. E, como parece que só acontece a quem tem tudo, tivemos também a escolha de não querer nada.
E é assim, que regressado a norte, depois de incontáveis tardes e noites na Luz, depois de quilómetros e quilómetros atrás dos nossos jogadores, ao Sol e à chuva, me volto a sentir como naquela infância confusa e incrédula. Mas agora, sem a inocência; agora com a revolta de ver este Benfica, que já não é o meu Benfica, a oferecer balões de oxigénio a quem nos odeia de forma cega; a entregar-se nas mãos de quem não sente a camisola que veste; a ser gerido por quem usa o emblema na lapela como um adorno, não um desígnio. E o que dói mais hoje do que na altura: muito pior do que não poder é não querer. É abdicar. É ver o Benfica, que amo, usado e abusado. E pouco poder fazer, senão tentar usar da melhor maneira os votos que o primeiro ordenado pôs a contar, e que dadas as circunstâncias, pouco mais valem do que aquela carta a Vale e Azevedo. Ainda assim, e sempre: Viva o Benfica!"

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